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A narrativa e seu ocaso
O pensamento moderno carece de um modelo para o Todo, diria que carece até mesmo de um pensamento sistemática, Peter Sloterdijk chega a afirmar que não é um tempo próprio para o pensar, é um tempo de trendings ditadas por hashtags, Stories, blogs e reels (mecanismos de difusão em massa com uso da mídia social).
Byung-Chul Han afirma que apesar do “uso inflacionário de narrativas revela uma crise da narrativa”, paradoxal, porém “há um vácuo narrativa que se manifesta como um vazio de sentido e como desorientação” (Han, pg. 9), antes as narrações nos ancoravam: “nos atribuíam um lugar e transformavam o ser-no-mundo em um estar-em-casa, dando à vida significado, apoio e orientação, isto é a própria vida era um narrar …” (idem, pg. 9), é ao mesmo tempo a desterritorialização e o desenraizamento.
Porém o próprio Byung-Chul deixa escapar, através da leitura de O narrador de Walter Benjamin (falecido em 1940) que isto é anterior as novas mídias, cita-o como “o saber que vem de longe encontra hoje menos ouvintes que a informação sobre os acontecimentos próximos” (Han, p. 17 citando-o), o leitor pula de uma notícia a outra, não se demora ali, “o olhar longo, lento e demorado se perdeu. “(pg. 17).
Ainda citando Walter Benjamin, diferencia a informação mais claramente o que é conhecimento: “a informação só tem valor no instante em que é nova. Ela só vive nesse instante, precisa entregar-se inteiramente a ele e, sem perda de tempo, tem que se explicar nele” (Han, pg. 18), curiosamente um pensamento anterior a década de 40.
Vai adentrar ao conceito de informação, tão caro em certas áreas como a Ciência da Informação, dizendo que ela [hoje] é “o meio do repórter, que vasculha o mundo em busca de novidades” (pg. 19), não há a necessária distância do fato que o digere e o torna conhecimento, “as informações retidas, isto é, as explicações evitadas, aumentam a tensão narrativa” (pg. 19).
A crise da narrativa, assim não se deve as novas mídias que as potencializaram, mas ao fato “de que o mundo está inundado de informações. O espírito da narração está sendo sufocado pela enxurrada de informações” (pg. 20), mas o que é então a narração ? Han citando Walter Benjamin invoca Heródoto, narrando a derrota do rei egípcio Psamenit ao rei persa Cambises, após sua derrota.
O rei persa humilha-o fazendo ver a filha tornando-se criada e o filho sendo executado, mas o rei Egípcio permaneceu imóvel olhando para o chão, porém quando viu seus escravos como prisioneiros, “bateu em sua cabeça com os punhos e expressou profunda tristeza” (pg. 22), pois ao se lamentar pelos servos “destroem a tensão narrativa” (pg. 22).
Cita que para Benjamin, o primeiro sinal do declínio da narração é o surgimento do romance no início da época moderna (pg. 23), com sua condição de experiência e sabedoria a narração sabe aconselhar “sobre a vida” (pg. 24), a comunidade narrativa é uma “comunidade de ouvintes atentos” (pg. 25), há nela uma escuta cuidadosa.
As narrativas políticas e ideológicas modernas estão atrás de fatos curiosos, pitorescos e picantes, não há nela nada de sabedoria, move o público pelo impacto e pela pressa da informação “quente” e resumida, não há narração, não há escuta atenta e quando há é pelo êxtase ou pelo espetáculo promovido, é retirada do contexto de uma narração.
Aqueles que ainda existem em legalismos e moralismo, contraditoriamente com o cotidiano que vivem, presente na narrativa religiosa moderna, deveriam lembrar de fatos como o não julgamento da mulher adultera (que devia ser apedrejada pelo costume judaico da época) e Jesus “não a julga” (João 8,3), o testemunho do pecador que senta-se ao fundo enquanto o fariseu senta-se a frente e se sente orgulhoso porque “porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros” (Lucas 18,11-13), e ainda o desafio de Jesus ao curar um homem da mão seca em dia de sábado (Mc 2,4): “E perguntou-lhes: “É permitido no sábado fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou deixá-la morrer?” Mas eles nada disseram”, a narrativa bíblica sempre faz deste distanciamento um modo de pensar e repensar valores, não é o maniqueísmo e o moralismo moderno.
Também são narrações as históricas de piratas e as histórias impressionantes dos Vikings, anteriores ao período das navegações e do mercantilismo e ainda dos paraísos fiscais em ilhas espalhadas por todo o globo, com a complacência de “estados legais e morais”, onde se depositam o dinheiro público roubado das nações e dos próprios povos por políticos.
Han, Byung-Chul. A crise da narração, trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.
