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Arquivo para a ‘Economia’ Categoria

A teoria do dom

11 nov

Deixamos uma questão ao final do post anterior (Poder e dom), como os dons poderiam servir a sociedade, e há estudos sociológicos a respeito.

Marcel Mauss, junto com seu tio Emile Durkheim foram animadores da Revista francesa Année Sociologique, e ele foi o principal sistematizador da teoria do “dom” que foi traduzida para o português como dádiva, em inglês é ainda pior porque tornou-se teoria do presente (gift em inglês), pensamentos importantes para os fundados de solidariedade e de alianças fraternas nas sociedades contemporâneas.

Alain Caillé, fundador e editor da Revue du M.A.U.S.S. (Movimento Anti‑Utilitarista nas Ciências Sociais) e um dos propagadores do pensamento de Marcel Mauss na atualidade afirmou que esta teoria “fornece as linhas mestras não apenas de um paradigma sociológico entre outros, mas do único paradigma propriamente sociológico que se possa conceber e defender” (Caillé, 1998, p. 11).

O livro de Marcel Mauss Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas (2003), trouxe entre muitas contribuições a ideia sociológica que o valor das coisas não pode ser superior ao valor da relação e que o simbolismo é fundamental para a vida social.

O surgimento de uma obrigação moral coletiva envolvendo os membros de uma sociedade, supõe aspectos tão diversos desde a troca de mercadorias como a simples troca de um mero sorriso, é preciso ressaltar a complexidade das motivações e as modalidades das interações para não reduzi-las ao simplismo das ideias puramente econômicas, aquilo que chamou de homo economicus.

As noções de honra e prestígio perpassam a economia da dádiva, sendo essenciais para garantir a circularidade e reversibilidade das trocas. 

O Ensaio sobre a dádiva inaugura uma profícua tradição de estudos sobre a reciprocidade e a circulação das coisas, ampliando o tema da aliança, central na Antropologia francesa a partir da obra de Claude Lévi-Strauss (1908-2009), e que conhece leituras específicas nos trabalhos de Maurice Godelier (1934-) e de Pierre Bourdieu (1930-2002), ele elabora não apenas a teoria do dom ou do doar, mas a tríplice obrigação do dar, receber e retribuir, a partir da análise de diversos povos que estudou.

Em seus estudos os bens circulam entre clãs e tribos seguindo a regra de que, quanto mais grandiosas as doações, maior prestígio concedido a seus doadores, porém as prestações devem ser retribuídas, se não imediatamente, em momento posterior, assumindo um caráter disfarçadamente desinteressado ou informal.

Conforme seu estudo, isto ocorre com os taonga na Polinésia (foto), com os vaygu’a na Melanésia e com os cobres brasonados no noroeste americano.

Esta ideia de dom (ou dádiva como foi traduzido) é a que aquilo que temos seja como valor ou como talento pode ser dado, retribuído ou recebido.

 

CAILLÉ, Alain. “Nem holismo, nem individualismo metodológicos: Marcel Mauss e o paradigma da dádiva”, Revista Brasileira de Ciências Sociais.1998.

MAUSS, Marcel, Essai sur le don. Forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques, Paris, PUF, 2007 (Trad. Bras. Paulo Neves. São Paulo, Cosac Naify, 2003)

 

Pandemia e suas segundas ondas

09 nov

Na história houveram oito pandemias deste tipo desde 1700, vamos notar que pelo menos sete tiveram uma segunda onda em alguma parte do mundo, conta os registros de infectologistas, porém temos na memória a Gripe Russa (de 1889 a 1890), com a Gripe Espanhola (de 1918 a 1919), a Gripe Asiática (de 1957 a 1958), a de Hong Kong (1968 e 1969) e mais recentemente a Gripe Suína (de 2009).

A segunda onda da covid-19 na Europa está se espalhando de modo mais rápido do que a primeira, afirmou o infectologista Arnaud Fontanet, conselheiro científico do governo francês par ao combate a pandemia, enquanto a mutação do vírus se espalhou a partir da Espanha é já é 80% dos novos casos registrados.

A segunda onda pode ocorrer por vários motivos, entre eles o comportamento humano, que significa como lidamos com o vírus e sua sazonalidade, também o número de pessoas suscetíveis, duração de imunidade e mutações (como a da segunda onda na Europa) são outras possíveis explicações para esta onda.

