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O perigo da terceira onda e a vacina dos pobres
Os países mais ricos do mundo têm apenas 13% da população total e já tem para este primeiro semestre mais da metade (51%) das doses das vacinas contra a covid-19 em desenvolvimento, a busca de lucro e a disputa de mercado levou a isto.
Avança na Índia uma cepa do vírus que ainda não tem dados muito decisivos sobre a eficácia das vacinas, por isso o envio de teste para o estado do Maranhão é importante, poderemos saber qual a eficácia das 3 vacinas que já estão no Brasil para esta variante, a Coronavac, a AstraZeneca e a Pfizer, embora o número de doses ainda seja pequeno, o Brasil fez uma compra de 100 milhões de doses para outubro.
Precisamos atravessar o inverso com alguma segurança, o site da CNN (figura) alerta para o perigo real da terceira onda, a produção de mais vacinas com insumo já feitos nos países mais pobres será decisiva para um aumento da vacinação, que ainda é lenta.
Em termos percentuais a lógica é simples, se até a primeira semana de junho estivermos perto do patamar de 4 mil mortes diárias a terceira onda chegou, se estivermos abaixo de 2 mil foi detida.
Uma remessa de Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFA) chegou neste sábado na FioCruz, e serão usados para a produção de 12 milhões de doses de vacinas, com a produção de insumos no próprio país já iniciada podemos chegar na casa de 20 milhões de doses (o prometido é 18 milhões de doses), ainda serão insuficientes se a Coronavac não aumentar sua produção.
O governo acena com um total de 90 milhões de doses, e a segunda dose para pessoas acima dos 70 anos já vai começar, porém é preciso respeitar os 90 dias de intervalo da vacina AstraZeneca.
No caso da Coronavac o intervalo ideal é de 21 a 28 dias, para aumentar a eficácia para 62,3%, porém está sendo usado num intervalo de 14 a 28 dias, esta eficácia, que é baixa, pode se manter.
O essencial agora é ficar de olho na nova cepa da Índia que já tem casos registrados no país, fazer um isolamento rigoroso e manter os protocolos de máxima segurança, coisa malfeita ainda.
Pandemia e a hora do planeta
Os dados observados pelo site Opera Mundi, ali pode se ver os números da pandemia em todo mundo, demonstram que nos ciclos da pandemia, apesar da vacinação que segundo o site chegou na noite de domingo a 1,5 bilhão de doses administradas (se a população mundial é em torno de 7.5 bilhões de pessoas) isto significa 20% de vacinação em todo mundo, claro varia em muitas regiões. O número de mortes cai, mas o de infecções cresce, a vacina é este fator.
A Índia por exemplo, que é o pior caso da Pandemia neste momento, é o terceiro que mais vacinou com mais de 179 milhões de doses, porém tem uma população de quase 1,4 bilhão de pessoas e isto dá 7% apenas de vacinados, bem abaixo da média mundial (acima) de 20%.
O Brasil com aproximadamente 37 bilhões de vacinas para pelo menos a primeira dose (o número de mais de 50 bilhões de vacinas é somando a primeiro com a segundo dose, que conta os que tomaram a 2ª. dose duas vezes) significa ainda também um número abaixo da média, com uma população de mais de 200 milhões de habitantes (211 na última estimativa) isto dá 20% o que significa na média, porém a gravidade da Pandemia exige ainda esforços maiores.
A compra de 100 milhões de doses da Pfizer poderia nos deixar otimistas, se não fosse para outubro, e o valor de 6,6 bilhões de reais significa isto significa 66 reais por dose, algo em torno de 10 euros ou 9 libras esterlinas no cambio atual, preço caro e a vacina exige uma logística especial por que deve ser mantida a baixa temperatura (gelo seco, transporte refrigerado, geladeiras, etc.).
Tudo isto poderia nos deixar otimistas, mas a realidade não é bem esta, observa-se que mesmo em países onde houve uma queda acentuada (Inglaterra e Portugal por exemplo) não se pode baixar a guarda porque o mundo é uma aldeia global e mesmo com poucos voos as pessoas circulam, e um caso de infecção, e existem novas cepas do vírus, pode deflagar todo processo de novo.
É hora do planeta, podemos e devemos tomar uma atitude planetária, ainda não o fizemos, e mesmo os órgãos reguladores, governos e agencias sanitárias parecem ainda estarem aquém das medidas a serem tomadas, por exemplo, no caso da Índia e na criação de protocolos para viagens, é necessário um plano global.
