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As guerras e as narrativas
Ésquilo escritos da Grécia antiga é o autor da frase: “a verdade é a primeira vítima da guerra”, o general russo aposentado Andrey Gurulyov, falou no canal Russia-1 apontando quais seriam os alvos da Rússia, que se preparava para uma grande guerra, a Jihad islâmica é um grupo de forte influência no Irã e que prega o fim de Israel, seu discurso é teocêntrico e não geopolítico.
São apenas algumas meias-verdades sobre a guerra, claro não escapam Israel e a Ucrânia que são aliados do ocidente na luta geopolítica econômica de preservar direitos de empresas e grandes capitais, por isso os dois lados tem dificuldades de entender a paz “civilizatória”.
No diálogo de Platão Teeteto, apontado com um dos primeiros na história sobre o relativismo, aparecem conjugadas as ideias de aparência, verdade e alma; a primeira exigência de Sócrates para iniciar o diálogo é que Teeteto abandone suas ideias iniciais, e ao perguntar sobre o que é conhecimento e obtendo a resposta sobre a Geometria e demais artes, Sócrates responde com ironia: “És nobre e generoso, amigo, pois te pedem algo simples e tu ofereces múltiplas e diversas coisas”.
A segunda questão é como chegar ao conhecimento, e a resposta de Teeteto é a “sensação” (ou percepção) que Sócrates indica que devemos abandonar a “familiaridade” que temos das coisas, diz no diálogo: “Parece-me que aquele que conhece algo percebe aquilo que conhece, e para dizer a coisa tal como agora ela se manifesta, o conhecimento nada mais é do que sensação.”
Assim são dois passos primários e essenciais para a verdade, a segunda resposta é um avanço sobre a primeira, pois assim os gregos as considerava: “Sobre isto todos os sábios, um atrás do outro, exceto Parmênides, devem concordar: Protágoras, Heráclito, Empédocles e, dentre os poetas, os que estão no topo de cada uma das composições, Epicarmo, na comédia, e Homero, na tragédia…”, citando os gregos até aquele período, os chamados pré-socráticos.
Assim até então, a verdade estava circunscrita a sensação, ao iniciar o diálogo sobre Protágoras chega a ideia do primeiro equivoco da verdade relativa: “O homem medida de todas as coisas não seria, ao fim e ao cabo, um homem confinado ao círculo restrito de sua experiência mais imediata e do que apenas a ele parece verdadeiro” e isto remete a aparência.
Usando esta ideia de “familiaridade” com as coisas, Platão abre uma crise na ideia dos gregos sobre conhecimento, e assim abrir um caminho novo ontológico sobre a alma, partindo de Homero “coração da alma” (194c), dificilmente haveria ocasião para erro, pois esta (a alma) prontamente faria a identificação correta da impressão atual, rompendo preconceitos.
PLATÃO. Teeteto. Trad. Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.
A diferença do Amor divino
É como no dia-a-dia pela secularização ou por descrença colocar o Amor em um patamar meramente humano, a leitura que Hannah Arendt faz de Santo Agostinho em sua tese de doutorado, permanece entre estas duas interpretações o Amor humano e o Divino.
Para analisar isto, Arendt qualquer interpreta a obra de Agostinho governada por três princípios que aparecem sem aparente contradição, ele aumentou sua rigidez dogmática de Agostinho na medida em que o cristianismo se insere em seu pensamento, esta consiste de sua da passagem do pensamento pré-teológico, filosófico, para o pensamento teológico, conforme a autora.
Assim a primeira parte da tese da autora, intitulada o “Amor como desejo: o futuro antecipado”, ela aborda o amor dentro de uma perspectiva filosófica de continuidade do pensamento helênico, em que o amor é visto como uma disposição sempre movida pela falta, por algo que não se possui, mas que se espera ter, como meio de alcançar a felicidade, assim o desejo é algo ainda não alcançado enquanto o Amor é o desejo obtido, e isto é filosófico.
Estes dois tipos de Amor recebem em Agostinho dois nomes: a caritas e a cupiditas, diferem no amor pelo objeto que amam, “porém, tanto o amor certo quanto o errado (caritas e cupiditas) possuem isto em comum – ânsia desejosa, quer dizer, appetitus”, escreveu a autora.