O comportamento é fácil de explicar, dificilmente em países mais liberais as pessoas estarão menos propícias a aceitar as privações do isolamento, já a sazonalidade pode ser entendida como picos em diferentes estações do ano, na Europa os picos são o outono e o inverno que acontece agora, enquanto no Brasil varia de acordo com a região: o Norte e Nordeste tem períodos mais chuvosos, no Sudeste e no Sul que se iniciará em março de 2021.

A promessa de uma vacina “mais rápida” é temerosa, os especialistas que respeitam o período de testes entendem que será muito difícil uma vacina antes de julho do ano que vem, e devemos respeitar e ser prudente com o período de testagem, equívocos de uma vacina podem ser mais graves que a própria pandemia.

Se a segunda onda ocorrer, a intensidade e a gravidade vão depender de nossa capacidade de aplicar medidas de intervenção e coordenação das medidas em um mundo que polarizou até mesmo questões básicas como saúde, alimentação e seguridade social, disto dependerá se a segunda onda seja mais grave que a anterior.

A principal função de esclarecer a segunda onda, o processo regulamentar de testagem das vacinas e as medidas preventivas é mantar a calma e a confiança da população de que está havendo um combate aos estragos provocados pela pandemia, é difícil, porém sem isto teremos um caos social cada vez maior.

 

Crise civilizatória e morte

05 nov

Retomando o pensamento de Pablo Picasso que o pior perda da vida não é morrer, mas morrer enquanto vivemos é a que melhor explica o estado civilizatório, mesmo os que devem a fraternidade, o diálogo, o planeta como casa comum parecem sem esperança e por isso cansados, não aquele da Sociedade do Cansaço que é parte uma crise, mas aquele de quem deixou de encontrar o que une, o positivo e o verdadeiro na vida.

Dir-se da pós-verdade, o sofisma é pré-socrático, e a mentira pública também já foi veiculada por jornais e meios televisivos, conforme o lado político que tomam, no fundo todos acabam concordando que se não está do lado politicamente correto, não é verdade, então ficamos no relativismo e no dualismo, mesmo aos que pregam contra, Edgar Morin tem razão é uma crise do pensamento, e Peter Sloterdijk também “não é um tempo favorável ao pensamento”, é mais fácil tomar um lado, embora hajam erros e acertos em vários lados, porque não são apenas dois.

Vi no Instagram que dois vídeos muito populares são de uma jovem artista que faz fantoches com esqueletos, pássaros e figuras fúnebres e outro de uma menina cujo cabelo foi decorado como um cemitério (figura acima), é uma triste realidade os pós-góticos parecem dominar a fantasia juvenil.

Em reportagem a BBC do dia 31 de outubro, o banqueiro dos pobres Muhammad Yunus declarou: “Precisamos redesenhar o sistema garantindo uma nova economia de três zeros: zero pobreza, zero desemprego e zero emissões líquidas de carbono. E sabemos como fazer. O problema é que somos muito preguiçosos e estamos muito confortáveis ​​no sistema que temos, não queremos sair da nossa zona de conforto”, é um novo pensar pode não dar certo, mas sem dúvida as pessoas, os pobres e o planeta precisa de respostas, as velhas criam mais polarização e equívocos, além de pós-verdades, neste caso com um novo sentido, do ponto de vista ideológico elas foram verdades um dia, hoje são pós-verdadeiras.

Há situações e penso que o próprio planeta poderá reagir, uma reação aórgica, o inorgânico sobre o orgânico, afinal viemos do pó, de alguma reação química e com certeza se não mudarmos a rota iremos voltar ao pó, não aquela fatalidade da vida, a morte pessoal física, mas o morrer em vida.

A pergunta que fica é se esta reação do inorgânico planeta poderia mudar algo no orgânico humano, a sua mente, o seu ser, para algo melhor.

 

Segunda onda ou é outro Cov-2

02 nov

Em artigo recente “Emergence and spread of a SARS-CoV-2 variant through Europe in the summer of 2020” publicado em 28 de outubro no site da medRxiv, informam a disseminação, presumivelmente a partir da Espanha,  de uma variante do vírus da Covid-19, que já seriam 80% das infecções recentes, o artigo ainda terá a revisão por pares, mas já disparou o alarme da comunidade científica, o artigo ainda terá revisão por pares.

Desde o início de setembro a Europa já verificava um aumento nos casos de infecção e retomava as medidas de distanciamento, era o final do verão, agora em outubro as medidas se tornaram irreversíveis, e o presidente da França chegou a declarar: “o vírus circula numa velocidade não prevista nem pelas previsões mais pessimistas … estamos todos na mesma posição: invadidos por uma segunda onda que será sem dúvidas mais difícil e mais mortal que a primeira”, a Inglaterra já decretou lock-down e ainda estamos no outono, o inverso deste ano promete ser rigoroso.

