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Topologia da Violência
O livro a Topology of violence (não há ainda tradução em português), pode-se considerar uma sequencia da análise da Sociedade do Cansaço, em que mostra porque a sociedade está a beira de um colapso, e mostra que ao mesmo tempo um tese geral sobre seu desaparecimento, uma tendência de guerra que agora dá lugar ao outro, mudando a sua maneira de operar.
Suas ideias sobre a violência são inovadoras e fogem do senso comum, que pensa sempre na concepção moderna da sociedade em liberdade, individualidade e sua realização pessoal, vai em busca do lado obscuro do assunto, onde ele se inicia.
Essa violência é aquela que tende a eliminar o outro, anônimo, “subjetivado” e sistêmico, que não é relevado à medida que aceita a liberdade do antagonista.
Seu conceito de violência é então aquele que define como funcionando numa individualidade livre, motivado pela atividade de perseverar e não fracassar, e com a ambiência da eficiência renuncia até mesmo faz sacrifícios ao mesmo tempo, mas que entra num redemoinho de limitação, auto-exploração e colapso.
Tudo isto tem uma relação com a sedução, que ele explicou numa entrevista ao jornal El Pais que a sedução não pode ser confundida com compra: ““Penso que não apenas a Grécia, mas também a Espanha, estão em estado de choque após a crise financeira . O mesmo aconteceu na Coréia, após a crise asiática. O regime neoliberal instrumentaliza radicalmente esse estado de choque . E aí vem o diabo, que é chamado liberalismo ou Fundo Monetário Internacional , e dá dinheiro ou crédito em troca de almas humanas.”
Tudo isto para aumentar o crédito e dar maior incentivo a uma suposta eficiência, e ele explica que no final: “estamos todos exaustos e deprimidos. A sociedade da fadiga na Coréia do Sul está agora em um estágio mortal”, revelando o lado pouco conhecido do país de onde veio e que fala com propriedade.
E não é uma sociedade mais feliz, explica, “o invisível não existe, então tudo é entregue nu, sem segredo, para ser devorado imediatamente, como disse Baudrillard”, explica que tudo deveria ter um véu ainda que fino, uma interioridade.
Arroyo, Francesc. Aviso de derrumbe. entrevista de Byung Chul Han ao diário El País, Espanha.
Caminhando para um futuro incerto
Palestras e livros motivacionais estão crescendo desde o início do século XXI, não importa muito a mensagem, o importante é levar as pessoas a uma força de ação que é a do desempenho.
Religiões tradicionais perdem adeptos para igrejas que trocam o discurso do pecado pela autoajuda e pelo desejo de reconhecimento e sucesso, a polarização política não deixa isto de lado um bom político deve demonstrar seus “feitos” e não sua isenção, equilíbrio e honestidade.
Longe de estar desdenhando a evolução tecnológica, ela é importante e podem auxiliar numa retomada co-imunológica, aquela em que descobrimos a mutualidade, o “exame” conforme descrito por Byung Chul Han apenas busca performance e ela pode incluir o desrespeito e as fake- News.
A sociedade repressora e disciplinar do século XX descrita por Michel Foucault (Vigiar e Punir) perde espaço para uma nova forma de organização coercitiva: a violência neuronal, enchem-se as fanpages, as lives exibindo performances e até mesmo exibindo violência, o que é preocupante é o excesso de informação pouco elaborada.
Interioridade, que é diferente de subjetividade, que é o que é próprio do sujeito, é aquele espaço interno que precisamos cultivar para tornar a nossa vida mais equilibrada, com pensamentos e atos mais positivos e que colaborem com o mutualismo, o sentimento de responsabilidade pelo outro, a consciência social, enfim, a coimunidade (a sociedade imunológica).
