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As funções linguísticas e I.A.
A funções da linguagem retornam a discussão em função das mudanças estruturais devido as novas mídias, e é preciso didaticamente separá-las para evitar apropriações incorretas de sua apropriação na comunicação, assim temos as funções: conativa, metalinguística, fática, poética e referencial, esta classificação deve-se a “Roman Jakobson”, porém é preciso atualizar agora com uso da I.A. (Inteligência Artificial).
Somente a função referencial pode ser entendida como função direta da informação, são as que estão presentes em textos científicos e didáticos, predominando o discurso em ordem direta e o foco na terceira pessoa com utilização da objetividade.
Somente na metalínguistica estão presentes os códigos, assim é somente nesta função que pode-se ter emissor e receptor, por depende essencialmente de uma mensagem estar codi- ficada, isto é, como diz o autor da classificação: “ é aquela em que o código explica o próprio código, ou seja, a linguagem explica a própria linguagem” (Jakobson, 2008), porém o emissor que é aquele que codifica e o receptor que é aquele que decodifica, deveriam estar somente aqui e não nas outras funções linguísticas.
Assim a linguagem da linguagem pode ser códigos de trânsito, as mais diversas legislações, porém dicionários e outras tabelas de sinônimos da linguagem corrente não deveriam ser incluídos nestas listas, já o código morse e os códigos digitais (o ASCII e a própria transmissão digital) são hoje as características mais evidentes de metalinguagem, mas o transmissor e receptor continuam a ser humanos, exceto no caso de robôs (softbots) e a I.A.
Assim o quadro linguístico proposto por Jakobson deve ser atualizado e revisado, e a I.A. tem um problema ético e civilizatório na medida que pela primeira vez na história um código (que se confunde com o remetente no envio de uma mensagem pode ser não-humano.
As correções do uso de I.A. tem a questão ética que podem ser confundidas com um remetente humano, é preciso diferenciá-lo, e a questão civilizatória de cooperar com a criação de narrativas, mas é preciso ressaltar que elas são anteriores ao uso das novas mídias.
Transmitir as mensagens civilizatórias sejam elas culturais, religiosas ou sociais (políticas num sentido mais amplo) se tornaram um problema pelo empobrecimento da linguagem, pelo uso abusivo de simplificações retóricas de verdades que devem ser analisadas num contexto e sem manipulações ideológicas.
JAKOBSON, R. Linguística e comunicação. 23.ed. São Paulo: Cultrix, 2008.
A narrativa, a linguagem e a comunicação
O que é narrativa e já estamos num pós-narrativa, sentencia o filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han: “Vivemos hoje num tempo pós-narrativo. Não a narrativa [Erzählung], mas a contagem [Zählung] determina a nossa vida. (Han, 2023, p. 48).
Para entender melhor esta frase, apenas para didática categorizamos o gênero literário em 3: narrativo ou épico, lírico e dramático, o narrativo está ligado a “contação” (zählung) de uma história e por isto não deve ser confundida com as narrativas atuais (Erzählung, em alemão), veja que elas estão diferenciadas pelo prefixo “Er”, assim a contação devem ter um narrador, uma trama, os personagens no temo e no espaço, isto é, num contexto.
O lírico também é um gênero que se refere a textos com subjetividades e conotações, podem ser em prosa ou verso, porém também são um tipo de contação diferente das narrativas modernas, muitos são os autores que reclamam a falta de poesia, e Heidegger lembrou que esta é uma outra função da linguagem.
O texto dramático é também um gênero onde se apresentam atos, cenas, rubricas e falas, por isto é parte de uma forma teatral ou de a-presentação, no sentido que a presentação é ao mesmo tempo uma contação de uma história e sua negação, uma vez que envolve a ficção.
A disputa entre nominalistas e realistas na baixa idade média (séculos XI a XIV), terminou por negligenciar a importância da linguagem, porém a viragem linguística do final do século XIX fez retornar sua importância em estudos como a gramática, a semiótica, a etimologia e de modo mais amplo a linguística.
