
O que é sentido para Agostinho de Hipona
Em sua epistemologia, Agostinho revela que pode ver e tem o sentido das coisas, mas podem existir sombras, dito assim: “Assim sendo, não podemos dizer que o objecto que é visto gera o sentido; mas gera uma forma ou a sua semelhança, que se produz no sentido da vista quando sentimos alguma coisa, vendo-a.” (Agostinho, 2008, p. 88), então o conhecimento não é inato.
O exemplo de Agostinho é interessante porque usa a ideia do sinete (um imprimatur com um selo, por exemplo), a imagem que ele produz: “quando na cera se imprime um sinete, a imagem não deixa de se produzir por apenas se ver depois da separação. Mas porque, depois de separada a cera, se mantém aquilo que foi produzido, por forma a poder ser visto, é por isso fácil persuadir-se de que a forma impressa na cera a partir do sinete já existia, mesmo antes de ser separado dela.” (Agostinho, 2008, p. 88-89), mas se fosse líquido não permanecia.
Assim explica as três formas de visão que podemos ter: “A primeira delas, ou seja, a própria coisa que se vê, não pertence à natureza do ser vivo, a não ser quando olhamos o nosso corpo. A segunda, de tal modo lhe pertence que no corpo se forma e, pelo corpo, se forma na alma; forma-se no sentido da vista, o qual não existe nem sem o corpo nem sem a alma. A terceira é só da alma, já que é a vontade.” (Agostinho, 2008, p. 90), isto explica sua visão da alma.
Assim, na metáfora do sinete, somente uma mensagem é gravada se a Alma está predisposta, e assim recebe a mensagem (foto acima).
Embora coexistam esta três formas de visão, elas precisam das três etapas e se concretizam na vontade, vista como: “essa tem tal força para uni-las a ambas que não só dirige o sentido que vai receber a forma para o objecto que é visto, como, depois de receber a forma, o mantém fixo nele” (AGOSTINHO, 2008, p. 91).
As formas que a visão se concretizam no exterior auxiliam a não ver as sombras que as degradam, digo por Agostinho assim: “quando vive segundo a trindade do homem exterior, isto é, quando consagra às coisas que do exterior enformam o sentido do corpo não uma louvável vontade pela qual as refira a qualquer coisa de útil, mas uma indigna concupiscência pela qual a elas se prenda.” (Agostinho, 2008, p. 91), assim temos a tendência a ver sombras.
É assim que pode-se entender a “iluminação” diria da consciência (Agostinho diria divina), onde: “… é assim que, da memória, e da visão interior, e da vontade que as une a ambas, se forma aquela trindade; o reunirem-se* estas três coisas numa só, chama-se ‘pensamento’** a partir de ‘reunião’***.E, nas três, já nem a substância é diferente”¬ (Agostinho, 2008, p. 92).
Assim a linguística agostiniana não é dualista, nem imanente nem transcendente.
AGOSTINHO, St. De trinitate, livros IX e XIII, Tradutores : Arnaldo do Espírito Santo / Domingos Lucas Dias / João Beato / Maria Cristina Castro-Maia de Sousa Pimentel, LusoSofia:press, Covilhã, 2008.
¬ As notas da tradução portuguesa explicam: “coguntur*. cogitatio**. coactus***. O verbo cogito, ‘pensar’, é formado do verbo ago, ‘levar’, do qual deriva o verbo coagere > cogere, ‘juntar’, e o substantivo coactus, resultado da acção de juntar: ‘reunião’. Daí a associação conceptual que Agostinho estabelece entre pensamento e reunião.
A epistemologia de Agostinho de Hipona
Não se trata apenas de fé e razão, isto seria mais contemporâneo, por exemplo, numa leitura de Tomás de Aquino, Anselmo de Canterbury ou Duns Scotus que são dos séculos X, XI e XII ou da chamada alta idade média, Agostinho vem antes e além dele, Plotino de quem sofre influência neoplatônica, e posteriormente Porfírio e Boécio.
O que se tem na época vindo de Platão e de Plotino são as ideias de mundo sensível e mundo inteligível, e estas ideias estão ligadas a metafísica como estrutura básica da realidade, formas de condução do estado (a política) para alcançarmos o conhecimento, eis a sua episteme.
Tanto na visão do mundo sensível podem existir sombras como nas opiniões existe uma visão das sombras e as crenças e convicções, estão não são objetos do mundo inteligível.
