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A alegria em meio à crise
É possível manter a alegria em meio a crise, dificuldades econômicas e guerras que nos ameaçam ? Não se trata de ingenuidade ou mera alienação, outros preferem pensar em manter seus bens essenciais: alimentação, saúde e moradia segura.
Byung-Chul teoriza que apesar da “diferença” entre Derridá e Heidegger (vejam os posts sobre o livro do autor sobre O coração de Heidegger) há uma afinidade estrutural na visão de luto dos dois, está caracteriza pela renúncia da autonomia do sujeito em Derrida: “Por mais narcisista que nossa especulação subjetiva siga sendo, ela não pode mais se fechar a esse olhar, diante do qual nós mesmos nos mostramos no momento em que o convertemos em nosso luto ou podemos desistir dele [faire de lui notre dueil], fazendo nosso luto, fazendo de nós mesmos o luto por nós mesmos, quero dizer, luto pela perda de nossa autonomia, por tudo que nos fez a nós mesmos a medida de nós mesmos” (Han, p. 430 citando o texto de Derridá “Krafter der Trauer”, fortalecedor da dor), isto é, ambos tem em comum uma visão de renúncia a autonomia do sujeito, o “eu” do idealismo.
Aqui o importante é não deixar o luto trabalhar (lembremos o conceito já visto nos posts do “luto do trabalho”) ele é substituído em Derridá por um jogo do luto: “contudo quanto mais alegre a alegria tanto mais pura a tristeza que nela dorme. Quanto mais profunda a tristeza tanto mais nos chama a alegria …” (Han, pg. 430-431), mas o luto de Heidegger, explica Han, não mata a morte, tentar matá-la resulta em algo ainda pior: “o querer ressuscitar, ultrapassar violenta e ativamente o limite da morte só os arrastaria (os deuses) para uma proximidade falsa e não divina e traria a morte em vez nossa vida” (Han, pg. 431-432 citando Heidegger).
Heidegger explica que é “não é um sintoma que posa ser eliminado pela contabilidade psicoeconômica. Ele não tem um traço deficitário que implique o trabalho (de luto).”.
Este “retirado” ou “poupado” para o qual bate o coração “santo e enlutado” de Heidegger não é submetido à economia, este “poupado” não se pode gastar nem capitalizar, é portanto aquele que está e caracteriza a renúncia, Han não exemplifica, mas podemos pensar em ajuda humanitária em desastres e guerras, já que vai caracterizar a identidade de renúncia e agradecimento como concebível fora da economia, usando termos heideggerianos “suportar pesarosamente a necessidade de renunciar” e promete a “impensável doação”.
Diz uma frase profunda e sábia de Heidegger, a renúncia é a “forma mais elevada de posse”, parece contrário, mas só temos de fato aquilo que podemos dar pois do contrário é mercadoria de troca, e mais ainda renúncia se torna agradecimento e “dever de agradecimento”, esta dor aumenta aprofundando se torna alegria: “quanto mais profunda a tristeza tanto mais nos chama a alegria que nela repousa”. (pg. 433), mas não se torna nem sublimação, que nos obriga “trabalhar”, pois é a “inibição de todo rendimento” e a “consciência do vazio e da pobreza do mundo”.
Elogio da miséria alguém poderia pensar, não é um elogio a alegria moderada e contínua, diferente da euforia e êxtase que é seguida de depressão, “a falta do divino acarreta o luto, remonta a um obstinado esquecimento do ser, no qual Heidegger inscreve o divino” (Han, p. 433-434), mas certamente não é ainda o divino bíblico, mas cerca-o.
A recompensa e a alegria do Divino inscrito no ser, é aquela que renuncia e doa, mas sabe que haverá recompensa de receber cem vezes mais não em bens, mas em alegria.
HAN, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
O que é a crise do idealismo
O cenário do envolvimento mundial nas guerras é um cenário difícil, é preciso entender o que está por trás, antes tempos um confronto cotidiano entre mentes, almas e interesses econômicos que se digladiam diariamente.
Tratam no fundo de uma defesa da “sociedade livre” ou da defesa de uma “sociedade liberta do capitalismo” sem que a origem destes pensamentos e modelos sejam analisados a fundo.
Refletem a crise do pensamento contemporâneo que não é apenas filosófica, religiosa ou política, ela e uma perda de fundamentos do que é o humano, a natureza e a própria ciência.