O início da modernidade é marcado pela ruptura entre a função metafísica da linguagem e o uso da objetividade como modo de expressão, porém esta é apenas uma das funções da linguagem, o linguista russo Roman Jacobson lembra das funções: fática, poética, conativa e metalinguística, na qual se inserem por exemplos os códigos modernos: morse, digital e quântico, onde “o “código explica o próprio código, ou seja, a linguagem explica a própria linguagem”, e este deve ser o único contexto onde se aplicam os conceitos de emissor/receptor.
A viragem linguística, ocorre em meio a crise do pensamento idealista e positivista na modernidade: Husserl, Heidegger, Hanna Arendt são fundamentais embora sejam mais lembrados: Noam Chomsky, Mikhail Bakhtin, Michel Foucault e Ferdinand de Saussure.
Retomando a citação inicial de Byung-Chul Han: “A narrativa é a capacidade do espírito de superar a contingência do corpo”, esta capacidade de superar a contingência do corpo, está ligada não apenas a lembrança da linguagem poética e conativa, porém aos sentidos e valores espirituais que a modernidade abandonou, sob o pretexto de criar uma visão “objetiva”.
A contação das histórias dos povos, de suas culturas e religiões assim são fatores primordiais para a superação de um momento tão dramático da história da comunicação, onde a própria comunicação fruto de milênios de evolução da cultura humana, parece estar em cheque.
Proclamar as palavras, histórias e crenças é um direito universal, as tentativas de impedir estes direitos não é apenas uma motivação para divisões e ódios, é combustível para as guerras.
A Sociedade em bolhas
A questão do Outro surgiu na filosofia em decorrência de uma filosofia egocêntrica vinda do racionalismo extremo, que explora o hedonismo exacerbado, o utilitarismo como forma de vida e de economia, em uma sociedade de direitos sem deveres, onde o que vale para mim não vale para o Outro.
Autores da filosofia como Paul Ricoeur (citado até pelo papa), Emmanuel Lévinas e Martin Buber, vindo de uma filosofia judaica, falam deste emergencial existencial que é a relação com o Outro, porém nossos círculos fechados tentam estabelecer meias verdades narrativas que são válidas somente para nossas bolhas.
A pergunta essencial existencial sobre quem é o Outro?, Martin Buber, em o Eu e o Tu, chega e ver o mais sagrado no Outro e a pergunta está, de certa forma, em Esferas I Peter Sloterdijk, onde diz que as crianças parecem nascer com uma espécie de “instinto de relações”? que vai desenvolvendo ao longo do livro a ideia que não nascemos sozinhos e, deveríamos então através de trabalho cooperativo e da linguagem, nos socializarmos, e fazer brotar este instinto interior do relacional.
Sloterdijk rejeita o princípio liberal, idealista e de origem cartesiana, onde o indivíduo isolado busca sua razão existencial, ele parte de uma ontologia onde o primitivo é sempre Dois, porém se incluímos o divino que Buber enxergou, somos três.
Mas não é idealista ao ponto de dizer que estes dois estão fundidos, poderíamos dizer usando o conceito de Gadamer, que vê no “círculo hermenêutico”, uma a “fusão de horizontes”, e assim podemos pensar que o indivíduo que sai da placenta e esta ficará morta, sai de sua bolha primordial, e vai se encontrar de certa forma separado da mãe.
O mundo pré-moderno tinha um modelo, para o qual esta separação não fosse total, de permanecer na subjetividade ou na intimidade (não a interioridade que não separa), isto pode ser visto em alguns povos que plantavam a placenta como as árvores, e outros, como os egípcios que faziam travesseiros, e em túmulos dos faraós eram enterradas com eles, como para permanecer na bolha existencial inicial.
Somos vistos assim na autossuficiência do modelo liberal, mas também este modelo é criticado, por exemplo, por Rousseau, que buscou uma vida isolada do não pensar, ver como na experiência do lago, em seu escrito dos Devaneios do caminhante solitário, compatível como seu modelo do homem do “bom selvagem”, em que se inspiram muitas democracias modernas, Rousseau foi o contratualista deste modelo mais liberal.