Chul Han aponta que a subjetividade, já presente em discursos de pensadores atuais, como a “sociedade pós-industrial” (Bell, 1999), “soeicdade do controle” (Deleuze, 1992), “capitalismo cognitivo” ou “economia material” (Negri e Lazzarato, 2001, Gorz, 2005) e “biopolítica” (Foucault, 2008) foram formas de expressão desta subjetividade, porém sem lançar mão da interioridade, todas citações de Byung Chul Han.
A sociedade é empurrada para um excesso de positividade como a chama Chul Han em sua Sociedade do Cansaço, o conceito disciplinar coercitivo (“tu deves”) imposto de fora, fez entrar em cena um novo enunciado (“nós podemos”), o qual, em seus aspectos mais imanentes, “remete a uma falsa liberdade ao impor aos indivíduos os imperativos do desempenho e autosatisfação.
A análise do autor parte do filme Cisne negro (Aronofsky, 2010) para explicar sua tese, a imposição de performance e desempenho mediante a autossuperação é incorporada pela protagonista que é levada as últimas consequências.
A sociedade do cansaço atual nada mais é do que a absolutização unilateral da “potência positiva” e o melhoramento cognitivo (neuro-enhancement) pode não representar nenhum problema moral, mas levará a um problema moral ainda maior na normatividade da sociedade do desempenho.
HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. 2 ed. ampl. Petrópolis, Vozes, 2017. 128 pp
Da linguagem ao Ser
A linguagem enquanto fala e retórica é apenas aquilo que se exterioriza, porém se pensada como ontologia é a abertura (Erschlossenheit) a partir da apropriação silenciosa do si-mesmo, como Heidegger pensou em Ser e Tempo, seja a abertura (offenheit) pensada como clareira do ser (lichtung des Seins), aquela usada por pensadores e poetas, e que se mostra na medida que sua correspondência silenciosa como ser, expressa em Carta sobre o Humanismo.
Escreve neste texto: “O destino se apropria como clareira do Ser, que é, enquanto clareira. É a clareira que outorga a proximidade do ser. Nessa proximidade, na clareira do Da lugar, mora o homem como ex-sistente, sem que ele já possa hoje experimente e assumir esse mora” (Heidegger, 1967, p. 61)
Em termos gerais linguagem é um veículo da expressão de algo interno ao homem, isto é, uma ponte que vincula o dentro e o fora do homem, tal forma de falar é pensada como uma atividade que acontece na qual o homem é o próprio meio, por isto há o silêncio antes.
Mas segundo a concepção ontológica da linguagem, não é a linguagem que pertence ao homem, mas antes o próprio homem concebido ontologicamente como ser-para-a-morte resoluto ou ser ontologicamente que responde como mortal à solicitação silenciosa do Ser.
Em termos mais simplistas trata-se aqui da diferença entre o ente que “tem” uma linguagem, no sentido de capacidade de falar, e a concepção ontológica que pensa o homem como “sendo” por meio de ser possuidor da capacidade de falar, a linguagem aqui não é apenas a transmissão de informações, mas o modo no qual manifesta o próprio existir humano.
Neste contexto comunicação começa com o silêncio, é preciso um vazio, um epoché na comunicação, que pressupõe um Outro que será destinatário, não é assim receptor, mas destino de sua fala, e este é o modo pelo qual se manifesta o próprio existir humano.
Assim para Heidegger, mas de outro modo também para Niklas Luhmann, seria preciso rever toda a teoria da Comunicação, pois receptor e transmissor são eles próprios o meio não humanos, e não “substituem” o homem, não podem existir nem ter relação como se o homem fosse algo acessório, aí está toda a alucinação da Inteligência Artificial atual, colocar receptor e transmissor no lugar de fonte e destino, seria preciso prever uma “clareira” do ente “fora” do Ser.
Por isto a clareira é interna, já postamos em outro oportunidade aquilo que Heidegger afirma em sua obra magna Ser e Tempo: “Na medida em que o ser vige a partir da alethéia, pertence a ele o emergir auto-desvelante. Nós denominamos isso a ação de auto-iluminar-se e a iluminação, a clareira” (cf. Ser e Tempo). (* aletheia do grego: a- não, lethe- esquecimento, desvelar).
HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967, p. 61.
A linguagem como pluralidade
O problema da interpretação quando estamos pensando na linguagem surge como uma proposição demonstrativa, ocorre quando se torna tal interpretação como única e verdadeira, a proposta de Heidegger esta é uma das possibilidades da linguagem, mas não a única nem a principal, quando tratamos apenas de lógica ela não compreende a pluralidade da linguagem.
Isto está presente naquilo que hoje seja chama narrativa ou discurso, já tratamos em vários posts quando tratamos da Metáfora Viva de Paul Ricoeur, mas aqui a problemática é ontológica: o Ser.
A ciência e a técnica, assim como também a narrativa ideológica sequer tangencia o problema essencial da questão do ser, está voltada àquilo que se chama ciência natural ou da natureza:
“a ciência natural só pode observar o homem como algo simplesmente presente na natureza (…) dentro desse projeto científico-natural só podemos vê-lo como ente natural, quer dizer, temos a pretensão de determinar o ser-homem por meio de um método que absolutamente não foi projetado em relação à sua essência peculiar” (Heidegger, 2001, p. 53).
Este é o devaneio da tradição na concepção de linguagem e de verdade, aquela que traz a noção de finitude do ser: ser é tempo, assim por exemplo, acelerando o tempo pensamos em acelerar o ser, quando na verdade é o que provoca seu esvaziamento, tema comum dos heideggerianos.
Separamos o Ser ontológico do existencial, citando o próprio Heidegger, porque a analítica cai em outra armadilha que é ligar o ser ao sujeito, cópula e atributo, criando uma possibilidade estrutural da linguagem, ela é tentadora justamente por sua composição analítica, mas no fundo é essencialmente lógica e não onto-lógica, escapa-lhe o Ser.
Tal evasiva já era prevista por Heidegger: “a essência do ser em sua multiplicidade jamais pode ser em geral recolhida a partir da cópula e de suas significações” (Heidegger, 2003,p. 391).
A linguagem carrega sua própria relação hermenêutica. Heidegger, a partir de Ser e Tempo, realoca a questão da compreensão e da busca da verdade, que estava colocada no âmbito da teoria do conhecimento, e a lança para o plano existencial, neste caminho surge o círculo hermenêutico, não preso a mera opinião ou ao logicismo funcional, nem ao analítico.
A hermenêutica de Heidegger ilumina a finitude humana enfatizando sua pertença à linguagem como o lugar que o humano habita, a noção de logos como desvelamento, como aletheia como os gregos a pensavam, verdade e realidade.
HEIDEGGER, M. Seminário de Zollikon Petrópolis: Vozes, 2001.
HEIDEGGER, M. Os conceitos fundamentais da Metafísica: mundo, finitude, solidão. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
A metáfora e o inefável
O desafio epistemológico é apontado por Paul Ricoeur de aceitar o modelo da descoberta, pois rejeitá-lo “ou reduzi-lo a um experiente provisório, que substitua, na falta de um melhor, a dedução direta, é reduzir a própria lógica da descoberta a um procedimento dedutivo” (p. 369).
Neste contexto destacamos a função da parábola que cria uma cena que faz ponte entre o inefável e a realidade que ela re-descreve, ela introduz uma trama que produz algo além do cotidiano, o enunciado parabólico é também neste sentido, metafórico.
Como descrever uma realidade futura que ainda não aconteceu, a lógica tem sido re-descrever a realidade usando a retórica, que explora apenas a realidade presente e nega a utopia e a ficção.
Ricoeur define assim a parábola como a conjunção de uma forma narrativa e um processo metafórico e significa também a narrativa de uma pequena história fictícia com objetivo de interpretar uma outra coisa que segundo o narrador é preferível, para interpretá-la bem, deixá-la no sentido da metafórico.