De que é composto o universo e qual sua origem
Os filósofos gregos do século 6 a.C. acreditavam que os quatro elementos de toda natureza eram: fogo, terra, água e ar, Pitágoras propôs uma escola praticamente religiosa que tudo eram números enquanto Demócrito propôs o átomo e que eles teriam formas arredondadas, lisas, irregulares e lisos podendo formas uma infinidade de elementos, mas até o final da idade média se acreditava que o fogo eram composto de uma destas partículas: o fogisto, devemos a tabela química a Dimitri Mendelev que em 1869 organizou os seus elementos químicos, antes o alquimista Henning Brand descobriu que o fósforo aquecido com resíduos de urina provocava chamas e Antoine Lavoisier em 1789 organizou alguns elementos em simples, metálicos, não metálicos e não metálicos.
A física padrão atual estabeleceu 7 elementos: neutrinos, elétron, quarks, fóton, gráviton, glúon e bóson de força fraca, mas há um mundo quântico mais misterioso o das supercordas, parece assustador ou usando a palavra dos físicos fantasmagórico (Einstein a usou a primeira vez ao perceber que há um terceiro estado na física quântica em que o elemento nem é nem não é, chamado mais tarde de Terceiro Incluído).
A teoria do universo mais convincente até recentemente era a do Big-Bang e um universo em expansão, a entropia, Stephen Hawking foi seu grande teórico, embora esta teoria já existisse antes, e propôs assim uma “flecha do tempo” em seu livro mais famoso uma “Uma breve história do tempo” (1988), porém as descobertas do James Webb colocaram em cheque ao encontraram nos confins do universo galáxias e corpos celestes que não deveriam estar lá, agora até mesmo a flecha do tempo é questionada.
O importante ao olhar para o universo é entender de onde veio tudo e se este todo e a vida inteligente, que por enquanto só encontramos em nosso planeta terra, teve um início e mais importante que isto teve uma intenção.
O “fiat lux” bíblico parece concordar tanto com a teoria do Big Bang, antes dos átomos haveriam ondas ou “cordas” criadas nos primeiros 10−44 segundos (tempo de Planck) e depois criados os elementos subatômicos, no caso das cordas, tudo é formado inicialmente por cordas unidimensionais que se dividiriam em cordas “abertas” (lineares e cordas “fechadas” (em força de laço), vibrando em diferentes frequências que dariam origem não apenas aos 7 elementos, mas também as moléculas iniciadoras da vida.
Seja como for existiu um momento inicial, e a forma deste “ente” deve ter sido precedida por um “ser” criador, o paleontológico e teólogo cristão Teilhard Chardin propôs que todo universo seria corpo deste supremo “Ser” do “ente”, assim ele deveria ter uma realidade divina e outra material (humana), assim propôs que o universo é cristocêntrico.
Do nada não é possível ter surgido o Tudo, e se há uma forma original do Todo, de algum “elemento” o mundo físico é composto, assim há um “Corpus” deste Todo, com a diferença que Ele é criador e todo o resto criado, mas criado com algum substrato do seu próprio Supremo Ser, claro a teoria para isto é mais elaborada, mas a sua compreensão é simples, somos parte de um corpo, de um conjunto que se comunica, a ideia da individuação do universo não é plausível, porque lá no início éramos uma coisa só: um pequeno corpúsculo cósmico, um conjunto de cordas vibrantes (poderíamos pensar até mesmo num coro fazendo uma música), porém houve uma momento de criação e um Ser o criou a partir de si mesmo.
O tudo, o todo e o divino
Após desenvolver assuntos delicados e polêmicos como a dor, a espera no sentido próprio de esperança mesmo, que Byung-Chul usa o termo filosófico da “contenção” , termina seu livro, que pode-se dizer seu primeiro escrito filosófico, ainda que tenha feito sua tese de doutorado em Heidegger, com aquilo que deve ser o mais polêmico para a filosofia de hoje: o todo.
Ao final do século XIX e início do XX, a física, a ciência e a filosofia que pareciam plenas de seus “saberes” tomam uma invertida, a viragem linguística, mas há outra em curso que é mais profunda ainda: a revanche do sagrado, depois de levarem a humanidade a duas guerras, ao trabalho exaustivo da “sociedade do Cansaço” (em inglês ficou traduzido como Sociedade do Burnout), a arrogância idealista quer proclamar a morte de Deus, o tudo ou o todo é o que, as ultimas pesquisas do James Webb parecem estar sem respostas.
Até mesmo a teoria do Big Bang está em causa, a flecha do tempo pode não estar correta, ou seja o tempo pode ser uma abstração humana, galáxias vistas nos confins do universo não coincidem com a física do Modelo Padrão (neste caso da Cosmologia) e mostram que o conceito precisa ser revisto, mas deixemos isto para os físicos e cosmólogos, o nosso maior dilema ainda é: “o que somos e de onde viemos”, traduzido em linguagem filosófico: o que é o ser, e que é o Ser do ente (ou proveniente das partículas e poeira cósmica).