A Alemanha, a primeira-ministra Angela Merkel fez acordo com os governadores locais para fazer um “lockdown light”, mas até o final de novembro bares, restaurantes, teatros e academias terão que fechar as portas, será um Natal doméstico e com muitas restrições na Europa.

Na Itália o governo do primeiro-ministro Giuseppe Conte determinou que neste início de novembro bares e restaurantes de todo país só poderão ficar abertos até as 18h, academias, piscinas, teatros e cinemas não podem abrir.

As medidas impactaram as bolsas que tiveram uma forte queda, de 2% a 4% na Europa, e mais de 4% no Brasil, hoje feriado aqui, as bolsas no exterior se recuperam, mas a apreensão agora se volta para as eleições americanas marcadas para amanhã, porém muitos votos já foram antecipados e haverá record de eleitores, porque nos EUA o voto não é obrigatório.

As empresas que desenvolvem as vacinas prometem acelerar, mas especialistas apontam que isto não é possível e para esta variante também deve ser testada.

 

 

 

Politização da vacina e cuidados

19 out

Na quarta feira passada (14/10) o Ministério da Saúde do Brasil apresentou aos secretários de saúde dos estados um cronograma de vacinação contra a covid-19 que teria início em abril de 2021, a previsão é para a vacina AstraZeneca, desenvolvida em parceria com a Universidade de Oxford, que está na terceira fase de testes e deve ser produzida no Brasil pela FioCruz, em Manguinhos, no estado do Rio de Janeiro.

Alguns governadores, em especial o governo do estado de São Paulo tem interesses na empresa chinesa Sinovac, embora a China também aposte na vacina de Oxford, esta vacina está em teste feito pelo Instituto Butantan da Universidade de São Paulo, e o secretário da Saúde de São Paulo Jean Gorinchteyn afirmou a jornais paulistas que “as vacinas não estão sendo tratadas de forma republicana pelo Ministério da Saúde, pois a vacina chinesa pode ter disponível 46 milhões de doses em dezembro e mais 14 milhões até fevereiro de 2021 e 40 milhões até junho de 2021.

Mas a disputa não para aí, a gigante americana Pfizer anunciou na sexta feira (16/10) que pode solicitar uma autorização de “emergência” para sua vacina contra a covid-19 até o final de novembro, disse Albert Bourla, CEO do grupo em carta publicada nas redes sociais: “Permitam que seja claro, supondo que os dados sejam positivos, a Pfizer solicitará uma autorização de uso de emergência nos Estados Unidos pouco depois da etapa de segurança, na terceira semana de novembro, o que indica que também quer participar da disputa, embora inicie a vacinação nos EUA.

Por causa de um pedido da parceira alemã BioNTech, havia um pedido de espera de 2 meses para a segunda dose da vacina (esta vacina é em duas doses) , mas Albert Bourla mostra a politização ao afirmar que “poderíamos saber se nossa vacina é efetiva ou não no final de outubro”, lembro que as eleições americanas acontecem em 3 de novembro, e isto seria um trunfo de Donald Trumph.

Segundo a organização Mundial da Saúde, e o infectologista Claudio Stadnik da Santa Casa, apenas 10 vacinas estão na fase III, e a previsão se o cronograma for seguido, apenas as vacinas da AstraZeneca/Oxford, Sinopharm (China)/Wuhan Institute of Biological Products (China) e Sinopharm (China)/ Beijing Institute of Biological Products (China) estariam prontas em julho de 2021 enquanto a Moderna (EUA) e Sinovac/Biotech (China) em outubro de 2021.

Portanto política a parte, este seria o quadro real seguindo os preceitos sanitários e médicos, antecipar é dar possibilidade ao erro e vidas estão em jogo.

Veja o gráfico acima: Fonte: Organização Mundial da Saúde e Cláudio Stadnik, infectologista da Santa Casa.

 

Laços fracos e a pandemia

30 set

Os laços fracos são importantes na teoria das redes conforme já mostramos no post anterior porque são eles que podem dinamizar as redes e fazer com elas saiam de seus nichos e andem por outros, porém como é isto numa mídia social é o mais interessante.