O mundo inteligível estão os objetos matemáticos e as formas (morphé), e deles derivam o conhecimento discursivo e a intuição intelectual, porém para ele são “estados da alma”.
O dualismo platônico é desenvolvido, existia em Platão um inatismo dito assim: todos nós já nascemos com um certo conhecimento, Agostinho muda esta formula platônico para a teoria da iluminação, falta para nós apenas uma capacidade discursiva, linguística para ter esta “luz”.
Assim que é feito conosco não é uma capacidade de “aprender”, mas de iluminar aquilo que já está de certa forma em nós, ou seja, já há um conhecimento, mas ele precisa de um vocabulário.
Embora isto esteja mais ligado ao neoplatonismo, não é difícil entender que as categorias de Aristóteles podem ser também pensadas de forma análoga, pode parecer algo forçado, mas não o é se pensarmos que sobre a influência neoplatônica Porfírio em seu Isagoge e depois Boécio como leitor e tradutor de Porfírio também elabora um conjunto discurso em sua “arvore do conhecimento”.
Esta passagem não é simples e também não pode ser feita de forma superficial, sua árvore pode ser chamada de “escala do ser”, é com base nas dez categorias aristotélicas que ele elabora seus predicados a saber: Definição é a palavra central nas categorias aristotélicas, Porfírio chama de forma e Boécio de espécie (horos, eidos).
Já a ideia de gênero, são elementos da essência, mas também encontra em outros indivíduos similares, diferença (diáfora, differentia) são aqueles que distinguem uma espécie de outra dentro de um gênero, o filósofo contemporâneo Byung-Chul Han trabalha esta “differentia”.
Agostinho tem também uma das primeiras contribuições a semiótica ao definir signum: “Denomino sinal (signum) a tudo o que se emprega para significar alguma coisa além de si mesmo (AGOSTINHO, 1957,I, 2,2)”.
Assim a palavra traz um sinal, é portadora da mensagem, e dela é inseparável, mas o sentido depende da “alma”.
AGOSTINHO, Santo. De la doctrina Cristiana. In: Obras de San Agustín, Tomo XV. Tradução espanhola de Fr. Balbino Martín. Madri: Biblioteca de autores cristianos, 1957.
Agostinho e seu trinitarismo
Agostinho de Hipona continua atual, entre suas contribuições mais profundas está justamente onde sua “conversão” operou, a mudança do maniqueísmo para o cristianismo.
Maniqueu (Manis ou Mani, 216-274 d.C.) era árabe e defendia a existência de dois princípios opostos o bem (espírito) e o mal (matéria), assim a busca ascética era a elevação da matéria ao espírito, porém eram forças equivalentes, boa parte da religiosidade ainda tem esta visão.
Agostinho de Hipona ao romper com esta filosofia entende que o mal não é uma força que independe e é coeterna a Deus (o Bem), a clássica pergunta onde estava Deus quando …, ela é uma perversão da vontade livre, posso optar pela morte, pela destruição e isto não é princípio.
Agostinho nas confissões fala de influências de outros filósofos além de Plotino, como a de Cícero (Confissões, III), porém toma um rumo novo e diferente a partir do ano de 387 d.C. quando num sábado na Festa da Epifania se batizam ele, o filho Adeodato e um amigo Alípio.
Por volta do ano 388 inicia a escrita dos seus livros: Os costumes da igreja católica e os costumes dos maniqueus e O livre arbítrio, que seriam concluídos por volta de 395, dois anos após escreve as Confissões, seu livro mais famoso e mais difundido.
No ano 396 é convidado pelo bispo Valeriano de Hippo Regius a passar uns dias na sua casa em Hipona, com a morte deste é aclamado a tornar-se bispo de Hipona, o ambiente romano da época era bastante tumultuado com invasões dos Vândalos e Godos na região.
É fundamental a exortação de Agostinho sobre o Genesis 1,26: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” onde o “nossa” lembra um coletivo e não uma pessoa da Trindade.
Hoje a maioria dos estudiosos de Agostinho de Hipona concordam que ele começou a escrever De Trinitate por volta de 399, terminando-o somente 20 anos depois, em 419-420, estava animado com a conclusão “trinitária” dos 17 anos do concílio sobre a “paz” de Constantinopla (381), e também o arianismo (que Jesus não seria Deus) e outras heresias estavam derrotados.
