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Visita a Roma, Contraofensiva e Prêmio Pulitzer
A semana foi toda protagonizada pela Ucrânia: visita a Roma e ao papa, avanços em Backhmut e fotos da guerra chamaram a atenção ao ganhar o prêmio Pulitzer, as fotos são chocantes e talvez digam mais que palavras, já que hoje há até retóricas incompreensíveis a favor da guerra.
No plano estratégico, não há o analista português Germano Almeida apontou: “aqui no Ocidente não temos ainda conhecimento dos planos, portanto há uma ideia ucraniana de isto é só o começo e ninguém sabe onde é que na verdade essa contraofensiva pode ser feita porque a questão de Bakhmut pode ser uma primeira manobra de diversão [despiste] e o essencial e a ofensiva em massa ser noutro local”, disse Germano.
A visita a Itália, além do apoio já declarado do país, as visitas ao presidente italiano Sérgio Mattarela e com a primeira-ministra Giorgia Meloni, também participou de um talk show da TV italiana, sobre o papa tudo que se sabe é de um acordo humanitário a refugiados.
As imagens que ganharam o prêmio têm também a de um brasileiro na lista: o carioca Felipe Dana que filmou e fotografou cenas de Bucha, a mais cruel e violento massacre feito pela Rússia na ucrânia (primeira foto abaixo), vale lembrar que também a guerra do Vietnã teve prêmios sobre os horrores lá.
Algumas imagens do prémio Pulitzer 2023 (no total foram 30) dada a vários fotógrafos da Associated Press, incluindo o brasileiro, se palavras não comovem talvez as imagens o façam.
O Outro, o Infinito e a Verdade
O desenvolvimento da questão do Ser na filosofia moderna não se separa da questão religiosa, Gadamer lembra o exemplo dos deuses nas obras de arte desde o mundo grego (Gadamer, 1997, p. 18),
O outro é tratado em diversos âmbitos da ontologia, tornando-se quase uma categoria essencial.
Outro ponto importante no caminho para Verdade, afirma que é preciso reconhecer: “A finitude do próprio compreender é o modo como e onde a realidade, a resistência, o absurdo, e incompreensível alcança validez.” (Gadamer, 1997, p.24), e expande esta história também para a histórica, onde vai criticar o historicismo romântico de Dilthey e ressalta que não é a-histórico.
Assim o caminho (ou o método) para a Verdade é traçado o desenvolvimento do círculo hermenêutico como um novo e revolucionário método para a Verdade, ouvir o texto (ou o Outro) e realizar uma fusão de horizontes, onde é possível ver e repensar mais claramente a Verdade.
A simples elaboração de narrativas que justifique o poder determinadas verdade não é senão uma volta a obscuridade e o oportunismo do discurso sofista moderna, agora usando como recurso os limites e as especialidades de determinadas ciências, por exemplo, o direito e a economia que vistas em seus campos restritos não são senão sofismas que se justificam mutuamente.
Ao analisar a possibilidade do fim da metafísica, Gadamer ressalta: “Se a ciência se elevar à tecnocracia total, e com isso cobrir o céu com a “noite do mundo” do “esquecimento do ser”, o nihilismo predito por Nietzsche, pode-se então ficar olhando atrás do último rebrilho do sol que se pôs […]” (GADAMER, 1997, p.27), ou seja, a ciência não está a parte desta questão.
Um humanismo verdadeiro deve olhar para o infinito, não apenas aquele que agora é visível pelo megatelescópio James Webb (que traz muitas questões também), não pode deixar de ignorar o infinito, o mistério e o fenômeno religioso.
Para os cristãos, esta verdade foi revelada humana e visivelmente em Jesus, na semana passada lembramos os discípulos dizendo “mostra-nos o Pai” (Jo 14,8), agora noutra a frente Jesus se revela mais plenamente aos que o seguem (Jo 14, 16-17): “e eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não o vê nem o conhece”.
Não se trata de uma Verdade arrogante, ela pode e deve dialogar com as culturas de nosso tempo.