A visão de Sloterdijk expressa em sua esferologia no volume I Bolhas, ele mostra que o tanto o fenómeno onto como antropológico são mais essenciais que a a relação entre sujeito e objeto, pois precedem a ela a experiência espacial do Ser-em (ainda que não seja exatamente o que Heideger chamou de In-Sein), esta é a principal crítica ao idealismo contemporâneo.
No campo religioso (e pode-se estender ao pensamento), o ensaísta Byung-Chul Han, reflete que o “pathos da ação, bloqueia o acesso à religião. A ação não faz parte da experiência religiosa. Em Sobre a religião Scheleiermacher eleva a intuição à essência da religião e a contrapõe a ação” (Han, Vita Contemplativa, 2023, p. 154) vale lembrar que Scheleiermacher reintroduziu a hermenêutica como método e influenciou a fenomenologia moderna.
Disse textualmente (citado por Han) Scheleiermacher afirma em Sobre a religião: “sua essência não é nem pensar nem agir, mas a intuição e sentimento. Ela quer intuir o universo, […] ela quer escutá-lo devotamente, ela quer apreendê-lo em sua passividade infantil e ser plenificada por suas influências imediatas” (apud Han, p. 154), e afirma também “toda atividade em uma intuição admirada do infinito” e afirma Han: “quem age tem um objetivo diante dos olhos e perde o todo de vista. E o pensar dirige sua atenção a apenas um objeto. Somente a intuição e o sentimento têm acesso ao universo, a saber, o ente em sua totalidade” (Han, 154, idem).
Esse desprezo pelo ente em sua totalidade, tomando apenas seus aspectos sociais particulares como os econômicos, os étnicos ou mesmo os religiosos é aquilo que Heidegger chamou de esquecimento do Ser, ainda que os gregos tenham trabalhado aspectos ontológicos.
Porém há duas convicções e diferentes visões do idealismo, ou idealismo de estado em duas propostas, o capitalista e o socialismo, não esquecendo que Marx é também hegeliano, ainda que tenha se nomeado seu grupo como “novos hegelianos”.
E a crise da democracia é uma crise de estado, modelo que foi corrompido por megalopatas e ditadores que pouco ou nada sabem dos interesses e de como vive a população simples.
A guerra atual é a crise deste modelo, ambos dispostos a provar sua superioridade através da imposição bélica, e bem disse o escritor Eduardo Galeano: “nenhuma guerra tem a honestidade de confessar, eu mato para roubar” e mais evidente ainda matam civis inocentes.
O céu pode falar
Sloterdijk supõe o tempo que através dos tempos os homens “fizeram deuses falarem”, assim diz também da “fala” de Jesus, e diz com propriedade histórica: “Por fim, esses que foram invocados em demasia também se deram a conhecer por meio da encarnação pessoal: algumas vezes tomaram a liberdade de recorrer a corpos aparentes que iam e vinham conforme lhes aprazia.” (pg. 22), é verdade e isto significa: Não usar o nome de Deus em vão.
Mas o raciocínio histórico ajuda melhor na outra alternativa do uso de “Deus”: “ … ou se condensaram “na plenitude do tempo”, em um Filho do Homem, em um Messias salvador. Depois que Ciro II, o rei dos persas famoso por sua tolerância religiosa, permitiu aos judeus que tinham sido levados em cativeiro para a Babilônia o retorno à Palestina no ano de 539 a.C., pondo fim a um exílio de quase sessenta anos … a elite espiritual dos judeus ficou muito mais receptiva a boas-novas de cunho messiânico — o Segundo Isaías deu o tom para isso.” (pg. 22).
Diz corretamente ao chamar “panegírico” (culto a um deus abstrato) de Ciro, ele não se converteu nem mesmo abandonou suas crenças em outros deuses, como “instrumento de Deus” ele libertou um povo, lembra o autor também Marcião que cultuava “o deus desconhecido” que vai fazer Paulo chamar os gregos de um povo religioso, porém afirma que o Deus conhecido é o que o apóstolo dos gentios (Paulo) o proclama na figura de Jesus, o Redentor.