Também a esperança de reconquistar uma “vontade geral”, num estado mais forte, onde se proclame uma espécie de “religião nacional”, que hoje eclodem nos nacionalismos em todo o planeta, não são senão uma visão contemporânea, de uma autossuficiente das “bolhas” de diversos tipos de fechamento social em “comunidades”, mas com um princípio egoísta dentro, aquilo que Sloterdijk chama de “comunidade insuflada”, as mídias sociais são apenas “meios” onde estas ideias de bolhas se propagam.
Elas estão nos círculos fechados da maioria das organizações sociais de hoje, e para nos abrir para as bolhas é preciso ver o Outro não como um “perigo”, mas como solução.
A verdade e a justiça se encontrarão
O encontro da verdade e a justiça ainda desafiam grande parte dos pensadores, Hans-Georg Gadamer, em seu livro Verdade e Método assinala os dois pontos que ainda são entraves para esta dicotomia: “A efetiva exemplaridade que teve a nova mecânica e seu triunfo para as ciências do século XVIII, assinalado pela mecânica celeste de Newton, continuava sendo para Helmholtz tão evidente, que bem longe dele estava indagar sobre quais as pré-condições filosóficas haviam possibilitado o surgimento dessa nova ciência no século XVII” (Gadamer, 1997, p. 42), e aponta isto em decorrência da Escola Occamista de Paris.
Wiliam Ockham (1276-1347) foi um monge escocês que estabeleceu o princípio da “Navalha de Ockham” que diz que entre duas explicações deve-se ficar com a mais e isto chegou até os estudos dos séculos XVII e XVIII, e Helmholtz foi aquele que tentou separar as ciências da natureza de sua derivação histórica, porque assim poderia se trabalhar as ciências do espírito.
Gadamer tem o mérito de desvendar (não é o desvelar que seria atingir a Verdade), ao analisar o romantismo histórico de Dilthey: “no que diz respeito a essa independência dos métodos das ciências do espírito, Dilthey continua vinculando-a ao antigo Natura parendo vincitur* “ (Gadamer, 1997, p. 44) e assim continuou prevalecendo princípios newtonianos nas “Ciências do Espírito” e assim as verdadeiras bases destas ciências ficam atreladas ao logicismo.
O significado do termo latino é “A natureza é superada ao dar a luz”, vincula o natural ao sobrenatural, e assim acaba por negá-lo, este era o intuito de Kant (sapere audi, ousar saber) e que ficou consagrado na modernidade por Hegel: “o real é apenas um aspecto do ideal”.
Não há no idealismo o conceito de virtude (areté), e sim de formação como disciplina pessoal, Wilhelm Von Humboldt corrigiu isto: “Quando nós, porém, em nosso idioma dizemos formação, estamos com isso nos referindo a algo ao mesmo tempo mais íntimo, ou seja, à índole que vem do conhecimento e do sentimento do conjunto do empenho espiritual e moral, a se derramar harmonicamente na sensibilidade e no caráter” (Gadamer, 1997, p. 49).
Assim a modernidade aboliu a meta-física, o que está além do physis (desde os gregos significa a natureza) e do sobre-natural (aquilo que está acima da natureza, o superno natura).
Assim num reducionismo da verdade, quando procuramos a justiça pensamos ser correto usar meias-verdades (os meios justificam os fins) e quando dizemos defender a Verdade, achamos correto suprimir condições de justiça humana e divina para defende-la, há um vinculo entre elas a Justiça sem a Verdade está mutilada, a Verdade sem a Justiça é meia-verdade.
GADAMER, H.G. Verdade e método. Trad.de Flávio Paulo Meurer. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
Por uma verdadeira ascese
Peter Sloterdijk mesmo sendo um agnóstico aponta um defeito “espiritual” da sociedade atual, vive uma ascese desespiritulizada, isto, é uma “sociedade de exercícios” que não levam a uma verdadeira “ascensão” interior, vivem agitados, procurando a “eficiência” caem na “Sociedade do cansaço”.
