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Como reagir ao medo e a evolução da pandemia
Conhecer nossas fragilidades e angústias é um caminho do autocontrole, porém digo o que é o medo e como podemos controlá-lo numa pandemia em que todos nos descobrimos frágeis podem ser pensados em 7 aspectos que são essenciais.
Uma reflexão do que causa estes sentimentos em nós é importante e a primeira atitude, um pouco de meditação e silêncio e nos perguntar qual a consciência que temos dos perigos e as atitudes frente a eles é fundamental, assim além das atitudes sanitárias corporais existem as mentais e/ou espirituais, sem as quais ficamos apontando culpados fora de nós.
A segunda já apontada na primeira é a consciência, lembrando que consciência é sempre, diz a fenomenologia, consciência de algo (ou da coisa do fenômeno) que significa o que nos causa medo, qual a sua origem, as fobias do passado, entes perdidos, relações sociais, etc.
O terceiro é entender que existe uma “coisa” na relação entre você e o outro que está na fronteira do seu medo, atribuí-lo ao outro é um escapismo, estudo o que causa o medo e não antecipe percepções, é o que se chama na fenomenologia de epoché, neste caso, colocar entre parêntesis.
Medos e fobias desembocam em ansiedades, e se ela já está presente como consequência do medo, controle das emoções e não torná-las caóticas e irracionais, é fundamental, dê um passo atrás, note se a relação com os outros não está indo para este caminho.
Compartilhe o medo com o outro, mas com mansidão e clareza, isto não me dá segurança ou não é aquilo que penso (não é sua consciência sobre a coisa), mas respeitando a visão do Outro.
Por último é claro um especialista pode ajudar, não sei o quanto eles estão inseridos no sistema de saúde, mas no momento de pico da pandemia estas sensações podem vir a tona e talvez seja o caso de solicitar ajuda de especialistas.
O importante também neste caso é o isolamento social, dar espaço a cada um, não cutucar as feridas e fragilidades do outro, ou o que é mais indigno, explorar justamente a fragilidade do outro desconhecendo que também temos a nossa e gostaríamos que fosse respeitada.
Entre a passagem e a porta
Toda passagem é sobre algum perigo: um precipício, uma vereda estreita com animais ferozes a volta, na Páscoa a morte e ressurreição, na pandemia atual: as mortes e privações de liberdade, e um futuro incerto, mas que deverá abrir uma fusão de “novos horizontes”, sim pois o diálogo deve ser entre culturas e civilizações com cosmovisões diferentes e não em grupos fechados.
A porta e o “caminho” (pode se pensar em ciência como um método) pelo qual podemos e devemos passar para entrar em uma nova realidade, que pode muito bem ser a casa comum, a harmonia entre homens e destes com a natureza e indo mais longe com o cosmos, que sabemos tem leis ainda menos conhecidas por nós.
A complexidade que envolverá este futuro deve ter um pressuposto básico, ou emergimos de uma triste crise juntos, ou aprofundamos nela e teremos na próxima virose mundial (pode ser nova crise ou não) uma realidade ainda mais dura, a passagem deverá ter uma porta e a abrimos juntos.
Seremos mais pobres num primeiro momento, isto é absolutamente certo, teorias da conspiração que este ou aquele se sairão melhores é mera especulação, até para os endinheirados, as bolsas despencam, vi um dono de uma cadeia de lojas brasileiras esbravejando, até as portas das igrejas estão fechadas, então quem terá a passagem pela porta é aquele que aprendeu a solidariedade.
Só faremos a passagem após o fim da pandemia se continuarmos a lutar e sonhar, abrindo nossas portas.
A verdade e a complexidade da existência de Deus estão muitas passagens bíblicas, os profetas antes da vinda de Jesus tiveram revelações misteriosas em sonhos, Isaías previu o cativeiro na Babilônia, na Babilônia, Daniel desvendou o sonho do rei Nabucodonosor, entre vários outros até que José ao saber que Maria estava grávida fugiu e em sonho o anjo o avisou sobre a verdade.