Isto está expresso na Teoria do tudo, nome do filme, baseado no livro da esposa de Stephen Hawking, Jane Hawking, intitulado: “Travelling to Infinity: My Life with Stephen”.
Por um tempo esquecemos este dilema, tratado desde o início desta série de posts sobre a leitura do “coração de Heidegger” por Byung-Chul Han, não apenas o sono antropológico preconizado por Foucault, mas o sono idealista da razão de nosso tempo, aquele que provocou um esquecimento do ser.
O início do capítulo é uma provocação, acredito, ao citar Hegel na epígrafe: “A verdade é o todo”, já que Heidegger e sua releitura de Han eles retornam aquela “virada” em que “a verdade da essência do ser se recolhe ao ente” (pg. 337), onde a própria consciência já é em si “a inquietação de distinguir-se entre o conhecimento natural e conhecimento real” (pg. 340), ela na experiência dialética da dor: “o trabalhador dialético é um sofredor. Ele percorre um calvário, estafa-se no poder do Absoluto, e o faz precisamente para viver” (pg. 346), o destaque em viver é do autor.
“Quem ainda hoje fala do todo levanta suspeitas” (pg. 455) é a frase inicial do capítulo final, mas o idealismo jamais abandonou a noção abstrata do Absoluto, porque é um imperativo de qualquer teoria traçar contornos onde a verdade seja válida, por isto a frase da epígrafe do capítulo final, penso, mas “no coração de Heidegger bate pela totalidade desde o início” (pg. 455), ela a expressa em seu pathos pelo tudo: “O que foi dito talvez indique que o presente trabalho pretender ser filosófico, na medida em que foi empreendido a serviço da totalidade última” (pg. 456), mas em contraste como o hegeliano, “o todo heideggeriano não capitaliza a morte do particular” (pg. 457), se quisermos retornar a física vale a pena reler de Werner Heisenberg: “A parte e o todo”, onde vemos os limiares da física quântica moderna, onde há vários traços de filosofia bem delineada.
Compreendendo a dor, a contenção e a angústia e na identidade na diferença (já postamos que não é a differance idealista), o todo heideggeriano não é um lugar de nascimento, não é um lugar de origem, mas um lugar de nascimento” (pg. 459), uma “casa não metafísica como espaço de morada” (pg. 459), diríamos morada o Ser, pleno e divinizado.
E também sua totalidade mundana, não é contaminada pelo clima do pensamento pós-moderno, nele pode-se notar a total falta: “de odor, paisagem ou natureza” (pg. 460), “com a história do ser Heidegger escreve certa metanarrativa”, mas não se pode negar que “o pensamento de Heidegger também possui traços metafísicos” (pg. 461), sua filosofia “não são jogos de linguagem [como Derridá], nem discursos”. (pg. 463), para ele existe o ser da linguagem, “os jogos de linguagem seria um fenômeno óntico” (pg. 463).
Desenvolvemos a questão da voz (post), mas Han pergunta: em que tonalidade afetiva o pensamento de hoje coloca essa voz”, pergunto não é ela uma resposta para a verdade que habita no interior de todo homem?, segui-la não é aceitar a dor (não a resignação), a diferença (não a differance), a angústia e a disputa fora do conflito político e de guerra (ver pag. 465).
Existe aquela voz interior, aos que sabem fazer o vazio, o silêncio e o epoché, existe o Ser que é o Todo e que habita em nós, mas é preciso passar pela dor, pela angústia, pela renúncia e aceitar a diferença.
HAN, Byung-Chul. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
A dor e o Ser
Dissemos anteriormente, que o capítulo sobre o tema da Voz poderia ser o final, mas como Heidegger o via, e Byung-Chul Han foi fiel, ele é parte do desenvolvimento do Ser, ao falar da dor, assunto que também Han tratou em a “Sociedade Paliativa: a dor hoje” e já fizemos alguns posts, a maneira como tratamos a pandemia e agora as enchentes que atingiram milhares no vidas no Rio Grande do Sul, deve ser ponto de análise e compreensão, numa sociedade que não quer olhar este lado da vida: o sofrimento e a dor.
Não por acaso, Heidegger trata isto ao elaborar sobre Parmênides, onde a ontologia está reduzida ao Ser é e não-Ser não é, para uma lógica A e não-A, não havendo terceira hipótese, ali Heidegger fala de “certa morte (sacrificial) do ser humano: “Mas a forma suprema da dor é o morrer da morte, que sacrifica o ser humano pela preservação da verdade do ser” (pg. 321), assim não estão o sacrifício não é aqui, pois “o sacrifício tem em si sua própria essência e não precisa de objetivos nem de proveito? ” (idem).
