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A Inteligência artificial e seus limites éticos
Numa sociedade em que todos os limites éticos já foram ultrapassados, até mesmo o de não presar mais pela vida nosso bem mais fundamental, a evolução da Inteligência Artificial, mesmo com inúmeros acordos éticos dos quais participaram as grandes empresas (Amazon, HP, IBM, Google, etc.), por exemplo, para não produzir armas inteligentes, assistimos o uso indiscriminado em drones na guerra Ucrânia e Rússia, na qual estão envolvidas as potências e suas empresas.
A evolução da IA deu um salto com a internet, a facilidade de informações que correm pelas veias das redes eletrônicas (estas sim são redes) e incentivam as mídias eletrônicas (que são apenas meios disponíveis aos homens) é tão abundante quanto impactante, da noite para o dia, ilustres desconhecidos se transformam em “influencers” e ganham notoriedade, entre eles adivinhos, profetas, políticos e artistas nem sempre com muita moral e ética.
Isto deveria ser tão ou mais preocupante que o desenvolvimento da IA (inteligência artificial), porém o uso das “mídias” por estes influenciadores são sim muito preocupantes, e não se tratam apenas de fake-news, mas todo tipo de barbárie que vai desde o vocabulário até o impacto político, nisto se insere nossas leituras das semanas anteriores de Dalrymple e Zizek, mais ligados aos aspectos cultural e político, que sem dúvida são mais delicados.
Como o tema também é delicado, agora no sentido intelectual de conhecer suas potencialidades e perigos ainda não claramente analisados, como por exemplo, uso de algoritmos genéticos (AG) apontado por Margaret A. Boden, em seu livro “inteligência artificial: uma brevisissima introdução” (Editora Unesp, 2020).
Ela explora, entre várias outras coisas, com clareza de quem é especialista na área, o problema dos ciborgues e trans-humanos, como sugeria Kurzweil que preparava seu próprio corpo para tornar-se um trans-humano.
A diferença entre ciborgues, os implantes médicos de diversas próteses já são claramente possíveis, para o trans-humano, “em vez de considerar as próteses como acessórios úteis para o corpo humano, elas serão consideradas como partes do corpo (trans-)humano” (Boden, 2020, p. 206), onde a força e a beleza humana poderão ultrapassar os limites genéticos e isto de tornariam características “naturais”.
Assim como Jean Gabriel Ganascia (francês que escreveu O mito da singularidade), Margaret Boden também não acredita na ultrapassagem da máquina acima da inteligência humana, este é o ponto da singularidade, e assim também a consciência humana “transcendente” como discutimos, não está submetida a uma “implausibilidade intuitiva” da pós-singularidade (pg. 207).
Sem dúvida a máquina poderá realizar tarefas incríveis e numa rapidez jamais sonhada pelo homem, aliás já o faz, porém “transcendência” não é isto.
BODEN, Margaret A. Inteligência Artificial: uma brevíssima introdução. SP: ed. Unesp, 2020.
Que caminho encontrar numa situação confusa
Tanto Zizek quanto Dalrymple avançam no diagnóstico de uma cultura ocidental em crise,debatem-se apenas com aquilo que foi destruído a secularização e a luta ideológica ocidental, rebatem qualquer possibilidade de um novo patamar moral e ético, mas fica a pergunta de Zizek: “Como podemos encontrar um caminho nessa situação confusa? “ (pg. 41), certamente não serão mais os modelos já testados e falimos gestados no centro da cultura europeia, apelar para Descartes (Darlymple no seu capítulo sobre o Relativismo e o problema epistemológico, “volte Descartes precisamos de você”) ou Hegel que ocupa papel central nas leituras de Zizek junto ao hegelianismo novo de “Marx” sobre o qual o próprio Zizek aponta contradições.
