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Arquivo para a ‘Linguagens’ Categoria

A crise idealista e a retomada ontológica

01 fev

A evolução do iluminismo tanto na política como na economia culminou no hegelianismo, após a passagem pela crítica da razão por Kant, é a última grande teoria que procura realizar uma totalidade “integrada”, sujeita a contradições “dialéticas” (é diferente da dialética da antiguidade clássica) e segundo seu modelo a finalizada última seria atingir a plena essência espiritual, que pouco ou nada tem a ver com religiosidade.

Foi assim a ascese materialista dialética que terminou num enorme vazio e no “esquecimento do ser”, termo usado por Heidegger para contradizer as teorias que desde Descartes esvaziaram e criticaram a leitura metafísica da realidade, na etimologia da palavra a meta-physis, neste caso o grega, já que sua origem é de lá, segundo Aristóteles era a primeira ciência, dava conhecimento sólido sobre as coisas, e o estudo se confunde com a ontologia, o “ser enquanto ser”.

Para Kant este estudo se confunde com o de costumes, é um conhecimento não-empírico ou racional, seu estudo sobre a moral e a “subjetividade” vai partir desta relação com os costumes culturais e aqui já há uma forte dose de relativismo, e aprofunda o dualismo entre Sujeito x Objeto, esquecendo o “Ser”.

Assim aquilo que é subjetivo, teórico ou metafísico vai caindo em descrédito e crescem as teorias da objetividade, da praticidade e do realismo empírico, isto não será feito sem contradição, porém a própria definição de dialética idealista é esta, o desenvolvimento deste conceito a partir de si mesmo.

Platão definia a dialética como a arte de pensar, de questionar e de organizar as ideias (eidos grego – imagem, já postamos algo), assim não estão fora de questão nem a teoria (também o idealismo é uma teoria, por sinal pouco prática), nem a metafísica nem o “ser”.

A teo-ontologia do final da idade medida vai estabelecer as relações entre o ente e o ser, segundo Tomás de Aquino ele “é infinito. Por isso, se ele se torna finito, é necessário que seja limitado por alguma coisa, que tenha a capacidade de recebê-lo, isto é, pela essência”, presente em sua tese “O ente e a essência”.

Em meio a crise do pensamento idealista, veja o post anterior, surge uma nova corrente a partir de Franz-Brentano na metade do século XIX, que retoma a fenomenologia e a ontologia trabalhando sobre a intencionalidade da consciência humana, que era um estudo específico em Tomás de Aquino, para tentar descrever, compreender e interpretar os fenômenos como eles se apresentam à percepção.

Brentano foi professor de Husserl, que relê Descartes e Kant, e elabora a fenomenologia com diferente sentido dado pelo seu professor Brentano, procura separar o que é empírico, assim o fenômeno do ato mental não é algo que aparece instantaneamente na mente, mas depende da memória e elabora a partir daí os conceitos de protensão e retensão, a discussão sobre o que é consciência hoje chega aos objetos da Inteligência Artificial.

Heidegger foi aluno de Husserl, e a partir dele pode-se considerar tanto a viragem linguística (nem todos autores concordam) quanto a retomada ontológica.

 

 

Encruzilhada da guerra e pandemia em análise

30 jan

Analisando estes dois temas de grande relevância mundial, elementos complicadores da grande crise civilizatória, que já analisamos o aspecto político e cultural que é seu fundo, vemos uma guerra em escalada mundial e uma pandemia em análise pela OMS, quanto ao uso do termo.

São dois eufemismos, pois a guerra já tem proporções mundiais com o envio de tanques Leopard por parte da Alemanha e Polônia, enquanto a Russia envia seu navio chamado “do fim do mundo” para águas internacionais no Atlântico Norte, não há perspectiva de Paz, a Pandemia continua o que se discute é só se a palavra deve continuar a ser usada, a infecção pela variante kraker já é vista mundialmente como de rápida e fácil transmissão.

Após o anuncio de entrega de tanques Leopard a Ucrânia, a Rússia já bombardeou o país com misseis hipersônicos que ficam fora do alcance do radar e anunciou o desenvolvimento em escala da arma nuclear Poseidon (imagem), um torpedo Autônomo Nuclear com capacidade intercontinental, como depende de submarinos pode atingir cidades costeiras praticamente em todos continentes.