No post anterior abordamos o sono idealista, aqui Han cita Foucault indagando “trata-se aqui de certa agonia despertar o pensamento de um “sono antropológico”?” (idem), talvez um despertar antropotécnico ou ainda como preferimos um despertar onto-antropotécnico, uma vez que o esquecimento do ser não é categoria filosófica apenas.
Ao abordar o vazio do homem moderno, a partir também da leitura de Foucault, Han lembra que Heidegger ao retomar a categoria metafísica “subjectum” que em “sua essência é o homem moderno é o “sujeito” e é exatamente aqui que Heidegger “critica implicitamente o pensamento antropológico” (pg. 322), ela é segundo Heidegger: “a continuação do cartesianismo”, Han citando-o: “Com a interpretação do homem como subjectum. Descartes cria o pressuposto metafísico para a futura antropologia do todo tipo e orientação” (pg. 323).
Assim não é a oposição do homem ao ente, mas a oposição equivocada da modernidade à linguagem: “a preocupação pela linguagem seria preocupação pela morte. Devolver a linguagem ao homem significaria, portanto, devolver-lhe a morte, a sua mortalidade” (pg. 324), e também não se trata do ‘ser’ ou ‘não-ser’ do ser humano” (pg. 325-326).
Para Heidegger o sujeito se reflete no mundo; “a imagem do mundo é de certa forma sua própria imagem especular” (pg. 326), por isso ela esconde o ser, já a dor “dilacera a interioridade subjetiva. Não se perde totalmente. Á dor está associada uma concentração peculiar, que, no entanto, não se estabelece como uma interioridade subjetiva” (pg. 327), embora o autor e Heidegger não o digam é por isto que existe o “sono idealista”, subjectum e ente estão divididos, e “na dor, o pensar se concentra naquilo que dá a pensar … na dispersão concentrada da dor, o pensar voltando-se para fora aprende de cor o exterior – deste lado de cá do saber e da ciência, os quais possibilitariam um aprendizado interiorizante assimilador” (pg. 327).
É importante ressaltar a economia calculista vista por Heidegger: “A dor é do ´por´, não do ´devido a” … o luto não lamenta, não procura preencher o lugar que ficou vazio … o luto sem enlutar só é concebível fora da economia (VIII.3)” (pg. 328).
A dor não é a resignação da interioridade absoluta: “o sujeito que trabalha na identidade, retornando a si mesmo na sua interioridade, assimilando o mundo, é incapaz da dor” (pg. 329), enquanto outros pensadores pararam na angústia ou na busca pela diferença ou ainda pelo sujeito destinado a um “espírito absoluto”, Heidegger vê na dor uma “tonalidade afetiva fundamental da melancolia” (pg. 329), é a tonalidade do ser … da finitude … do pensamento finito, “é o traço idêntico que, como base certa maneira formal, sustenta toda tonalidade fundamental ocupada por algum conteúdo, o traço principal que, enquanto o mesmo, está na base do modo como respectiva afinação” (pg. 330).
Assim a dor, para Heidegger e suponho para Han (ele trata-a de modo um pouco diferente na sociedade paliativa), “a dor não é o olho que chora, ou o rosto contorcido pela fome ou pela tortura”, a dor abre um espaço em que o pensar se torna possível pela primeira vez … um espaço sem traços antropológicos, e do qual o sujeito desapareceu … pensar seria, um dom da dor” (pg. 331).
A conclusão deste tópico: “a fenda da dor arrasta a velada marcha da graça até um advento inutilizado da clemencia” (pg. 332), por isso veneramos o poder, a violência e a falta de visão da verdadeira paz, amor fora das bolhas, egoísmo e enfim falta de “clemência”, pode parecer assunto religioso só, mas é a busca da essência do Ser.
HAN, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
Espera de esperança é maior que a pressa
Alguém escreveu que esperança não seria do verbo esperar, porém Alexandre Dumas escreveu: “toda sabedoria humana se resume em duas palavras: espera e esperança”, assim esperança se articula com espera como confiar com confiança, sinônimo de esperança, como já dissemos em outro post ela se opõe ao medo, a angústia e ao vazio do nihilismo moderno, temas já desenvolvidos na leitura de Byung-Chul sobre Heidegger.
Queremos reler a releitura de Han sobre a Espera ou contenção, o VII 2.3 que começa na página 302, como já dissemos anteriormente este é o ensaio mais longo do autor e talvez (eu penso assim) seus primeiros escritos realmente filosóficos, já que conjuga Heidegger com sua visão de Kant, Hegel, Derridá e Lévinas, este último parece ao gosto do autor.
