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Reinfecção, cuidados e vacina
Os estudos atuais apontam que alguém que já teve Covid pode ter uma nova infecção por causa da mutação do vírus, em São Paulo já há três variantes confirmadas (pelo Instituto Adolfo Lutz, claro muitos nem serão contados por que é preciso fazer testes PCR), e há casos suspeitos em Santa Catarina, Paraná, Acre e Mato Grosso do Sul, enquanto isto a infecção cresce e a campanha de vacinação ainda vai devagar.
A variante do vírus chamada de P1 já foi detectada em oito países, além do Brasil, Japão, Itália, Coréia do Sul, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unidos e Ilhas Faroe. O que mais preocupa é que as vacinas podem não imunizar esta nova variante, os estudos ainda estão em andamento.
Em 17 de janeiro foi detectado um caso de reinfecção em Manaus, o caso foi estudado e teve um artigo científico publicado esclarecendo e dando dados da reinfecção pela nova variante, tratava-se de uma mulher de 29 anos que tinha contraído a Covid em março de 2020, em 19 de dezembro ela voltou a apresentar sintomas e foi diagnosticada com a variante da Covid 19.
Os cuidados deveriam ser redobrados, entretanto não apenas há autoridades que negligenciam o isolamento social, como também há atitudes contraditórias, o governo de São Paulo, coloca quase todo estado na fase vermelha, de maior gravidade, mas entra na justiça para ter aulas presenciais nas escolas públicas já neste mês, inicialmente falta coerência de discurso e de ação.
O Brasil não acompanha a identificação, rastreamento, monitoramento e isolamento das infecções da Covid-19 e o alerta é dos próprios cientistas brasileiros, a plataforma Gisaid que monitora o vírus no mundo, tem apenas 0,5% dos casos publicados, estudados do Brasil.
A vacinação começou principalmente com os profissionais da saúde, é preciso esclarecer que os cuidados devem ser redobrados, uma vez que a onde de infecção está mais forte, e que somente a partir de um certo grau de vacinação, que depende da eficácia da vacina, pode-se ter alguma medida de flexibilidade, abrir completamente está muito longe de acontecer.
Vacinas: Eficácia e Eficiência
A eficácia da vacina depende basicamente da ação que ela consegue ter ao vírus em pessoas e populações concretas, quanto a idade, ao tipo físico e o desenvolvimento orgânico de cada pessoa e determinadas comorbidades, doenças que colaboram com o processo infeccioso.
O fato e uma vacina ter eficácia de 90% por exemplo para que ela seja eficiente seria necessário vacinar pelo menos 56% da população, onde o desenvolvimento do vírus ficaria limitado ao contágio e as taxas infeciosas iriam caindo até chegar ao fim da pandemia em determinado período, e também o tempo de vacinação é importante e dele depende a disponibilidade da vacina para uma porcentagem da população dependente a sua eficácia.
O problema é que os países ricos estão dispondo de insumos para produzir a vacina, então eles poderão ter maior probabilidade de combater a pandemia, os países mais pobres além desta disponibilidade, que depende da agilidade das ações governamentais, precisam de ter recursos para compras insumos para produzir vacinas no próprio país ou comprarem as vacinas.
Há uma disputa de mercado e também no plano político, a própria OMS afirmou que poderá ocorrer um problema moral se os países mais pobres tiverem dificuldades para obter a vacina e/ou os insumos para produzi-la.
Também é um problema de eficiência a capacidade do sistema hospitalar e a organização do sistema de saúde, o Brasil tem uma boa organização pública no sistema do SUS, porém há uma urgência das ações do estado, a volta da doença para uma fase crítica não foi prevista e assim há um grande problema de eficiência na resposta a doença, a falta de oxigênio em Manaus foi isto.
Há por último um problema cultural, que é a compreensão que ainda não saímos da Pandemia e qualquer medida que favoreça o fim do isolamento é preocupante e isto tem levado a um esgotamento da capacidade hospitalar de responder a nova fase crítica da Pandemia.