O Vice-Presidente do Conselho de Segurança e ex-presidente da Rússia Medvedev afirmou que quem tem armas nucleares não perde uma guerra, e a declaração é vista como uma ameaça ao envolvimento de países europeus e dos Estados Unidos, agora vistos como envolvimento direto pelo envio declarado de armas, embora o presidente da Alemanha afirme que a escalada não envolverá a OTAN.

Analistas de todo mundo, entre eles o chamado “relógio Juízo Final” (Doomsday Clock) simbólico, que começou após o fim da segunda guerra, adiantaram o “relógio” para 90 segundos da meia noite, devido a guerra na Ucrânia e a escalada de ameaças entre o Ocidente e a Rússia.

Em 1945, criado pelo biofísico Eugene Rabinovitch e organizado pelo Bulletin of Atomic Scientists, o Doomsday Clock contou com cientistas como Albert Einstein, J. Robbert Oppencheimer e Marx Born, até hoje são cientistas renomados que mantem esta análise, o horário 23:58:30 é o mais próximo desde sua criação.

A OMS também analisa suspender o estado de “emergência de saúde pública de interesse internacional”, eufemismo para declarar o fim da pandemia, o que é preocupante porque só na China foi resultado mais de 170 mil mortes nas últimas semanas, e a variante kraken segue em expansão, com isto o socorro de nações com dificuldades sanitárias e uma política global de combate ao vírus fica debilitada.

Não acredito que a atual crise, que inclui e se fundamenta em valores culturais, possa se dissipar, porém atitudes de paz e cuidado com a vida podem nos dar algum alerta, as autoridades devem ter isto presente.

Adendo:

Após a publicação deste post, veio a declaração oficial da OMS: “Não podemos controlar o vírus da covid-19, mas podemos fazer mais para lidar com as vulnerabilidades das populações e dos sistemas de saúde”, disse seu diretor Geral Tedros Adhanom esta segunda-feira (30/01/2023).

 

O que é inteligência artificial e qual ética é necessária

25 jan

Normalmente IA tem sido caracterizada como “fazer o tipo de coisas que a mente é capaz de fazer” (Boden, 2020, p. 13), porém esta dimensão não tem uma dimensão única e podemos abordar “um espaço estruturado com diferentes habilidades de processar informação” (idem).

O desenvolvimento atual acrescenta “avatares de realidade virtual e os promissores padrões emocionais desenvolvimento para os robôs ‘para o acompanhamento pessoal” (Boden, pg. 14), o que tem sido chamado de assistentes pessoais, como o Siri, o Cortana e modelo de diálogo ChatGTP que é em código aberto e já exige regulamentação especial, por exemplo, a prefeitura de Nova York proibiu o uso nos níveis iniciais de escolarização.

Os chatbots já são conhecidos a algum tempo, porém são bem mais simples, o ChatGPT (Generative pre-Trained Transformer) é uma ferramenta simples e intuitiva, que o usuário usa e treina a partir dos conceitos de IA de Learning Machine, aprendizagem de máquina e portanto cresce em complexidade e capacidade de interação com o usuário na medida que é usado.

A influência em filosofia também é sensível, especialmente nas áreas cognitivas onde são feitas tentativas de explicar a mente humana, neste campo uma recente polêmica foi o fato de um engenheiro da Google afirmar que a plataforma de IA LAMBDA (Language Model for Dialogue Applications), era senciente (que é diferente de consciente), já publicamos um post e não desenvolvemos aqui devido a complexidade do tema.

O tema já teve inicio de discussão na Câmara Federal do Brasil e está para entrar em pauta no Senado Federal, através do projeto de lei PL 20/21, entre outras coisas estabelece um marco legal no desenvolvimento e uso de inteligência Artificial (IA) pelo poder público, empresas, entidades diversas e pessoas físicas, estão sendo ouvidos juristas renomados e especialistas da área.