Chul-Han afirma que este é a tonalidade afetiva inicial do autor, ao escrever seu poema de juventude, em 1910: “em frente ao portão do jardim de primavera / esperamos e escutemos / até que voem as cotovias / até que os cantos e os violinos / o murmúrio das fontes / os prateados / sinos dos rebanhos / se tornem coro universal de alegria” (Han, pg. 302 citando Heidegger), como diz o autor parece “cantada em imagens ingênuos” porém Heidegger tardio parece esperar “o dia do Ser” que também ressoa ingênua, mas “a espera em Heidegger não está ligada a uma data cronológica nem a um evento empírico” … é “um movimento singular, em uma (não) intencionalidade plana, em uma (não-) economia peculiar” (pag. 303), “não espera a reparação de uma deficiência” (idem).
No seminário sobre Heráclito, escreveu Byung-Chul ele faz a diferença entre esperar e ter esperança: “ter esperança sempre inclui contar com algo, enquanto esperar – se nos atemos à palavra – é atitude de conformar-se […] Ter esperança significa “ocupar-se firmemente com algo”, enquanto na espera há o resignar-se, a reserva” (pg. 304) assim penso, na esperança há uma confiança daquilo com que me ocupo.
Porém completa a ideia de espera com contenção, escreverá: paciência e espera são “traços básicos da contenção” (pg. 305), assim ela é articuladora frente a “ausência infinita da contraparte tangível”, “ela é o traço básico da serenidade”, a falta de serenidade contemporânea deve-se em grande parte a falta de espera, de contenção e paciência.
Existe assim uma articulação entre o “ainda não” e o “já”, assim “a espera de Heidegger não pode ser descrita como a intencionalidade de esperar até o fim” (pg. 306), “o nada se dá apenas na espera, que se distancia do impaciente pôr-diante-de-si, da intencionalidade da representação” (pg. 307), nisto Heidegger irá explicar como “a renúncia é uma medida contraeconomica”, afirma citado por Han: “A verdadeira renúncia – isto é, sustentada e lograda por uma tonalidade afetiva fundamental genuinamente expansiva -, é criadora e geradora. Ao permitir que sua posse anterior se vá, ela recebe, e não posteriormente como uma recompensa; suportar em luto a necessidade de renúncia do ceder é em si um recebimento” (Han, pg. 307 citando Heidegger).
O pensar aprende a agradecer aprendendo a renunciar, escreveu Han e citando Heidegger: “A renúncia é um agradecer no não se negar, ai reside a renúncia. Renuncia é ter de agradecer e, portanto, uma gratidão” (pg. 308), teorizamos aqui em inúmeros post a questão do poder, a renúncia é seu posto e oposto, “apenas o dom, que só é possível além da economia, torna o agradecimento concebível” (pg. 309) e assim é uma “retribuição simbólica” “um pensamento não econômico, que se distancia do “entendimento calculista” (pg. 309), “o pensamento grato questiona radicalmente a autonomia do sujeito sem instalar uma instância transobjetiva de poder” (idem) e conclui a “estrutura” “autônoma e transobjetiva restituiria a economia” (pg. 309).
Confiar é assim uma articulação da contenção da espera com paciência na esperança, quem confia é capaz de renunciar e agradecer, e tem nestes dons o seu pagamento.
HAN, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
A Ucrânia pode ser apenas um passo na guerra
Crescem temores que o avanço russo no norte da Ucrânia consiga chegar e capturar a cidade de Kharkiv, a segunda maior da Ucrânia e de importância industrial e militar indiscutível, o cenário pode ser mais grave do que se pensa.
Não há conexão ideológica, mas uma análise tática da segunda guerra, a Alemanha antes de invadir a Polônia, anexou a Austria, país de muitas tradições comuns e com uma estrutura linguística muito próxima, o evento conhecido como Anschluss (conexão ou anexação) ocorreu de 11 a 13 de maio de 1938, a invasão da Polônia ocorreu em 1º. de E
A base dos conflitos é sempre esta: determinada cultura, etnia ou povo se considera no direito de dominar outros povos devido sua “superioridade” por critérios quaisquer.
Os sinais que a Rússia não pararia aí, estão em vários discursos do Kremlin, recentemente Putin disse que a OTAN “está mexendo com fogo”, e também reivindica a posse das ilhas Svalbart atualmente da Noruega já foi desafiado por Putin que declarou: “O direito da Rússia sobre Svalbard não pode ser desafiado!”.
Do lado da OTAN, a França já havia declarado a possibilidade de um confronto direto da OTAN, as ajudas financeiras continuam sendo enviadas, recentemente a Estônia declarou que poderá enviar tropas de “retaguarda” para auxiliar a Ucrânia, porém o Ministro da Defesa do país, Hanno Pevkur, disse no dia 14 de maio ao meio de comunicação europeu ERR que tais conversações “não chegaram a lado nenhum” em Tallin, e que a Estônia não tomaria uma decisão sozinha, porém isto revela que houve “conversações”.