É responsabilidade de todas as forças políticas e públicas alertar que a Pandemia está longe do fim, e a vacina ainda que seja uma esperança dependerá da eficácia e eficiência de sua aplicação.
A covid financeira
A crise atual, que é uma Pandemia da saúde poderá tem gravesconsequências financeiras, o alerta é da economista-chefe do Banco Mundial Carmem Reinhart.
O prolongamento da Pandemia de Covid-19 sobrecarrega as economias domésticas e empresarial e evolui para uma crise econômica. Reinhart chama este efeito de “custo cumulativo”, explica que há problemas clássicos de balanço patrimonial.
Em 2009 publicou um livro com Kenneth Rogoff, então colega de Harvard, que analisava a mais recente crise financeira, o livro “This time ia diferente: eight centuries of Financial Folly” tornou-se referência de governos para recessões, corridas a bancos e processos infracionários.
Os que acreditavam num total retorno a normalidade estão enganados, além de um plano para futuras pandemias e uma co-imunidade (conceito criado por Sloterdijk antes da Pandemia), é preciso desenvolver uma espécie de mutualismo, isto é, relações que tenham mútuos compromissos, onde o Outro não é incômodo mas parte da solução.
Deve-se imaginar que isto poderá promover uma grande mudança de mentalidade, isto parece quase impossível, porém o futuro da humanidade depende disto, e o aprendizado deve ser rápido, é um dos assuntos de Sloterdijk em Tens de Mudar sua vida, escrito antes da pandemia.
O que esperar de 2021
A julgar pelo ano que encerra é melhor não fazer previsões, porém estar preparado para surpresas positivas ou negativas, falamos de resiliência em 2020 e isto significa estar preparado para situações adversas, de stress e de privações, claro mantendo sempre esperanças de melhoras.
Assisti o filme O sol da meia noite e alguns pensamentos sobre um possível futuro sombrio me vieram a mente, mas agora com um toque de humanismo e até de otimismo, ele é baseado no livro Good Morning, Midnight (2016).
O livro de Lily Brooks-Dalton será publicado este ano em português pela Editora Morro Branco, que adquiriu os direitos de publicação.
Embora a crítica não elogie, no mínimo é muito boa a atuação do ator George Clooney e o diálogo entre ficção e humanismo no filme é muito bem feito, deverá ter indicações ao Oscar.
A mistura de ficção científica com sentimentos parece inadequada, esta é uma das principais críticas, penso que em se tratando de uma crise profunda em nosso planeta é adequada esta mistura, a segunda crítica principal é o tipo de enredo, sem dúvida muito diferente, as vezes perdemos a sequência e precisamos pensar um pouco, neste ponto é curioso o sucesso no Netflix, talvez as pessoas tenham aprendido a gostar disto, reflexão é bom e nos leva a questões.
O filme me levou a pensar em 2021 pois é uma atitude resiliente, de minha parte, pensar se o pior acontecer o que eu poderei fazer de positivo para me ajudar e ajudar as pessoas.
Que venha a vacina, que iniciemos um processo de retomada da vida, porém esperamos que a nova normalidade seja mais humana, com um olhar mais empático aos que nos rodeiam, e que tenhamos mais solidariedade entre as pessoas, então a pandemia nos terá ensinado algo.
Porém é preciso mudar atitudes, comportamentos e mentalidades, não bastam gestos afirmativos de pessoas bem intencionadas e altruístas, é preciso levar mais a sério aquilo que podemos nos ajudar como humanidade, como sociedade e como pessoa.
Que venha 2021, com vacina e com muita solidariedade e se for necessário com muita resiliência.
Descaminhos e veredas
Enquanto o Ocidente padece com a covid-19, o oriente em meio a crise continua dando sinais de vitalidade e fortaleza, formaram um bloco de 15 países tendo a China, Coréia do Sul, Nova Zelândia, Japão e Austrália a frente, chamado de RCEP (Parceria Econômica Regional Abrangente, em inglês RCEP) foi assinado num encontro de cúpula regional em Hanói em 15/11, embora a conferência tenha sido online.