Culpam os valores morais do cristianismo ou do islamismo que pouco ou quase nada influenciam na sociedade europeia contemporânea, ainda que por causa da imigração hajam mais árabes ou cristãos vindo de países com menor desenvolvimento, serão sempre camadas inferiores e subalternas no pensamento europeu, não há espaço para o novo, ele tem que se parecer com as velhas teorias de desenvolvimento, cultura e moralidades europeias, o cenário de crise evolui para o de confronto e de ódio.
Em todos os tempos houveram minorias que apontaram saídas, o grupo de filósofos em torno de Platão não gozavam de grande prestígio, e como dizemos esta semana a cultura ocidental é apenas uma “nota de rodapé” da cultura clássica, Aristóteles ganhou notoriedade por ser tutor de Alexandre, mas é preciso dizer que ensinou a ele e seus companheiros não a arte da guerra, mas ensinamentos sobre medicina, filosofia, moral, religião lógica e arte, e deu-lhe uma cópia que Alexandre levava em suas campanhas de conquistas.
Um novo pensamento não será nada daquilo que já envelheceu, e ainda que deva ser lido e analisado, o novo brotará de veredas mal exploradas e esquecidas, de clareiras que poderão abrir novos polos de real humanismo em meio a cultura da guerra e do ódio, nela não pode haver esperança e tudo que se espera é uma crise civilizatória, cujas nuvens pesadas já se vê no horizonte.
Na leitura bíblica são lembradas sempre Jerusalém, Belém e Betânia onde Jesus descansava, porém Cafarnaum é o verdadeiro lugar onde Jesus deu seus primeiros passos na sua missão, perto dali estava a casa de Pedro e como era perto do Mar, na verdade a beira do lago de Genesaré, é lembrada como “caminho para o mar”, onde estão Zabulon e Nefatali, e foi a vereda por onde Jesus encontrou seus primeiros discípulos, sua pregação e seus milagres.
Cafarnaum é próxima de Zabulon e Neftali, dela disse o profeta Isaias: “Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, região do outro lado do rio Jordão, Galileia dos pagãos” (Mt 4,15), assim é provável que uma nova Cafarnaum não será nenhuma terra “religiosa” no sentido de dominação da cultura cristã ou islâmica, mas de um lugar escondido onde uma nova civilização irá despontar.
A espera de uma Cafarnaum moderna, ou de uma Atenas, onde brote uma nova concepção de cidadania, o início do livro “A República” de Platão é sobre o justo e o injusto e suas reputações na sociedade.
Multiculturalismo e diversidade
Como traçamos nos posts anteriores não há como falar de conflito e paz nos dias de hoje sem abordar a questão de fundo cultural e nelas as ideias filosóficas que são um pano de fundo e como não poderia deixar de ser é também discutido por Zizek.
O discurso da diversidade cultural, traduzido politicamente em multiculturalismo não resolveu os problemas do mundo contemporâneo, Ângela Merkel falando em 17 de outubro de 2010 a um encontro de jovens da União Democrata Cristão declarou: “Essa abordagem multicultural, que diz que simplesmente devemos viver lado a lado e sermos felizes uns com os outros, foi um completo fracasso” (pg. 51), e ali introduziu o debate da Leitkultur (cultura dominante) que insistiam “que todo estado é baseado em um espaço cultural predominante que deve ser respeitado pelos membros de outras culturas que vivem nesse mesmo espaço” (idem).
O que se constatou é que “o conflito sobre o multiculturalismo já é um conflito sobre a Leitkultur: não é um conflito entre culturas, mas um conflito entre visões diferentes sobre como culturas diferentes podem e devem coexistir, sobre as regras e as práticas que essas culturas devem compartilhar, se quiserem coexistir” (idem), e o que aconteceu foi que a cultura dominante queria ditara sua visão de diversidade particular.
Fui certa vez num diálogo entre cristãos e não-crentes cheio de animo e curiosidade e o que assisti era uma tentativa de impor uma visão particular de cristianismo sobre o ateísmo, dupla traição e nenhum diálogo.