A falta de tempo para a meditação, para o exercício da mente e da alma, está levando ao “brainrot”, palavra do momento segundo a Universidade de Oxford, que a incluiu no dicionário, significa cérebro podre, não se trata apenas do consumo de má informação, o desconhecimento e o pouco exercício de uma “vita contemplativa” como pede Byung Chul Han cria um espaço na mente para este tipo de pensamento crescer.
Criamos uma cultura que não é nem contracultura num sentido de evolução civilizatória, é apenas algo podre, bombardeamos nosso cérebro de fragmentos de pensamentos, de fragmentos espirituais sem que eles se completem e formem dentro de nós uma verdadeira ascese espiritual.
É o ativismo vazio, para preenche-lo precisamos de mais narcóticos e alimentos que preenchem o vazio corporal enquanto a mente permanece vazia, este mesmo vazio que poderia servir para criar uma “vita contemplativa” que desse sustento a uma ascese e a um equilíbrio do círculo virtuoso.
Chul Han lembra também da pintura, citando a obra do francês Paul Cézanne: “Pintar não significa nada mais do que ´soltar a amizade de todas essas coisas ao ar livre’ ” (Han, 2023, p. 49), significa “encontrar a concordância das coisas, ou seja, da verdade” (idem) (na foto a obra Monte Sainte-Victoire de Cézanne), a perda da cultura (ou o que restou dela segundo Antoine Daniels) é isto incapacidade de ver o belo e a verdade.
É claro que uma verdadeira ascese, no sentido espiritual, não pode deixar de se encontrar com o divino, e quantos “exercícios” inúteis que depois de um “banho de espiritualidade” caem no vazio e sem encontrar o ser, como afirma Han: “nas camadas profundas do ser, eles são suspensos” (Han, 2023, p. 49).
Lançar-se sobre o divino, para a espiritualidade cristã lançar-se em Jesus, em sua sabedoria e não apenas em discursos sobre ideologias, consumo, riqueza e todas superficialidades modernas, não é apenas a cultura midiática que faz isto, é a ausência de valores estruturais da virtude e da moral.
“A paisagem da inatividade”, escreve Byung Chul-Han sobre Cézanne, “rompe com a natureza tornada humana e restaura uma ordem não humanizada das coisas, na qual elas podem se encontrar” (Han, pag. 50).
Ainda citando Cézanne: “Ah! Nunca se pintou a paisagem. O ser humano não deve estar aí, mas sim ter encontrado inteiramente na paisagem” (pg. 51), deve-se “fazer silêncio” ao “eu barulhento”.
Quantas pessoas participam da “sociedade de exercício” apenas para rir e se emocionar, sem ter “entrado na paisagem”, sem o menor contato com o divino, precisam do barulho, da comida e da bebida para empanturrar-se do vazio que possuem na alma e não no estomago e nos nervos.
Somente um exercício de verdadeira ascese podem nos conduzir ao Amor, síntese das virtudes, mas sem esquece-las: nos introduz em equilíbrio, coragem, escuta e sincera relação social.
HAN, B. C. Vita Contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. De Lucas Machado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.
Círculos virtuosos são inclusivos
Na medida em que avançamos nas virtudes encontramos obstáculos, aqueles que estão nos vícios e na decadência tendem a tentar nos desanimar e mostrar que seus enganos estão certos, querem a nossa cumplicidade aos seus erros, porém não se trata de excluí-los e sim amá-los justamente com as virtudes que exercitamos: paciência, prudência, sabedoria e fortaleza.
Não é inclusivo aceitar as ofertas de facilidades que os vícios proporcionam, é sobretudo mostrar que as dificuldades e coragem de enfrenta-las que levam a um recomeço em virtudes e atitudes.