Caritas é o amor puro, verdadeiro, porque deseja a Deus, a eternidade e o futuro absoluto, enquanto a cupiditas ama o mundo, as coisas do mundo, aqui é pré-teológico, porque a caridade não é apenas um amor passageiro, ou desejo de um bem passageiro, mas do eterno.
Seja religioso ou não, estamos entre o desejo e a posse, depois que obtemos o objeto desejado em geral, e usufruindo do prazer desta posso a cupiditas passa e ficará algo eterno se nela houver a caritas, isto é um Amor Eterno, que dá uma posse eterna e então não passa.
Assim o homem que tem esta busca, deve se recolher em seu interior, e dentro de si, se isolando do mundo, penetra na “quaestio” agostiniana, o fio condutor que Arendt persegue: “pois quanto mais ele se retirava para dentro de si e recolhia a si mesmo na dispersão e da distração do mundo, mais ele se tornava uma ´uma questão para si mesmo´”, escreveu a autora.
Toda filosofia tem uma questão básica, e a de Agostinho se torna teológica: “O que eu amo, quando amo o meu Deus?” (Confissões X, 7, 11 apud Arendt p. 25), ainda que seja “no mundo”.
Assim a segunda parte de sua tese recebe o nome “e “Criatura e Criador: o passado rememorado”, no livro X de Confissões. “A memória, então, abre o caminho para um passado transmundano como a fonte original da própria noção de vida feliz” escreveu a autora sobre Agostinho.
Ao se propor ao relacionamento com Criador, o homem não se perde, e sim se encontra e isto é diferente de todo tipo de apego mundano, o deus do dinheiro, do consumo ou do desejo.
ARENDT, H. O conceito de amor em santo Agostinho. Tradução de Alberto Pereira Dinis. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
A análise histórica da teopoesia
Ninguém se converterá lendo Sloterdijk, ele chama o termo religião de “nefasto”, mas o termo não a cultura a qual procura aprofundar, sobre o termo afirma: “… sobretudo desde que Tertuliano inverteu, em seu Apologeticum (197), as expressões “superstição (superstitio)” e “religião (religio)” contra o uso linguístico romano: ele chamou de superstição a religio tradicional dos romanos, ao passo que o cristianismo deveria se chamar “a verdadeira religião do verdadeiro deus”. Desse modo, ele produziu o modelo para o tratado agostiniano De vera religione [Da religião verdadeira] (390), que marcou época, mediante o qual o cristianismo se apropriou definitivamente do conceito romano” (pg. 20) e seu raciocínio e visão histórica é bem mais precisa que aquela que quer parecer que Constantino criou uma “religião”.
Histórico porque a influência sobre Agostinho dos neoplatônicos, em especial de Plotino, é não apenas razoável, mas forte o suficientemente para aquilo que vai escrever, não na Vera religione, mas em suas Confissões que é praticamente seu testamento e modelo de sua conversão, Agostinho deixa o maniqueísmo (dois polos opostos em disputa) para descobrir o Uno (categoria de Plotino), a religião do Amor, que valeu uma tese de doutorado de Hannah Arendt.
Entretanto não se nega a ação política da religião, Sloterdijk escreve citando Eneida de Vírgilio: “Nenhum imperialismo ascende sem que tenham sido interpretadas as posições atuais das constelações no céu temporal, tanto no caso de detentores do poder quanto de aspirantes a ele. Somam-se a elas conselhos do submundo: “Tu regere imperio populos, Romane, memento.” (pg. 26 citando Virgílio).
Ele está falando de comunidades culturais e cita Constantino: “a integração simbólica ou “religiosa” e emocional de unidades maiores: de etnias, cidades, impérios e comunidades cultuais supraétnicas — sendo que estas últimas também podiam assumir um caráter metapolítico, ou melhor, antipolítico, como ficou claro no caso de comunidades cristãs dos séculos pré-constantiniano” (pg. 25-26), quando cristãos eram perseguidos e isto é história.
A igreja já se estrutura nesta época: “Os bispos (episcopoi: supervisores) eram, em essência, algo como praefecti (comandantes, procuradores) em trajes religiosos; suas dioceses (em grego: dioikesis, administração) se assemelhavam aos anteriores distritos imperiais após a nova subdivisão feita por Dioclécio em torno do ano 300; sobretudo através delas, o princípio da hierarquia chegou à organização eclesial em formação …” (pg. 26), assim Constantino ano 313 quando coloca a religião católica como religião “oficial” [por influencia da mãe Helena] pouco ou quase nada influenciou sua estrutura.