Esclarece Zizek, ao falar dos gays: “Nesse nível, é claro, nunca somos tolerantes o suficiente, ou sempre somos tolerantes demais, negligenciado os direitos das mulheres etc. A única maneira de sair desse impasse é propor um projeto positivo universal, compartilhado por todos os interessados, e lutar por ele” (ibidem), este é o final do Cap. 3 “O retorno da má coisa étnica” que evito de propósito para apenas ouvir e calar, já que como branco de descendência europeia, sou parte da Leitkultur.
Assim como querem muitos pensadores europeus, Edgar Morin em sua defesa de uma cidadania global, Peter Sloterdijk que pede que a Europa desperte, a seu modo Zizek pede uma Leitkultur emancipadora positiva, “não apenas respeitar os outros, oferecer uma luta comum, porque hoje nossos problemas são comuns” (Zizek, 2012, p. 52).
O capítulo 4 poderia agora ser reescrito, uma vez que “o deserto da pós-ideologia” cedeu lutar ao retorno da luta ideológica do início do século passado, estamos andando em círculos e andamos para trás.
Todo o restante do livro fala da primavera árabe, dos movimentos “occupy” e finaliza para “além da inveja e do ressentimento”, aquele que Nietzsche desenhou tão bem, mas basta ver os discursos atuais e eles não são senão ressentimentos e ódios destilados e invejas mal sucedidas e “os sinais do futuro” da conclusão parecem agora obscurecidos por falta de sutilezas, clarezas e políticas sãs e interessadas no bem comum.
ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente. Trad. Rogério Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.
A economia política e a moral
O confronto destas ideias estará presente na maioria dos textos que pretendem analisar a conjuntura social mundial, o declínio das grandes nações e impérios, a volta do nacionalismo e do socialismo ao início do século passado e suas principais teses são, conforme explica Slavoj Zizek: a economia política e o Partido da Ordem (Zizek, 2012, pg. 28), que foi o início da polarização que agora é mundial e extrapolou os limites patrióticos.
Toda sua discussão está entre a “doxa” (apenas para compreensão aquela da orto-doxa) do marxista Frederic Jameson (Valences of the Dialetic) e dos neomarxistas Michael Hardt e Antonio Negri (Multitude) para os quais a evolução do trabalho chamado de imaterial (nomenclatura de Marx para trabalho intelectual) ou trabalho simbólico (nomenclatura para linguistas e semióticos) e que é no fundo aquilo que Kant e depois Hegel chamado de “subjetivo”, que está preso ao dualismo objetivo x subjetivo, ainda que se use incorretamente transcendência para o subjetivo, não há em nenhum deles nada de sobrenatural.
O que Marx difere aponta Zizek: “as determinações ´objetivas´ da realidade social são ao mesmo tempo determinações ´subjetivas´ do pensamento (determinações dos subjeitos presos nesta realidade) e, nesse ponto de indistinção (em que os limites de nosso pensamento, seus impasses e contradições, são ao mesmo tempo os antagonismos da realidade objetiva social em si) …” (Zizek, 2012, p. 10), para resumir e tornar mais claro, na visão de Marx é o “modo de produção”, ou seja, a maneira como os bens materiais são produzidos que determina a subjetividade, assim as une, mas elimina qualquer “transcendência”.
A análise importante da precedência da economia política sobre qualquer moral, que é submetida a ela conforme explicado acima, torna este campo objeto de relativismo moral e também político, onde os fins passam a justificar os meios, mesmo que moralmente injustos pouco importa, porém a análise que grande parte da subjetividade intelectual tornou-se público (prefiro do que transcendência que não é ou mesmo trabalho imaterial, porque o fruto em última instancia é sempre um produto físico, mesmo que seja um livro ou um texto), então por isto a análise de Hardt e Negri fazem sentido, mesmo que todas elas estejam de algum modo vinculadas ao subjetivo de Hegel ou Kant, e em última análise são notas de rodapé de Platão e Aristóteles, como já disseram vários filósofos.