A questão da redenção apontada por Sloterdijk do ponto de vista histórico, tem seu sentido pois são momentos que “céu se abriu”, mas o vê como um espetáculo onde “O estágio mais antigo de evidência de fontes sensíveis e suprassensíveis se mostra em forma de comoção dos participantes gerada por um “espetáculo”, um rito solene, uma hecatombe fascinante.” (pg. 24) e isto se repetiu através dos tempos, com grandes oradores e grandes “midiáticos”, mas será este o Deus verdadeiro, de Agostinho como o próprio Sloterdijk o cita (De Vera religione).
Ele também tem razão ao dizer sobre alguns que se julgam com dons “divinos”: “. Em geral, partia-se do pressuposto de que havia intérpretes capazes de associar um sentido prático aos símbolos codificados” (pg. 25), mas novamente não estes falsos oráculos que buscam holofotes.
Veja uma vez que Jesus pede a cura de um surdo/mudo de nascença (Mc 7,34-36): “Olhando para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!” Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. Jesus recomendou com insistência que não contassem a ninguém. Mas, quanto mais ele recomendava, mais eles divulgavam”, este pequeno detalhe que aparece em muitos milagres, não divulguem, ou seja, não é um espetáculo, não significa não fazer bem feito, no entanto, com sentido sagrado.
O sentido desta cura é mais profundo, além de fazer um mundo e surdo de nascença ouvir e falar, lendo trechos anteriores do evangelista Marcos encontramos a ideia absurda (presente em meios “religiosos” de hoje), usando a ideia mulher siro-fenícia cuja filha tinha um “demônio”, não é a ideia que uma doença ou alguma ocorrência ruim seja “castigo do céu”, pois é do coração do homem que saem as coisas “impuras”: maldades, cobiças, etc.
O Efatá dito para cura de um surdo-mudo de nascença é porque não é uma doença comum, alguém cuja vida e sistema cognitivo não foram ensinados a ouvir e falar, o fez imediatamente, o que é bem complexo, é mudar a mente.
Tempos sombrios, é preciso que surdos ouçam e mudos falem, pois há quem queira calar.
SLOTERDIJK, P. Fazendo o céu falar: sobre teopoesia. Trad. Nélio Schneider. 1a. ed. – São Paulo: Estação Liberdade, 2024.
O universo foi criado
Seja válida ou não a hipótese da criação do universo pelo Big Bang (existe a hipótese do multiverso) em algum momento ele a-pareceu, é muito cara a categoria do dasein estar aí de Heidegger, mas isto é essencialmente o humano do Ser.
Sloterdijk vai entrar neste mérito escrevendo: “Trezentos anos após a morte do homem que foi venerado por seus seguidores como o Messias que chegara, o Concílio de Niceia estabeleceu o dogma de que o Senhor Jesus Cristo seria Deus de Deus e luz de luz, verdadeiro Deus do verdadeiro Deus, gerado e não criado — o que quer que isso signifique.” (pg. 31), se o nome de Deus incomoda (e faz sentido), a criação não o ser-aí foi criado.
As fotos recentes do telescópio James Webb intrigam cientistas porque aparentemente não houve uma criação lenta, galáxias inteiras complexas parecem estar já no início do Big-Bang, e a força que as movimento parece ser algo realmente extraordinário, impensada pela ciência.
Como dissemos no post anterior, além de Jesus, para Sloterdijk também Sócrates e Sêneca devem ser examinados, e são próximos historicamente, escreveu: “O que na linguagem comum se chama “vir a ser humano” designa, descontadas as extrapolações, um estado de coisas que o filósofo romano Sêneca (1-65 a.C), em parte contemporâneo de Jesus (4 a.C-30 d.C), durante algum tempo mentor do jovem Nero [vejam] e, mais tarde, forçado por ele ao suicídio, patenteou na seguinte sentença: sine missione nascimur — com o sentido de: nascemos com a perspectiva segura de morrer” (pgs. 31-32).
Assim, poderia se separar o mortal do importante, mas Sloterdijk pensa diferente e escreve: “A leviandade cotidiana é uma máscara do fantasma atemporal da indestrutibilidade; o pregador na Palestina e o filósofo em Roma tiram essa máscara para testemunhar que existe algo indestrutível que não é de natureza leviana e fantasmática.” (pg. 33), por isso sua descrença com algo “indestrutível”, e a diferença do pregador messiânico da Palestina é “ressuscitou”.