Existe uma preocupação justa que isto seja feito exclusivamente por critérios políticos e não técnico-sanitários o que é um fato, porém como a política não tem ajudado, podemos ajudar a política com atitudes sanitárias, numa linguagem atual: uma política pública sanitária.
A campanha é simples e global: vacina para todos, protocolos globais em relação a tipos de vacinas, por idade, tipo de comorbidade, distribuição equânime (por exemplo, chegar a 20% de vacinação em todos os países como meta para este mês), poderíamos pensar 50% até julho que seria uma tentativa audaciosa, mas fazendo as contas: haverá a produção de 3.5 bilhões de doses até julho contando todas as vacinas (estamos já em 1.4 bilhões) não parece um número impossível.
Vacina para todos !!! socorro aos países pobres e aos países de crise pandêmica maior.
Critica da razão inadequada
A filosofia ocidental vive numa razão inadequada, não pode ser racional ignorar a dor, a morte e as intempéries da natureza e da vida, a vida é morte e ressurreição e sem compreender uma não se compreende a outra, em plena pandemia observa-se que nem mesmo religiosos entenderam isto.
Na filosofia ocidental predomina o idealismo e sua lógica dualista, assim dor e felicidade se complementam, por isto é possível tanto sadismo com o próprio corpo, com as relações humanas, ainda que agora haja grande apelo a empatia, já discorremos sobre o “terceiro incluído” da física quântica e a lógica do ir-além do eu-tu.
Epicuro submetia a dor ao tetrapharmakon, a ideia que negá-la seria inútil então é buscar o melhor caminho para conviver com ela, é o terreno neurótico do certo e do errado, do bem e do mal, para atingir uma planície filosófica povoada como diria Espinosa, bons e maus encontros.
Os dois primeiros remédios de Epicuro referem-se ao intelecto, próprio do idealismo, desfazer todas as superstições e medos irracionais que causam angústia nos homens, a morte e a cólera dos deuses, por isto se repete a ladainha Deus é bom, ele o é, mas incompatível com o mal e isto não significa ausência de dor, mas sua transposição para um bem maior.
Os dois últimos remédios são uma “ética” hedonista, trata dos caráteres preventivos da dor e a obtenção do prazer, também eles não admitem a dor com uma contingência da vida, e nem tudo é inevitável, por exemplo a morte, e assim ela permanece presa a uma razão inadequada.
Também Camus tratou do tema, e tivemos oportunidade de fazer um post sobre o Mito de Sísifo, e seu ponto de partida é encontrar a felicidade onde é possível em tempos sombrios (as guerras).
Se admitirmos a dor, e realizar a passagem por ela encontraremos um terceiro ir-além ou o pensar para o além, sugerido por Emmanuel Lévinas, que significa mover-se cada vez mais para o estranho, para o mistério e para o infinito (outro tema de Lévinas) e já mencionamos aqui o Cosmos e a visão de Teilhard de Chardin sobre uma cosmovisão cristã.
Entramos na semana da Páscoa e com ela na cosmovisão cristã, o sacrifício de Cristo substitui o sacrifício do cordeiro feito por Abraão (nas três grandes religiões monoteístas: o Islã, o Judaísmo e o Cristianismo), assim a dor entra num novo significado a partir do qual é possível vida-pós-morte
É grave, mas pode haver esperança
Enquanto a Europa experimenta a 3ª. onda, o número de infectados e a gravidade da doença torna a pandemia uma crise humanitária no brasil, a esperança é aumentar a taxa de vacinação.
Na Europa, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen reconhece que o bloco dos 27 países membros “não está onde queria” com a imunização, e disse que os esforços devem acelerar, apesar das 2 bilhões de doses contratadas, para uma população de 450 milhões, as taxas ainda estão abaixo de 10% o que é muito pouco pelo esforço já feito.
Enquanto Itália, Alemanha e França vacinação 10,3% fora do bloco o Reino Unido já chegou a 36,5%, no Brasil perto de 13% já receberam a primeira dose, os dados oficiais são de 15.503.373 para a primeira dose, enquanto 4.699.784 para a segunda dose, num total de mais de 20 milhões, mas a taxa de infecção e mortalidade cresce, se pensarmos que 12,5 milhões já tiveram covid-19 pode-se dizer que em número há uma pequena vantagem.