GADAMER, H.G. Verdade e método. tradução de Flávio Paulo Meurer. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
A questão fundamental do método
Não poderia faltar a questão histórica, aliás antes do livro “A verdade e método”, foi uma palestra de Gadamer que deu início a esta obra, chamada de “A questão da consciência histórica”, o livro foi corrigido e traduzido para o inglês depois da publicação da obra magna, e desta versão veio a versão para o português.
Assim afirma o autor: “Pois, somente com o fracasso do historicismo ingênuo do século histórico, torna-se evidente que a contraposição que há entre a-histórico-dogmático e histórico, entre tradição e ciência histórica, entre antigo e moderno, não é absoluta.” (GADAMER, 1997, p.22).
Assim é diante desta finitude do conhecimento que se deve partir: “A finitude do próprio compreender é o modo como e onde a realidade, a resistência, o absurdo, e incompreensível alcança validez. Quem leva a sério essa finitude tem de levar a sério também a realidade da história” (Gadamer, 1997, p.24), e a partir daí retoma e reorganiza o círculo hermenêutico.
Assim o que chama de história efeitual parte da compreensão do “que torna tão decisiva a experiência do tu para toda autocompreensão” (idem), será a partir daí que vai elaborar sua hermenêutica filosófica, que parece paradoxal afirma: “justamente a crítica de Heidegger ao questionamento transcendental e seu pensamento da “virada” (Kehre) serve de fundamento ao desenvolvimento do problema hermenêutico universal, que eu empreendo” (Gadamer, 1997, p.25), e assim para ele “a linguagem não surge na consciência de quem fala” e não tem nada a ver com a subjetividade, pois a experiência do sujeito não tem nada de “místico” ou de “mistificador”.
Esclarece que sua metodologia está além de uma visão puramente metafísica, e diz sobre o método do idealismo: “acho que a Crítica da razão pura, de Kant, é vinculante, e que as proposições que nada mais fazem do que acrescentar, pelo pensamento, e de modo dialético, o infinito ao finito, o ente em si ao que é experimentado humanamente, o eterno ao temporal, considero-as como meras determinações extremas, das quais, pela força da filosofia, não se poderá desenvolver nenhum conhecimento próprio.” (GADAMER, 1997, p.26).
Com relação a metafísica, esclarece que mesmo a tradição hegeliana, que não abandona a ideia do infinito, tem: “a tradição da metafísica e especialmente a sua última grande formulação, a dialética especulativa de Hegel, contém uma proximidade constante.” (idem).
E retoma a questão heideggeriana do esquecimento do ser: “O que significa o fim da metafísica, enquanto ciência? O que significa seu finalizar em ciência? Se a ciência se elevar à tecnocracia total, e com isso cobrir o céu com a “noite do mundo” do “esquecimento do ser”, o nihilismo predito por Nietzsche, pode-se então ficar olhando atrás do último rebrilho do sol que se pôs […]” (GADAMER, 1997, p.27).
A abertura ao Outro, abre uma perspectiva de fusão dos horizonte de encontro do Ser, que aplica novo sentido ao texto (ou discurso) e permite interrogar-se sobre a verdade e alcança-la, eis o círculo hermenêutico.
GADAMER, H.G. Verdade e método. tradução de Flávio Paulo Meurer. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
A ausência de Areté
As virtudes e formação educacionais gregas, através da paideia referia-se a formação total do homem grego, assim a Areté era este cume (traduzido como ideal, porém o ideal moderno refere- se mais ao dualismo subjetivo x objetivo do que ao Eidos grego, que está mais ligada a ter visão, dar-se-a-ver a realidade).
Assim estão visão total (para a época, mas menos segmentada que hoje), indicava um homem cidadão da polis com atributos virtuais (este é o verdadeiro sentido, vindo de virtus), que o colocavam em conjunto harmônico com as cidades-estados e seus estatutos.