Realidades futuras que não podem assim ser simplesmente descritas ou deduzidas porque de fato não aconteceram, o que será a nossa realidade pós-pandêmica, como será o futuro humano.
Muitos autores tentam desvendar esta realidade inefável, porém não é dedutível, é uma “ponte”.
Ao explicar as realidades divinas na Bíblia, porque Jesus dizia que ela era inefável, compara a diversas situações usando parábola, diz no Cap. 4 do Evangelho de Marcos (Mc 4:26-27: “Jesus disse à multidão: “O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra. Ele vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece …”, compara com a colheita e uma pequenina semente que é a mostarda.
Assim descrever estas realidades apenas por lógica e dedução é desconhecer tanto a descoberta da própria realidade como falsificar, para um caminho científico, como as realidades divinas, uma minúscula semente torna-se uma árvore bela e frondosa, e isto acontece também na história.
RICOEUR, P. Metáfora Viva. São Paulo, trad. Dion Davi Macedo. 2ª ed, Ed. Loyola. 2005.
Metáfora-enunciado e outras figuras de linguagem
Paul Ricoeur faz uma profunda análise do que ele chama de “Rhétorique generale” como aquela que reserva apenas aos metalogismos aquela que incorpora os discursos, existe para além dela os metasememas, que é um tipo de figura de linguagem que modifica o significado de uma palavra.
Só para dar um exemplo dentro da filosofia de metasemema, a palavra eidos da cultura grega traduzida como ideia, tornou-se na modernidade outra coisa que era para os gregos.
A importância dessa metáfora-enunciado é dita pelo próprio Ricoeur: “a mais apta para mostrar o parentesco profundo, no plano dos enunciados, entre metáfora, alegoria, parábola e fábula e, por essa mesma razão, permite abrir, para todo este conjunto de figuras – metasememas e metalogismos” (Ricoeur, 205, p. 265), enquanto uma boa parte dos discursos (Ricoeur cita Retórique Generale) se reservam apenas aos metalogismos.
O metalogismos são as lógicas que estão além das figuras de linguagens por exemplo uma alegoria, assim Ricoeur cria para a primeira o conceito de um tropo, onde apenas muda o sentido das palavras enquanto a segunda entra em conflito com a própria realidade.
Usa para isto a figura do “barco ébrio” de Rimbaud, que usou a expressão “o barco ébrio juntou-se ao grande veleiro solitário” (p. 264), que “são alegorias de Malraux e de Gaulle, pois estes não são nem barcos nem veleiros”, explica Ricoeur: “a tensão não está na proposição, mas no contexto”.
O impacto desta análise, como aponta o próprio Ricoeur é que o “desvio” realizado da palavra pelo metassemema, o enunciado metafórico “restabelece o sentido” (p. 265).
Este impacto semântico “que concerne ao enunciado inteiro, então é necessário denominar metáfora o enunciado inteiro com seu novo sentido, e não somente o desvio paradigmático que focaliza sobre um apalavra a mutação de sentido de todo o enunciado” (p. 265), eis a explicação mais clara de sua metáfora-enunciado.
A longa análise feita por Ricoeur, por autores conhecidos como os clássicos (Aristóteles e Platão), Kant, Hegel e Heidegger, e razoavelmente conhecidos como J. Dubois, F. Edeline, e outros pouco conhecidos como Le Guern e Jean Cohen, torna sua obra complexa, mas muito importante.
O grande mérito e a importância da análise profunda e hermenêutica da metáfora como centro da questão sobre as narrativas atuais, que envolvem o uso linguístico de diversas figuras de linguagens como alegorias, parábolas e metonímias, faz um quadro na página 275, ilustrado acima, e para além deste discurso estabelecer uma meta alta como aquela que penetra o “inefável”.