Os EUA continuam enviando ajudas milionárias a Ucrânia, porém com a proximidade das eleições isto enfraquece o governo Biden, as eleições acontecerão no início de novembro.
Outra notícia preocupante destes dias é que um helicóptero que transportava o presidente do Irã Ebrahim Raisi e o ministro das Relaçõe Exteriores do país, caiu neste domingo (19) enquanto atravessava uma área montanhosa sob forte neblina ao voltar de uma visita à fronteira do Azerbaijão, a informação teve origem na autoridade iraniana.
Aparentemente o acidente foi devido a neblina, Raisi desde que foi eleito em 2021 é conhecido por repressão violenta a protestos antigovernistas e pressionou as negociações nucleares com as potências mundiais, o Irã é também uma peça importante por sua oposição aos ataques israelenses na região de Gaza, agora num último reduto, que é a região de Rafah.
Sempre há esperança quando as pessoas de solidarizam com o sofrimento, as enchentes no sul despertou o povo brasileiro, porém não podemos parar aí há graves índices de enfermidades além do zika vírus que toma conta do país, sendo a CNN Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) vem alertado para o surto.
Existe uma voz da verdade
Embora seja um capítulo precedente no livro “O coração de Heidegger”, o capítulo IV “Voz” poderia ser o de uma conclusão de Byung-Chul, porém está correto pois não seria uma conclusão heideggeriana, a epígrafe que é uma citação do livro dos Reis ao profeta Isaías é simbólica: “Sai e põe-te neste monte perante a face do Senhor … e sucedeu que, ouvindo-a Elias, envolveu o rosto na sua capaz […]” (Han, pg. 107).
Vasculha a “série de indicações” nos “Quatro Seminários” de Heidegger, o primeiro é ouvir que escrever, propõe que há aí uma ligação com a metafísica, enquanto a escrita se fixa num “logocentrismo”, ele põe o ouvinte em uma tonalidade afetiva do acontecimento apropriador? E responde com o discurso de Platão sobre a escrita como “trai o discurso vivo e animado do sábio” (Han, pg. 110), pois ela se retira para a interioridade no tempo, difere de Hegel que vê “a verdade do espaço”, curiosamente aquele que reivindica a história.
“A voz também preenche a necessidade de uma interioridade desobstruída, não perturbada por uma exterioridade” (Han, pg. 111) e é importante que “Ela cria a aparência de uma absoluta interioridade não mundana” (pg. 111) e não se trata do egocentrismo da razão cartesiana, e do idealismo: “ouvir-se-a-si-mesmo-falar, a fórmula fundamental da subjetividade, não faz justiça a toda fenomenalidade da voz” (pg. 113), ela questiona a economia narcisista do espelho.
A flauta e a voz para Platão e também em Aristóteles é muito semelhante a voz humana, escreveu Aristóteles: “Ora, o canto e o som da flauta se misturam como resultado de sua semelhança […]. Além disso, a flauta, por seu som e sua semelhança (com a voz), pode esconder muitos erros do canto […]” (Aristóteles apud Han, pg. 116).
O Ser-aí de Ser e Tempo (Heidegger) “certamente não pode ser suspeito de cegueira narcisista. O ser-aí não se instala no interior sem janelas. Existência significa ser-fora” e vai além “O ser-aí está em casa fora do mundo” (Han, pg. 118), mas nem Heidegger nem Han vão até o fim nesta elaboração, ou seja, estar em casa e fora do mundo o que de fato são.
Identificam que “o ser-aí se doba na voz que se propaga”, e que a “voz estranha” se revela como própria do ser-aí (Han, pg. 119), e quem é “aquele que chama e o ouvinte são idênticos” (pg. 119) já que “esta voz não transporta nenhum significado, nenhum conceito” (pg. 120).
Esta unidade do Ser e do Ser-com-Outro não se realiza sem esta verdadeira espiritualidade não egocêntrica, não polarizadora e não individual, é preciso um conceito trinitário, ou seja, há uma terceira Pessoa que une o ouvido e o ouvinte em uma coisa só, falta um ponto final nesta conversa de Heidegger através de Byung-Chul (na imagem o quadro de Tsherin Sherpa (Nepal), Espíritos Perdidos, 2014.).
HAN, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
Razão e divisão
Como dito no post anterior, o sujeito do idealismo “não tem medo”, afirma Byung-Chul “neste espaço sem sombras de transparência, evacuado pelo raio da certeza, não há surpresa nem medo” (pg. 263), o autor relê também Descartes que “projetou a partir de sua necessidade insaciável de segurança é estéril, fantasmagórico e inabitável” (pg. 263) e essa “compulsão pela segurança” conduz ao obscuro, e mesmo a correção de Kant que se salva ao “repelir” e “reinterpretar” a imaginação (pg. 266).