Um dos objetivos é reduzir progressivamente as tarefas em áreas essenciais nos próximos anos, além dos países que faziam parte do tratado asiático ASEAN, juntam-se Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Filipinas, Singapura, Tailândia, Vietná, o bloco tem metade da população mundial e quase 40% do PIB de todo planeta.
Além da pandemia o ocidente digladia-se com polarizações, crises com direitos de minorias e raciais, um degradante ambiente moral, no qual a corrupção é apenas uma parte de todo uma engrenagem estrutural em torno dela, com uma presença cada vez maior de migrantes de todo o planeta, mas em especial os árabes que tem uma cultura bastante diferente.
A zona do Euro terá que reforçar os laços para sair da crise econômica imposta pela pandemia, a saída da Inglaterra que finaliza em dezembro, ainda tem efeitos imprevisíveis também para a Inglaterra, mas o governo conservador de conseguiu se impor em meio a pandemia e prepara a primeira vacinação em massa no ocidente.
Na América Latina, o passo dado por Bolsonaro do Brasil e Fernandez da Argentina de fazer a primeira reunião bilateral não deixa de ser um alento, mas a chamada a uma cooperação das forças armadas mote do governo brasileiro e o pedido de colaboração na questão ambiental apesar do toque diplomático representam também uma provocação naquilo que os presidentes acreditam.
O governo eleito da Bolívia, partidário do deposto Evo Morales, tenta romper o isolamento convidando o líder oposicionista da Venezuela, mas usou na festa de libertação do estado de Potosí, a bandeira boliviana e a Whipala, símbolo da congregação dos povos indígenas.
O aceno para uma cooperação e formação de um bloco coeso do Mercosul está difícil de sair do papel para medidas concretas onde a cooperação, o respeito a diversidade política e cultural, e a cooperação além fronteiras seja um passo dado como no Oriente ou na ainda frágil União Europeia, acordos das Américas, como era a proposta do Nafta, se forem avante com Joe Biden devem ser um processo muito lento.
O ocidente vive uma crise, porém vive de fatos passados, o período colonial da Europa, a hegemonia política dos EUA e a América Latina cheia de riqueza cultural, ecológica e com promessas de um futuro pan-americano ficam apenas no sonho de muitos idealistas.
Vacinas em teste e a disputa econômica
Mesmo reconhecendo falhas nos teses, a vacina da Pfizer contra a covid-19 deve estar aprovada dentro de alguns dias, informou neste domingo o jornal Financial Times, assim o Reino Unido se o primeiro país do ocidente a ter uma vacina, e a vacinação pode começar já em 7 de dezembro, no Brasil a corrida é do Coronavac, não importa muito qual é mais segura, por trás das vacinas há acordos econômicos e investimentos feitos a maneira de apostas e não de critérios realmente científicos.
No Brasil a autorização é feita pela Anvisa, na Europa pela Agencia Europeia de Medicamentos e a saída do Reino Unido da União Europeia, a transição final do Brexit é para 31 de dezembro, mas a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido tem poder para autorizar temporariamente os produtos, e há um óbvio interesse do Reino Unido ainda que seja em parceira com a BioNTech alemã.
O mesmo processo poderia ser aplicado à vacina desenvolvida pela AstraZeneca e Universidade de Oxford (o Brasil participa pela FioCruz), no entanto na sexta-feira (27) o governo solicitou ao regulador que revisse a vacina AstraZeneca-Oxford, mostrando assim o interesse de fato.
Os dados atuais da eficácia da Coronavac, vacina produzida pela empresa chinesa Sinovac e que tem parceria com o Instituto Butantan, deve ser anunciada no início de dezembro, e uma aprovação em tempo recorde seria para janeiro, entretanto a eficácia é diferente dos testes que verificam efeitos colaterais, contraindicações e eficiência a longo prazo, também a Pfizer foi questionada recentemente devido aos testes.