A verdade histórica (no sentido que Gadamer apontou) precede a verdade mística, João Batista foi o último e o maior dos profetas, e Jesus várias vezes pronunciou “em verdade, em verdade vos digo” geralmente quando contava uma parábola, em uma das passagens Ele diz ser a “porta” e afirma (Jo 10, 10): “O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”, mas é imperativo passar pela verdadeira porta entre tantas que prometem maravilhas, mas não proclamam a solidariedade mundial.
Que este tempo de dura prova da pandemia nos sirva para abrir a alma e recriar um mundo mais fraterno, onde haja a vida seja plena para todos cidadãos, mas isto terá que ser construído com a paciência que aprendemos na pandemia.
A variação eidética, método e phonesis
A filosofia que tentava superar Kant, mas ainda estava de algum modo vinculada a sua tradição lógica é chamada de filosofia continental, Frege é um pouco a partir porque parte para o que ficou chamado de filosofia analítica, com sérias consequências até hoje, mas o assunto é profundo.
Assim a hermenêutica desde Scheiermacher a Dilthey é ainda aquele que por uma certa “construção lógica” chegamos a interpretações dos textos de modo “correto” ou “objetivo’.
Paul Ricoeur e Hans Georg Gadamer nos libertarão disto, traçam uma ontologia onde há um reconhecimento do pré-conceito (a forma de escrever é nossa) e a compreensão final podem ter aberturas e “fusões de horizontes” onde o contexto temporal afeta a ontologia do intérprete.
Esta “abertura” é coerente com os modelos da física, onde o observador faz parte daquilo que é observado, e sua visão de mundo interfere diretamente na sua interpretação, assim tem um aspecto temporal que é no fundo o que Heidegger desvela no “Ser e tempo” (1927), porém a descrição do círculo hermenêutico de modo sistemático só aparece em “Verdade e Método” (1960) de Gadamer e “Tempo e Narrativa” (1983) de Ricoeur, termo muito usado atualmente e pouco conhecido.
Antes de entender a fusão de horizontes, usando a subjetividade kantiana, podemos dizer que há uma intersubjetividade, após um texto ser publicado ele deixa de ter a intenção autoral e está sujeito a interpretação e não há uma única leitura “correta”, porém não significa relativismo.
Um texto de impacto provoca as vivências dos leitores, o método de Gadamer para encontrar a verdade é aquela as quais todos poderiam aderir ao diálogo, aceitando a experiência do mundo real, dita pelo autor da seguinte forma:
“A compreensão e interpretação dos textos não é meramente uma preocupação da ciência, mas pertence obviamente, à experiência humana do mundo em geral” (Verdade e Método, 1960).
Isto é o que supera a atitude meramente teórica (até dos que reivindicam a prática e esconde seus métodos) aderindo ao que os gregos chamavam de phronesis (sabedoria prática), e nos dá a possibilidade de convergir, e torna o diálogo profícuo e útil, o contrário é proselitismo.
O processo pelo qual deve passar a vacina do coronavirus além de cumprir um protocolo, deverá através de sucessivas interações com o mundo real, teste em animais, observação de reações até o uso humano passar por sucessivas análises além da experimentação, é um tipo de phonesis.
A pandemia no Brasil e a esperança mundial
Iniciamos a semana com um cenário não apenas de sofrimento, ele acontece desde o inicio da pandemia mundial, mas de turbulência política e desinformação sobre a pandemia.
Através de gráficos e números contundentes procuramos mostrar, mesmo para um público leigo e exceto quem é da saúde todos somos um pouco leigos, mostramos a subida da curva e que não dava nem sinais de atenuação (que seria iniciar uma subida menos íngreme) nem de arrefecimento.
A política de informação e intervenção do Ministro da Saúde que saiu era um alento, mas a política atual além de mostrar números frios e “apostar” numa atenuação da curva ainda não há uma clara intervenção na doença, que é tratada como uma fatalidade.