Depois de rever vários conceitos marxistas, como mais-valia (lembro que em Portugal é comum usá-lo como sinônimo de agregar valor aos produtos), sentencia as dificuldades do comunismo de nosso tempo, como as reformas na China de Deng Xiao Ping: “introduzir o capitalismo sem a burguesia (como a nova classe dominante); agora, no entanto, os líderes chineses estão descobrindo de maneira dolorosa que o capitalismo sem uma hierarquia estável … gera uma instabilidade permanente” (Zizek, p. 21), isto dito muito antes da quebra da gigante imobiliária Evergrande, e foi encampada pelo Estado Chinês, contraindo esta crise.
O autor pula a chamada “Industria cultural” descoberta pelos marxistas frankfurtianos em contato com a máquina de marketing americana, mas não deixa de notas a guerra cultural nos países pós-socialistas, ao se perguntar se a economia continua ser a grande referência para a análise política e social, no caso dos países do Leste Europeu: “em que a tensão entre o pseudofolk e o rock no campo da música popular funcionou como um deslocamento de tensão entre a direita nacionalista conservadora e a esquerda liberal” (Zizek, p. 33), no entanto dobra-se a ideia “que a luta cultural não é um fenômeno secundário …” (idem).
Embora reconheça, citando Thomas Frank, que há uma “lacuna entre os interesses econômicos e questões morais” (pg. 36), trata o tema com ironia e fora da questão cultural, da qual é parte inseparável.
ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente. Trad. Rogério Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.
A transcendência e a realidade
Dos sete capítulos “porque somos assim” do livro de Theodore Dalrymple, comecei pelo segundo no post anterior, porque ao meu ver, diferente da época que foi escrito o livro este tema é mais central que o da liberdade em conexão com a religião, que é para ele o primeiro tópico.
Falando da liberdade inicia discutindo o lema “é proibido proibir” e a ideia que a religião limita a liberdade humana, e que a vida sem transcendência religiosa (afirma que é a maioria dos europeus), é tudo que se tem, porém o fato “é que a maior parte das pessoas não teme somente a perspectiva da morte (o que os filósofos acreditam que não seja inteiramente irracional), mas também a própria vacuidade da morte” (Dalrymple, p. 89), mas num parágrafo anterior faz uma afirmação importante: “Para o bem ou para o mal, Deus está morto na Europa, e não vejo muita chance de um retorno, exceto no despertar de uma calamidade.” (pg. 89), longe de uma narrativa apocalíptica, em processo de crescimento, há sim algo de podre como diz o autor e dissemos na primeira postagem sobre o tema.
A ordem do dia é curtir a vida ao máximo, e isto quebra até mesmo muitas normas da convivência racional entre os humanos, a causa do meio ambiente chama muita atenção, a fome e a miséria um pouco, porém o que se sobressai é aquilo que é próprio deste discurso: o individualismo, porém tema não tocado pelo autor o foco em objetos e não nos sujeitos é consequência do dualismo objetividade x subjetividade.
Ao falar de uma transcendência pagã, aquela que anda em busca de “salvadores da raça humana” (pg 92), da transcendência das pequenas causas; “o nacionalismo, os direitos dos animais ou o feminismo” (pg. 93) cita o reaparecimento do nacionalismo escocês estimulado pelo filme Coração Valente, porém está presente em quase todo o mundo, agora na America Latina e, em especial, no Brasil e, também há a transcendência do antinacionalismo, como o projeto Europeu e quem sabe num futuro próximo, o da América Latina, e faz uma sentença importante, estamos “a necessidade e a imutabilidade dos Estado-nação” (pg. 97).
Faz a análise da artificialidade dos Estados-nação africanos, que desconsideravam os agregados étnicos sob uma única nação (pgs. 100-101), mas sem citar o grave problema do colonialismo.