Os estudos sobre efeitos de longo prazo indicaram que talvez uma única vacina não resolva o problema da pandemia, um artigo foi publicado em outubro no The Lancet Infectious Diseases, que acendia um sinal de alerta sobre as vacinas, e acrescentava que não se sabia até aquela data se as vacinas candidatas eram eficazes em formas graves da doença, o sinal de alerta fica no aceso.
A escatologia e o Natal
Como síntese ontológica da escatologia que desenvolvemos esta semana neste blog, retomamos Heidegger em seus três conceitos ditos aqui escatológicos.
Cuidado, Heidegger se apropriou da fábula grega na qual Júpiter e Cuidado que está dando forma a argila brigam pelo nome que será dado a figura criada, e chamado Saturno como juiz ele diz que a Júpiter pertencerá o espírito pois foi ele que o deu a forma, enquanto Cuidado terá a terra, já que a formou, e ao Cuidado pertencerá a forma da argila que ele criou, assim cuidar no momento presente.
Impessoalidade é aquela na qual ela rompe a relação com o mundo, e torna o indivíduo isolado, “fora das relações de familiaridade com o mundo” e assim quase sempre na ausência do outro. ela rompe esta relação, e faz o indivíduo isolado “cair fora das relações de familiaridade com o mundo” diz Heidegger.
Silêncio é aspecto final desta escatologia, é invocado quando o indivíduo já descobriu o si-mesmo, e volta ao mundo agora senhor de si próprio, assim é o retorno da paz e da relação harmoniosa com mundo, ainda que ele esteja em conflito, ou em uma de suas mortes.
O Natal não só não é comemorado por muitos cristãos de diversas seitas, embora curiosamente espera a nova vinda, que é a parusia e também ela é comemorada nas primeiras semanas do Natal, o tempo do advento, porém esta é a separação de que falamos do Ser da vida e o ser-para-a-morte.
Não estão desligados é nele que se desenvolve a morte, a ressurreição da vida e a nova vinda, ou um novo tempo, ou aquilo que acontece depois de uma pequena ou grande tragédia, penso que é verdade que vivemos um tempo assim, porém a escatologia que pretende negar a morte é ela própria a morte.
A necessidade urgente de mudanças na vida humana do planeta, no respeito ao próprio planeta, ao Outro que não é nosso espelho, não é da “nossa turma” é cada vez mais uma exigência de mudança, de morte de um sistema velho e o renascer numa nova perspectiva civilizatória.
E se esse tempo vier, esse fim escatológico qual é a recomendação bíblica para os que creem, é aquela que está em Marcos (Mc 13,33-34): “33“Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento. 34É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando”, assim mesmo que este tempo venha ou não “vigiai”.
Enquanto para o cristão deve significar uma eterna parusia, ou seja espera de um nova vinda, para os não cristãos deve ser estar atento a um novo tempo, a uma retomada de valores sociais, ecológicos e humanos que estão abandonados, em crise ou quase sucumbidos numa civilização em crise.
Um Natal sem grandes festas e consumismos deverá ser um Natal mais próximo de seu sentido, o Natal do Cuidado, da Impessoalidade (o respeito ao Outro) e do Silêncio, é uma escatologia quase perfeita, pois ela seria se de fato pudéssemos sentir a volta de um verdadeiro tempo de salvação.
Uma epistemologia e escatologia incompletas
Aquilo que a fenomenologia e a filosofia ontológica procura está no centro da crise científica e do pensamento que vive o ocidente, e cujo epicentro é europeu, no dizer iluminado de Peter Sloterdijk a Europa se recente de não ser mais o centro como no período colonial (chama-a de Império do Centro) e procura outras formas de colonialismo para levar o idealismo avante, aquilo que na literatura tem-se chamado de epistemicídio.