O que Mark Gronovetter, professor de sociologia da Universidade de Stanford demonstrou com seu artigo intitulado The Strength of Weak Ties, é que não só a qualidade dos relacionamentos de amigos e familiares importa, também a quantidade tem sua importância, e isto vai se refletir num outro artigo curioso de Duncan Watts e Stevie Strogatz.

Eles começaram a trabalhar com o entomologista Tim Forrest para tentar entender porque os grilos em determinado momento cantavam em uníssono quando atingiam um certo número destes insetos na floresta, queriam também entender se isto tem relação com os chamados seis graus de separação das redes.

Em redes perfeitamente regulares, os vizinhos de cada nó tendem a estar conectados uns aos outros, e essa redundância local, ou “agrupamento”, atua como uma interrupção natural de propagação, por exemplo, de um vírus, claramente, se todos os vizinhos de um nó infectado já estiverem também infectados, a doença terá poucos lugares para ir se estiverem isolados, já numa rede aleatória, significa que todos os vizinhos são suscetíveis de serem infectados.

Pareciam óbvios os resultados, mas o que eles descobriram é que é menos óbvio que quando apenas uma fração de links em uma rede regular estão ligados aleatoriamente, as doenças podem se espalhar quase também quando em uma rede aleatória, assim pela teoria das redes somente o isolamento completo da rede pode evitar o contágio.

O artigo deles na revista Nature, em 1998, “Colletive dynamics of ´small-word´ networks” demostrou o efeito que elas tem em larga escala a partir dos mundos pequenos com seis graus de separação, e sua influencia para a pandemia atual é que o isolamento social é necessário, e mais necessário ainda seriam os focos iniciais da pandemia agora já disseminada em todo país, e em poucas partes do mundo houve medidas efetivas contra sua propagação.

Entretanto o modelo de Watts-Strogatz não é genérico,  pois existe a necessidade de um número fixo de nós, e assim não pode ser usado para uma rede em expansão, outro modelo foi feita mais tarde por Barabasi e Reka Albert, chamado free-scale, neste modelo também tem limitações pois não consegue trabalhar com níveis altos de nós em redes reais, assim também tem limites para analisar, por exemplo, uma pandemia que atinge milhões de pessoas no mundo todo.

O que estes trabalhos históricos de análise das redes sociais inferem sobre a pandemia é que em momento que a pandemia já se generalizou, ou seja, o free scale de Barabási/Albert, já não é possível o controle apenas de focos e uma medida de proteção em larga escala é necessária, enfim um isolamento social amplo.

É claro que a pressão econômica não deverá deixar isto, e assim o uso de vacina torna-se imprescindível, mas qual ?

 

Assim os últimos serão os primeiros

25 set

Não importa que você demonstre que faz bem as coisas, que mantenha as aparências, que esteja sempre num lugar de destaque, mesmo na política e nos cultos e festas religiosas, a verdadeira consciência é que liga-se a intenção, e a intencionalidade é a consciência dirigida a “algo”, diz a fenomenologia.

Assim é que a nova normalidade, não a da pós-pandemia, mas a da pós crise civilizatória e tudo indica que ela está a caminho, poderá inverter a lógica da perversidade dos poderosos, dos opressores e dos fariseus, somente a verdadeira solidariedade contará, somente ela poderá dar sustento ao novo rumo, que poderá advir não de uma nova normalidade, porque ela já era distante antes da pandemia, basta ler a literatura séria, que não é a dos midiáticos.

Os frágeis e os indefesos ficaram ainda mais frágeis na pandemia, mas a lógica do poder se inverterá por uma fenomenologia aórgica, aquela que vem do inorgânico sobre o orgânico, vem da natureza para o humano, e do cosmos para o planeta, assim como afirma Morin em sua “introdução a complexidade” o todo está na parte, o cosmos e a natureza em cada indivíduo, como a parte está no todo, somos responsáveis por tudo que acontece na Natureza.

Está na cosmologia e não na visão sistêmica, está no holismo aórgico e não no holismo cartesiano, está na mística e não no farisaísmo ou na ideologia atrelada a religião, que é outro tipo de religião sem ascese, a mudança vem de uma longa noite da humanidade, mas poderá concentrar numa noite visível.

O poeta Hörderling afirmava “onde há medo há salvação”, e o momento de apreensão da humanidade a espera de uma vacina deve pensar numa vacina que tire a venda dos olhos da cegueira do pensamento, Edgar Morin preconizou esta noite, e Peter Sloterdijk afirmou que não é um tempo propício ao exercício do pensamento, estamos petrificados em lógica sistêmica e doutrinais que não nos permite perceber um novo ao largo do horizonte.