De fato na herança judaica, já havia consagrado muitos rituais: “O princípio mediológico apò mechanès theós, aliás, deus ex machina, próprio da técnica cênica ou então da dramaturgia religiosa, de fato já estava em uso em vários rituais do Oriente Próximo muito antes de surgir no teatro ateniense” (pg. 28), assim este “deus ex machina” já estava presente no judaísmo. (Na figura acima a representação de Medeia de Euripedes do deus ex machina).
O autor reconhece a virada religiosa de Jesus: “O homem-deus, que se chamou de “Filho do homem” inspirado em fontes persas e judaicas — possivelmente um título messiânico, mas talvez também apenas uma façon de parler [modo de falar] para “eu” —, veio ao mundo, como ele próprio foi levado a dizer, para assinar seu ensinamento com sua vida” (pg. 32), embora o compare com Sócrates e Sêneca que tinham “convicções irrenunciáveis”.
SLOTERDIJK, P. Fazendo o céu falar : sobre teopoesia. tradução Nélio Schneider. – 1a. ed. São Paulo : Estação Liberdade, 2024.
Atos de sabotagem e abertura das Olimpíadas
Horas antes da abertura das Olimpíadas de Paris vários “atos de sabotagem” foram realizados de maneira “preparada e coordenada” afetando as linhas ferroviárias da França, o primeiro ministro francês Gabriel Attal descreveu o evento, segundos fontes francesas, como “maciço e grave” e agradeceu aos bombeiros e expressou indignação pelos transtornos ao deslocamento de turistas e franceses.
A cerimônia de abertura foi com uma mensagem estranha e sem a beleza que sempre a acompanhou em versões anteriores, a apresentação de Lady Gaga foi gravada segundo explicações “devido a chuva”, uma cerimônia de pessoas trans numa mesa pareceu uma ironia com a santa ceia (aquela famosa pintura de Leonardo da Vinci) e um mascarado que aparece coma tocha olímpica parece um personagem dos jogos de videogame Assassin´s Creed.
Também o cavalo branco simulando um cavalgar sobre as águas é algo de simbologia enigmática, talvez o cavalo do apocalipse ou alguma alusão a guerra.
Salvo a famosa canção francesa L´Hymme á l´amour de Edith Piaf, interpretada por Celine Dion, desfilaram com a tocha diversos atletas franceses e acenderam um a pira olímpica num balão, cuja iluminação é mantida por um sistema elétrico.
Houve ainda no sábado uma parte de apagão em Paris e o próprio comité olímpico, através do porta-voz do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Paris 2024: “assumimos que ultrapassamos a linha”.
As guerras continuam, a esperança de paz aumentou uma vez que a Rússia pela primeira vez chegou a admitir uma volta ao “acordo de Istambul” anterior a invasão da Ucrânia.
O Justo, a ira e a serenidade
Martino Bracarense, autor do século V d.C. pouco conhecido porém é um dos responsáveis pelos dias da semana no galeco-portuguesa segunda feira, terça, etc., afirmou que “A ira transforma todas as coisas do melhor e mais justo em seu contrário”, não são poucas as reflexões filosóficas, psicológicas e até poéticas sobre a ira, William Shakespeare afirmou que: “a raiva é um veneno que tomamos esperando que o outro morra” (a foto ao lado é de Andre Hunder no unsplash).
Em tempos tempestuosos para guardar a justiça e a serenidade é necessário um grande esforço de caráter e temperança pois o normal é reagir a dor do ódio com alguma forma, mesmo que dissimulada de ódio, Aristóteles afirmava: “um desejo, acompanhado de dor, de vingança percebida, em razão de uma desconsideração percebida em relação a um indivíduo ou seu próximo, vinda de pessoas das quais não se espera uma desconsideração” (Retórica de Aristóteles).
O que significa acompanhada (a ira) pela dor? Isto exige a definição de pathê que Aristóteles: “que as emoções sejam todas aquelas coisas em razão das quais as pessoas mudam seus pensamentos e discordam em relação aos seus julgamentos, sendo acompanhadas de dor e prazer, por exemplo raiva, piedade, medo e todas as outras coisas semelhantes a seus contrários”, claro não é uma definição exaustiva da ira, pois ela precisaria de elementos psicológicos, patológicos e uma análise mais aprofundada do tema.