De Trinitate foi, sem sombra de dúvida, em todos os aspectos, a obra mais difícil de Agostinho. Não só pela complexidade e a profundidade do tema, mas também por todas aquelas contrariedades na com posição (mormente o dito “roubo” dos livros I a XII, por volta de 416) as quais, não fora fortemente instado aquando se deslocou a Cartago, em 418, o teriam levado a abandonar o projeto, afirma o prefaciador J. M. da Silva (AGOSTINHO, 2008, p. 16).
O prefaciador também afirma: “reside na ‘perspectiva fenomenológica’ que deliberadamente assumiu pois, visando sempre o mais essencial e o mais significativo da cogitatio fidei, começou por remontar às condições de possibilidade da revelação trinitária como tal considerando o modo como a mesma se revela quer na criação, quer no homem, quer no próprio Deus” (p. 18), porém ainda hoje o maniqueísmo e certo tipo de visão dualista permanecem vivos.
AGOSTINHO, St. De trinitate, livros IX e XIII, Tradutores : Arnaldo do Espírito Santo / Domingos Lucas Dias / João Beato / Maria Cristina Castro-Maia de Sousa Pimentel, LusoSofia:press, Covilhã, 2008.
Agostinho e a filosofia
A obra mais conhecida de Agostinho de Hipona é Confissões, mas sua mais profunda é De Trinitate, escrita “aos poucos” traz suas meditações mais profundas filosóficas e teológicas.
No prefácio da edição lusófona De Trinitate, de Agostinho de Hipona (digital da LusoSofia.net e brasileira da editora Paulinas, 2008) José M. da Silva cita o filósofo Maurice Blondel, nos seus Carnets Intimes:
“Nada se conhece quando não se ama. (…) Para que exista verdadeira unidade e vida imanente, vinculum sub stantiale, é preciso que o espírito de unidade e de amor penetre secretamente na intimidade dos seres e aí opere a realidade, o ser. E o ser é sempre uma presença de Deus. Mais do que um conhecimento, mais do que uma produção, o ser é amor.” (AGOSTINHO, 2008, p. 9)
O prefaciador lembra também que nos primeiros textos, De Ordine, II, 16, 44, encontra a afirmação, que torna Agostinho um precursor da teologia negativa, de que “Deus melhor se conhece ignorando” (de summo illo Deo, qui scitur melius nesciendo). E para não se pensar que é apenas um asserto temporão e pontual, muito dependente do apofatismo neoplatónico (Plotino e Porfírio), atente-se na afirmação incrustada no ‘coração’ de De Trinitate, VIII, 2, 3:
“Não é conhecimento de somenos (paruae notitiae pars) quando, deste abismo (de profundo isto), aspiramos a essas alturas se, antes de podermos saber o que é Deus (quid sit deus), pudermos saber já o que não é (possumus iam scire quid non sit).”
Postamos, lendo a filosofia oriental através de Byung-Chul Han o “caminhar”, Boécio (leitor e tradutor de Porfírio) também ao ler Agostinho de forma semelhante, segue seu programa educativo de “viajar” não por um caminho longe, mas para dentro de si mesmo, interrogando- se sobre a ação terapêutica, na prisão de Pávia, onde escreveu “Consolações filosóficas”.
Anselmo de Canterbury (1033-1109) e Thomas de Aquino (1225-1274) também o leram, e formam uma tríade escolástica de onde se pode conceber tanto uma filosofia quanto uma teologia, parte importante para entender a epistemologia, a metafísica e ontologia moderna.
Hannah Arendt fez sua tese de doutorado sobre “O amor em Santo Agostinho” (1926) e a influência em seu pensamento é clara quando desenvolve “A condição humana” (1958).
Outra influência atual, digna de destaque é Wittgenstein (1889-1951) em suas Investigações Filosóficas lembra uma passagem das Confissões de Agostinho que se imagina como aprendeu a língua quando criança: “Se os adultos nomeassem algum objeto e, ao fazê-lo, se voltassem para ele, eu percebia isto e compreendia que o objeto fora designado pelas sons que eles pronunciavam, pois eles queriam indica-lo” (WITTGENSTEIN, 1958, §1).
Essa passagem por singela que parece denota as questões do nominalismo x realismo, do sujeito x objeto e por ultimo da viragem linguística, movimento contemporâneo relevante.
Aos bons leitores de filosofia, despreconceituosos e interessados na profundidade do pensamento Agostinho de Hipona permanece uma leitura atual fundamental e necessária.