Embora tenha citado o ditado funerário da Igreja da Inglaterra (já ouvi de ingleses ateus ou de outras religiões), a morte faz parte da vida, mas a sua própria discussão de transcendência está nos limites do kantismo (subjetividade x objetividade): “não me preocupa aqui discutir se essa perspectiva é filosoficamente justificável: se Deus existe, e caso Ele exista, se Ele está interessado em nossas ações e mais preocupado com nosso bem-estar do que Ele estaria com as ações e o bem-estar de uma formiga, por exemplo” (pg. 85), que revela um agnosticismo que acena para a religião, mas sem uma ascese ou ao menos uma sinceridade religiosa.
Embora discuta a secularização como um subitem, apontando a própria Igreja como culpada pelo repúdio que sofre, com os casos de “pedofilia”, “hipocrisia” e tantos outros pecados, que todos sabemos que não é específico de uma categoria religiosa, política ou nacional, está presente em toda a humanidade, e nas mesmas porcentagens, e se de fato boa parte opta pelo obscurantismo e anti-progresso, ele cita o caso da Irlanda, não foi menor a opressão inglesa e colonial nestes países cujas religiões ainda encontram público e alento.
Além da raiz no pensamento ocidental de isolamento entre sujeitos e objetos, que se unem por uma “transcendência” do conhecimento, tornando o próprio ato de conhecer uma transcendência, não admitem aquilo que é hoje discutido por inúmeros filósofos, pensadores e cientistas: há algo além do finalismo científico e humano da vida, já que a vida e o universo continuam ao infinito e independente da vontade humana, mesmo que o homem opte pelo fim de sua raça e civilização, por “sinceras” razões políticas ou sociais, o que é um contrassenso com o desejo de vida plena e felicidade.
Há muitas razões em diversos tipos de religiosidades, porém para os cristãos nada é mais significativo que o que proclamou João depois do batismo de Jesus no rio Jordão (Jo 1,34): “Eu vi e dou testemunho: Este é o Filho de Deus”, e assim não falamos só de um Deus transcendente e distante, mas de sua presença na vida e na história humana, de modo objetivo e histórico, ainda que se deseje negar este fato histórico.
DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky: porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. Brazil, São Paulo: É Realizações, 2016.
Há algo de podre
Este é o título do primeiro capítulo de Theodore Dalrymple do livro “A nova síndrome de Vicky – porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo” (É realizações, 2016), para quem não sabe a frase de Hamlet sobre o reino da Dinamarca do qual era príncipe, a tragédia escrita em 1559 a 1601, que fala do assassinato do rei, pai de Hamlet pelo irmão Claudius que quer o trono e a rainha Gertrude (o cartaz ao lado o filme Hamlet direção e roteiro de Michael Almereyda, de 2001), cuja adaptação foi criticada porém gostei: “o idealismo de um jovem destruído pela corrupção existente no mundo” diz uma sinopse.
Fala de uma Europa mais rica e com maior expectativa de vida, lembra que Keats, Schubert e Mozart morreram novos (25, 31 e 35 anos respectivamente), que “o aumento de riqueza e do padrão de vida físico foi impressionante na Europa das últimas décadas” (Dalrymple, 2016, p. 17), e apesar disto “há um disseminado sendo de iminente obliteração, ou ao menos de declínio, a permear a Europa” (p. 18) e acrescento, de uma guerra com a Rússia ou de um conflito social cada vez mais possível, agora também na Inglaterra e França.
Para não divagar por ideias culturais psicológicas e filosofias, alguns fatos citados por Dalrymple, depois de 12 anos de seu livro (o original em inglês foi publicado em 2010), parecem corresponder aos fatos, apesar de seu conservadorismo cita um “belo exemplo” do livro de Patrick Besson chamado Haine de la Hollande. Besson simpatizante dos sérvios quando a Otan lançou uma ofensiva contra a Sérvia “quanto ao subsequente julgamento de Slobodan Milosevic como grandes equívocos” e diz que a Otan “recorreu aos mesmíssimos crimes dos quais a Sérvia fora acusada” (pg. 13), a isto refere-se o post anterior quando digo usar gasolina para apagar o fogo, e refere-se a Holanda porque o júri foi em Haia.