O importante é saber que ela: escapa da justiça, produz uma intemperança e colocada em uma sequencia de ódios estruturais acaba por criando uma total ausência de serenidade, de capacidade de reflexão e no final das contas é produtora de uma grande fonte de injustiças e até mesmo psicopatologias.
Outro ponto é pensar no antídoto deste estado de ânimo, muitas vezes cultural, estrutural e produzido por aqueles que julgam defender a paz, claro que em essência estes mesmo indivíduos são eles próprios casos patológicas, porque a ira dissimulada, ou como diz o dito popular “o veneno destilado” ao contrário da medicina não é antídoto, ele é o veneno em doses continuas e progressivas.
Onde encontrar então a serenidade? A resposta é simples na esperança, aquela mesmo que espera, que respira e que medita e contempla, tema exaustivamente elaborado em Byung-Chul Han em quase todos seus ensaios, No enxame onde exorta “o respeito” como única forma de simetria, o silêncio e a contemplação em “Vita Contemplativa” e o conceito de tonalidade afetiva em sua obra “O coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva”, embora nunca site o termo diretamente, penso que é o que no fundo ele pretende contribuir para o pensamento contemporâneo para recuperar sua capacidade de pensar, contemplar e Ser.
Também o pensamento religioso de nosso tempo precisa recuperar mais que a serenidade, a sobriedade, porque parecem envoltos de certas embriaguez de nosso tempo, como afirma o pensamento judaico-cristão veio o vento e Deus não estava lá: “depois do terremoto houve um fogo, mas o Senhor não estava nele. E depois do fogo houve o murmúrio de uma brisa suave” (livros dos 1Reis 12) e também é famosa a tempestade de Jesus entre os apóstolo dormindo e uma tempestade acontecendo, Ele acordou e manda o mar se acalmar para espanto dos apóstolos (Marcos 4,39).
A linguagem esquecida dos acadianos
Muitas narrações do passado eram gravadas em murais, assim a famosa pedra de Roseta, ajudou a desvendar a linguagem síria, a bíblia e seus estudiosos (os exegetas são uma parte pequena de interpretes mais ortodoxos da bíblia) conservaram o aramaico e o hebraico antigo, depois de século de estudo vários pesquisadores, entre eles o pesquisador irlandês Martin Worthington ajudou a desvendar um mural de vários encontrados em escavações na cidade de Dūr-Šarrukīn, na antiga Assíria e atual Iraque.
Historiadores identificaram na parede um padrão repetido um leão, um pássaro, um touro, uma árvore e um arado, porém seu significado permanecia desconhecido.
Debruçados sobre estes estudos, o professor da Escola de Linguagens, Literaturas e Estudos Culturais do Trinity College, em Dublin, afirma que as imagens nos murais representam o nome do rei Sargão II e as constelações reforçam o seu poder imperial na época, sendo um dos primeiros grandes impérios ocidentais.
As palavras assírias dos cinco símbolos colocados na ordem correta funcionariam como um som que daria origem ao nome “Sargão” (šargīnu), e assim significaria o poder impedir do rei Sargão II e o período histórico tem um grande significado tanto para a origem das culturas árabes antigas, como semitas e acadianos, já postamos aqui a extensão semita e cuja junção com os hebreus deu origem ao nome contemporâneo de origem semita, porém os acadianos não se confundem com esta origem antiga.
Eles formaram o primeiro grande império centralizado na região, são anteriores ao período babilônico e por isto sua importância histórica, os semitas eram um povo distinto e politeísta e não se misturavam com o numeroso grupo semita da época (islâmicos, judeus e cristãos descendem desta linha) e o império acadiano os dominou por 180 anos.
O nome semita vem de Sem, filho de Noé (o cara que construiu a arca), enquanto os acadianos permaneceriam incógnitos nesta origem, porém o mural certamente é acadiano.
O mural representaria também constelações específicas, algumas familiares como as constelações de Leão e Touro, a ave representa Áquila, uma constelação do hemisfério norte, o arado daria o nome de uma constelações antiga babilônica, epinnu, hoje conhecida fazendo parte de Andrômeda e Triângulo Boreal.