Outra área preocupante que deve-se ter cuidado é o uso de IA na criação de “vida artificial”, “que desenvolve modelos computacionais das diferentes características de organismos vivos”, nesta área se destacam o desenvolvimento de algoritmos genéticos (AG). (Boden, 2020, p. 15).

BODEN, Margaret A. Inteligência Artificial: uma brevíssima introdução. SP: Ed. UNESP, 2020.

 

 

A Inteligência artificial e seus limites éticos

24 jan

Numa sociedade em que todos os limites éticos já foram ultrapassados, até mesmo o de não presar mais pela vida nosso bem mais fundamental, a evolução da Inteligência Artificial, mesmo com inúmeros acordos éticos dos quais participaram as grandes empresas (Amazon, HP, IBM, Google, etc.), por exemplo, para não produzir armas inteligentes, assistimos o uso indiscriminado em drones na guerra Ucrânia e Rússia, na qual estão envolvidas as potências e suas empresas.

A evolução da IA deu um salto com a internet, a facilidade de informações que correm pelas veias das redes eletrônicas (estas sim são redes) e incentivam as mídias eletrônicas (que são apenas meios disponíveis aos homens) é tão abundante quanto impactante, da noite para o dia, ilustres desconhecidos se transformam em “influencers” e ganham notoriedade, entre eles adivinhos, profetas, políticos e artistas nem sempre com muita moral e ética.

Isto deveria ser tão ou mais preocupante que o desenvolvimento da IA (inteligência artificial), porém o uso das “mídias” por estes influenciadores são sim muito preocupantes, e não se tratam apenas de fake-news, mas todo tipo de barbárie que vai desde o vocabulário até o impacto político, nisto se insere nossas leituras das semanas anteriores de Dalrymple e Zizek, mais ligados aos aspectos cultural e político, que sem dúvida são mais delicados.

Como o tema também é delicado, agora no sentido intelectual de conhecer suas potencialidades e perigos ainda não claramente analisados, como por exemplo, uso de algoritmos genéticos (AG) apontado por Margaret A. Boden, em seu livro “inteligência artificial: uma brevisissima introdução” (Editora Unesp, 2020).

Ela explora, entre várias outras coisas, com clareza de quem é especialista na área, o problema dos ciborgues e trans-humanos, como sugeria Kurzweil que preparava seu próprio corpo para tornar-se um trans-humano.

A diferença entre ciborgues, os implantes médicos de diversas próteses já são claramente possíveis, para o trans-humano, “em vez de considerar as próteses como acessórios úteis para o corpo humano, elas serão consideradas como partes do corpo (trans-)humano” (Boden, 2020, p. 206), onde a força e a beleza humana poderão ultrapassar os limites genéticos e isto de tornariam características “naturais”.

Assim como Jean Gabriel Ganascia (francês que escreveu O mito da singularidade), Margaret Boden também não acredita na ultrapassagem da máquina acima da inteligência humana, este é o ponto da singularidade, e assim também a consciência humana “transcendente” como discutimos, não está submetida a uma “implausibilidade intuitiva” da pós-singularidade (pg. 207).

Sem dúvida a máquina poderá realizar tarefas incríveis e numa rapidez jamais sonhada pelo homem, aliás já o faz, porém “transcendência” não é isto.

BODEN, Margaret A. Inteligência Artificial: uma brevíssima introdução. SP: ed. Unesp, 2020. 

 

Que caminho encontrar numa situação confusa

20 jan

Tanto Zizek quanto Dalrymple avançam no diagnóstico de uma cultura ocidental em crise,debatem-se apenas com aquilo que foi destruído a secularização e a luta ideológica ocidental, rebatem qualquer possibilidade de um novo patamar moral e ético, mas fica a pergunta de Zizek: “Como podemos encontrar um caminho nessa situação confusa? “ (pg. 41), certamente não serão mais os modelos  já testados e falimos gestados no centro da cultura europeia, apelar para Descartes (Darlymple no seu capítulo sobre o Relativismo e o problema epistemológico, “volte Descartes precisamos de você”) ou Hegel que ocupa papel central nas leituras de Zizek junto ao hegelianismo novo de “Marx” sobre o qual o próprio Zizek aponta contradições.