Faz uma sentença curiosa e inteligente sobre a história, que parecem confirmar fatos atuais: “o fanatismo é o ressentimento em busca do poder; o consumismo é a apatia em busca da felicidade” (pg. 15), falamos na semana anterior do que entendemos por alegria e aqui fica mais claro que ela não pode se comparar ao sucesso dos fanáticos ou a apatia melancólica dos que buscam prazeres do consumismo.
Tudo isto é prefácio e antecede ao capítulo 1 “Algo de podre” que explicamos a origem no início, já citados do segundo parágrafo uma breve síntese da opulência e a queda daquele que Peter Sloterdijk chamada de “Império do Centro” e também ele descreve o descaminho da Europa em “Se a Europa despertasse”, já fizemos algumas pontuações em posts aqui neste blog.
Entre diversos aspectos que o livro aponta, os tópicos sobre Ansiedade e Fraqueza devem ser lidos inteiramente para serem bem compreendidos, sua sentença do o que está “podre” pode ser lida quando aponta que há uma consciência que a diferença “entre a Europa e boa parte do resto do mundo, nos aspectos tanto da riqueza quanto das realizações em outras esferas, diminui dramaticamente, e, em algumas áreas, inverteu- se, provocou o aparecimento de um grande incômodo, mesmo que fosse considerado inevitável a longo prazo*”( aqui a nota de rodapé cita Disraeli de 1838), e finaliza: “ninguém gosta de perder posições na hierarquia das coisas” (Dalrymple, 2016, p. 21).
A citação de Disraeli em 1838, quando antevia que a “não tolerará que a Inglaterra seja a fábrica do mundo”, e isto agora pode estender-se para a Europa e o resto do mundo em relação a produtos alimentares.
Cito aqui uma obra que tive contato quando estive em Portugal e para a qual escrevi dois textos: “Repensar Portugal”, quando o culto e eclético padre Manuel Antunes dizia de Portugal pós Salazarismo, que devia se voltar ao continente europeu e esquecer as ex-colônias, isto deveria valer-se para todo continente Europeu agora em uma crise dramática e com ameaças de totalitarismos e guerra.
DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky: porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. Brazil, São Paulo: É Realizações, 2016.
Sucesso e alegria
Anselm Grün começa este capítulo fazendo um contraponto, pois tanto o filósofo judeu alemão Martin Buber que disse “Sucesso não é um termo de Deus”, como o famoso psicólogo Carl Jung que dizia que o é o maior inimigo da transformação do ser humano é uma vida cheia de êxitos, o monge termina dizendo que “o sucesso faz parte da vida” e devemos nos alegrar com isto (Grün, 2014, p. 73).
Faz a ponderação que podemos sim “alegrar pelo momento”, uma alegria de gratidão, uma dádiva “gratuita, não um mérito, é algo que eu percebo e me alegra sabendo que acontece e passa” (Grún, 2014, p. 74).
Depois vai corrigir e dizer que a alegria está principalmente associada a criatividade, citando Aristóteles e Erich Fromm, “ficamos satisfeitos com o trabalho bem feito e quando percebemos que realizamos algo hoje” (pg. 75), e completa que os artistas são “grandes conhecedores desta alegria”.
Assim há diferença entre a Euforia e a verdadeira Alegria, o que se busca hoje nos shows, nas academias e nas clínicas de estética é um sucesso fugaz, passageiro, principalmente quando não se busca a saúde e o bem-estar daria até outro nome para esta alegria que permanece, chamaria de gaudio.
Também o reconhecimento é importante, mas ele não virá de poderosos, de gananciosos ou vaidosos, estes procuram holofotes e sucesso comprometido ou até mesmo comprado, não está envolto da verdadeira alegria porque surge de valores e verdades efêmeras e portanto, que passam, mas que as mentes e corações sábios sabem encontrar.