Continuamos defendendo para o Brasil o #LockDown, mas a política é apostar que o pico será em Maio, sem nenhuma análise convincente para isto.
Há sinais na Europa que o pico passou, o líder do Brexit (saída da Inglaterra da comunidade européia), o primeiro-ministro britânico Boris Johnson infectado com o convid-19 agradeceu dois médicos estrangeiros que segundo as próprias palavras dele “salvaram minha vida”.
A pandemia já mudou o modo e a cultura de como pensamos, os líderes e pensadores midiáticos é que não mudam, estão defendendo seu discurso de establishment que rendem palestras caras e a desinformação cultural e social que vivemos, já citei dois pensadores, Edgar Morin que afirmou ao L´Obs que nosso modo de viver “tóxico” está mudando, e Byung Chul Han *no El País) mostrou por que a cultura oriental que é disciplinadora (não confunda-se com a autoritária) favorece o combate a pandemia.
Temos que ter sempre esperança, e a maior que podemos ter nestes tempos de pandemia é aquilo que a humanidade sempre sonhou, uma pátria para todos, o cuidado com a “casa comum” e a reunião dos líderes religiosos: muçulmanos, cristão, drusos e judeus em Jerusalém (foto acima) é sinal que há algo sim em mudança e que a mudança se aprofunde.
O caminho da subida
Tanto para a fé como para a ciência o caminho de subida é contemplar a verdade e como propõe o filósofo da ciência Karl Popper, trilhar o caminho da falseabilidade e a ciência como projeto humano, não é impassível de transformação, por isto surgem diversas teorias.
Porém a arrogância e uso de autoritarismo é incompatível com a fé, a Encíclica Veritas Splendor de João Paulo II, ao lado da afirmação da fé estabelece também na alínea 39: Não só o mundo, mas o homem mesmo foi confiado ao seu próprio cuidado e responsabilidade. Deus deixou-o «entregue à sua própria decisão» (Sir 15, 14), para que procurasse o seu Criador e alcançasse livremente a perfeição Alcançar. significa edificar pessoalmente em si próprio tal perfeição”, não se trata da perfeição platônica, mas exatamente da subida que Teilhard Chardin propõe, é, portanto, um caminho e não um estado, assim há pessoas capazes de atitudes externas, mas sem valores.
O diálogo pode ser estabelecido nestas circunstâncias, e há determinados assuntos, como é o caso da medicina e muitas outras profissões é necessário que a verdade, ou a verificação da falseabilidade como propôs Popper, seja verificada pela ciência.
Um comentário sobre a fé, é interessante que Jesus Ressuscitado que aparece depois da Páscoa, vai assar um peixe, conversar com Tomé que põe em dúvida que estaria vivo, exortar os discípulos, mas não há nele nenhuma demonstração de espetáculos ou de milagres.
O iluminismo pretendeu apresentar sua luz, porém é na “clareira” heideggeriana que a filosofia moderna encontrou um caminho, a retomada ontológica, e só através dela pode-se sair melhor da crise pandêmica, olhar um mundo terreno onde habita o Ser.
Temos que caminhar na luz, mas com a vida do dia a dia e não rejeitar a verdade, porém o caminho da falseabilidade, isto é, propor que alguma asserção é falsa até que prove sua verdade é um caminho seguro para a ciência e a fé não é cega, senão não dá esperança real.
A crise cultural e a pandemia
A segunda grande cegueira da crise do ocidente é a cultura, o livro Qualquer Coisa Serve de Theodore Dalrymple, pseudônimo de Anthony Daniels, psiquiatra inglês que tratou de presos perigosos, é uma antologia de contos escritos de 2006 a 2009, e chamou seus estudos de declinologia (veja o vídeo abaixo) porém no livro citado há belas passagens de como ler uma cultura.