Culpam os valores morais do cristianismo ou do islamismo que pouco ou quase nada influenciam na sociedade europeia contemporânea, ainda que por causa da imigração hajam mais árabes ou cristãos vindo de países com menor desenvolvimento, serão sempre camadas inferiores e subalternas no pensamento europeu, não há espaço para o novo, ele tem que se parecer com as velhas teorias de desenvolvimento, cultura e moralidades europeias, o cenário de crise evolui para o de confronto e de ódio.

Em todos os tempos houveram minorias que apontaram saídas, o grupo de filósofos em torno de Platão não gozavam de grande prestígio, e como dizemos esta semana a cultura ocidental é apenas uma “nota de rodapé” da cultura clássica, Aristóteles ganhou notoriedade por ser tutor de Alexandre, mas é preciso dizer que ensinou a ele e seus companheiros não a arte da guerra, mas ensinamentos sobre medicina, filosofia, moral, religião lógica e arte, e deu-lhe uma cópia que Alexandre levava em suas campanhas de conquistas.

Um novo pensamento não será nada daquilo que já envelheceu, e ainda que deva ser lido e analisado, o novo brotará de veredas mal exploradas e esquecidas, de clareiras que poderão abrir novos polos de real humanismo em meio a cultura da guerra e do ódio, nela não pode haver esperança e tudo que se espera é uma crise civilizatória, cujas nuvens pesadas já se vê no horizonte.

Na leitura bíblica são lembradas sempre Jerusalém, Belém e Betânia onde Jesus descansava, porém Cafarnaum é o verdadeiro lugar onde Jesus deu seus primeiros passos na sua missão, perto dali estava a casa de Pedro e como era perto do Mar, na verdade a beira do lago de Genesaré, é lembrada como “caminho para o mar”, onde estão Zabulon e Nefatali, e foi a vereda por onde Jesus encontrou seus primeiros discípulos, sua pregação e seus milagres.

Cafarnaum é próxima de Zabulon e Neftali, dela disse o profeta Isaias: “Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, região do outro lado do rio Jordão, Galileia dos pagãos” (Mt 4,15), assim é provável que uma nova Cafarnaum não será nenhuma terra “religiosa” no sentido de dominação da cultura cristã ou islâmica, mas de um lugar escondido onde uma nova civilização irá despontar.

A espera de uma Cafarnaum moderna, ou de uma Atenas, onde brote uma nova concepção de cidadania, o início do livro “A República” de Platão é sobre o justo e o injusto e suas reputações na sociedade.

 

 

Multiculturalismo e diversidade

19 jan

Como traçamos nos posts anteriores não há como falar de conflito e paz nos dias de hoje sem abordar a questão de fundo cultural e nelas as ideias filosóficas que são um pano de fundo e como não poderia deixar de ser é também discutido por Zizek.

O discurso da diversidade cultural, traduzido politicamente em multiculturalismo não resolveu os problemas do mundo contemporâneo, Ângela Merkel falando em 17 de outubro de 2010 a um encontro de jovens da União Democrata Cristão declarou: “Essa abordagem multicultural, que diz que simplesmente devemos viver lado a lado e sermos felizes uns com os outros, foi um completo fracasso” (pg. 51), e ali introduziu o debate da Leitkultur (cultura dominante) que insistiam “que todo estado é baseado em um espaço cultural predominante que deve ser respeitado pelos membros de outras culturas que vivem nesse mesmo espaço” (idem).

O que se constatou é que “o conflito sobre o multiculturalismo já é um conflito sobre a Leitkultur: não é um conflito entre culturas, mas um conflito entre visões diferentes sobre como culturas diferentes podem e devem coexistir, sobre as regras e as práticas que essas culturas devem compartilhar, se quiserem coexistir” (idem), e o que aconteceu foi que a cultura dominante queria ditara sua visão de diversidade particular.

Fui certa vez num diálogo entre cristãos e não-crentes cheio de animo e curiosidade e o que assisti era uma tentativa de impor uma visão particular de cristianismo sobre o ateísmo, dupla traição e nenhum diálogo.