Para ele Jesus se distinguiu no falar: “mas talvez também apenas uma façon de parler [modo de falar] para “eu” —, veio ao mundo, como ele próprio foi levado a dizer, para assinar seu ensinamento com sua vida.” (pg. 33), mas sua vida era de outro modo como alguém que veio de outra realidade e a conhece.
Assim está preso a ver as realidades humanas como “ex machina”: “O homem que chamara a si mesmo de “Filho do homem” falou elementos essenciais de sua mensagem do alto da cruz, na qual ele terminou como deus fixus ad machinam [deus preso à máquina]” (pg. 33), mas não é, vai examinar os escritos de Inácio de Loyola (fundador dos jesuítas) e de Hegel, mas fica preso a noção de absoluto de Hegel, porque este não chega a admitir o universo complexo que agora vemos através do James Webb.
SLOTERDIJK, P. Fazendo o céu falar: sobre teopoesia. Tradução Nélio Schneider. – 1. ed. – São Paulo : Estação Liberdade, 2024.
A análise histórica da teopoesia
Ninguém se converterá lendo Sloterdijk, ele chama o termo religião de “nefasto”, mas o termo não a cultura a qual procura aprofundar, sobre o termo afirma: “… sobretudo desde que Tertuliano inverteu, em seu Apologeticum (197), as expressões “superstição (superstitio)” e “religião (religio)” contra o uso linguístico romano: ele chamou de superstição a religio tradicional dos romanos, ao passo que o cristianismo deveria se chamar “a verdadeira religião do verdadeiro deus”. Desse modo, ele produziu o modelo para o tratado agostiniano De vera religione [Da religião verdadeira] (390), que marcou época, mediante o qual o cristianismo se apropriou definitivamente do conceito romano” (pg. 20) e seu raciocínio e visão histórica é bem mais precisa que aquela que quer parecer que Constantino criou uma “religião”.
Histórico porque a influência sobre Agostinho dos neoplatônicos, em especial de Plotino, é não apenas razoável, mas forte o suficientemente para aquilo que vai escrever, não na Vera religione, mas em suas Confissões que é praticamente seu testamento e modelo de sua conversão, Agostinho deixa o maniqueísmo (dois polos opostos em disputa) para descobrir o Uno (categoria de Plotino), a religião do Amor, que valeu uma tese de doutorado de Hannah Arendt.
Entretanto não se nega a ação política da religião, Sloterdijk escreve citando Eneida de Vírgilio: “Nenhum imperialismo ascende sem que tenham sido interpretadas as posições atuais das constelações no céu temporal, tanto no caso de detentores do poder quanto de aspirantes a ele. Somam-se a elas conselhos do submundo: “Tu regere imperio populos, Romane, memento.” (pg. 26 citando Virgílio).
Ele está falando de comunidades culturais e cita Constantino: “a integração simbólica ou “religiosa” e emocional de unidades maiores: de etnias, cidades, impérios e comunidades cultuais supraétnicas — sendo que estas últimas também podiam assumir um caráter metapolítico, ou melhor, antipolítico, como ficou claro no caso de comunidades cristãs dos séculos pré-constantiniano” (pg. 25-26), quando cristãos eram perseguidos e isto é história.
A igreja já se estrutura nesta época: “Os bispos (episcopoi: supervisores) eram, em essência, algo como praefecti (comandantes, procuradores) em trajes religiosos; suas dioceses (em grego: dioikesis, administração) se assemelhavam aos anteriores distritos imperiais após a nova subdivisão feita por Dioclécio em torno do ano 300; sobretudo através delas, o princípio da hierarquia chegou à organização eclesial em formação …” (pg. 26), assim Constantino ano 313 quando coloca a religião católica como religião “oficial” [por influencia da mãe Helena] pouco ou quase nada influenciou sua estrutura.
De fato na herança judaica, já havia consagrado muitos rituais: “O princípio mediológico apò mechanès theós, aliás, deus ex machina, próprio da técnica cênica ou então da dramaturgia religiosa, de fato já estava em uso em vários rituais do Oriente Próximo muito antes de surgir no teatro ateniense” (pg. 28), assim este “deus ex machina” já estava presente no judaísmo. (Na figura acima a representação de Medeia de Euripedes do deus ex machina).