Desde os primórdios da cultura humana, a descoberta da Caverna de Chauvet (datada de 32 mil a.C.) prova isto, o homem constrói e registra sua cultura, e aqui um paralelo com o #StayAtHome esta é feita numa caverna, provavelmente local de encontro e proteção de famílias.
Pode parecer demasiado o termo usado por Peter Sloterdijk, mas a domesticação humana não é outra coisa que não a estruturação da vida “doméstica”, e também a origem grega da palavra oikos-nomicus (já fizemos um post) significa oikos – casa.
Acrescentamos aqui o diálogo de socrático de Xenofonte, que se refere ao termo como ser um bom cavalheiro, o Kalokagathos (bom em belo, em grego), que é assim referência a cultura.
Byung Chul Han, que escreveu a Salvação do Belo, onde critica a cultura do liso e em particular a de Jeff Koon e suas esculturas de “baloons” (figura) que muito ou nada dizem, o desejo de uma total imunidade, sem procurar a co-imunidade, conceito de seu mestre Sloterdijk, que pode ser aplicado a pandemia atual.
Um artigo duro, mesmo para mim como apreciador de Byung Chul Han, sobre a atual crise pandêmica, publicado no El País, afirma que: “parece que a Ásia controla melhor a epidemia do que a Europa”, cita os dados de 20 de março quando a epidemia ainda não tinha atingido o auge na Europa e dá como razão a estrutura disciplinada e ancestral do oriente.
Mais cedo do que nós eles apostaram no Big Data afirma o autor, e “suspeitam que o big data pode ter um enorme potencial para se defender da pandemia” diz no artigo de El País, porém alerta que isto pode caminhar para uma ditadura digital, como na China e isto não é mudança.
Sobre a cultura atual autor afirma “hoje não só se volta o polido ao belo, mas também o feio” na obra A Salvação do Belo (pag. 19), esperamos que o flagelo do vírus nos comova os coração e nos faça ir da descoberta da interdependência, como diz Morin, para a solidariedade.
Porém esta solidariedade exercida em conjunto, numa co-imunidade, necessita de um novo conceito do doméstico, da religação, além da conexão digital e do “isolamento” social.
Uma aula de “decliniologia”, com Theodore Dalrymple
#LockDown já
Entramos numa semana decisiva da pandemia, em especial no Brasil, mas também em muitas partes do mundo o contágio chegará a zonas e países mais pobres, onde as condições sanitárias e a concentração de pessoas podem levar a maior tragédia humana, mas é semana da Páscoa e tenho esperança.
Um imenso #LockDown poderia produzir um efeito fulminante contra o contágio e isto auxiliaria o combate a pandemia, estudos de redes (no sentido da relação entre dois nós, neste caso é a proximidade de pessoas) mostram que o efeito rede existe, e a única possibilidade de interromper é criar clusters, setores isolados da sociedade e um único nó de contato produz efeito viral.
Carl Latkin além de ser um eminente infectologista que trabalha em programas de saúde Globais, é também um dos mais produtivos pesquisadores em Redes Sociais, nosso estudo de co-citações em trabalhos de Redes Socais demonstrou isto (um doutorado em andamento), porém um dado importante deste pesquisador é o que mostra a presença do HIV em homossexuais afro-americanos.
Este estudo feito com uma amostragem de 234 homens afro-americanos, mostrou que o fato de estarem em redes sexuais mais densas, estão mais propícios ao contágio.
A analogia com o COVID-19 é que as populações de periferia estão em redes populacionais mais densas e a relação no âmbito familiar é mais forte, por serem famílias mais numerosas, como não temos tempo para fazer amostragens locais, além do período de quarentena, estamos fazendo uma simulação e o risco é real, mesmo a equipe do ministério admite uma explosão do Covid-19.
Acontece que trabalhadores de apoio aos serviços essenciais: caminhoneiros, funcionários de limpeza e assistentes de centros médicos, secretárias, etc. vem da periferia e já o deslocamento é um problema, andam em ônibus lotados e sem condições necessárias de higienização.