A interpretação mais polêmica defendida por Worthington defende que a árvore na pronuncia acadiano é isu, semelhante à de isu, antiga constelação da Mandíbula e assim completaria a sua análise dando origem ao nome do rei Sargão II (šargīnu), Worthington também é conhecido por ajudar nos roteiros atuais de Eternos, da Marvel, e Godzilla II: Rei dos Monstros e isto dá para entender um pouco melhor sua personalidade e gosto pelas narrações antigas.
“O efeito dos cinco símbolos foi colocar o nome de Sargão nos céus, por toda a eternidade – uma maneira inteligente de tornar o nome do rei imortal. E, é claro, a ideia de indivíduos extravagantes escreverem seus nomes em edifícios não é exclusiva da antiga Assíria”, diz o Worthington, assim de uma forma acadiana o rei arrumou uma forma de escrever pelas paredes de todo o reino: “Sargão esteve aqui” e perpetuou seu nome na história, imperadores e ditadores sempre se acharam deuses.
Experiência, narrativas e visão de futuro
No capítulo que Byung-Chul Han trata da pobreza da experiência da modernidade, lembrando que não se trata apenas da vida digital pois é anterior a ela, ele conta a fábula de um homem no leito de morte que conta aos seus filhos que há um tesouro escondido em seu vinhedo (pg. 31), e depois de cavarem muito finalmente entendem que as vinhas daquelas terras produziam que qualquer outra (Han, 2023, pg. 31), em um detalhe importante explica que “é característico da experiência que ela possa ser narrada de uma geração para a outra” e isto é o que se perdeu na narrativa do storytelling.
A narração pressupõe tradição e continuidade (Han, pg. 34) e é ela que “cria um contínuo histórico” enquanto a pobreza de experiência é “animado pelo páthos do novo” que “generaliza a nova barbárie e a transforma no princípio do novo: A essa estirpe de construtores pertenceu Descartes, que baseou sua filosofia numa única certeza – penso, logo existo – e dela partiu” (pags. 34 e 35).
Lembra Paul Scheerbart que em seu ensaio Arquitetura de vidro “fala da beleza que surgiria na Terra se o vidro fosse usado em todos os lugares” (pg. 38) e curiosamente a arquitetura moderna está cheia desta “metáfora” (lembro aqui também a arquitetura do plástico de Jeff Koon com seu ballon Vênus de plástico do livro de Han A salvação do belo), agora o vidro: “um mundo cheio de edifícios de vidros brilhantes, coloridos e suspensos, [onde] as pessoas seriam mais felizes” (pg. 38), e elas conferem uma aura especial como um meio para o futuro, porém conforme explica Han: “o futuro é uma aparição de algo longínquo” (pag. 39) que só o presente não pode conferir, isto é um ‘sentimento de iniciante”, que não fica na superfície e que concebe uma “forma de vida diferente”.
A exausta modernidade tardia é alheia ao “sentimento de iniciante” (pag. 40), “não professamos nada”, estamos “confortáveis” à conveniência e ao like (idem), “as informações fragmentam o tempo … reduzido a uma faixa estreita das coisas atuais”, acrescentaria que não temos leitura, conhecimento e reflexão sobre as coisas anteriores e que fizeram a história da cultura e do próprio conhecimento, não este reduzido a fração cartesiana da razão.
Estamos numa cultura de “solução de problemas … na forma de um tempo compactado” (pag. 41), porém o autor não deixa escapar uma visão de futuro: “ a vida é mais do que a solução de problemas … aqueles que só solucionam problemas já não possuem futuro … a narração desvela o futuro, somente ela nos dá esperança” (pag. 41).
A narração está presente no fundo de diversas culturas das religiosas às sociais e políticas, os povos as construíram mais que seus governantes e imperadores que a elas sucumbiram, Napoleão não deixou uma França imperial, mas resignada, Bismark e Hitler não deixaram uma Alemanha soberba, mas sábia onde a filosofia encontrou raízes, a submissão colonial das Américas e da África, do Oriente onde ainda há lapsos de colonialismo, deixaram povos mais resilientes e em busca de sua própria narração, há vida debaixo do pó que ditadores e colonizadores nos quiseram reduzir, também lembro as culturas orientais e ocidentais de narração religiosa, não são menos importantes, as sustentam.