Esclarece Zizek, ao falar dos gays: “Nesse nível, é claro, nunca somos tolerantes o suficiente, ou sempre somos tolerantes demais, negligenciado os direitos das mulheres etc. A única maneira de sair desse impasse é propor um projeto positivo universal, compartilhado por todos os interessados, e lutar por ele” (ibidem), este é o final do Cap. 3 “O retorno da má coisa étnica” que evito de propósito para apenas ouvir e calar, já que como branco de descendência europeia, sou parte da Leitkultur.

Assim como querem muitos pensadores europeus, Edgar Morin em sua defesa de uma cidadania global, Peter Sloterdijk que pede que a Europa desperte, a seu modo Zizek pede uma Leitkultur emancipadora positiva, “não apenas respeitar os outros, oferecer uma luta comum, porque hoje nossos problemas são comuns” (Zizek, 2012, p. 52).

O capítulo 4 poderia agora ser reescrito, uma vez que “o deserto da pós-ideologia” cedeu lutar ao retorno da luta ideológica do início do século passado, estamos andando em círculos e andamos para trás.

Todo o restante do livro fala da primavera árabe, dos movimentos “occupy” e finaliza para “além da inveja e do ressentimento”, aquele que Nietzsche desenhou tão bem, mas basta ver os discursos atuais e eles não são senão ressentimentos e ódios destilados e invejas mal sucedidas e “os sinais do futuro” da conclusão parecem agora obscurecidos por falta de sutilezas, clarezas e políticas sãs e interessadas no bem comum.

ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente. Trad. Rogério  Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.

 

A economia política e a moral

18 jan

O confronto destas ideias estará presente na maioria dos textos que pretendem analisar a conjuntura social mundial, o declínio das grandes nações e impérios, a volta do nacionalismo e do socialismo ao início do século passado e suas principais teses são, conforme explica Slavoj Zizek: a economia política e o Partido da Ordem (Zizek, 2012, pg. 28), que foi  o início da polarização que agora é mundial e extrapolou os limites patrióticos.

Toda sua discussão está entre a “doxa” (apenas para compreensão aquela da orto-doxa) do marxista Frederic Jameson (Valences of the Dialetic) e dos neomarxistas Michael Hardt e Antonio Negri (Multitude) para os quais a evolução do trabalho chamado de imaterial (nomenclatura de Marx para trabalho intelectual) ou trabalho simbólico (nomenclatura para linguistas e semióticos) e que é no fundo aquilo que Kant e depois Hegel chamado de “subjetivo”, que está preso ao dualismo objetivo x subjetivo, ainda que se use incorretamente transcendência para o subjetivo, não há em nenhum deles nada de sobrenatural.

O que Marx difere aponta Zizek: “as determinações ´objetivas´ da realidade social são ao mesmo tempo determinações ´subjetivas´ do pensamento (determinações dos subjeitos presos nesta realidade) e, nesse ponto de indistinção (em que os limites de nosso pensamento, seus impasses e contradições, são ao mesmo tempo os antagonismos da realidade objetiva social em si) …” (Zizek, 2012, p. 10), para resumir e tornar mais claro, na visão de Marx é o “modo de produção”, ou seja, a maneira como os bens materiais são produzidos que determina a subjetividade, assim as une, mas elimina qualquer “transcendência”.

A análise importante da precedência da economia política sobre qualquer moral, que é submetida a ela conforme explicado acima, torna este campo objeto de relativismo moral e também político, onde os fins passam a justificar os meios, mesmo que moralmente injustos pouco importa, porém a análise que grande parte da subjetividade intelectual tornou-se público (prefiro do que transcendência que não é ou mesmo trabalho imaterial, porque o fruto em última instancia é sempre um produto físico, mesmo que seja um livro ou um texto), então por isto a análise de Hardt e Negri fazem sentido, mesmo que todas elas estejam de algum modo vinculadas ao subjetivo de Hegel ou Kant, e em última análise são notas de rodapé de Platão e Aristóteles, como já disseram vários filósofos.