Na passagem bíblica o nascimento de Jesus, num local humilde de uma pequena cidade de Belém, e o reconhecimento primeiro por humildes pastores do campo e depois por “magos” vindos do oriente, uma clara alusão a povos distantes e de outras crenças, que anuncia uma verdadeira alegria, um júbilo e aquilo que deveríamos lembrar no Natal e no ano de que se inicia, isto que pode nos dar uma verdadeira alegria.
Diz a leitura que os pastores ouviram cantos de alegria cantado por anjos nesta data, que em muitos países (como a Rússia) é um dia comemorado, por entenderem que algo muito especial aconteceu: Emana-uel (Deus conosco).
GRÜN, Alselm. Viver com Alegria. RJ, Petrópolis: Vozes, 2014.
Obstáculos da alegria
Certamente o oposto da alegria é a tristeza, mas o problema não é a certeza de que teremos muitas dificuldades e tristezas na vida, o problema está em não saber como tratá-la.
Diversos psicólogos indicam que o problema da educação familiar atual é não deixar que os filhos ou parentes ou mesmo agregados que compõe o círculo familiar contemporâneo aprendam a lidar com a perda, os obstáculos e as tristezas da vida, lembro de meu pai que no leito de morte perguntava por um filho que ainda não tinha vindo vê-lo, só depois partiu em paz.
No livro de Anselm Grün ele indica a leitura de “João Felizardo” (Hans im Glünck) dos Contos de Grimm (Cinderela, O pequeno polegar, João e Maria, etc.) onde o personagem expressa que não precisa do ouro, da força e nem mesmo do sucesso do trabalho, ao perder as pedras que amolava tesouras num poço, a ultima coisa que lhe restava, pula de alegria e agradece a Deus pela graça de livrar-se daquelas pedras.
Meu segundo livro de propósito anual “A nova síndrome de Vicky” de Theodore Dalrymple, que fala do barbarismo europeu, aponta também um fundo cultural da infelicidade, agora social, em leitura que faz em sites de encontros, eles surgiram porque as pessoas estão presas em universos pequenos embora estejam em multidões nos shows, festas e baladas noturnas (vejam que não é específico do virtual, como indicam alguns autores), vão procurar afoitamente em sites de relacionamentos uma saída para a ilusão.
Entre vários ensaios, o autor cita dois casos de muçulmanos, um homem e uma mulher que ao descrever o tipo de pessoas que são, diz assim o rapaz: “sou um sujeito distraído e relaxado. Sou bastante sarcástico e tenho um grande senso de humor. Às vezes sou uma criança, mas sei quando tenho que ser sério. Acredito que temos nossos altos e baixos, mas devemos tentar ver o melhor das pessoas … Gosto de pegar meu carro e sair … Acompanhar as mudanças do mundo. Gosto de comer fora, de pegar um cinema, de boliche, sinuca e críquete” (Dalrymple, p. 42), diz-se tentar ser um muçulmano, “tentando se tornar um cinco ao dia” (os muçulmanos rezam 5 vezes ao dia), segundo o autor no Reino Unido muitos se declaram religiosos, ainda é um sinônimo de confiabilidade.
Outro caso que cita, já na página seguinte é de uma muçulmana, que diz no site: “Oi, gente, sou uma mulher que gosta de se divertir, tenho os pés no chão e não julgo as pessoas”, como se de antemão já se desculpasse da postura de alguns muçulmanos de julgar as pessoas (“os infiéis”), porém o que o autor quer apontar é que todos querem se desculpar de algo, estão tentando algo e poucas vezes se definem, o fato de serem muçulmanos é apenas um exemplo, poderia ser de qualquer outra religião, ou no caso da polarização política, de qualquer ideologia.
O tema do médico e psicólogo Anthony Daniels (Dalrymple é um pseudônimo) é o mal estar da cultura e adesão dos intelectuais a um certo tipo de barbarismo, que faremos alguns apontamentos na próxima semana, porém ligo aqui o tema da alegria, que deve ser e só pode ser neste momento da história algo interior, uma vez que exteriormente reina uma crise civilizatória e procuramos explicar suas razões e fundamentos.