Tanto na cultura, como principalmente na política de hoje, estes atributos estão pouco em falta, trata-se mais de construir uma narrativa que justifique todo poder brutal sobre o cidadão, assim as leis são feitas de modo a proteger a oligarquia no poder, é verdade também que na época dos gregos os que eram cidadãos eram limitados aos homens livres (haviam escravos) apenas.
O agravamento da bipolarização, onde não é possível a convivência tem uma vertente perigosa para os autoritarismos exclusivistas onde uma parte da sociedade deve ser segregada.
A areté está em falta, assim é impossível pensar em estadistas, líderes que pensem no conjunto da sociedade, porque sua cultura e conceitos estão fundamentados naquela parte que pertecem e arrogam em dizer que seu modelo é universal justificando assim sua barbárie.
Já na leitura dos históricos livros “Ilíada” e “Odisséia” registramos este ideal de areté como força, destreza e heroísmo dos guerreiros, qualidades que eram incomuns aos homens daquele tempo, assim é fato que na origem serviam também ao propósito da guerra.
Porem uma areté moderna que nos levasse a honestidade, ao espirito de diálogo, não a hipocrisia de falar apenas com os que nos convém, poderia nos levar a um novo eidos civilizatório.
Uma cultura que não ignore a história e o que há de bom e de lição através dela, uma visão da polis que ultrapasse o egoísmo partidário e o jogo de interesses, uma política que pudesse “ver”.
A cegueira mundana leva mais e mais o processo civilizatório ao colapso, a barbárie e ao ódio.
Somente uma areté moderna que leve os homens a uma cultura de paz, reverterá o processo civilizatório ao bem comum.
A guerra e o pão nosso
Como uma das maiores produtoras de grãos, a Ucrânia em guerra certamente afetaria o mercado, e demorou mas aconteceu, a bolsa de Chicago registrou na última semana um avanço no preço do trigo, e logo chegará ao mercado e no nosso pão de cada dia.
Um produto em alta pode arrastar outros produtos (como é o caso do milho, por exemplo), os países mais avançados pareciam já saber disto e tomaram medidas preventivas: China, Rússia e EUA já vem reforçando estoque e tomando medida de proteção, no nosso caso confiamos na agroindústria, mas não podemos esquecer que somos parte de um comércio global.
E se a guerra terminasse, traçamos um quadro na semana passada da contraofensiva ucraniana e da expectativa russa, que espera nova ofensiva no Norte, como foi na retomada de Kharkiv no ano passado, porém agora parece que o cenário será diferente.
A guerra cresceu em tecnologia, a Rússia tem bloqueado com frequência foguetes móveis fabricados nos EUA na Ucrânia (segundo a CNN), enquanto a Ucrânia interceptou o sofisticado míssil hipersônico russo (segundo o G1).
tem bloqueado os sistemas de foguetes móveis fabricados nos EUA na Ucrânia com mais frequência nos últimos meses,
No Norte onde estão as novas repúblicas de Donesk, sendo conta o analista Niklas Masuhr do Center for Security Studies da Escola Politécnica Federal de Zurique, a Rússia ergueu trincheiras na região, para evitar as ações ucranianas que são sempre improváveis e trocam com facilidade de lugares pois conhecem o terreno (site uol).
Porém os ataques podem acontecer ao sul, apesar de serem pequenos vilarejos em volta de Odessa, como Lazurne (3.800 habitantes), Zalisniy Port (1.500 habitantes) e Krasne (1.300) cidades praieiras e a estratégia Zaporizhzhya.
A tática ucraniana tem sido sempre a de surpreender o exército russo e mudar de estratégia onde encontra menos resistência, boa parte do exército russo foi retirado da Criméia que é próxima a esta região via Mar Negro, o comércio de grãos já olha este cenário.
A semana que se inicia dirá qual a estratégia e tática de cada lado, infelizmente a guerra prossegue e o prejuízo a toda humanidade começará a chegar a mesa de todos, e dos mais pobres em especial.
A questão da consciência do Ser
Graças a novo e surpreendente avanço das máquinas de inteligência profunda (deep learning) a questão da consciência, que já era pensada na filosofia, agora espalha-se por todas áreas do pensamento, e o que tratamos nos posts anteriores tratam disto também.