AGOSTINHO, St. Confissões, 9a. ed. Trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. Petrópolis: Vozes, 1988.
AGOSTINHO, St. De trinitate, livros IX e XIII, Tradutores : Arnaldo do Espírito Santo / Domingos Lucas Dias / João Beato / Maria Cristina Castro-Maia de Sousa Pimentel, LusoSofia:press, Covilhã, 2008.
WITTGENSTEIN, L. Philosophical Investigations. New York: McMillan, 1958. (GEM Ascombe, Trans.)
Entre a trégua e a escalada dos conflitos
Um novo cenário preocupante surge na disputa da Índia com o Paquistão pela região da Caxemira, houveram ataques de fronteira e felizmente logo a seguir foi declarado um cessar-fogo com a intermediação dos Estados Unidos, até mesmo a China tem interesses na região (mapa).
As hostilidades se iniciaram no dia 22 de abril após conflitos na fronteira e na sexta-feira passada (9/5) um bombardeio indiano matou cinco civis e feriu outros 29, com uma resposta paquistanesa com drones e bombas.
Outro cenário preocupante é a região fronteiriça da Rússia com a Finlândia, o Reino Unido e a Finlândia fizeram treinamentos táticos de defesa da OTAN chamado de Exercício Mighty Arrow 25, o objetivo é reforçar a cooperação de defesa naquela região de enorme fronteira com a Rússia.
As perspectivas de tréguas existem, o governo soviético aceitou uma negociação direta com a Ucrânia para o próximo dia 15/05 em Istambul na Turquia, a Ucrânia deve perder territórios.
O conflito entre o Hamas e Israel prossegue, um alto funcionário do grupo informou à agência Reuters que um refém israelense-americano Edan Alexander seria libertado num gesto para facilitar as negociações de cessar-fogo com Israel, entretanto as negociações iniciam sem trégua.
No desfile do dia da Vitória em Moscou, com a presença de aliados do Kremlin, desfilaram tropas russas que combatem na Ucrânia e também tropas da China e da Coreia do Norte, reforçando a ideia de alinhamento entre os países, outros governantes estavam presentes como Nicolas Maduro, Daniel Ortega e o presidente Lula do Brasil.
O novo papa Leão XIV disse em sua aparição dominical “guerra nunca mais”, já havia dito “o mal não vencerá” e não se refere a nenhum dos lados em conflito, mas o fim dos conflitos.
É uma etapa decisiva para a paz senão houverem acordos claros uma escalada é esperada.
Convergências e divergências na filosofia Oriental
Ao criticar o idealismo, em especial Kant, o próprio Byung-Chul Han vai revelar em seu livro Ausência, que “o pensamento oriental se volta inteiramente à imanência” (Han, 2024, p. 41) e ainda que haja na filosofia oriental uma verdadeira ascese, ela está deslocada e ao mesmo tempo próximo de um sentido ontológico do Ser-para-o-outro e fica preso ao “assim-é”.
A Crítica da razão pura de Kant, uma crítica revisionista da metafísica racionalista, cria um dualismo entre aquilo que podemos conhecer por estão presente no tempo e no espaço, sendo assim imanente, com aquilo fora do tempo e espaço, e por isto transcendente, ora toda a física quântica atual seria transcendente, e no entanto, para os físicos é imanente, pois tudo que não é demonstrado pertence ainda a física teórica, como a teoria das cordas, por exemplo, ela tem outras dimensões.
Usa o conceito oriental de dao, com ideias de equilíbrio mental e do corpo, porém Han o coloca no “assim-é” das coisas e do aqui-agora, e assim escaparia à nomeação, pois ele é alto-demais, algo que flui porque meandra (p. 41), porém lembramos que no centro da via láctea está um buraco negro, e a física teórica agora especula que podemos estar dentro do buraco negro, e assim a transcendência idealista e daoísta lhe escapa, há um “terceiro incluído”.
Assim como o oráculo grego e o profeta hebraico, Han argumenta que “o sábio não existe nem retrospectiva nem prospectivamente… ele vive presentemente” (Han, 2024, p. 42), mas ao afirmar que ele “não tem a agudeza e a resolução do instante” (p. 43), admite que “o instante está ligado à ênfase e à resolução do agir”, assim a ausência não está nem no espaço nem no tempo, a física chama este estado de “entrelaçamento” e é exatamente o terceiro incluído.