Mas lembra Byung-Chul que Kant na sua Fundamentação da Metafísica olhou para a dimensão desconhecida da existência humana, o “desconhecido inquietante” embora esteja preso na “dedução subjetiva” que conduz ao obscuro, e reconhece “que nos sintoniza com os terrores do abismo” (Han citando Kant, pg. 267) e que no “horror interior” “que todo mistério carrega consigo” (pg. 267) e que é nesta “nudez da angústia” que transforma a vulnerabilidade do sujeito.
Em Ser e tempo, explica Han, “a angústia não leva o ser-aí à proximidade da amplitude extática que vê no Heidegger tardio”, nem a proximidade da “alienação” a partir “da coragem para o abismo”, e conclui Han: “a angústia arranca a existência da ordem doméstica da “completude relacional”, levando-a para a “região”, para o “mundo como tal”, mas em seu centro reside o si mesmo” e aqui explica a angústia: “A angústia só conduz a hipertrofia do si mesmo” (Han, pg. 268).
Heidegger fez uma descoberta ontológica essencial, onde está a ruptura do sujeito “o ser-aí é o que chama e o chamado a um só tempo […] o que chama é o ser-aí que […] se angustia por seu poder ser” (Han citando Heidegger, pg. 269), nisto acontece “um solilóquio de negociador”, mas é conduzida entre dois eus, ou seja, entre o si mesmo impessoal e o seu autêntico” (pg. 269), esta divisão ocorre tanto no interior do ser-aí como na reação com os outros, “por angústia perante a voz do outro, o ser-aí tapa os ouvidos” (pg. 269).
Assim esta divisão ou desunidade surge no interior do homem, e é nesta “estranhez do estar em suspenso, em que o ser-aí pode se aproximar de uma crescente carência de fundamento” (Han citando Heidegger, pg. 270), é “na angústia que ocorre certa epoché”, a suspensão de juízo fenomenológica de Husserl professor de Heidegger, nela a rede de referências, tecida pela finalidade do “para quê”, a totalidade relaciona e sua implicação intersubjetiva desmoronam, em minha conclusão aqui, nela nasce e vive a unidade.
Esta conclusão que não é de Heidegger nem de Byung-Chul é possível porque escreve este último: “elas são de certa forma “postas entre parênteses”, o Impessoal “neutro” e sua “ditadura” são “inibidos”, este “desmoronamento do mundo” (Han, pg. 270), reduzem o “ser-aí a uma esfera solipsista do ser, esfera do “puro ´fato de que …” da própria e isolada condição do estar lançado” (pg. 270), é “o resíduo do epoché, o eu autêntico, marca o centro de gravidade do ´aí, do qual o mundo que escorreu deve ser recuperado do nada ou deve ser preenchido explicitamente com a “estabilidade do eu” (Han, pg. 271).
Esta divisão fruto da razão impede uma verdadeira ontologia, veja que Heidegger chega a usar a palavra “ditadura” da certeza, do si mesmo, do império da pura razão onde não há espaço para o enigma, a dúvida, o mistério e a completude do ser, aí ele fica reduzido a “angústia”, parte da vida, mas na qual o ser-aí não deve parar, nem “desmoronar”.
A razão ou a crítica da razão pura, não se esgotam em si mesmas, nela reside a angústia, elas precisam da incerteza, do mistério e da vida plena “interior”.
HAN, B. C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger (Heidegger’s heart: on the concept of affective tonality in Martin Heidegger). Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
Resistência do espírito: superar a angústia
Apesar de ser escrito bem antes da crise atual, a leitura de Byung-Chul de Heidegger mostra um extraordinário conhecimento da atualidade e prova que de fato esta crise nasceu de uma profunda crise do pensamento, o capítulo central sobre “O coração de Heidegger” aponta para angústia e terror, falando antecipadamente da policrise atual.
Começa por aquilo é o foco central atual: “um princípio básico da economia é a segurança” (pg. 257), e como não poderia deixar de ser vai ao coração do pensamento atual que é o idealismo e seu ideólogo poli-ideológico Hegel, citando Bataille: “Hegel imagino, tocou o extremo. Ele ainda era jovem e pensava estar ficando louco. Eu até imagino que inventou o sistema para escapar. […] Por fim, Hegel regressa ao abismo visto para anulá-lo. O sistema é a anulação” (Bataille, apud Han, pg. 258).
“O sujeito hegeliano anseia pela posição de poder do autor consciente, que não é perturbado por nenhuma incerteza, nem ameaçado por nenhum destino” (pg. 260), a ideia de esperança e resistência espiritual (seu espírito é o gosto pelo poder), “não se curva pela presença rígida e indeclinável”, “a negatividade é bem-vinda como fermento da verdade” (pg. 261) e assim trata-se mais de destruí-la do que afirma-lo como esperança e visão de futuro.