Agora trata-se de decidir se é possível pensar a consciência apenas como algo lógico e instrumental, então a máquina através de algoritmos profundos e elaborados em diálogo com humanos poderia alcançar este patamar, se algo além, que reformulamos na categoria para-si, então temos que pensar numa consciência do universo e ela não pode ser uma coisa, mas um Ser.
Porque há algo e não o nada é uma questão levantada desde Leibniz, que a resolve através da mônada, e Deus é (seria) a “Mônada das mônadas” (a frase é de Hegel, sic!), depois o universo foi colocando em movimento, depois num espaço-tempo quântico, o Big Bang, e agora o telescópio James Webb capta uma imagem que seria de uma possível origem do universo, com muitas galáxias, algo está errado.
Em artigo publicado na revista Nature em 22 de fevereiro, “A population of red candidate massiva galaxies 600 Myr after Big Bang”(Labbé at all, 2023) (Myr, milhões de anos luz) indica que próximo ao big bang já haveriam galáxias massivas e não as primeiras formações das nebulosas, por exemplo (ver nosso post), então será que já havia um universo em formação deste o início ?
Independente disto permanece a questão: quem o que ou que mistério envio o início de tudo.
Assim como não se pode falar da ética sem a metafísica, ela não é algo substancial e sim espiritual, também não se pode falar da consciência apenas como algo natural, baseada na experiência.
Partindo da fenomenologia husserliana, o seu discípulo Heidegger elaborou a consciência assim: fenomenologia (experiência) da consciência não é um caminho que se encontra ante a consciência natural e que a conduz em direção do absoluto, como um itinerarium mentis in deum (HEIDEGGER, 2007, p. 169), antes é o curso que segue o próprio absoluto no caminho à verdade do seu aparecer completo. (HEIDEGGER, 2007, p. 169)
Mas Heidegger segue como em todo o edifício moderno, tem a questão do saber como pilar da consciência natural, não admite uma consciência revelada transcendente (para-si), sendo assim um saber que ainda não realizou em si toda a verdade (HEIDEGGER, 2007, p. 169).
Assim trata-se de negar a verdade revelada como verdade, embora sua consciência permaneça ligada ao Ser (é ontológica como seu pensamento), não há possibilidade um puro Ser primordial, um Ser-para-si, onisciente e onipotente, então ficamos olhando para a imagem do telescópio.
Há uma para-si transcendente que envolve esta questão, e assim uma consciência que se projeta além até mesmo do início do universo, e que ao mesmo tempo é presente em cada ser-em-si.
HEIDEGGER, Martin. Hegel. Traducción de Dina V. Picotti C. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2007.
Contraofensiva da Ucrânia e a paz
Na quarta-feira assada Volodimir Zelenksy da Ucrânia falou com o presidente da China Xi Jinping e algumas negociações para a paz parecem ter avançado.
Em seu twitter Zelensky afirmou: “Acredito que esse telefonema, assim como a indicação do embaixador da Ucrânia na China, dará um ímpeto poderoso ao desenvolvimento de nossas relações bilaterais.”
A narrativa de país pacificador entra em contradição com as declarações controversas de seu embaixador na França, Lu Shaye, também as forças de esquerda no exterior começam a mostrar um posicionamento pró-Putin, como uma motociata feita na Alemanha neste sentido.
Por outro lado, no campo de batalha, a contraofensiva prometida ela Ucrânia começou, diversas posições russas foram atingidas, em territórios conquistados, na Criméia e inclusive algumas vilas russas, a Rússia esperava uma ofensiva na Criméia ou no Donbass onde suas tropas enfrentaram batalhas sangrentas nas últimas semanas, como a de Soledar e Bakhmut (ver no mapa em azul as reconquistar ucranianas em vermelho a invasão russa).
Em setembro do ano passado enquanto a Ucrânia ameaçava ataques ao sul, fazendo a Rússia deslocar forças para lá, acabou atacando ao norte, onde o exército russo teve enormes perdas.