O problema de escapar da transcendência e da imanência está no aspecto “trinitário” no qual algo teo-transcendente acontece, porém partindo da antropotécnica, que admite uma visão da techné que originalmente pertencia ao conhecimento prático, sem ser o empírico idealista, e, que a antropotécnica trata, porém escapa-lhe o aspecto onto do além do técnico e da ação.
Há uma convergência do princípio trinitário com a crítica de Han, no situacional há um “escape” da “situação heidegeriana” onde “o Dasein se apropria resolutamente de si mesmo. Ele é o supremo da presença. O caminhante habita em cada presente, mas não permanece, pois, a permanência possui uma referência aos objetos forte demais” (Han, 2024, p. 43).
Ele apresenta um sonho de Zhuang Zhou que no qual seria uma “borboleta”: “Esquecendo-se de si mesmo, Zhuang Zhou flutua entre si mesmo e o outro” (p. 44), mas em seguida volta a contrapô-la a essência, um “habitar em parte alguma” do zen-budismo, porque uma outra transcendência trinitária inexiste para o zen-budismo, é um elevar-se ao céu infinitamente.
Lembro Duns Scotus que afirmava que não podemos separar o “ser” de uma coisa do que é.
Só há uma verdadeira ascese a um estágio trinitário, é uma imanência divinizada ou uma transcendência não objetiva, o Ser por ausência eleva-se a Deus, assim o que preenche este vazio fica não incógnito, é ele próprio.
HAN, B.C. Ausência: sobre a cultura e a filosofia do extremo oriente. Trad. Rafael Zambonelli. Petrópolis, RJ, Vozes, 2024.
Novo papa: Leão XIV
O americano Robert Francis Prevost, foi bispo auxiliar do Peru e prefeito para o Dicastério dos bispos, foi nomeado papa em escolha do Conclave de cardeais, e adotou o nome Leão XIV, era ligado ao papa Francisco e embora americano é bastante ligado ao Peru, onde esteve por mais de 15 anos na província de Chiclayo, onde atuou junto aos pobres.
É natural de Chicago, mas tem também cidadania peruana e se vê como um missionário.
É frei agostiniano de formação, isto é, religiosos que seguem a doutrina de Agostinho de Hipona, teólogo e filósofo cristão do século V d.C., e citou a frase de Agostinho: “por vocês sou bispo e convosco sou cristão”.
O diálogo com o mundo, os avanços nas questões sociais e promoção de diálogo para a paz.
Hoje é também dia da Vitória, a que derrotou o nazismo na Europa a 80 anos atrás, a questão da paz é importante.
Filosofia oriental e o idealismo
Em sua análise crítica do idealismo, Han inicia reafirmando a metáfora do “espelho vazio” no qual repousa a ausência do “eu desejante, sobre um coração em jejum”, ao contrário de Fichte (1752-1814) “filósofo do eu e do estado-de-ação”, um dos expoentes do idealismo alemão.
Citando Fichte, em seu livro sobre a Ausência: “o sistema da liberdade satisfaz meu coração, o sistema oposto o mata e aniquila. Ficar frio e morto, apenas observando a mudança dos acontecimentos, um espelho inerte das figuras que passam e escapam – essa existência me é insuportável, eu a desprezo e execro” (Han, p. 34).
Ele vai lembra a doutrina da “felicidade celestial” (tian le, 天樂, Z. livro 13) de Ziang Zhou, uma “felicidade suprema” (zhi le, 至樂 , Z. Livro 18), já de outro modo a sorte (fu, 福) repousa sobre uma diferença ou presença, “uma percepção parcial”, quem aspira a sorte acaba se entregando ao azar (Z. livro 15) (Han, 2024, p. 35).
É importante notar que “a ausência de sentido não conduz ao niilismo, mas é uma felicidade celestial com o ser que não tem direção nem rastro” (idem, p. 35).
A doutrina da felicidade celestial de Zhuan Zhou é diametralmente “oposta à doutrina kantiana da felicidade”, em sua antropologia Kant observa que “preencher o tempo com ocupações que progridem um grande fim proposto” é “o único meio seguro de se tornar feliz com a própria vida e, ao mesmo tempo, também saciado dela” (Han pgs. 35-37 citando a obra de Kant Antropologia de um ponto de vista pragmático).