Depois de rever vários conceitos marxistas, como mais-valia (lembro que em Portugal é comum usá-lo como sinônimo de agregar valor aos produtos), sentencia as dificuldades do comunismo de nosso tempo, como as reformas na China de Deng Xiao Ping: “introduzir o capitalismo sem a burguesia (como a nova classe dominante); agora, no entanto, os líderes chineses estão descobrindo de maneira dolorosa que o capitalismo sem uma hierarquia estável … gera uma instabilidade permanente” (Zizek, p. 21), isto dito muito antes da quebra da gigante imobiliária Evergrande, e foi encampada pelo Estado Chinês, contraindo esta crise.

O autor pula a chamada “Industria cultural” descoberta pelos marxistas frankfurtianos em contato com a máquina de marketing americana, mas não deixa de notas a guerra cultural nos países pós-socialistas, ao se perguntar se a economia continua ser a grande referência para a análise política e social, no caso dos países do Leste Europeu: “em que a tensão entre o pseudofolk e o rock no campo da música popular funcionou como um deslocamento de tensão entre a direita nacionalista conservadora e a esquerda liberal” (Zizek, p. 33), no entanto dobra-se a ideia “que a luta cultural não é um fenômeno secundário …” (idem).

Embora reconheça, citando Thomas Frank, que há uma “lacuna entre os interesses econômicos e questões morais” (pg. 36), trata o tema com ironia e fora da questão cultural, da qual é parte inseparável.

ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente. Trad. Rogério  Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.

 

A transcendência e a realidade

13 jan

Dos sete capítulos “porque somos assim” do livro de Theodore Dalrymple, comecei pelo segundo no post anterior, porque ao meu ver, diferente da época que foi escrito o livro este tema é mais central que o da liberdade em conexão com a religião, que é para ele o primeiro tópico.

Falando da liberdade inicia discutindo o lema “é proibido proibir” e a ideia que a religião limita a liberdade humana, e que a vida sem transcendência religiosa (afirma que é a maioria dos europeus), é tudo que se tem, porém o fato “é que a maior parte das pessoas não teme somente a perspectiva da morte (o que os filósofos acreditam que não seja inteiramente irracional), mas também a própria vacuidade da morte” (Dalrymple, p. 89), mas num parágrafo anterior faz uma afirmação importante: “Para o bem ou para o mal, Deus está morto na Europa, e não vejo muita chance de um retorno, exceto no despertar de uma calamidade.” (pg. 89), longe de uma narrativa apocalíptica, em processo de crescimento, há sim algo de podre como diz o autor e dissemos na primeira postagem sobre o tema.

A ordem do dia é curtir a vida ao máximo, e isto quebra até mesmo muitas normas da convivência racional entre os humanos, a causa do meio ambiente chama muita atenção, a fome e a miséria um pouco, porém o que se sobressai é aquilo que é próprio deste discurso: o individualismo, porém tema não tocado pelo autor o foco em objetos e não nos sujeitos é consequência do dualismo objetividade x subjetividade.

Ao falar de uma transcendência pagã, aquela que anda em busca de “salvadores da raça humana” (pg 92), da transcendência das pequenas causas; “o nacionalismo, os direitos dos animais ou o feminismo” (pg. 93) cita o reaparecimento do nacionalismo escocês estimulado pelo filme Coração Valente, porém está presente em quase todo o mundo, agora na America Latina e, em especial, no Brasil e, também há a transcendência do antinacionalismo, como o projeto Europeu e quem sabe num futuro próximo, o da América Latina, e faz uma sentença importante, estamos “a necessidade e a imutabilidade dos Estado-nação” (pg. 97).

Faz a análise da artificialidade dos Estados-nação africanos, que desconsideravam os agregados étnicos sob uma única nação (pgs. 100-101), mas sem citar o grave problema do colonialismo.

Embora tenha citado o ditado funerário da Igreja da Inglaterra (já ouvi de ingleses ateus ou de outras religiões), a morte faz parte da vida, mas a sua própria discussão de transcendência está nos limites do kantismo (subjetividade x objetividade): “não me preocupa aqui discutir se essa perspectiva é filosoficamente justificável: se Deus existe, e caso Ele exista, se Ele está interessado em nossas ações e mais preocupado com nosso bem-estar do que Ele estaria com as ações e o bem-estar de uma formiga, por exemplo” (pg. 85), que revela um agnosticismo que acena para a religião, mas sem uma ascese ou ao menos uma sinceridade religiosa.