Ao negar as culturas originárias de outros povos, pensa estar encontrando a própria difusa entre o barbarismo e a antiguidade clássica, tenta um novo renascentismo explorando de maneira difusa a cultura grega clássica.
No plano religioso o desastre é maior, Slavov Zizek escreveu recentemente sobre o conceito religioso em Hegel, e este último dos pensadores que tentar reavivar o marxismo clássico, reelaborou a religião hegeliana, mas que já era presente em Feuerbach e o próprio Marx criticou, no fundo é uma teologia atéia, uma escatologia morta.
Morta porque este é na verdade o grande equívoco da escatologia idealista, não há transcendente para ela sem a separação de sujeito e objeto, precisa negar a substancialidade para afirmar sua “subjetividade” onde o sujeito precisa sempre estar morto, nega o ser-para-a-morte mote de Heidegger, mas afirma a morte em vida (e isto não é o epoché fenomenológico).
Toda forma de cultura originária, é obvio que inclui aquelas culturas não-cristãs, tem uma origem (o próprio nome o diz), a vida e o fim escatológico, que não é para onde se caminha, e neste ponto esta teologia incompleta tergiversa sobre o que de fato é a morte, em tempos de pandemia poder-se-ia dizer que a doença que pode matar, e aqui é idêntica aos negacionistas.
Por isto mesmo que apele para a fenomenologia será incompleta, levará os que as incorporam a exaustão, ao desprezo pela vida, que até mesmo no sentido religioso é algo profundamente sagrado, sua “biós”, sua substancialidade, para ser claro para os idealistas, sua objetividade, caem no abstracionismo teórico.
A única substancialidade desta escatologia incompleta é negar a religião para torna-la idealista e pedir o que é desumano, aquilo que em termos bíblicos chama de “colocam fardos pesados nos ombros dos outros” e que eles próprios se recusam a carregar, em tempos de pandemia nem entram e nem deixam os outros entrarem.
O exame final será substancial: “eu tive fome e me destes de comer, eu tive sede e me deste de beber …” e não será questionado se elaborou uma boa epistemologia ou teologia, aquela que fez do colonialismo o terror das culturas originárias.
Os pobres e a pobreza
O pobre é a condição desumana de vivência de uma determinada pessoa que pode ou não estar vinculada a condição social, já a pobreza é estrutural e onde ela existe boa parte da população ali está condenada a ser pobre.
Relatório da ONU de 2019 dava o dado de 500 milhões de pessoas vivendo em condição de pobreza, abaixo da linha da dignidade humana, o português Pedro Conceição, diretor do Escritório que fez o relatório do Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, cria um conceito importante da pobreza multidimensional, que cria indicadores ligados a saúde, à educação que são o impacto estrutural em suas vidas:
“Pobreza Multidimensional é um conceito importante, porque tenta perceber de que forma é que as pessoas vivem em pobreza, mas não só. Através do fato de serem baixos níveis de rendimento. Tende a medir também a forma como indicadores ligados a saúde e à educação têm impacto na forma como as pessoas vivem as suas vidas. Quando temos este conceito um bocado mais abrangente da pobreza, aquilo que verificamos é que o número de pessoas que vivem em pobreza é maior do que aquele número de pessoas que vivem em pobreza quando medimos apenas através do rendimento. Há 500 milhões de pessoas que vivem em pobreza multidimensional do que aquelas que vivem em pobreza extrema, se olharmos apenas para indicadores de rendimento.”
Assim quando medimos apenas o rendimento estamos encontrando aqueles que são pobres, e é preciso atacar o problema estrutural que é multidimensional.
O relatório diz que 85% da pobreza mundial está concentrada na África subsaariana, em países como Burquina Faso, Chade, Etiópia, Niger e Sudão do Sul, há 90% de crianças com menos de 10 anos consideradas multidimensionalmente pobres.