Kant compara a vida a uma jornada, termo presente em muitas narrativas ocidentais, e que elas ocasionam na memória a “inferência […] de que se percorreu um grande espaço e, por conseguinte, também a inferência de um tempo mais longo exigido para isso” (Han citando Kant), para ele Ser é agir, onde “a ausência de objetos perceptíveis, engendra retrospectivamente o sentimento de um tempo mais curto” (Han, 2024, p. 36).
Tanto para Laozi como para Zhuang Zhou “um projeto de existência e um mundo inteiramente distinto são possíveis” (idem, p. 36).
Para estes mestres orientais: “o mundo, com cujo curso natural o ser humano deve se resignar, não é narrativamente estruturado. Por isso ele também é resistente à crise do sentido, que é sempre uma crise narrativa” e o “mundo impelido a uma trajetória narrativa estreita e reduzido”, esta narração e seleção de sentido são uma “exclusão massivas, ou ao mesmo tempo uma diminuição do mundo”. (HAN, 2024, p. 37).
A ideia de nações fechadas, de estruturas belicistas de poder fez o mundo ficar reduzido a narrativas “estreitas”, enquanto Zhuang Zhou ensina a conectar o mundo inteiro, a ser “tão grande quanto o mundo, elevar-se ao mundo inteiro em vez de agarrar-se a uma pequena narrativa e a uma distinção” (HAN, 2024, p. 38).
HAN, B.C. Ausência: sobre a cultura e a filosofia do extremo oriente. Trad. Rafael Zambonelli. Petrópolis, RJ, Vozes, 2024.
KANT, I. Antropologia do ponto de vista pragmático. São Paulo: Iluminuras, 2006.
Espiritualidade oriental e a violência
Ao analisar os efeitos da ausência, livro de Byung-Chul, ele continua discordando da visão funcionalista de F. Jullien, ao citar os parágrafos §§68 e 69 pode a primeira vista tratar da questão da eficácia, mas não é, ele pode “utilizar a energias dos outros sem esforços”, e cita o § 69 como uma interpretação funcional: “Laozi também aplica esse princípio ao âmbito da estratégia: um bom militar não é “belicoso”, isto é, como interpreta o comentador (Wang bi, §69), ele não se põe em perigo e não ataca. Em outras palavras, “quem está em condições de derrotar o inimigo não inicia nenhum combate com ele” (Han, 2024, p. 29 citando F. Jullien).
Assim um bom líder militar, afirma Han, apenas cuida que o inimigo não encontre caminho de ataque, faz pressão, mas “sem que ela se concretize totalmente”, e em seguida cita aquilo que Jullien vê como formulações paradoxais: “partir em uma expedição sem que haja uma expedição”, ou “arregaçar as mangas sem que haja braços”, ou “lançar-se à luta sem que haja um inimigo”, ou “segurar firmemente sem ter amas” (§ 69)” (Han, p. 30 Jullien analisando as citações de Laozi).
A contradição está acima da questão da vitória ou derrota, Han lembra que Jullien omite a última frase do §69 que é “o enlutado vence” (ai zhe shen, 挨着生) a outra contradição é entre a concepção de luto que Laozi usa o símbolo ai li usado em ritos funerários no sentido “de ficar de luto” (ai li, 哀禮), “lamentar” (bei, 悲), “chorar” (qi, 泣). (HAN, 2024, p. 31)
O vazio budista kong (空) é muito próximo do vazio taoísta xu (哀), ambos são ausentes até se tornarem um não eu, um ninguém, um “sem nome” (idem, p. 31), já tratamos isto noutro post.
Por fim explica que o xu do coração no sentido oriental não tem interpretação funcional, é um sentimento não um cálculo ou um raciocínio, utilizará para isto a figura do espelho vazio, de Zhuang Zhou (diferente radicalmente do espelho animado de Leibniz explica), ele não precede, mas acompanha, citando Zhou:
“o ser humano mais elevado utiliza seu coração como um espelho. Ele não persegue as coisas nem vai em direção a elas: ele as reflete, mas não as segura […] ele não é um senhor (zhu, 生) do conhecimento. Ele se atenta aos mínimos detalhes e, no entanto, é inesgotável e reside além do eu. Ele aceita todas as coisas que o céu oferece, mas ele as tem como se nada tivesse” (Han, 2024, p. 32).