Embora discuta a secularização como um subitem, apontando a própria Igreja como culpada pelo repúdio que sofre, com os casos de “pedofilia”, “hipocrisia” e tantos outros pecados, que todos sabemos que não é específico de uma categoria religiosa, política ou nacional, está presente em toda a humanidade, e nas mesmas porcentagens, e se de fato boa parte opta pelo obscurantismo e anti-progresso, ele cita o caso da Irlanda, não foi menor a opressão inglesa e colonial nestes países cujas religiões ainda encontram público e alento.

Além da raiz no pensamento ocidental de isolamento entre sujeitos e objetos, que se unem por uma “transcendência” do conhecimento, tornando o próprio ato de conhecer uma transcendência, não admitem aquilo que é hoje discutido por inúmeros filósofos, pensadores e cientistas: há algo além do finalismo científico e humano da vida, já que a vida e o universo continuam ao infinito e independente da vontade humana, mesmo que o homem opte pelo fim de sua raça e civilização, por “sinceras” razões políticas ou sociais, o que é um contrassenso com o desejo de vida plena e felicidade.

Há muitas razões em diversos tipos de religiosidades, porém para os cristãos nada é mais significativo que o que proclamou João depois do batismo de Jesus no rio Jordão (Jo 1,34): “Eu vi e dou testemunho: Este é o Filho de Deus”, e assim não falamos só de um Deus transcendente e distante, mas de sua presença na vida e na história humana, de modo objetivo e histórico, ainda que se deseje negar este fato histórico.

DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky: porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. Brazil, São Paulo: É Realizações, 2016.

 

Há algo de podre

10 jan

Este é o título do primeiro capítulo de Theodore Dalrymple do livro “A nova síndrome de Vicky – porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo” (É realizações, 2016), para quem não sabe a frase de Hamlet sobre o reino da Dinamarca do qual era príncipe, a tragédia escrita em 1559 a 1601, que fala do assassinato do rei, pai de Hamlet pelo irmão Claudius que quer o trono e a rainha Gertrude (o cartaz ao lado o filme Hamlet direção e roteiro de Michael Almereyda, de 2001), cuja adaptação foi criticada porém gostei: “o idealismo de um jovem destruído pela corrupção existente no mundo” diz uma sinopse.

Fala de uma Europa mais rica e com maior expectativa de vida, lembra que Keats, Schubert e Mozart morreram novos (25, 31 e 35 anos respectivamente), que “o aumento de riqueza e do padrão de vida físico foi impressionante na Europa das últimas décadas” (Dalrymple, 2016, p. 17), e apesar disto “há um disseminado sendo de iminente obliteração, ou ao menos de declínio, a permear a Europa” (p. 18) e acrescento, de uma guerra com a Rússia ou de um conflito social cada vez mais possível, agora também na Inglaterra e França.

Para não divagar por ideias culturais psicológicas e filosofias, alguns fatos citados por Dalrymple, depois de 12 anos de seu livro (o original em inglês foi publicado em 2010), parecem corresponder aos fatos, apesar de seu conservadorismo cita um “belo exemplo” do livro de Patrick Besson chamado Haine de la Hollande.  Besson simpatizante dos sérvios quando a Otan lançou uma ofensiva contra a Sérvia “quanto ao subsequente julgamento de Slobodan Milosevic como grandes equívocos” e diz que a Otan “recorreu aos mesmíssimos crimes dos quais a Sérvia fora acusada” (pg. 13), a isto refere-se o post anterior quando digo usar gasolina para apagar o fogo, e refere-se a Holanda porque o júri foi em Haia.

Faz uma sentença curiosa e inteligente sobre a história, que parecem confirmar fatos atuais: “o fanatismo é o ressentimento em busca do poder; o consumismo é a apatia em busca da felicidade” (pg. 15), falamos na semana anterior do que entendemos por alegria e aqui fica mais claro que ela não pode se comparar ao sucesso dos fanáticos ou a apatia melancólica dos que buscam prazeres do consumismo.