Todo vício já contém em si uma inclusão, é preciso reformar a crítica ao outro, tentar provar que estão errados aqueles que perdoam, que ajudam e que são solidários, pois estão paralisados na sua alma e assim precisam se alimentar e convencer a si próprios que seus erros têm fundamento.
Como afirmamos no post anterior, usando o livro de Philippa Foot, o Amor bastaria se fosse bem compreendido como síntese última de todas virtudes, mas não é assim, uma cultura que está no erro até mesmo palavras fortes precisam ser compreendidas com todos seus complementos, o amor eros não é senão um aspecto do Amor Ágape, e se mal compreendido é também um vício.
O mesmo para a generosidade, se não vista com prudência pode parecer altruísmo e podemos estar no intuito de ajudar, dando esmolas por exemplo, estar alimentando vícios de diversos tipos.
Também o Amor que não tem fortaleza (coragem) é mais fácil excluir, ignorar o diferente ou até mesmo agredi-los na ilusão que isto o tira dos vícios e erros, é muito comum na literatura atual os conselhos tirem de sua vida pessoas com problemas, com erros e que não constroem, enfim exclua.
A exclusão gera mesmo em que pensar estar num circulo virtuoso um novo vício, atitudes e comportamentos não inclusivos e não tolerantes, é preciso apontar os erros, mas com prudência.
Os níveis de agressividade e intolerância geram muitas divisões e no fim da linha vícios e erros que acabam por minar um circulo virtuoso, manter a postura moral, por exemplo, é fortaleza.
A privação de liberdade, de diálogo proveitoso, de escuta sincera em círculos virtuosos gera uma escalada ainda maior das virtudes, ao ponto de parecem lógicas e naturais, sem elas criamos as bolhas em que parecemos viver bem, porém sem a empatia e a resiliência para o convício social.
Assim grupos aparentemente inclusivos onde se auto-elogiam, se auto-ajudam ou se proclamam puros e virtuosos são na verdade círculos de exclusão e pouca vida, tendem a murchar e diminuir.
Verdadeiros círculos virtuosos atraem, inspiram e levam muitas pessoas a superar seus problemas, erros e dificuldades que são próprias da vida, este é um milagre que só as virtudes trazem, o fato que os valores estão sendo deteriorados é que quem os defendem não praticam.
Círculos viciosos e virtuosos
Mesmo estando num momento civilizatório com uma “policrise” (termo usado por Edgar Morin), onde estaríamos sem alguma ideia de justiça, de bondade e fraternidade? talvez numa barbárie ainda pior de guerra e violência cotidiana, mas alguém pode perguntar não estamos perto disto?
Ninguém questiona que a racionalidade adota comportamento que podem garantir o futuro da humanidade e o próprio, porém o descontrole das “virtudes” pessoais e sociais cria uma nova cultura, aquilo que alguns chamam de cultura deteriorada que gerou um brainrot coletivo.
O que a filósofa inglesa fala sobre virtudes é que a racionalidade deve acompanhar estes aspectos, que há algo de bom nisso, e isto é a razão dos fatos sobre a nossa própria natureza humana, e ela desafia duas premissas não-cognitivistas, que estariam amparadas em uma má compreensão sobre a racionalidade prática, as motivações humanas para agir no dia-a-dia e sobre uma gramática lógica subjacente a dizer que algo é “bom”, uma vez que o “algo” aqui é essencial para a determinação e a significação do bom.
Deduz deste raciocínio que o que é logicamente vulnerável aos fatos, e fatos, por sua vez, são identificados e compreendidos, correta e mais completamente, à luz daquilo que é bom.
É o que preferimos chamar aqui de circulo virtuoso, porque é comum se dizer que o bom é frágil, mas só quando está inserido num círculo vicioso (cultural e social), o circulo virtuoso torna também o mal frágil se estamos inseridos nele, é facilmente repelido tudo o que é maligno.