A necessidade é urgente de um #LockDown durante esta semana do final da quaresma, não só os feriados podem ajudar, mas uma atitude política de enfrentamento frontal pode ajudar muito.
Carl Latkin, Cui Yang, Karin Tobin, Typhanye Penniman, Jocelyn Patterson, Pilgrim Spikes, “Differences in the Social Networks of African American Men Who Have Sex With Men Only and Those Who Have Sex With Men and Women”, American Journal of Public Health 101, no. 10 (October 1, 2011): pp. e18-e23.
Sensatez e causa pública
A saúde é causa pública, quase todos concordam, mas ao propor medidas protetivas muita gente, ao não ver os casos explodirem e o número de infectados crescer não entendem o porque e fazem delas uma piada ou desdém, foi assim em países que depois acordaram, é o caso da Itália cujo número de mortes explodiu ontem, Espanha e Portugal, onde o movimento nas ruas sumiu e muitos produtos no mercado também.
A Itália registrou 368 mortes, um crescimento de 25% apenas neste domingo, e o número de infectados passou para 3690 neste fim de semana, a Espanha e Portugal o número de pessoas que decidiu ficar em casa praticamente paralisou o país e para que isto seja possível, as famílias fizeram estoques, então supermercados diminuíram as ofertas, quem não se preveniu pode ficar sem alguns produtos.
Diversas autoridades se pronunciaram sobre os efeitos, há um vídeo verdadeiro de uma reunião que houve no Incor, e um falso atribuído a universidade de Stanford, também é falso que Cuba tenha enviado vacina a China, um fake falso e ridículo é que limão e vitamina C combate o vírus.
A politização do tema é também pouca preocupação com a população, todos devemos combater pois em breve a explosão do corona vírus vai acontecer no Brasil, o que muitos especialistas se preocupam é a capacidade do Sistema de Saúde responder, isto no mundo todo e também no Brasil, com a proteção a curva será menos acentuada e o sistema terá capacidade de resposta, o gráfico acima explora com e sem as medidas protetivas.
O Vídeo mais completo sobre o assunto, porque trata também do aspecto cultural e comportamento no combate a uma pandemia, é o da profa. Dra. Claudia Feitosa Santana, da USP:
A ceia das cinzas
O que define como o homem é por natureza é também entender o que é a natureza, ou a substância projetada num universo infinito. e um marco inicial na filosofia da Natureza é a obra de 1584 de Giordano Bruno, conectada a teoria copernicana, que descreve um universo infinito com um divisor onipresente, a matéria eterne e a mutação em troca permanente.
Bruno se declarou um copernicano “realista” em 1582 em Paris, e quando chegou a Londres no ano seguinte ele já se posiciona no nível cosmológico com ideias extravagantes para a época, na qual o universo é um ser vivo, e um tempo depois suas aulas são suspensas, devido tanto a um radicalismo teológico de seu público protestante, como do aristotelismo “ateu”.
Um aspecto curioso é Bruno chamar, como Leibniz e Spinoza o fizeram, seu personagem de Teófilo presente na Bíblia e que significa “filho de Deus” (teo-filo), o que o vai separar também de sua religião católica é o pensamento que a filosofia deve ser independente da religião, porém a passagem do heliocentrismo copernicano para um universo infinito devemos a Bruno.
Seu pensamento sobre a política e o poder envolve esta mudança infinita, afirmava: “Que ingenuidade pedir para quem tem o poder pedir para mudar o poder”, que foi o seu embate com os donos do poder nas religiões e na nascente academia.
Em seu livro “A ceia das cinzas” fez uma afirmação extraordinária para a época: “A terra e os astros … como eles dispensam vida e alimento das coisas, restituindo toda matéria que emprestam, são eles próprios dotadas de vida, em uma medida bem maior ainda, e sendo vivos, é de maneira voluntária, ordenada e natural, segundo um princípio intrínseco, que eles se movem em direção as coisas e aos espaços que lhes convém”, um passo além do universo de Copérnico.