Porém não é bem assim, seria necessário que metade da população tivesse já a primeira dose, mas olhando o caso mais otimista que são os 38% do Reino Unido, vemos que o caminho a percorrer é grande.
A esperança vem dos dois institutos que desenvolvem a vacina no Brasil, o Butantã de São Paulo e a FioCruz do Rio de Janeiro, acredita-se que poderão estar vacinando em abril já as pessoas com mais de 60 anos, isto levaria a uma taxa de pouco mais de 20% no mês, sem contar os contratos externos que podem aumentar muito este número, chegando a uma taxa otimista de 35%.
Isto porque a promessa de 57.179.258 doses caiu para 47.329.258 doses, entre as que diminuíram o número estão a Pfizer e a de Oxford, mas com a promessa de vacinas vindas do exterior esta taxa poderá atingir a meta esperada em maio para 47 657 058 pouco abaixo da planejada.
A taxa somente irá ultrapassar a planejada no mês de agosto onde se espera mais de 82 milhões de doses em vez das 35 milhões planejadas, assim somente em setembro pode-se esperar uma queda nas infecções e mortes, espera-se que o sistema de saúde em pane consiga chegar lá.
A esperança continua sendo o crescimento de vacinas disponíveis no mercado.
A proximidade em Ricoeur e no papa Francisco
A citação de Paul Ricoeur na encíclica papal Fratelli Tutti é de uma dimensão filosófica e teológica que poucos ainda compreenderam, ao separar sócios de próximos, inspirado nas categorias de Ricoeur o papa dialoga com a contemporaneidade tanto com a filosofia como com a teologia e abre um caminho novo para um fraternalismo concreto.
Embora o pendor de teor utópico que a palavra Fraternidade (o nome da encíclica é Fratelli lembremos) toma dimensão nova ao transcorrer a leitura de Socius et Prochain de Ricoeur.
Pode-se dizer que desenvolve uma verdadeira cultura da proximidade, ou seja, não são os amigos daquele grupo que estou ligado, daqueles que compartilham certa “identidade”, a encíclica também esclarece estes falsos conceitos de identidade que nos isolam dos próximos.
A menção que faz de Ricoeur merece nota: “a caridade reúne as duas dimensões – a mítica e a institucional –, pois implica um caminho eficaz de transformação da história que exige incorporar tudo: instituições, direito, técnica, experiência, contribuições profissionais, análise científica, procedimentos administrativos” (FT §164), e assim incorpora realidades humanas no mítico.
Pode-se dizer que é um realismo realista de uma utopia de um mundo melhor possível, que não se reduz a um sentimentalismo religioso pouco eficaz que ameaça certas concepções que tanto a mística como a boa filosofia contemplam, ir de encontro ao Outro, a proximidade.
Outro ponto essencial da encíclica é o mal uso da categoria identidade, dirá a Encíclica que “quando agarram a uma identidade que os separa dos outros” e está no capítulo III que fala justamente do pensar
E alerta a Encíclica: “Existem periferias que estão próximas de nós, no centro duma cidade ou na própria família”. (FT §97), e novamente em Paul Ricoeur encontramos: “o vizinho é a própria conduta de se fazer presente (…) a ciência do vizinho é imediatamente bloqueada por uma práxis do vizinho: não temos um vizinho; Sou o próximo vizinho de alguém” (Ricoeur, 1968).
É a incompreensão desta categoria que leva a má filosofia a não entender o que significa o outro e o dar-se e isto pode ser visto em toda história da filosofia nas diferenças concepções de identidade, o conceito está em Stuart Hall e também de Heidegger é que identidade é o grau de compreensão que cada um tem da própria cultura, mas o tema é polêmico e voltaremos a ele.
RICOEUR, Paul “O socius e o próximo”, in História e Verdade, trad. F. A. Ribeiro (Companhia Editora Forense: Rio de Janeiro, 1968),
PAPA FRANCISCO, Carta Encíclica Fratelli Tutti (FT), Vaticano, outubro de 2020. Disponível em:
Fratelli tutti (3 de outubro de 2020) | Francisco (vatican.va)
Vacinas e lockdown urgentes
Entramos numa fase critica da pandemia no Brasil, mesmo o estado economicamente mais avançado já dá sinais de seu esgotamento hospitalar e já há uma ameaça de uma crise humanitária em curso.