O problema cultural é este não permitir que uma cultura se deteriore na medida que evolui, não é prejudicial nem vicioso que uma cultura evolua, porem suas raízes não podem ser perdidas sob a pena de modificar valores que a tornem a prática social, cultural e pessoal viciosa.
Interromper este fluxo não é simples, cultura do consumismo (na medida que temos mais objetos de consumo), cultura do imoral (na medida que há mais facilidades para pequenos roubos que se viciosos se tornam grandes), cultura da ignorância ecológica: desmatamentos e práticas que tornam a produção de materiais de consumo uma cultura de degradação insustentável da natureza.
Também os níveis desumanos de seguridade social, a pobreza estrema e a ausência de políticas sustentáveis de médio e longo prazo que retirem os bolsões de miséria que persistem no mundo.
A gramática lógica de Philippa Foot não há mudança nem adaptação no significado de “bom”, ela fala de “boas raízes” e quando falamos das “boas disposições da vontade humana” ela deve incluir as virtudes cardeais: a prudência, a justiça, a prudência, a fortaleza e a temperança, elas compõe o amor ágape, porém sem estas virtudes a palavra pode ser usada em contextos não virtuosos.
Na foto: Allegoria della Virtù e della Nobiltà. Giambattista Tiepolo , 1740-1750.
Foot, Philippa. Natural Goodness. UK: Oxford University Press, 2001.
Dificuldades e paz possível
Na manhã do domingo Israel voltou a bombardear o norte da faixa de Gaza, matando 8 pessoas, devido o atraso na entrega da lista de reféns, o Hamas admitiu o atraso “por razões técnicas” mas ratificou o acordo, e emitiu a nota: “Como parte do acordo de troca de prisioneiros, decidimos libertar hoje: Romi Gonen, 24 anos, Emily Damari, 28 anos, e Doron Shtanbar Khair, 31 anos”, disse Abu Obeida, disse o porta-voz do Hamas.
Mais tarde houve a libertação, em comunicado o exercito de Israel declarou: “As três reféns libertadas serão acompanhadas pelas forças especiais das FDI (exército) e pelas forças do ISA (segurança) em seu retorno ao território israelense, onde passarão por uma avaliação médica inicial”, ficaram 471 dias no cativeiro.
Os reféns foram entregues a Cruz Vermelha (foto) e encaminhados para Israel, ainda haverão mais duas etapas até que o acordo seja cumprido, segundo vários especialistas (como Rubens de Siqueira Duarte, professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército) é um passo importante, mas a paz é ainda incerta.
As etapas são importantes porque o caminho da desconfiança (histórica) deve ser ultrapassado com cuidado e mostrando boa vontade de ambas partes, agora espera-se os prisioneiros que são militantes do Hamas serem soltos.
No outro front perigoso no leste europeu, a posse de Trump no dia de hoje, o cansaço da guerra que já está presente de ambos os lados, podem apressar um cessar-fogo, lá as forças envolvidas podem mostrar-se mais resistentes, porque envolvem questões territoriais difíceis de serem negociadas (a Rússia já domina 30% do território ucraniano, que tem apenas a região de Kursk tomada dos russos).
Acredita-se que Trump deverá deixar de dar apoio à Ucrânia e então seria forçada, na sua lógica nacionalista de que devem se envolver em questões “a América primeiro”, porém as ameaças à Groenlândia e ao Canadá são inaceitáveis para a paz mundial.
Qualquer acordo deve também, como no caso Hamas/Israel, ter concessões bilaterais.
A paz é desejável, o cessar foto é um passo, porém para ser duradoura deve ter aspectos fundamentais de direitos dos povos e condições humanitárias respeitadas.
O mal e nossa mente
Não gosto do gênero de terror, mesmo assim fui assistir no filme argentino O mal que nos Habita (foto), dirigido por Demián Rugna (Aterrorizados, the last gateway) e me fez reflexões sobre o mal que pode ser encontrado em regiões e locais onde percebem algo errado e saem a procura de explicações, no caso do filme, após encontrarem um corpo mutilado.