O autor reconhece a virada religiosa de Jesus: “O homem-deus, que se chamou de “Filho do homem” inspirado em fontes persas e judaicas — possivelmente um título messiânico, mas talvez também apenas uma façon de parler [modo de falar] para “eu” —, veio ao mundo, como ele próprio foi levado a dizer, para assinar seu ensinamento com sua vida” (pg. 32), embora o compare com Sócrates e Sêneca que tinham “convicções irrenunciáveis”.
SLOTERDIJK, P. Fazendo o céu falar : sobre teopoesia. tradução Nélio Schneider. – 1a. ed. São Paulo : Estação Liberdade, 2024.
A teopoesia de Sloterdijk
Um dos maiores filósofos contemporâneos, de enorme influência em Byung-Chul Han, Sloterdijk está longe de ser um cristão ou algum tipo de religioso, mas é sábio o suficiente para saber a enorme influencia da religião na cultura através dos séculos e no nosso tempo.
De que céu está falando então, esclarece: “O céu de que se fala não é um objeto passível de percepção visual. No entanto, desde tempos imemoriais, ao olhar para o alto se impunham representações em forma de imagem acompanhadas de fenômenos vocais: a tenda, a caverna, a abóbada; na tenda ressoam as vozes do cotidiano, as paredes das cavernas repercutem antigas cantorias de magia, na cúpula reverberam as cantilenas em honra do Senhor nas alturas” (pg. 11), esclarece o autor na sua observação preliminar.
Deuses mitológicos, o autor a partir do papiro de Greenfield (século X a.C.), onde se vê: “Detalhe do papiro de Greenfield (século X antes da nossa era): “A deusa do céu, Nut, curva-se sobre o deus da terra, Geb (deitado), e do deus do ar, Shu (ajoelhado). Representação egípcia de céu e terra” (foto, Wikipedia Commons, pg. 12).
Porém não é também um ensaio mitológico, escreve: “O que se pretende, no que se segue, é falar de céus comunicativos, luminosos e que convidam a arrebatamentos, porque, correspondendo à incumbência do esclarecimento poetológico, eles constituem zonas de origem comum de deuses, versos e aprazimentos”.
Faz uma curiosa metáfora com Mt 13,34, trecho tão caro aos cristãos que diz: “Tudo isso Jesus falava em parábolas às multidões. Nada lhes falava sem usar parábolas, para se cumprir o que foi dito pelo profeta: ‘Abrirei a boca para falar em parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo'” (Mt 13,34-35), era necessário porque falava de céus “comunicativos, luminosos”.
Em sua metáfora diz Sloterdijk: “Deus ex machina, deus ex cathedra e sem parábolas nada lhes dizia” (sobre a realidade divina), e aqui o filósofo indaga o mundo contemporâneo, que idolatra esses deuses contemporâneos ex machina e ex cathedra.
Vai relembrar a teopoesias na boca de Homero, que tinha “deuses falantes”, mas também lembra a passagem em que Zeus repreende “as manifestações voluntariosas de sua filha Atena”, e diz a ela: “Minha filha, que palavra te escapou da barreira dos dentes?”(pg. 15).
É claro, não falamos como cristãos de deuses mitológicos, lembra a semiótica cristã onde os sinais são importantes: “zona de sinais cresce paralelamente à arte de interpretação. O fato de não estar acessível a todos se explica por sua natureza semiesotérica: Jesus já censurou seus discípulos por não entenderem os “sinais do tempo” (semaîa tòn kairòn).” (pg. 25).
Não se trata de delírio nem de falsidades grosseiras sobre eventos escatológicos, se eles existem somente são portadores destes “sinais” verdadeiros oráculos e profetas, ou para usar o termo de Sloterdijk: teopoetas que dizem coisas do céu, como poesia e clareza, ainda que usem parábolas pela dificuldade de expressá-las na linguagem e realidade cotidiana.
Os sinais dos tempos, sombrios como as guerras e vivos como aqueles que resistem com o espírito da esperança e da paz, não fazem da tragédia como os gregos um sinal de vingança ou de intolerância, mas de ver além daquilo que a realidade crua e nua parece mostrar.
Sloterdijk, P. Fazendo o céu falar: sobre a teopoesia, Trad. Nélio Schneider, Estação Liberdade, 2024.