Claro há neste meio também storytelling, falsos profetas e “pastores” que buscam a escravização religiosa, porém o ensinamento bíblico e oriental é diferente e sendo uma narração não pode ser confundido com leitura estereotipadas e segmentadas, também elas sofreram com o cartesianismo e idealismo, quando estes “religiosos falsos” que exigem uma “narrativa moderna” e que dê conta do storytelling atual.
Já naquele tempo indagavam Jesus sobre a existência da vida eterna, Ele lembra a passagem da sarça ardente em que Moisés falara diretamente com Deus (Mc 1,26): “Quanto ao fato da ressurreição dos mortos, não lestes, no livro de Moisés, na passagem da sarça ardente, como Deus lhe falou: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’?” e ao contrário de negar a narração antiga reafirma que ela é parte da tradição e que ali já se escrevia uma nova realidade.
HAN, B.C. A crise da narração, trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: Vozes, 2023.
Violência, manipulação e resistência
Edgar Morin pediu em entrevista que diante de uma situação de policrise enfrentemos ela com uma resistência do espírito, a força de caráter, de oposição ao ódio e de oposição a pequenos atos desonestos, mas o mais difícil é a resistência espiritual as narrativas que vão da política a religiosidade.
Esclarecendo como fizemos no post anterior, que ao usar Walter Benjamim que faleceu na década de 40, o que ele citava era sobre a imprensa preocupada com notícias quentes e nem sempre em pensar e digerir com profundidade a “lentidão” como propõe Byung-Chul Han os fatos da realidades, afirma Byung-Chul: “A digitalização põe em movimento o processo que Benjamin, devido à sua época, não podia prever … associa a informação com a imprensa. Á imprensa é um meio de comunicação que segue à narração e ao romance” (Han, pg. 27), lembrando que é a visão romântica que inicia um processo de morte da narração.
Já havíamos citado em posts anterior Karl Kraus (1874-1936), poeta e jornalista austríaco forte opositor da 1ª. guerra mundial, um espírito de resistência da época, alertava as ideias em ebulição nacionalista e militarista, da qual a imprensa era parceira, e via na guerra uma manifestação da loucura coletiva da humanidade.
Em época de vazio espiritual é muito comum o espirito bélico e passional crescer, não faltam espíritos exaltados e sem nenhuma reflexão em todas mídias, a ordem é promover a desordem, a moral é promover o imoral, desta loucura se alimentam espíritos bélicos e doentios, precisam da loucura coletiva para sua loucura da guerra prosperar.
Em um período ainda anterior, o regime da informação [desordenada] afirmava George Büchner (1813-1837), citando por Byung-Chul: “somos marionetes, cujos fios são puxados por poderes desconhecidos; não somos nada, nada nós mesmos” (Han, 2023, pg. 29), agora “os poderes estão se tornando mais sutis e invisíveis,, de modo que não temos mais consciência dele. Nós até confundimos isso com liberdade” (Idem).
A pobreza da experiência da narração, também apontada por Benjamim e citada por Han: “que foi feito de tudo isso ? Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias como elas devem ser contadas ?” (Han, 2023, pg. 31), é certo não há neutralidade, mas entre duas forças bélicas é possível um poder de resistência que as denunciem.
É como na leitura bíblica os fariseus que querem colocar Jesus em posição favorável ao império romano, para vê-lo como traidor, ou em oposição para enunciá-lo como rebelde.
Em leitura bíblica, dai a Cesar o que é de Cesar (Mc 12,16-17): “ Eles levaram a moeda, e Jesus perguntou: “De quem é a figura e a inscrição que estão nessa moeda?” Eles responderam: “De César”. Então Jesus disse: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. E eles ficaram admirados com Jesus, pois não era um ato aliado e sim mostrar de que lado está o poder e de que lado estão os homens pacíficos e que querem de fato o bem comum de todos.
Depois de inúmeras alianças com os fariseus, no ano 70 d.C. o império Romano destruiu o segundo templo judaico e cuja reconstrução sonham até o dia de hoje, ambos perderam, também o império romano caiu no ano de 476 ao líder germano Odoacro (na foto os visigodos saqueando Roma), os bárbaros já haviam minado o poder político, financeiro e militar do Império.
HAN, B.C. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.