RICOEUR, P. Metáfora Viva. São Paulo, trad. Dion Davi Macedo. 2ª ed, Ed. Loyola. 2005
Metáfora viva e narrativa
Ambos são temas de Paul Ricoeur, porém estabelecer a ligação clara entre estes dois conceitos não é tarefa simples, o próprio autor não vai dizer entre a metáfora e a narrativa, há tal conceito.
Isto porque conforme já fundamos em um post anterior, é quase uma refundação do eidos (aquilo que era ideia para os gregos), dando a ela (a metáfora) uma “ideologia do inefável”, que é no entanto atingível posto que está na consciência como um não dito.
Também neste post frisamos que a metáfora viva começa onde a linguística termina, e a narrativa está em estreita ligação com a linguística, mas seria ousado dizer que a narrativa não é também uma forma de metáfora, então nesta intersecção inesperada entre narrativa onde a metáfora vive.
A metáfora na leitura dos gregos, na poética e de retórica de Aristóteles a palavra ou o nome são unidades básica entre a poética e a retórica, enquanto a segunda é mais voltada a mimese.
A ideia que a linguagem tem uma outra função além da convencional, foi defendida por Heidegger dizendo que ela tem esta outra função é a poética, e ela nos remete tanto à metáfora como outras figuras de linguagem que estão além da chamada “licença poética”, pois tem uma função retórica.
Encontra-se na definição corrente de metáfora como aquela figura de linguagem em que se verifica uma comparação implícita, porém qual a relação entre uma comparação e a metáfora?
Ricoeur esclarece que no núcleo desta relação, há “um pequeno enigma” no discurso aristotélico, na origem desta questão, “porque esse tratado (da Retórica), que declara nada acrescentar à definição de metáfora dada pela Poética, empreende no capítulo IV um paralelo sem correspondente neste último tratado, entre metáfora e comparação?” (Ricoeur, 2005, p. 42).
A primeira resposta de Ricoeur é que ela é depende “no interior do corpus aristotélico” (p. 42), mas vai objetar o propósito que não é explícito, “Aristóteles assinala a subordinação da comparação à metáfora”, assim “não é explicar aqui a metáfora pela comparação, mas antes a comparação pela metáfora” (pag. 43).
Este enigma torna-se na teoria da metáfora-enunciado em Paul Ricoeur, mais que uma rica figura de linguagem, ela é desmembrada em duas partes: “sob o nome de ´parabole’, é ligada à teoria da ´prova´(Livro I da Retórica), que consiste na ilustração pelo exemplo, que subdivide, por sua vez, em exemplo histórico ou fictício,; a outra sob o nome de eikon, é vinculada a teoria da léxis e posta no domínio da metáfora” (p. 44).
Os recursos e argumentos de metáfora viva permitem não só compreender as narrativas, mas penetrar em seus elementos constitutivos como recursos de linguagem e de conhecimento.
RICOEUR, P. Metáfora Viva. São Paulo, trad. Dion Davi Macedo. 2ª ed, Ed. Loyola. 2005
A narrativa e seus contextos
A emergência de estudos para análises em metodologias não positivistas e interpretativas nas ciências humanas fez surgir no panorama cultural de nosso tempo uma crise do conhecimento (episteme) que tem atraído diversos estudiosos para o tema, entre eles: “as formas e gêneros da narrativa, especialmente, têm atraído atenção (Bamberg, 1997; L. P. Hinchman & S. K. Hinchman, 1997; Polkinghorne, 1987).
Bamber explora as três décadas da análise de narrativas, Hinchman e Hinchman organizam uma coletânea para discutir problemas de identidade e memória em comunidades, e, Polkinghorne estuda o conhecimento como narrativa nas ciências humanas, o sentido inverso da ordem cronológica dos estudos é aqui proposital indo do mais geral para o mais específico.
Porém do ponto de vista histórico o tema é bem antigo, podendo ser analisado na Retórica de Aristóteles, e mais contemporaneamente há uma longa tradição destes estudos na teoria literária e na linguística.