O zen-budismo também gosta da figura do espelho, lembra Han, nele se ilustra a não retenção (outra forma de ausência) do coração vazio (wu xin, 無心), que no ocidente seria um “não possuir”, “não querer” e espiritualmente um fazer um vazio na alma para “ouvir o coração”.
Não alimentamos nossa alma se não fazemos um vazio, o cardeal africano Robert Sarah em seu livro “A força do silêncio” lembra a ruidosa sociedade ocidental e o vazio existencial que ela penetrou, é famosa sua frase: “No silêncio não só nasce a caridade genuína, mas faz o homem ser mais parecido com Deus”, embora por caminhos diferentes é possível aproximar estas espiritualidades.
Byung-Chul Han citando o mestre budista Bi Yän Lu usando a metáfora do espelho: “somente quem reconheceu a nulidade do mundo e de si mesmo também vê nele a eterna beleza” (HAN, 2024, p. 33, citando Bi Yän Lu).
HAN, B.C. Ausência: sobre a cultura e a filosofia do extremo oriente. Trad. Rafael Zambonelli. Petrópolis, RJ, Vozes, 2024.
Ausência oriental além da funcional
Byung-Chul o vazio (xu, 虛) como ausência não permite uma interpretação puramente funcional (Han, 2024, p. 16), citando o livro 15 Zhuang Zhou “nota: “quietude, serenidade, ausencialidade, vazio e inação: eis o equilíbrio entre o céu e a terra” (tian dan ji mo, xu wu wu wei, ci tian di zhi ping, 恬淡寂寞, 虛无无为, 此天地之平). O vazio xu, na expressão xu vu (虛无无), não possui significado funcional” (Han, 2024, p. 26).
Ele dá vários exemplos anotados por Byung-Chul em nota de rodapé, o vazio dos raios de uma roda de carroça, o vazio na argila para tornar-se um vaso, portas e janelas de aposentos, e critica François Julien que interpreta segundo uma análise funcional:
“despojado de todo misticismo (uma vez que não possui orientação metafísica), o célebre retorno ao vazio de Laozi é uma exigência de dissolver os bloqueios aos quais o real está sujeito assim que não encontra mais nenhuma lacuna e fica saturado. Quando tudo está preenchido, não há mais espaço de ação. Quando todo vazio é abolido, destrói-se também a margem que permitia o livre desdobramento dos efeitos” (Han, 2024, p. 27 citando F. Julien).
Lembra da história a “aparência assustadora do aleijado” que não precisa ir a guerra, e recebe “abundante” auxílio do Estado e também a anedota do cozinheiro que trincha o animal com facilidade, em vez de cortar resolutamente passa a faca nas cavidades já presentes nas juntas.
Segundo as duas histórias a interpretação funciona sugere que ela aumenta a eficácia da ação, mas lembra citando também uma árvore nodosa (cheia de nós) que atinge uma idade muito avançada, permite também uma interpretação utilitarista, mas o fato de haverem tantos aleijados e tantas coisas inúteis nas histórias de Zhuang, conduz a própria funcionalidade ao vazio, estes personagens aparecem precisamente contra a utilidade e eficiência (pg. 28).
Lembro-me também da mística ocidental, onde ela ainda existe, que a busca pelo pão, pela saúde e pelo socorro social é muitas vezes motivada também por um vazio existencial, mesmo que tem alguma condição social busca algo em sem “vazio” não funcional, mas espiritual.
Quando alguém pede pão, está pedindo também dignidade, cidadania, respeito e muitas outras além do vazio funcional, o princípio da inclusão não é meramente retórico e não deve ser funcional, deve ser ontológico enquanto Ser-aí, porém além do pré-sente e do au-sente (abwesend em alemão ou absent em inglês), é apenas um sente (wow feel em inglês ou Wow Gefühl em alemão), a palavra wow tanto em ambas línguas é uma expressão para uau!), mas claro, traduções são sempre imperfeitas, o significado permanece acoplado a um língua.
Em português seria melhor um “sendo” no sentido de sentimento, sein em alemão e being em inglês onde o ver to be possui um sentido mais estrito que outras línguas, aqui num sentido de existindo ou subsistindo a vida, misticamente o pão funcional é também um pão místico no cristianismo.
HAN, B.C. Ausência: sobre a cultura e a filosofia do extremo oriente. Trad. Rafael Zambonelli. Petrópolis, RJ, Vozes, 2024.
*escultura de Albert György intitulada “Melancholy” (lago de Genebra) representa “vazio de uma alma” (foto).