É por isto que os últimos serão os primeiros, as pessoas simples tem a intuição desta possível mudança, os verdadeiros sábios a desejam, não como o querem os poderosos, mas como sonham os flagelados da pandemia social, do doutrinismo irracional e fechado em suas bolhas.

Os que blasfemam contra as religiões afirmam como dizia o profeta Ezequiel no antigo testamento (Ez. 18,25): “Vós andais dizendo: a conduta do Senhor não é correta. Ouvi, vós da casa de Israel. É a minha conduta que não é correta, ou antes é a vossa conduta que não é correta?“, os humildes entendem.

É assim que os últimos serão os primeiros, e que serão os operários da última hora, como diz a parábola bíblica aqueles que chamados ao fim do dia foram ao trabalho e receberam o mesmo pagamento dos que chegaram no início do dia, e não haviam ido apenas porque não haviam sido chamados (Mt 21,28-32).

 

O inesperado e a ação

23 set

Entre muitos pensamentos que me causaram impacto no quase centenário Edgar Morin, a sua relação com o inesperado é a mais interessante e sábia, disse esta relação “torna-nos prudentes”, e disse isto referindo-se a ciência.

O vírus nos pegou de surpresa, mas a arrogância de muitos senhores midiáticos não deixou de analisar a pré pandemia, a própria pandemia e o pós-pandemia, não há mistérios na vida para eles, porém o que vemos ainda é muito mistério.

Diz Morin, “por mais que se saiba que tudo o que se passou e importante na história mundial ou em nossa vida era totalmente inesperado, continua  agir-se como se nada de inesperado tivesse doravante a acontecer”,  e é muito provável que mais coisas inesperadas aconteçam se conhecemos algumas leis da teoria da complexidade ou do caos.

É verdade indica o pensador, “a complexidade necessita de alguma estratégia”, gostaríamos de ter “segmentos programados para sequencias onde não intervém o aleatório”, mas esta é uma situação que  pilotagem automática não é recomendada, diz o pensador: “o pensamento simples resolve os problemas simples sem pensamento”, não é o caso.

Já o pensamento complexo é “dar a cada um, um memorando, uma marca, que lembre: não esqueça que o novo pode surgir e, de qualquer modo vai surgir”, encontrei o que queria porque minha intuição diz isto, algo novo vai acontecer.

É neste ponto de partida que Morin aponta para “uma ação mais rica, menos mutiladora”, o que seria, diz “quanto menos um pensamento for mutilador, menos mutilará os humanos”, mas muitos não pensam, ignoram o futuro.

Anormal e simplificador seria se depois de um ano absolutamente anormal na história da humanidade, tudo voltasse ao cotidiano ou a “trivialidade” que alguns pensamentos mutiladores insistem em dizer, e o próprio termo “nova normalidade” é também mutilador, pois a questão é se haverá normalidade depois deste ano.

A ação possível e que deve ser pensada por cada um em particular, mas por todos como sociedade é como minimizar as perdas, como reorganizar a vida, como superar as dores ou ao menos suportá-la, e ajudar aqueles que não as suportam.

Será preciso de uma anormal fraternidade, aquela que ainda poucos viveram, e os que as pregam as vivam de verdade.

MORIN, Edgar. Preparar-se para o inesperado. In: MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Tradução de Dulce Matos. Lisboa: Instituto  Piaget, 2008. p.120-122.

 

Acordo para agilizar a vacina

21 set

O acordo de vários países para agilizar a vacina (Covax), entre eles o Brasil que assinou na última hora na sexta feira, prevê um mínimo de vacinação de 10% da população (a opção do Brasil) até um máximo de 50% da população, que uma vez assinado não poderia desistir dos valores comprometidos, assim o Brasil assinou no mínimo, mas isto dá 42 milhões de doses, não é pouco e o risco é evidente pelo não cumprimento de todo o protocolo de testagem.

O governo não desistiu do acordo já assinado com a AstraZeneca com a chamada vacina de “Oxford” que tem a participação do prestigioso instituto da FioCruz, enquanto o governo do Estado de São Paulo promete acelerar o processo da vacina que é desenvolvida na China com participação do Instituto Butantã.

O acordo brasileiro entretanto prevê que se a vacina de Oxford chegar primeiro ao mercado ele pode optar por manter o acordo bilateral de comprar de vacinas, abrindo mão do fornecimento pela aliança, mas é provável que na pressa a vacina da aliança Covax chegue primeiro, então teremos que aceitar a vacinação, o que é temeroso.