Não é importante a verdade ou não de Bruno, que também teve obras polêmicas sobre a Eucaristia e sobre a Virgindade de Maria, mas o importante para nosso tempo é restaurar um diálogo perdido de longa data, e para o qual ainda continuam a ter inquisidores e apóstatas.
Giordano Bruno deu um grande passo na ciência e queria que a filosofia fosse independente por causa do poder e incultura religiosa, ainda hoje é preciso superar o fundamentalismo e estabelecer o diálogo.
Bruno, G. The Ash Wednesday Supper. Lawrence s. Lerner e Edward A. Gosselin (eds), Toronto (CAN): University of Toronto Press, 1995.
A importância do legado de Droysen
Afirmamos na semana anterior (ver o post) que tanto a perspectiva do helenismo de Droysen (ele cunhou o termo) quanto a perspectiva do verdadeiro significado da história sua eram mais amplas, muito antes das críticas de Gadamer ao historicismo “romântico”, este autor que foi aluno de Hegel, já o tinha feito e com muita propriedade pois além de aluno, penetrou neste conceito do qual Hegel é fundador na filosofia moderna.
Johann Gustav Droysen (1808-1884) questionava o princípio da historicidade, e, muito antes do seu tempo questionou os historiadores sobre os fundamentos “científicos” de um certo perspectivismo e relativismo, assim como também indiretamente questionava Dilthey na tentativa de usar a história para fundamentar as Ciências do Espírito.
Droysen em seu Compêndio sobre a História (Grundriss der Historik) que não era adequado à História, tendo esta a pretensão de ser ciência, tomar seu método emprestado de outra perspectiva do conhecimento, que é a ciência natural, mesmo que como “exemplo”.
A solução por ele apresentada, parecida a de Gadamer, sintetizável na noção metodológica de Compreensão Investigativa (forschendes Verstehen), visava dar a História a possibilidade de uma ciência autônoma, assim para ele existe algo que precede ao dualismo explicação x compreensão, que é a história, o que chamamos na semana passada de “forma” do pensar.
A sua obra Compêndio da Historia (Grundiss der Historik) de 1857/1858 está disponível em versão espanhola (1983) e versão italiana (1989), ainda ser versão em português.
É de interesse particular, pelo menos o foi para mim, o capítulo 3 que trata do problema hermenêutico da compreensão, que dá uma noção da aplicabilidade do seu método.
A ligação que podemos e devemos fazer com a questão moral, do tópico anterior, pode ser encontrada na página 386 de seu trabalho Teologia dela Storia (tradução italiana):
“… nós temos a necessidade de um Kant, que examinasse criticamente não a matéria histórica, mas o movimento teórico e prático diante e no interior da história, e que demonstrasse, a exemplo de qualquer coisa análoga a lei moral, um imperativo categoria da história, a fonte viva da qual jorra a vida histórica da humanidade. ” (DROYSEN, 1966, p. 386).
Droysen observa naquilo que chama de “Sistemática” três tipos de comunidades éticas: “as comunidades naturais”, “as comunidades ideais” e “as comunidades práticas” (figura acima), e a elas relaciona da história, dito assim: “a nossa sistemática resultou da noção de que o mundo história é o mundo ético, mas enquanto concebido sob um determinado ponto de vista; porque o mundo ético pode ser considerado sob outros pontos de visa …” (Droysen, 1994, p. 413).
O seu devir, portanto, está longe da dialética hegeliana, mas ao mesmo tempo dialoga com ela.
DROYSEN, J. G. Teologia dela Storia. Prefazione ala Storia dell´Ellenismo II – 1843. In: Istorica. Lezioni sula Encilopedia e Metodologia dela storia. Trad.: I. Milano – Napoli: Emery, 1966.
_______. Istorica. Lezioni di enciclopédia e metodologia dela storia. Trad. Silvia Caianiello. Napoli: Guida, 1994.