Agora falar sobre soluções que não aconteceram, propostas que não foram a frente, os hospitais de campanha que sumiram, e a crise de oxigênio no Amazonas não adiante, para salvar vidas é preciso agir com firmeza e rapidez: vacinação e lockdown.
Uma leve esperança vem do consórcio Covax Facility, liderado pela OMS, desembarcou em Guarulhos, na Grande São Paulo, 1.022.400 doses de imunizantes no dia de ontem (foto), e há uma perspectiva de mais de 42 milhões de doses ainda neste ano, é a vacina AstraZeneca/Oxford, fabricada pelo SK Bioscience da Coreia do Sul, a mesma fabricada pela Fiocruz já com registro definitivo pela Anvisa (a Associação de Vigilância Sanitária do Brasil).
Já as 8 milhões da AstraZeneca que virão do Instituto Serum da India irão atrasar (chegaram 2 milhões apenas).
Já a Coronavac do Butatan disponibilizou 24,6 milhões de doses da vacina para todo o país, o cronograma até o final de abril prevê 46 milhões de doses, de onde virão as que faltam?
A Anvisa já concedeu o registro definitivo para a vacina Pfizer, o que autoriza sua importação, mas o imunizante ainda não está disponível em solo brasileiro, com a prorrogação da extensão do lockdown o Ceará assinou contrato para a compra direta da vacina russa Sputnik V, o estado quer adquirir 5,8 milhões de doses desta vacina.
O laboratório União Química tem direitos de produção da Sputnik V no Brasil, mas a Anvisa cobra a entrega de dados para uso emergencial, os dados publicados no periódico cientifico The Lancet, indicam que a eficácia desta vacina é de 91%.
O governo assinou contrato para adquirir 100 milhões de doses do imunizantes da Pfizer, e mais 38 milhões restantes da Janssen, que, entretanto, não tem ainda registro definitivo.
Diversos relatórios e dados científicos mostram que a combinação de lockdown com a vacinação é necessária, o sucesso do Reino Unido e Portugal, onde o número de internações caiu drasticamente, enquanto o resto da Europa começa a enfrentar uma 3ª. onda.
Embora seja difícil é preciso ter esperança na vacinação e não abrandar as medidas de isolamento social.
Dar uma “alma” a Terra
A ideia de dar ao homem de nosso tempo uma cidadania planetária, vivemos o tempo da mundialização ou da globalização, e isto implica em direitos, só terá sustentabilidade se na contrapartida este caminho apontar também para uma “alma” terrena onde todos se vejam como codependentes entre si, a pandemia já deveria ter despertado isto, mas ainda não aconteceu.
Diz Chardin no livro que estamos analisando: “o homem de nossa época passará ainda um período de grande ilusão, imaginando que, chegado a um melhor conhecimento de si mesmo e do Mundo, não tem mais necessidade de Religião” (Chardin, 1958) e isto piora quando vemos a noite de Deus que paira sobre a humanidade, confusa entre ideologias e fundamentalismos.
Via o imperativo que “da evolução universal Deus emerge nas nossas consciências”, e via que era preciso superar “a religião entendida como simples apaziguamento das nossas dificuldades, um ‘opio’. Sua verdadeira função é de sustentar e estimular o progresso da Vida” e notem que os sistemas propostos contra ela não foram capazes de se mostrarem eficientes nesta direção.
Explica que a função religiosa é “nascida da ´hominização´, e ligada a esta só pode continuamente com o Homem mesmo”, e perguntará: “Não é isto que podemos constatar em nossa vida? Em que momento, na Noosfera, existiu uma necessidade mais urgente de procurar, de encontrar uma Fé, uma Esperança para dar um sentido, uma alma ao imenso organismo que nós construímos?
Dava a entender que este processo de hominização, como ponto alto da complexificação do Cosmos, sua forma “mais avançada” se encontra “personalizada”, e ela faz surgir uma dupla condição necessária para o futuro: super-animar a Pessoa (anima e alma tem a mesma origem etimológica), mas sem a destruir, e uma convergência universal “deve ainda possuir (eminentemente) a qualidade de uma Pessoa”, invertemos de propósito, pelos eventos atuais.