Há uma dificuldade reconhecida de definição da narrativa, primeiro pelas formas e estilos que são bastante variadas, e assim sua fenomenologia cultural não só é diversificada como aberta, e, em segundo lugar existem elementos estruturais nas narrativas que estão presentes em outros tipos de discursos com os textos jurídicos, científicos históricos ou religiosos.
Destaco os estudos de Paul Ricoeur, em seu clássico Tempo e Narrativa Histórica (1981-1983) onde a reflexão filosófica está precisamente na relação entre “tempo vivido” e “narração”, que dito de maneira mais profunda significam “experiência” e “consciência” que torna o conceito em contato mais estreito com a filosofia contemporânea onde tempo, vivência estão em conexão.
Confronta o conceito de historiografia estruturalizante desde 1945 e meados dos anos 1970, e desloca o discurso do historiador para pertencer antes de tudo à ordem das narrativas, embora um tipo especial de narrativa que não é a analítica.
Sua análise faz um diálogo com a obra Confissões de Agostinho e Poética de Aristóteles.
A sua frase “toda história é narrativa”, não é apenas o desprezo pela mera relação ao factual, ou ao biográfico, nem mesmo a agitada situação da histórica política, seu intento é dar sentido ao vivido, da sensibilidade e da ação humana a uma historiografia que parece abstrair do homem.
O que Paul Ricoeur destaca em sua “narrativa” como “História Mestra da Vida”, que está além dos grandes estadistas e políticos, e disponível para o ser humano cuja vivência cotidianamente o desafia.
Referências:
Bamberg, M. (Org.) Oral versions of personal experience: Three decades of narrative analysis. Journal of Narrative and Life History, 7, 1-4, 1997.
Hinchman, L. P. & Hinchman, S. K. (Orgs.) Memory, identity, community: The idea of narrative in the human sciences Albany, NY: State University of New York Press, 1997.
Polkinghorne, D. Narrative knowing and the human sciences Albany, NY: SUNY Press, 1987.
RICOEUR, Paul, Tempo e Narrativa Tomo I. Campinas. Papirus, 1994.
O Deus-Homo e a possibilidade da eternidade
É mais antigo do que se pensa a pretensão humana de chegar aos céus, Homo Deus é a atualização bem escrita e bem-feita desta história do homem de busca do “céu” aqui na terra, o paraíso perdido já deu vários ensaios e livros, a ideia de um Deus próximo acalenta muita gente.
Diz Harari, a mais digna atualização desta narrativa que os impérios, corporações, acumulação e riquezas desde a deificação dos Faraós e dos imperadores romanos, são as narrativas que por escrito: “a escrita também fez com que fosse mais fácil aos humanos acreditar na existência dessas entidades ficcionais porque habitou as pessoas a experimentar a realidade por meio da meditação e de símbolos abstratos” (Harari, p. 171).
Embora acredite que as religiões tenham cooperado no aspecto ético, ele afirma que “religiões apresentam a tendência irritante de transformar declarações factuais em juízos ético, criando com isso uma grande confusão e obscurecendo o que deveriam ser debates muito simples.” (p. 202).
As interpretações de Morin, Sloterdijk e Chul Han vão na direção contrária, Morin parte da complexidade: “O mundo torna-se cada vez mais um todo. Cada parte do mundo faz, mais e mais, parte do mundo e o mundo, como um todo”, Sloterdijk vai explorar na “Crítica da razão cínica” a ideologia como “falsa consciência”, como uma visão deturpada, e por isso, falsa, da realidade e vai por isto criticar o humanismo contemporâneo.
Chul Han penetra na alma humana, ao diagnosticar a ausência de conclusão, da busca pelo eficientismo e a incapacidade de morrer, num sentido figurado, mas que também é a busca pela eternidade, por aquilo que permanece e que cada conclusão adiada levaria a ela.