Nele o negativo se articula como o “sentimento de violência” (Han citando Hegel), que arrasta a consciência de uma morte para a outra (Han, 261), e a guerra é inevitável.
Não foram os donos do poder e sua articulação imperial que criaram sentimentos de guerra, a ideia de violência está inerente ao pensamento idealista, nela a “ interioridade subjetiva, que lhe sugere um conhecimento absoluto” (pg. 260), Hegel encontra a salvação no sistema, “mata” a “suplica insistente” e torna-se o “homem moderno” (pg. 261).
Aparentemente o “sujeito não tem medo”, “o enigma dá lugar a regra” assim não há lugar para o mistério, para o divino e para a vida eterna, estar no mundo significa estar sobre as regras da violência, da indiferença e da morte.
A resistência da esperança é estar na convivência com a realidade idealista, tendo uma ascese verdadeira que almeja a alegria verdadeira.
Han, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
Ascese e ascensão social
Está ligada a ideia de ascensão o crescimento na escala social, porém este tipo de ascensão não se refere a ascese, aquela que moral e virtualmente (de virtude) alguém se eleva.
A ideia de acesso aos bens sociais e a visibilidade pública, também não está ligada a ascese, vivemos em tempo que a notoriedade social através dos modernos recursos de mídias digitais, a propaganda e a indústria cultural existem desde o início do século passado, não indica uma ascese espiritual e moral, sendo muitas vezes exatamente o oposto.
Os tempos da educação para a sociabilidade, a empatia e o bem-comum ficaram distantes, agora está em um cenário confuso onde se mistura visibilidade pública com sociabilidade, empatia com mitologia moderna, não há um espaço para profundidade do pensar, ou para espantar-se diante de fatos sombrios, tudo parece tornar-se meme e motivo de má política e má práticas de sociabilizada de polarização muitas vezes justificada apenas para o “nós contra eles”.
É quase impossível falar em ascese num universo tão estranho e exótico, para não dizer algo mais grave, não se trata de voltar a histórias infantis com lições de moral ou estórias fantasiosas de bondade e inocência de um mundo difícil e competitivo, isto também é inócuo, porém se não nos elevamos espiritualmente nos tornamos cada dia piores e menos humanizados, uma ascese que nos leve a um nível mais elevado civilizatória não é apenas desejável como é tornar o processo civilizatório possível e mais frutuoso para todos.
Ao falar de uma ascese desespiritualizada, Peter Sloterdijk ressalva a “sociedade de exercícios” que está mais destinada a tensão e a competição do que ao lazer e ao progresso humano e social para todos, também Edgar Morin quando fala de resistência do espírito, fala sobre uma postura de esperança contrária a policrise social que vivemos.
A leitura que estamos fazendo do Heidegger lido por Byung-Chul Han, penetra neste espírito: “O homem moderno”, o consumidor do ente, cambaleia por causa de sua “embriaguez de vivências” (pg. 243) de uma coisa inusual para outra, falta-lhe o olhar ascético do “espanto” (pg. 244), ou seja, não adquirir qualquer inusual como fato.
Este olhar de espanto que vem desde a filosofia de Aristóteles, capaz de prender nossa atenção no “espaço não pisado do entre” (pg. 246) que é capaz de rever o “meio” (na foto Filósofo em Meditação de Rembrandt, 1632).
Existe nisto um “sofrer” que é um aprisionamento do “não saber como entrar ou sair” (pg. 247) e em tal sofrimento há correspondência com o que deve ser captado, o que deve ser aprendido onde “o pensar é um captar que sofre” trabalhado por Heidegger para permitir ao homem um pensar no entre dos entes, aquilo que leva a tonalidade afetiva.
Ao criticar também o espanto da criança, que chama de primeiro começo, enfatiza que ele não está nesta casa primeira: “a respiração sustida pode significar o a priori trans- epocal do pensar”, (pg. 249).
Byung-Chul lembra que Lévinas dedica sua “obra principal” (assim a considera): autrement qu´etre ou au-delà de essence (além do ser ou além da essência) ao espanto, que liberta o aprisionamento do eu ao em-si (categoria cara a Hegel), que põe o eu em “uma passividade que é mais passiva que a passividade da matéria” (pg. 250, citando Lévinas).
Embora reconheça que há este espanto no pós-modernismo, lembra Lyotard (Das inhumane, pg. 163) citando Boileau em “O sublime e a vanguarda”, o “sublime é, estritamente falando, nada que possa ser provado ou mostrado, mas algo maravilhoso que agarra, que sacode e que mexe com a sensibilidade”.
Finaliza este capítulo, que chamou de “A respiração sustida”, que “o espanto impõe silêncio ao sujeito e ao seu trabalho de síntese”, e conclui: “É um sopro de pensamento que persevera antes da síntese, sem parar de pensar” (pg. 252).
Han, B. C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.