Chardin imaginava que a pessoa cresceria junto com esta “super-anima” (aqui no sentido de alma) mas vemos que a Pessoa ficou em segundo plano, ou como preferem existencialistas mais atuais, o Ser e o Ser-com-o-Outro, que deveria ter evoluído junto com a super-anima, mas não ocorreu.
Nos escritos de Pequim datados de 1937, ele especula sobre esta energia humana motora de tantos avanços e esta força de “ser-mais” sob uma forma mais primitiva e mais selvagem: a Guerra.
Acreditava que virá o tempo em que “aqueles que triunfam dos mistérios da Matéria e da Vida” ao contrário de ser usada para a guerra, dos exércitos e frotas, “dobrar esta outra potência que a máquina tornará livre, e uma maré irresistível de energias disponíveis levará aos círculos mais progressivos da Noosfera”.
Como uma primeira conclusão, os textos ainda irão a frente, afirma: “O amor, assim como o pensamento, está sempre em pleno crescimento na Noosfera. Torna-se cada dia mais flagrante o excesso de suas energias em relação às necessidades cada mais restritas da propagação humana.”
CHARDIN, T. Construire la Terre. Paris: Editions du Soleil, 1958.
A cura, a alma e a lei
A pandemia segue um percurso ainda mais perigoso que é a produção de novas variantes ou novas cepas, toda humanidade quer a cura, mesmo os chamados negacionistas, todos sofremos e porque a cura não vem, o que falta para a ciência, ou para a compreensão do vírus que não acontece, na verdade temos outras doenças que são comorbidades sociais: fome, miséria, ignorância e intolerância que não dão trégua também, e a doença da alma humana da qual não se fala ou apenas da “religiosa”.
Ah sempre foi assim, não temos outra solução, falamos no post anterior sobre a próxima pandemia, se não nos curarmos é claro, há um caso diferente e emblemático.
Em 1977, Ali Maow Maalin, um cozinheiro de um hospital na Somália, pegou varíola, ele não sabia, mas era a última pessoa do mundo a contrair naturalmente a doença, ela infectou 1 bilhão de pessoas e matou 300 milhões no século 20, quando ficou curado entrou para a história, a varíola foi considerada erradicada, duas coisas foram necessárias: a vacina e gerenciar a doença.
O gerenciamento deve ser global e a OMS deve ter um papel essencial nesta luta, identificar os focos e agir com rapidez e firmeza para evitar que doenças infecciosas se alastre.
A doença que impede isto é a doença da alma, estamos quase sempre em polos de radicalização e não permitimos um avanço fraterno e geral de todos os países e em todos os países pela OMS, este problema da “alma” humana não será resolvido apenas pela lei, política e repressão, é preciso educar.
As religiões poderiam ter um papel essencial nisto, criados para tornar a família humana filha de um só Pai e assim todos seus filhos, limitados que somos diante de doenças sanitárias e sociais, não se realiza porque a alma humana segue doente, e só a “lei” não resolve é preciso mudar a mentalidade, só a radicalização produziremos mais ditaduras e menos fraternidade.
Na passagem Bíblia que Jesus cura um paralítico, e ele sai levando a cama, os judeus dizem que não era permitido carregar a cama no sábado (João 5,10-13) e Jesus já havia perdoado seus pecados, isto é curado sua alma, e nós permanecemos doentes do pecado e da mentalidade.
Teilhard Chardin escreveu “Construire la terre” (Ed. Soleil, 1958) onde fala da “alma comum”, voltaremos ao tema.
O futuro imprevisível da pandemia
Fica cada vez mais claro que o futuro da pandemia pode ser distante do que todos imaginam, o número de variantes do vírus, os cientistas começam a identificar as pequenas variações que ele faz em seu código genético, e durante anos os epidemiologistas diziam que devíamos nos preparar para uma próxima pandemia, se não o fizemos antes, agora mais que nunca deve ser feito.
Enquanto isto a epidemia não dá sinais de arrefecimento, apesar do número cair, na Europa por exemplo, houve um aumento considerável nesta semana, de cada 100 infecções registradas no mundo, 41 são da Europa, o caso brasileiro já revelamos é trágico devido aos recordes de infecções e mortes superiores aos dados do ano passado.
Os estudos sobre as variantes constatam também uma alteração no seu código genético que assusta pois a cada transmissão as alterações do código genético podem influenciar na eficiência da vacina (já explicamos os índices de eficácia que dependem do “tipo” de vacina), ou seja, pode acontecer que a próxima epidemia seja do próprio coronavírus em uma de suas mutações.