O relatório avalia os progressos que foram conseguimos para atingir o objetivo 1 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável que prevê erradicar a pobreza “em todas as suas formas em todos os lugares”, neste relatório o número cresce para cerca de 2 bilhões de pessoas que abrangem a pobreza global.
Locais onde há “um progresso estatisticamente significativo” para alcançar o objetivo 2 e reduções mais rápidas ocorrem na Índia, Camboja e Bangladesh, mas não se pode pensar que este desenvolvimento será “natural” se não houver um esforço por parte de países ricos de repensar a distribuição de renda.
Culturas saudáveis e talentos
Uma sociedade do cansaço, do medo e de pressões autoritárias podem sufocar talentos, esconder dons naturais que todas as pessoas tem, e que desenvolvê-los dependem de cuidados especiaiscomo dar tempo, espaço e ter sensibilidade para que eles se desenvolvam.
Outro problema grave é a exigência social de eficiência e a pressão por resultados, eles virão naturalmente se houver espaço para aprendizagem, crescimento e respeitos as diferenças culturais e sociais, desde o cultivo na família, passando pela escolaridade e pela estrutura social, somente os dons serão desenvolvidos quando estas estruturas estiverem preparadas para apoiar o talento individual.
Do ponto de vista pessoal é preciso superar muitas vezes sentimento de inferioridade, conversar e procurar apoio em especialistas e setores sociais que possam desenvolver a aptidão que tem, que muitas vezes precisa de aprofundamento vocacional e cultivar os dons que possui até que ele se expresse como um talento.
Todo o trabalho sociológico de Marcel Mauss, em sua Teoria do Dom é para demonstrar que nem sempre é a utilidade, a simples troca por vantagens financeiras que em muitas sociedades transformam os dons culturais e sociais em estruturas sociais saudáveis, onde se desenvolvem naturalmente aqueles talentos que cada pessoa possui, a questão da troca e da reciprocidade são estudadas em algumas culturas antigas.
Ao estudar culturas não europeias, o dom no ciclo virtuoso dar-receber-retornar, Mauss ajudou a desconstruir o universalismo europeu, e pode ser considerado uma das fontes de estudos da decolonização.
Em seu ensaio o antropólogo e sociólogo Maus, percebeu muito cedo este desafio de aproximar uma discussão sobre a relação entre a crítica decolonial e a crítica antiutilitarista como a sua visão do “dom” que pode e deve se desenvolver em harmonia social.
Ao estudar culturas não-ocidentais, Mauss procura demonstrar o valor saudável e “universal” do sistema do dom, sob a forma do ciclo de dar-receber-retornar, existia antes do surgimento do mercado e do Estado e continua a existir, apesar da ideologia utilitarista dominante que buscar enfatizar o egoísmo e o mercantilismo dos talentos.
A parábola bíblica dos talentos, onde um homem ao viajar ao estrangeiro entrega seus bens aos seus empregados, dando “talentos”, embora isto signifique um valor financeiro a analogia com os talentos individuais fica clara no texto, diz a leitura Lc 25,14-15 : “Um homem ia viajar para o estrangeiro. Chamou seus empregados e lhes entregou seus bens. A um deu cinco talentos, a outro deu dois e ao terceiro, um; a cada qual de acordo com a sua capacidade. Em seguida viajou”, e a parábola afirma que o que recebeu cinco dobrou o seu talento, enquanto o que recebeu um o enterrou para devolver quando o patrão voltasse.
Assim não se trata de igualitarismo, mas de uma livre distribuição de dons e como cada um trabalha seu talento, num contexto saudável no caso da parábola o homem “vai para o estrangeiro”, isto é, cada um pode trabalhar seu talento conforme recebeu, e ao voltar ele dá uma recompensa maior ao que mais trabalhou os talentos que recebeu, porém todos recebem algum “valor” em talentos e tem a oportunidade de desenvolver, também é claro que neste contexto é a capacidade de cada um em receber e retornar os talentos, como Mauss completa o ato do “dar”, criando um ciclo virtuoso.