Vida interior e felicidade
Vivemos a pura exterioridade, o homem moderno não conhece a vida interior, está projetado sobre as coisas e as ações, acredita que pode arrancar dela aquilo que falta interiormente.
Byung-Chul Han em seu ensaio “Vita Contemplativa” cita um conto de Walter Benjamin “Não esqueça o melhor” no qual lembra um rapazinho pastor, “a quem é permitido, em “um domingo”, entrar na montanha de seus tesouros, mas com a instrução enigmática: “não esqueça o melhor”. O melhor significa o não fazer.” (Han, 2023, pg 33).
Fazendo uma leitura do Ser na modernidade, Han escreve: “A crise do presente consiste em tudo aquilo que poderia dar sentido e orientação à vida e está se partindo. A vida nãos e apoia em nada resistente que a sustente.” (pg. 87), lembra citando Hanna Arendt que afirma “encontrar incerto abrigo na escuridão do coração humano” que ainda tem a capacidade de dizer: “de recordar e dizer: para sempre” (idem) e lembra neste aspecto a imortalidade.
Ao contemplar o ser que tem uma dimensão temporal: “Ele cresce longa e lentamente. O curto prazo atual o desmonta.” (pg. 89) e cita Niklas Luhmann sobre a informação (atual): “Sua cosmologia é uma cosmologia não do ser, mas da contingência” (pg. 89 citando Luhmann).
Mas lembra a imortalidade traduzida nesta crise como: “A busca pela imortalidade, pela glória imortal, é, segundo Arendt, “a fonte e o centro da vita activa.” O ser humano conquista sua imortalidade no palco do político” (pg. 145), mas a verdadeira imortalidade é o eterno.
Então escreve Han: “Em contrapartida a vita contemplativa não é, segundo Arendt, o persistir e durar no tempo, mas a experiência do eterno, que transcende tanto o tempo como também o mundo circundante.” (idem pag. 145).
Arendt admira Sócrates, escreve Han, “que renuncia voluntariamente à imortalidade” (pg. 146) e assim lembra que mesmo o escrever torna-se vita activa, e cria uma imortalidade passageira, a qual Han lembra que também Arendt buscou ao escrever.
Mas não se trata de abandonar o complemento da vita contemplativa que é a vita activa, o que acontece é que o “animal laborans” (como Arendt chama o moderno): “está arruinando todas as capacidades humanas, sobretudo a ação” (Han, 2023, pg. 149).
Lembra que a capacidade de ação brota do pensamento “que não é irrelevante para o futuro humano, pois se considerássemos as diferentes atividades da Vita activa em relação à questão sobre qual delas seria a mais ativa e em qual delas a experiência do ser ativo se expressaria de maneira mais pura, então o resultado seria que o pensamento todas as atividades no que diz respeito ao puro ser ativo” (Han, 2023, pgs. 149-150).
Assim não é de nosso exterior que brota nossas más ações, mas antes estão no nosso interior.
Han, B.C. Vita contemplativa. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Ed. Vozes, 2023
Justo, a ideia e o pensamento
As três palavras são importantes num momento de grande crise do pensamento (o que é), o que é ideia, e a ideia de justiça ou do justo, explorada por pensadores atuais como Jürgen Habermas (citado em post anteriores sobre a inclusão do Outro) e citamos de passagem os dois volumes de Paul Ricoeur o Justo (o volume dois publicado pela Martins Fontes) embora o próprio autor diga que é um ensaio, ele penetra num aspecto mais profundo, a questão da verdade e da moral.
A leitura do texto a Inclusão do Outro de Habermas, esclarece que em termos filosóficos, que a moral em John Rawls, em termos kantianos tem diferenças entre o liberalismo político original de Kant e o republicano kantiano que é como Rawls o defende, isto bastaria, mas há uma longa análise no Volume 1 de Paul Ricouer sobre a justiça em Rawls.
Para entender o livro 2 de Ricoeur é preciso entender que para os gregos a filosofia primeira é aquela que para eles, e a retomada ontológica tem a ver com isto, a metafísica como questões sobre o Ser, a existência, a causa e o sentido da realidade e a physis (natureza) devem ser colocados de modo precedente à segunda os aspectos ligados à lógica e a ética.