O que fazer por enquanto, aumentar a vacina e combiná-la com lockdown, é um fato cultural que será difícil no Brasil e as restrições são altamente impopulares, mas não há outra coisa a fazer, e é preciso combiná-la com aumento nas taxas de vacinação.
Outro problema é a crise humanitária que pode ocorrer, limitar a circulação de pessoas significa limitar o comércio, o consumo de bens etc., que teve no ano de 2020 um fato positivo, pois a pouca circulação de veículos e uso de energias não renováveis, fez a emissão de CO2 cair em média 6% em todo planeta, e alguns sinais de reabilitação da natureza surgiram, presença de golfinhos próximos a costa, que significa abundância de peixes, melhoria nos níveis de poluição das grandes cidades.
Porém é importante dizer que o número de mortes cresce que havia começado a diminuir, volta a patamares muito preocupantes, e novos repiques voltam a acontecer devido as variantes do virus.
A economia também deve ser um fator preocupante porque já há sinais em muitos países de problemas sociais, desempregos, índices de miserabilidade e as questões correlatas: distribuição de renda e empobrecimento.
Podemos aprender com esta cruel lição, mas ainda a maioria das pessoas pouco se preocupa com aquilo que não o afetou diretamente ainda, mas aos poucos afetará a todos.
Notícia boa, ruim e pós-trauma pandêmico
A notícia boa é que a pandemia diminui no mundo todo, a má é que no Brasil pelo menos 7 estados com uma piora maior que os dados de 2020, é preocupante, porém o que já se começa a pensar é o que virá depois, nossa visão de mundo foi alterada e precisamos caminhar em nova via.
São eventos que acontecem individualmente quando sofremos um grave acidente, uma ruptura em relações pessoais, ou algo que cria um trauma, segundo David Trickey, psiquiatra e membro do Conselho de Trauma do Reino Unido, a ruptura do trauma é uma “construção de significado”.
Esclarece o psiquiatra: “a maneira como você se vê, a maneira como você vê o mundo e a maneira como você vê as outras pessoas” ficam abaladas pela reviravolta de um evento, surge uma lacuna em seu “sistema de orientação” e um simples estresse cotidiano transforma-se em trauma se são mediados por sentimentos fortes e prolongados de impotência e apreensão.
Será preciso olhar para a saúde mental das pessoas, estender nosso limite de tolerância e atenção, é neste momento que intolerâncias e práticas de pessimismo latente ou simplesmente de pouca
De que se trata este sistema de orientação e significado, todos possuímos uma espécie de “GPS pessoal”, ligado ao trabalho, a realização humana e suas necessidades, enfim a autoestima e a relação com os outros, tratamos demoradamente o assunto na semana passada.
A resiliência mental é uma espécie de bálsamo que movimenta nossa máquina cognitiva e nos faz seguir em frente ao estresse e se fica perto de um esgotamento cria um trauma psíquico, tão grave quando um trauma físico.
Lembrar as lições desta crise pandêmica e construir significados novos é mais difícil que ser apenas “otimistas”, porém a penúltima grande epidemia da crise espanhola mostrou que ela foi esquecida e as lições que podíamos tirar não foram tiradas.
Martin Bayly, um cientista social da London School of Economics (LSE), citado em reportagem da BBC, foi revisitar arquivos sobre a gripe espanhola no Reino Unido onde morreram 250 mil pessoas, e não conseguiu encontrar nenhuma evidência de homenagem pública, disse na reportagem “A ausência de memoriais fez com que desaparecesse da memória pública, na escrita da história”.
Isto afeta nossa preparação para crises futuras, quando ocorreu a pandemia de 1957 (a gripe asiática matou um milhão de pessoas), vários analistas destacaram conforme relato de Bayly “falhamos completamente em aprender as lições de 1918”, mas também a lição moral porque estávamos em meio a guerra.
Criar uma significação a partir de uma narrativa social, seria um passo importante destaca a reportagem, e um dos esforços no Reino Unido será o de lembrar a NHS (National Health Service) no caso brasileiro o SUS (Sistema Único de Saúde), além disto pensar em memórias e outros modos de lembrar e historiar esta crise serão alertas e preparação para o futuro.