O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse em 13 de agosto que “COVAX já conta em sua carteira com nove vacinas candidatas, que se encontram na fase 2 ou 3 dos ensaios”, mas curiosamente as vacinas Janssen Pharmaceutics e BioNtech/Pfizer não estão na lista.

Para funcionar a aliança precisa de U$ 38 bilhões, mas conta com menos de U$ 3 bilhões, então pode ser que isto recaia sobre o ombro de países que entram na aliança apenas para cumprir acordos internacionais, isto também no aspecto social e econômico, o acordo é preocupante.

A priori o acordo é para que os países mais pobres tenham o mesmo acesso que países ricos às vacinas que tenham maior possibilidade de êxito, menos de 10 encontram-se na fase de testes, e o volume financeiro pode tornar o jogo de interesse mais sério, assim como deixar que o uso em países mais pobres não tenha a preocupação dos países ricos, seriam estes uma espécie de cobaia, a OMS alega o contrário diz que “é para garantir o acesso dos países pobres”.

O Brasil receberá 42 milhões de vacina, se houver algum problema quem se responsabilizará por isto, é claro que dirão que é o próprio país por ao assinar o acordo torna-se “consciente” dos “riscos”, embora eles não sejam mencionados.

Mesmo muito camuflado é um jogo de interesses que parece muito claro, é provável que os países menos ricos recebam primeiro doses da vacina, e se verificadas seguras é que serão usadas em países ricos, não é uma tese fácil de ser provada, porém a pressão nos países menos ricos foi enorme e o Brasil assinou na última hora sem dizer o real motivo.

Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Venezuela estão entre os países que assinaram o acordo, e o acordo Covax é apenas uma parte do “Acelerador de Acesso a ferramentas Covid-19”, ou simplesmente Acelerador ACT, que é o mecanismo de resposta que a OMS criou para a pandemia,  apesar do termo “acelerador” ser evitado em entrevistas.

Espero estar errado, mas o jogo econômico continua a prevalecer sobre a saúde da população, em especial, dos pobres.

 

 

Justiça e desemprego na pandemia

18 set

O número de processos trabalhistas, e de injustiças que nem chegam aos tribunais deve crescer durante a pandemia, segundo dados de especialistas (alguns jornais citam as empresas Datalawyer e FintedLab), indicam que estes dados devem crescer, entre as reclamações estão o pagamento de verbas rescisórias, por exemplo o saldo do salário e a multa de 40% sobre o FGTS, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço no Brasil), e as condições de trabalho na pandemia.

Já salientamos em posts anteriores a importância de buscar modelos de empregabilidade que combatam a mudança de cenário acentuada no desemprego durante a epidemia, este que já era alto no Brasil, agora segundo o Ministério da Economia, de março a abril, cerca de 8 milhões de pessoas perderam o emprego ou tiveram corte salarial, sendo que 1.1 milhão de empregos com carteira tiveram seus contratos rescindidos, e os informais tem dados ainda mais volumosos.

É justo socorrer e pagar salário justos a estas pessoas, é claro que sim, a lógica de reduzir os salários e de abolir empregos não se justifica pois a pandemia não diminui a demanda em setores essenciais, além de criar demandas novas como serviços online, serviços home office, auxílio em áreas como a saúde, a educação e a segurança est]ao ai.

O quadro torna-se ainda mais grave com o aumento de preços, isto significa que alguns setores estão se beneficiando com a crise, além da espantosa corrupção na área da saúde, com hospitais que não foram usados, desvios de verbas e até de remédios e equipamentos é simplesmente criminosa, onera os estados e municípios, e desfavorece política públicas de auxílio e socorros emergenciais.

Há uma passagem bíblica onde é contada a parábola do vinhateiro que precisando de operários para sua vinha, ele sai as 9 da manhã para buscar mais operários e depois as 3 da tarde para buscar mais operários, combina com todos uma moeda de prata, parece injusto, mas quem paga e combina o salário é ele, e na verdade corrige a injustiça do desemprego.

Diz aos operários que contrata as 3 da tarde (Mt 20, 6-7): “ ´Por que estais aí o dia inteiro desocupados eles responderam: ´Porque ninguém nos contratou´.  O patrão lhes disse: ´Ide vós também para a minha vinha’ “.

E todos receberam o mesmo salário, nada mais justo, esta deveria ser a lógica do combate ao desemprego na pandemia.