São muitas as mutilações contemporâneas: drogas, embriaguez, pornografia barata, roubos e tudo o que acompanha uma sociedade em crise, no caso do filme eles acabam descobrindo um homem com o corpo infectado pelo diabo e que está prestes a dar a luz a um demônio real.
Não cabe aqui a discussão sobre a realidade da existência desta entidade, pessoalmente creio, porém, o interessante do filme é a comunidade se reunir diante de um caos já instalado para tentar combate-lo e o tempo parece não estar a seu favor.
A metáfora que vejo é não apenas as guerras, como também diversos pensamentos e males já instalados e a população em busca desta “entidade” do mal, porém sem conseguir encontra-la, estamos num limiar civilizatório perigoso e o pior é aquilo que aprisiona a mente e a alma.
Ausência de perdão, fechamento em grupos concêntricos, mais do que bolhas são correntes culturais equivocadas onde um grupo procura eliminar o outro sem qualquer possibilidade de trégua e se pudéssemos denominar este “mal” seria o que Freud chamou de “mal estar civilizatório”, no caso do filme, não eliminar, mas tratar daquele “homem” infectado.
A exclusão e o combate ao “outro lado” parecem as respostas mais evidentes, porém ela só nos encaminha para um mal maior: a guerra, a exclusão e suas consequências.
Reconhecer nossos erros é o primeiro passo, mas deve ser complementado com o perdão aos que por algum motivo nos prejudicaram ou ofenderam e o terceiro é verificar a origem do mal social, este o mais difícil porque a maioria, sem a sabedoria necessária, prefere a exclusão.
Não se trata de tolerância ao mal, nem mesmo a inocência perante ele, é preciso testemunhar vivendo a esperança de um recomeço pessoal, dos que estão a nossa volta e social, vemos no caso do acordo de paz de Israel este passo difícil, pois os espíritos continuam armados, ontem houve novo bombardeio de Israel.
O mundo espera a paz, não haverá com espíritos armados, incapazes de dar o primeiro passo, pois de alguma forma estamos todos infectados por um clima de hostilidades.
A paz de quem ama
Eu vos dou a paz, mas não como o mundo dá, diz a sabedoria bíblica (João 14,27), e que tipo de paz é esta, claramente não é aquela que chamamos de paz entre nações e povos.
Já citamos aqui, a chamada paz ibérica, na na Sassânida (527-531), que tornou-se sem retorno a guerra, e em períodos sombrios para a paz humana seria altruísmo ou inocência pensar na paz
Dizer o que pensa, manter a coerência em ações e palavras, a justiça e os valores não valem apenas para seu grupo ou nação, devem ser valores coerentes e que sejam práticos sempre e com todos, independem de narrativas e polaridades políticas e sociais, é preciso ter sabedoria no que diz e prudência no que faz, e a pura liberação de sentimentos não é saudável e exige de quem faz sempre uma dose de empatia e amor.
Se corrige, corrija por amor, se fica calado cale-se por amor, muitas vezes é sábio calar, e não significa sempre indiferença ou omissão, é também sabedoria e prudência, as virtudes que já discorremos aqui e que foram tratadas com propriedade pela filósofa Philippa Foot.
O amor contem todas as virtudes, mas a palavra se esvaziou na contemporaneidade, ela é até sinônimo de hipocrisia e exclusão, faz-se maldade e se diz “fiz por amor”, por isto é necessário hoje compreender as outras virtudes que estão embutidas no amor verdadeiro.
Há também o apelo a ignorância, mais que apelo há um desconhecimento, a desinformação é apenas uma consequência da falta de sabedoria, e não é apenas de um lado da narrativa.
As narrativas modernas estão em moda, os instrumentos de mídia social ajudam a propaga-las com raciocínios e frases rápidas, trata-se apenas de negar o que o Outro diz, é fruto de um longo processo de desconhecimento.
A paz que almejamos é a paz do amor, mas ele deve vir contendo as virtudes cardeais: justiça (a divina), prudência, temperança e coragem (fortaleza).