O livro 2 aborda aquilo que parece mais essencial em Ricoeur, embora confesse que se trata de um ensaio, sua meta é “justificar a tese de que a filosofia teorética e a filosofia prática são de níveis iguais; como nenhuma dela é filosofia primeira em relação àquilo que Stanislas Breton caracterizou como função meta- (eu mesmo .. defendia essa reformulação da metafísica nos termos da função meta-, na qual seriam unidos “os gêneros máximos” da dialética dos últimos diálogos de Platão e a especulação aristotélica sobre a pluralidade dos sentido de ser ou do ente) “ (Ricoeur, 2008, p. 63) … mas não falou (inicialmente era escrito de uma conferência) disto e sim das duas filosofia segundas.
Sua análise está fundada “num primeiro momento, pensar a justiça e a verdade uma sem a outra; num segundo momento, pensá-las de modo da pressuposição recíproca ou cruzada” (Ricoeur, 2008, p. 64) e esta empreitada “nada tem de revolucionária, situa-se na linha das especulações sobre os transcendentais …” (idem).
Ao abordar o primeiro estágio da análise: “Pensei na declaração de Rawls no início de Théorie de la justice: “A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, assim como a verdade é a primeira virtude das teorias” (pg. 65) e ali o autor retoma a parte ética de outro texto seu: Soi-même comme um autre, para “garantir o estatuto eminente da justiça”.
A ideia desenvolvida ali é que está tríade leva a “eqüidade”, não é o dualismo entre o Eu e o Outro (o próximo usa também Ricoeur), “a tríade pertence ao eixo horizontal não consiste absolutamente na simples justaposição entre o si, o próximo e o distante; é a mesma dialética do si. O querer viver bem enraíza o projeto moral da vida, no desejo e na carência, como marca a estrutura gramatical do querer … mas sem a mediação dos outros dois termos da tríade, o quer vida boa se perderia na nebulosa das figuras variáveis da felicidade … eu diria que o curto-circuito entre o querer vida boa e a felicidade resultado do desconhecimento da constituição dialética do si” (pg. 66).
O autor formula a ideia da distante nestes termos: “justa distância, meio-termo entre a pouquíssima distância própria a muitos sonhos de fusão emocional e o excesso da distância alimentado pela arrogância, pelo desprezo, pelo ódio ao estranho, desconhecido. Eu veria na virtude da hospitalidade a impressão emblemática mais próxima desta cultura da justa distância” (pg. 66).
A justiça no eixo vertical, aquele do poder e da norma é vista pelo autor assim: “no eixo vertical que leva à preeminência da sabedoria prática e, com ela, da justiça como equidade, pode-se fazer uma primeira observação referente à relação entre bondade e justiça. A relação não é nem de identidade, nem de diferença; a bondade caracteriza a meta do desejo mais profundo e, assim, pertence à gramática do querer. A justiça como justa distância entre o si e o outro, encontrado como distante, é a figura inteiramente desenvolvida da bondade. Sob o signo de justiça, o bem torna-se bem comum” (pg. 67).
Considero a tríade o si, o outro e o distante, se visto também como uma alteridade transcendente, há um outro “desconhecido” e que pode ser divino e portador de mensagens, na teoria das redes por exemplo o “elo fraco” é considerado fundamental, o ensaio de Ricoeur é rico, porém ao retomar a questão do imperativo categórico kantiano, que justifica o idealismo político, creio que Habermas está correto em afirmar que este é o deslise na consistente “Uma Teoria da Justiça” de John Rawls atual e muito influente.
Uma parte da leitura bíblica pode ampliar o conceito deste distante como alteridade transcendente (Mt 5,20): “Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus”, que no sentido deontológico poder-se-ia dizer “não entrareis na verdade da justiça”.
Uma parte da leitura bíblica pode ampliar o conceito deste distante como alteridade transcendente (Mt 5,20): “Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus”, que no sentido deontológico poder-se-ia dizer “não entrareis na verdade da justiça”.
RICOEUR, P. Justo 2: justiça e verdade e outros estudos. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
Os pobres e a demagogia
O discurso fácil, especialmente em época de política, é o apelo aos pobres, os esquecidos, os descriminados, etc. durante algum tempo os populistas até oferecem alguma coisa a população, políticas de distribuição de renda e crédito barato, porém o problema é que não esquecem de abastecer aliados e o próprio bolso, além das contas públicas que explodem.