A fantasia divina de tornar o homem também eterno, foi na expressão de Jesus, divino humano e homem divino, o Deus-homo que Harari, como bom judeu, tem dificuldade de acreditar.
Na passagem em que Jesus começa a “abrir o verbo” em Mc 3,20 que diziam que “Ele está possuído por um espírito mau” e que até mesmo sua família foi repreendê-lo , Ele irá responder que são sua família (seus amigos) o que ouvem a palavra de Deus e as vive, para dizer que só os são capazes de viver a ética e a conduta humana de Amor ao Outro são de fato sua família.
O Deus-Outro nos convida a viver esta realidade já aqui na terra, sem deixar de ter problemas.
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. Trad. Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
A questão da Identidade e sua atualidade
A questão é tão fundamental que percorre a filosofia desde Parmênides, onde “o mesmo, pois, tanto é aprender (pensar) como também ser” (apud Heidegger, 1973) e para ele pensar e ser são pensados como o mesmo, ou seja, a identidade faz parte do ser, porém isto tem muito a ver com o momento atual.
Quando apelando a questões de identidade separamo-nos de pessoas de diferentes raças, credos ou gêneros não estamos senão tentando fortalecer aquilo que é um falso conceito de identidade porque tanto nega o próprio Ser, como tentativas de fortalecer determinado grupo sob uma pretensa identidade e negar aqueles que pouco tem a ver com a pertença aquele grupo ou raça.
Esse olhar para “coisas diferentes” e reconhecer nelas alguma co-pertinência (a pertença é só mais uma forma de dar identidade a um grupo ou raça isolada), devemos manifestar diferentemente o que deve ser apontado como mesmidade, ou seja, co-pernitência de grupos com cultura diversa.
O sentido lógico de pensar desta identidade é forte e tem presença em diversas culturas tanto porque os grupos querem se fortalecer através desta “identidade”, quanto seguem uma lógica binária e dualista onde A não pode ser B, ou são iguais e são o mesmo, ou são diferentes e são contraditórios, já apontamos em outros textos o terceiro incluído de Nicolescu Barsarab, na lógica.
Porém na onto-lógica o Ser é e pode não-Ser, onde existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A, que até mesmo na realidade física já foi comprovado pela física quântica, o problema para a filosofia dualista é que isto envolve a complexidade.
Há um segundo modo de ver a questão dentro do pensar (noein) onde o mesmo é apresentado como Ser, como foi dito no início, nele duas coisas supostamente distintas, vêm-se uma na outra como co-pertinência, o que tornou possível algumas interpretações problemáticas na modernidade.
Heidegger aponta para ela, primeiro citando Parmênides e depois desenvolvendo “algo absoluta- mente diverso daquilo que ordinariamente conhecemos como a doutrina da metafísica, na qual a identidade faz parte do ser” (HEIDEGGER, 1973).
O que Heidegger faz é inverter a frase de Hegel: “a identidade faz parte do Ser”, para “(…) a unidade da identidade constitui um traço fundamental do ser do ente. Em toda parte, onde quer que mantenhamos relação com qualquer tipo de ente, somos interpelados pela identidade” (HEIDEGGER, 1973).
Indo ao fundo da filosofia moderna, onde Hegel é digno representante, pode-se dizer que há um deslocamento do Ser (sein) para o Ser-aí (Dasein) e talvez a complexidade encontre aí um ponto de apoio para os que desejam explicações simplistas, pode-se dizer há no ser um deslocamento
Porém é mais complexo, pois envolve aspecto existenciais como a “mundanidade”, a “facticidade” e a “linguagem”, sem eles caímos nas explicações simplista que só fortalecem a identidade como fator de diferença e exclusão do Outro, daquele que não é do meu círculo e caminhamos a intolerância.
HEIDEGGER, M. O princípio de identidade. In. Col. Os Pensadores. Trad. Ernildo Stein, Rio de Janeiro: Abril, 1973.