É possível em meio a crise individual ou social, encontrar razões e motivos para manter a alegria e ajudar a humanidade a encontrar caminhos que levem a verdade e a felicidade.
DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky – porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2016.
A natureza da alegria
Este é o nome do segundo capítulo do livro “viva com Alegria” de Anselm Grün, a ideia de algo físico (a natureza) da alegria parecia algo estranho, porém já de início o autor cita Aristóteles, que vê na alegria a vida plena, como “uma energia que impulsiona e desperta vida nas pessoas”, e assim “quem sente alegria interior naquilo que faz, este obtém, no trabalho, a alegria da vida” (pag. 15).
Assim ele retira o alvéolo puramente espiritual para encarná-la “ela é a expressão de uma vida na qual lidamos com as dificuldades que surgem e desenvolvemos todas as capacidades que Deus nos deu” (pg. 16).
Cita a psicóloga Verena Kast que ela a define como uma “emoção elevada”, textualmente “nos anima, nos estimula, nos proporciona uma certa leveza, e também gera união entre as pessoas” (pgs. 16-17).
A psicóloga Verena observou isto em muitas terapias, e nela encontrei uma visão definitiva da natureza, segundo Verena a condição decisiva para alegria é “estarmos absorvidos num ato, numa atividade, num momento” (pg. 17).
Depois de desenvolver o estado de alegria, como algo que “nem nos damos conta”, ela observa que a alegria tem um poder curativo: “a questão é saber por que tendemos a prestar mais atenção nas tristezas do que `as alegrias que temos” (pag. 18), e aponta que um dos fatores pode ser o excesso de atenção dado pelos pais quando crianças, assim nos entristecemos para que “obtenhamos atenção”.
Por ultimo lembra que é saudável e sensato assumir atitudes positivas, tanto recordando as alegrias passadas como obtendo-a em nossa vida aqui e agora.
Rir até mesmo de situações adversas não é alienação, é obter energia para uma ação proativa.
GRÜN, Anselm. Viver com alegria. trad. Luiz de Lucca. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
Alegria em tempos difíceis
Parece um contrassenso ter alegria em tempos difíceis, muitos tem dificuldade, a Pandemia deprimiu e a conjuntura mundial não ajuda, não se trata nem de alienação muito menos de ironia, trata-se de espiritualidade.
Indicamos o livro do monge alemão Anselm Grün: Viver com Alegria (Vozes, 2014) ele indica na introdução suas intenções: “Meu objetivo é chamar a atenção de vocês em muitas situações que podemos nos alegrar” (pg. 9) … “estou falando é de entrarmos em contato com a alegria que todos temos no fundo da alma” (pg. 9).]
Esclarece que muita gente acha que há poucos motivos na vida para se alegrar: “assim tendem a lamentar a si mesmo e à própria vida, na qual não veem razão para se alegrarem” (idem).
Ele é convencido que esta postura negativista escondei um grande anseio e esclarece aquilo que também foi motivo de escolha deste livro: “na conjuntura em que se vivem, há mais motivos para tristeza” (pg. 10), embora fale de uma conjuntura pessoal é possível estendê-la para o social.
Assim convida a observar “a vida sob uma luz diferente”, no meu caso que operei as duas vistas, trocar de óculos, não para enxergar apenas com mais profundidade, mas sob a ótica de outros valores e motivações.
Diz na introdução que é uma decisão: “escolher conscientemente a alegria ou a lástima frente ás dificuldades”, ela não elimina os aspectos negativos da vida, mas evita ficar tateando no escuro, cria-se uma luz.
Mesmo um pequeno feixe de luz já é o suficiente para eliminar o breu total.
GRÜN, Anselm. Viver com alegria. trad. Luiz de Lucca. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.