Isto aconteceu em vários países da américa latina e o resultado é que a conta chega e aí vemos os fantasmas do autoritarismo e da revolta popular saltar para fora, agora se dão conta que também isto pode ocorrer em países da África, o Congresso Nacional Africano (ANC) , partido de Nelson Mandela que libertou a África do Sul do apartheid, perdeu as eleições para prefeito em Nelson Mandela Bay e também na capital Pretória.
O presidente sul-africano Jacob Zuma está envolvido em processos de corrupção e a miséria e a economia não funcionam bem lá, assim a população perde as ilusões com promessas futuras.
O populismo ilude com discursos, mas em muitas partes do planeta aos poucos uma maior divulgação dos fatos vai tornando mais necessárias ações concretas, posturas honestas e ainda mais políticas claras de retirar a população da pobreza, a Argentina foi um exemplo disto.
Em muitos países a população de rua e desempregados aumenta, até mesmo na Europa esta é uma das fontes de xenofobia, como pessoas de países pobres não recusam trabalhos pesados e salários menores, tem-se a impressão que estão “tomando” os empregos dos trabalhadores locais, a análise demagógica de algo está melhorando vai caindo por terra.
A ameaça de guerra pode tornar isto mais grave ainda, porque governos “duros” podem ser pensados como “necessários” neste momento, enfim é preciso um turning point, e não há como fazer isto sem políticas claras, sustentáveis e menos populistas para mudar o cenário.
É preciso eliminar a pobreza de modo radical e sem fronteiras, não bastam políticas públicas assistencialistas e imediatistas, é preciso ter um horizonte claro onde a dignidade de toda pessoa seja garantida, além do socorro imediato da fome, das guerras e de doenças endêmicas.
A eleição de prefeituras e estados regionais é claro, tem um viés mais provinciano, porém não deve deixar de contemplar um cenário global em mudança e uma mentalidade mais ampla, o mundo já é uma aldeia global a algum tempo.
Uma guerra in-evitável
A escalada da guerra prossegue sem uma luz no fim do túnel, apesar de esforços para que tanto as duas guerras mais perigosas não ultrapassem limites que torne a 3G inevitável, no lado do conflito Irã e Israel houveram conferencias em Doha sem sucesso, do lado Ucrânia x Rússia, o primeiro ministro da Índia, Narendra Modi visitou Zelensky em Kiev.
Simbolicamente ambos acontecimentos são importantes para a Paz, a Índia de Mahatma Gandhi tem uma tradição pacifista, Narendra Modi 14º. Primeiro ministro da Índia, é o primeiro a ter nascido depois da independência da Inglaterra, conquistada em uma guerra pacífica do lado Indiano, já que a Inglaterra agia com repressão e violência.
Também a conferencia em Doha tem seu significado, além de diversas conferências de países ocidentais, ali também foi sede da 5ª. conferência para Países Menos Avançados (PMA) que procura responde aos desafios de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento sustentável através de um programa de Ação (Doha Program of Action – DpoA).
A incursão bélica dentro da Rússia prosseguiu numa significativa área de 1.200 km e também houveram ataques de drones, o objetivo é atingir postos militares e reservatórios de petróleo em solo russo, porém a Rússia avança sobre o leste da Ucrânia em áreas próximas a Kharkiv, e a Bielorrusia também concentra tropas do outro lado a oeste, acusa a Ucrânia.
A escalada de ambas guerras, há um vídeo mostrando tuneis dentro do Líbano do grupo pró-Irã Hezbollah. com enorme mobilidade onde passam motos e caminhões, onde estariam grandes parte do armamento para ataques, que na madrugada do dia de ontem (domingo 25/08) já teriam iniciado, Israel está em alerta máximo e retira moradores da fronteira.
A Lituânia divulgou que já tem áreas de colaboração com o exercito alemão para exercícios em caso da guerra com a Rússia escalar, a previsão inicial é de colocar 5 mil soldados nas áreas já reservadas para o exército alemão.
Biden anunciou nova ajuda militar a Ucrânia, a conversa entre o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin com o colega ucraniano Rustem Umerov na sexta-feira (23/08) fala em um pacote de US$ 125 milhões, em reais cerca de R$ 685 milhões.
O envolvimento da Índia e os países que se reuniram em Doha (entre eles Estados Unidos e Egito) são esforços importantes para a paz, ela é evitável, mas é preciso desarmar os espíritos.