Tudo isto é prefácio e antecede ao capítulo 1 “Algo de podre” que explicamos a origem no início, já citados do segundo parágrafo uma breve síntese da opulência e a queda daquele que Peter Sloterdijk chamada de “Império do Centro” e também ele descreve o descaminho da Europa em “Se a Europa despertasse”, já fizemos algumas pontuações em posts aqui neste blog.

Entre diversos aspectos que o livro aponta, os tópicos sobre Ansiedade e Fraqueza devem ser lidos inteiramente para serem bem compreendidos, sua sentença do o que está “podre” pode ser lida quando aponta que há uma consciência que a diferença “entre a Europa e boa parte do resto do mundo, nos aspectos tanto da riqueza quanto das realizações em outras esferas, diminui dramaticamente, e, em algumas áreas, inverteu- se, provocou o aparecimento de um grande incômodo, mesmo que fosse considerado inevitável a longo prazo*”( aqui a nota de rodapé cita Disraeli de 1838), e finaliza: “ninguém gosta de perder posições na hierarquia das coisas” (Dalrymple, 2016, p. 21).

A citação de Disraeli em 1838, quando antevia que a “não tolerará que a Inglaterra seja a fábrica do mundo”, e isto agora pode estender-se para a Europa e o resto do mundo em relação a produtos alimentares.

Cito aqui uma obra que tive contato quando estive em Portugal e para a qual escrevi dois textos: “Repensar Portugal”, quando o culto e eclético padre Manuel Antunes dizia de Portugal pós Salazarismo, que devia se voltar ao continente europeu e esquecer as ex-colônias, isto deveria valer-se para todo continente Europeu agora em uma crise dramática e com ameaças de totalitarismos e guerra.

DALRYMPLE, Theodore. A nova síndrome de Vicky: porque os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo. Trad. Maurício G. Righi. Brazil, São Paulo: É Realizações, 2016.

 

Sucesso e alegria

06 jan

Anselm Grün começa este capítulo fazendo um contraponto, pois tanto o filósofo judeu alemão Martin Buber que disse “Sucesso não é um termo de Deus”, como o famoso psicólogo Carl Jung que dizia que o é o maior inimigo da transformação do ser humano é uma vida cheia de êxitos, o monge termina dizendo que “o sucesso faz parte da vida” e devemos nos alegrar com isto (Grün, 2014, p. 73).

Faz a ponderação que podemos sim “alegrar pelo momento”, uma alegria de gratidão, uma dádiva “gratuita, não um mérito, é algo que eu percebo e me alegra sabendo que acontece e passa” (Grún, 2014, p. 74).

Depois vai corrigir e dizer que a alegria está principalmente associada a criatividade, citando Aristóteles e Erich Fromm, “ficamos satisfeitos com o trabalho bem feito e quando percebemos que realizamos algo hoje” (pg. 75), e completa que os artistas são “grandes conhecedores desta alegria”.

Assim há diferença entre a Euforia e a verdadeira Alegria, o que se busca hoje nos shows, nas academias e nas clínicas de estética é um sucesso fugaz, passageiro, principalmente quando não se busca a saúde e o bem-estar daria até outro nome para esta alegria que permanece, chamaria de gaudio.

Também o reconhecimento é importante, mas ele não virá de poderosos, de gananciosos ou vaidosos, estes procuram holofotes e sucesso comprometido ou até mesmo comprado, não está envolto da verdadeira alegria porque surge de valores e verdades efêmeras e portanto, que passam, mas que as mentes e corações sábios sabem encontrar.

Na passagem bíblica o nascimento de Jesus, num local humilde de uma pequena cidade de Belém, e o reconhecimento primeiro por humildes pastores do campo e depois por “magos” vindos do oriente, uma clara alusão a povos distantes e de outras crenças, que anuncia uma verdadeira alegria, um júbilo e aquilo que deveríamos lembrar no Natal e no ano de que se inicia, isto que pode nos dar uma verdadeira alegria.

Diz a leitura que os pastores ouviram cantos de alegria cantado por anjos nesta data, que em muitos países (como a Rússia) é um dia comemorado, por entenderem que algo muito especial aconteceu: Emana-uel (Deus conosco).

GRÜN, Alselm. Viver com Alegria. RJ, Petrópolis: Vozes, 2014.