A Rússia retirou a maior arte de seu arsenal militar da Criméia, entretanto uma base de abastecimento de combustível foi atingida nesta nova contraofensiva ucraniana, assim indica que espera ataques ao norte.
O impasse de forças na região do Donbass pode indicar a verdadeira fonte de conflito neste momento, e o lugar onde a Ucrânia pretende concentrar sua contraofensiva, desta vez a Rússia parece esperar porque já deslocou as tropas da Criméia, mesmo tendo a explosão do depósito de combustíveis por drones no final de semana.
O grave desta situação é que adia qualquer possibilidade de paz, os dois lados esperam ter territórios garantidos antes de qualquer rodada de negociação.
Duas utopias em conflito
Não há espaço para a poesia, para o encanto, para a contemplação, a sociedade da eficiência e da performance transforma o pensamento em sentidos sensuais, comerciais e lucrativos, puro viver num egocentrismo ineficiente e vazio, o Ser se esvazia e busca desesperadamente o aroma e o gosto onde não só há um nada para ser plenificado.
Não há espaço até mesmo para o deificado pensamento, frases soltas arrancam suspiros, “a vaca não dá leite” diz um bom filósofo brasileiro, mas o que é o trabalho e dá sentido ao trabalhar para produzir um leite (veja Arendt no post anterior), que é modificado que e chega alterado nas prateleiras, e atualmente muito caro.
Outro pede professores e diz que “ser louco é a única possibilidade de ser sadio nesse mundo doente”, mas que de qual doença fala, se não houveram pessoas sãs e serenas em quem as pessoas simples podem se inspirar, é preciso ser são para poder falar do saudável e do louvável.
Não há ética sem seres éticos, é verdade que as grandes metanarrativas falharam, mas a polarização obriga os novos sofistas a se justificarem nas narrativas vencidas e datadas historicamente, nenhuma delas foi capaz de evitar a guerra, e qual ciência é capaz de evitá-la?
Li uma frase de Morin, e já postei aqui que a ideia de paz exige uma certa utopia, em entrevista no ano 2000 à Rede Cultura (abaixo), ele fala de duas utopias: uma negativa que promete um mundo perfeito, em que todos se reconciliam e há uma perfeita harmonia, esse é impossível (e diria mentiroso) e a outra a positiva é realizar o mundo mais perfeito, não é “O admirável mundo novo” de Aldous Huxley (não por acaso, o chatGTP escolheu com um dos 10 maiores filmes), ela diz algo é impossível porém pode se realizar: um mundo de paz e um mundo sem fome, são realizáveis.
Sem liberdade e fraternidade a utopia humana não se realiza, autoritarismo é utopia negativa.
Tentar reduzir as desigualdades, aumentar a tolerância entre culturas diferentes, respeitar direitos dos povos, raças e gêneros, o que falta afirma Edgar Morin, é aumentar “o estado da consciência e do pensamento que permita a realização”
Sabe que existem forças extremamente negativas que ao ajudar um país que sofre de inanição a ajuda é desviada pela burocracia e pela corrução, ele explica que a fraternidade deve vir dos cidadãos e diria que a vigilância também, se justificamos a corrupção e a burocracia não ajudamos a resolver problemas essenciais a vida humana.
Há soluções utópicas possíveis, conforme afirma Morin que as chama de positivas.
Paixão civilizatória: crise e clareira
Não é a primeira crise civilizatória a que passa hoje a humanidade, se ela tem raízes no pensamento que desenvolveu uma forma de polis nacional e chauvinista, os impérios são a expressão multinacional desta forma de olhar as nações, esta, porém tem um agravante: a possibilidade de uso de armas nucleares e biológicas de extinção em massa.
Porque uma paixão comparando-a com a paixão de Jesus, já traçamos durante toda semana passada a questão da inocência e os aspectos trágicos e jurídicos que ela envolve, o Brasil viveu esta semana um drama na cidade de Blumenau a morte de crianças inocentes, o aspecto mundial é aquele que a partir de concepções e visões de mundo ideológicas se promova uma crise sem limites, este é o lado passional (na foto a tragédia na cidade de Bucha, Ucrânia).
A entrada que anunciamos no início da semana, da Finlândia na OTAN cria uma grande área de fronteira da OTAN com a Rússia permitindo uma guerra por via terrestre em uma área onde é sensível e existem resquícios de intolerância histórica recente, a chamada “guerra do inverno” de 1939.
Se a Rússia fizer o que chama de “contramedida” e ela pode ser no campo militar, já que no campo econômico e de comércio não há nada que possa ser mais grave que o quadro atual entre as nações, uma retaliação militar dispara um gatilho perigoso que terá uma resposta da OTAN.
É possível uma clareira, aquela que Heidegger reivindicava em meio a floresta destas hostilidades, a clareza que não haverá vitórias unilaterais, a própria guerra com a Ucrânia não parece ter final possível este ano, a menos que haja uma rodada de negociação de paz.
A China tomaria posição ofensiva em sua retomada da ilha de Taiwan que julga parte de seu território, o Irã está cada vez mais próximo da Rússia e boa parte da América Latina tem governos mais a esquerda atualmente, enfim este complicado quadro mundial político, pode ser o motivo para abrir uma clareira em meio a floresta de ódio e hostilidades que vai se abrindo a cada passo da guerra.
Será uma grande paixão da humanidade, como todo sofrimento, este numa escala inimaginável trás um trauma e depois uma reflexão ao ver as enormes perdas que a situação envolve, será sem dúvida num possível quadro trágico jamais visto, uma nova “clareira” da consciência civilizatória.
A paz é sempre possível, é sempre possível evitar perdas de vidas inocentes se houver prevenção.
A policrise e pensar alto
Quando pensamos apenas nas coisas cotidianas, elas são importantes e até fundamentais, muitas vezes deixamos de perceber o que de mais profundo implicam nelas, o pensamento e a cultura que estamos imersos e que apontam aceleradamente para uma policrise.
A palavra cunhada por Morin foi retomada em uma entrevista ao Le Monde, onde ele enfatizou: “A crise da saúde desencadeou uma engrenagem de crises que se concatenaram. Essa policrise ou megacrise se estende do existencial ao político, passando pela economia, do individual ao planetário, passando pelas famílias, regiões, Estados. Em suma, um minúsculo vírus em um vilarejo ignorado na China desencadeou a perturbação de um mundo”(Le Monde, em 20 de abril de 2020).
Em seu livro VI do Método: a ética, ele explica: “Nossa civilização separa mais do que liga. Estamos em déficit de religação e esta se tornou uma necessidade vital”, assim não como não pensar em coisas do alto: a empatia, a civilidade, a cordialidade e outros valores que aos poucos foram se perdendo e nos embrutecendo como civilização.
Como pensador complexo o seu pensamento é antidisciplinar (no sentido de especialidades rígidas) e transdisciplinar (no sentido de recuperar o todo perdido em fronteiras rígidas do pensamento que definem apenas um aspecto da vida).
Os operadores do pensamento complexo (o livro Introdução à Complexidade é fundamental) é como diz a própria palavra intrincado e abrangente, porém destaco dois pontos essenciais ao seu método, o aspecto dialógico e hologramático.
O dialógico considera a união de termos opostos e contraditórios como complementares, por exemplo vida e morte, este paradoxo é vivido no sentido sagrado nesta semana de Páscoa, embora não se limite ao religioso, pode e deve ser pensado no existencial e político.
O hologramático destaca que o aparente paradoxo dos sistemas são partes componentes de um todo (na figura a formação do universo), assim como cada parte tem prefigurado um aspecto do todo, o exemplo mais comum é o do caleidoscópio, porém o do corpo humano também é interessante, cada parte é viva pelo funcionamento do todo e auxilia o todo a funcionar.
Nos comportamos como torcidas fanáticas e desinteressadas do todo por exercer de modo demasiado uma cultura material, puramente terrena e humana que torna o todo, o alto e o divino inconcebíveis no dia a dia.