Ascese e ascensão social
Está ligada a ideia de ascensão o crescimento na escala social, porém este tipo de ascensão não se refere a ascese, aquela que moral e virtualmente (de virtude) alguém se eleva.
A ideia de acesso aos bens sociais e a visibilidade pública, também não está ligada a ascese, vivemos em tempo que a notoriedade social através dos modernos recursos de mídias digitais, a propaganda e a indústria cultural existem desde o início do século passado, não indica uma ascese espiritual e moral, sendo muitas vezes exatamente o oposto.
Os tempos da educação para a sociabilidade, a empatia e o bem-comum ficaram distantes, agora está em um cenário confuso onde se mistura visibilidade pública com sociabilidade, empatia com mitologia moderna, não há um espaço para profundidade do pensar, ou para espantar-se diante de fatos sombrios, tudo parece tornar-se meme e motivo de má política e má práticas de sociabilizada de polarização muitas vezes justificada apenas para o “nós contra eles”.
É quase impossível falar em ascese num universo tão estranho e exótico, para não dizer algo mais grave, não se trata de voltar a histórias infantis com lições de moral ou estórias fantasiosas de bondade e inocência de um mundo difícil e competitivo, isto também é inócuo, porém se não nos elevamos espiritualmente nos tornamos cada dia piores e menos humanizados, uma ascese que nos leve a um nível mais elevado civilizatória não é apenas desejável como é tornar o processo civilizatório possível e mais frutuoso para todos.
Ao falar de uma ascese desespiritualizada, Peter Sloterdijk ressalva a “sociedade de exercícios” que está mais destinada a tensão e a competição do que ao lazer e ao progresso humano e social para todos, também Edgar Morin quando fala de resistência do espírito, fala sobre uma postura de esperança contrária a policrise social que vivemos.
A leitura que estamos fazendo do Heidegger lido por Byung-Chul Han, penetra neste espírito: “O homem moderno”, o consumidor do ente, cambaleia por causa de sua “embriaguez de vivências” (pg. 243) de uma coisa inusual para outra, falta-lhe o olhar ascético do “espanto” (pg. 244), ou seja, não adquirir qualquer inusual como fato.
Este olhar de espanto que vem desde a filosofia de Aristóteles, capaz de prender nossa atenção no “espaço não pisado do entre” (pg. 246) que é capaz de rever o “meio” (na foto Filósofo em Meditação de Rembrandt, 1632).
Existe nisto um “sofrer” que é um aprisionamento do “não saber como entrar ou sair” (pg. 247) e em tal sofrimento há correspondência com o que deve ser captado, o que deve ser aprendido onde “o pensar é um captar que sofre” trabalhado por Heidegger para permitir ao homem um pensar no entre dos entes, aquilo que leva a tonalidade afetiva.
Ao criticar também o espanto da criança, que chama de primeiro começo, enfatiza que ele não está nesta casa primeira: “a respiração sustida pode significar o a priori trans- epocal do pensar”, (pg. 249).
Byung-Chul lembra que Lévinas dedica sua “obra principal” (assim a considera): autrement qu´etre ou au-delà de essence (além do ser ou além da essência) ao espanto, que liberta o aprisionamento do eu ao em-si (categoria cara a Hegel), que põe o eu em “uma passividade que é mais passiva que a passividade da matéria” (pg. 250, citando Lévinas).
Embora reconheça que há este espanto no pós-modernismo, lembra Lyotard (Das inhumane, pg. 163) citando Boileau em “O sublime e a vanguarda”, o “sublime é, estritamente falando, nada que possa ser provado ou mostrado, mas algo maravilhoso que agarra, que sacode e que mexe com a sensibilidade”.
Finaliza este capítulo, que chamou de “A respiração sustida”, que “o espanto impõe silêncio ao sujeito e ao seu trabalho de síntese”, e conclui: “É um sopro de pensamento que persevera antes da síntese, sem parar de pensar” (pg. 252).
Han, B. C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
Os impérios medievais e o ocaso
A civilização romana já existia, porém como império inicia-se em 27 a.C. quando o Senado e o Povo de Roma proclamaram Otaviano príncipe, que no significado original é “primeiro cidadão”, e como tal deveria ser venerado e iniciam-se a conquista de diversos territórios.
O Império Romano foi até o ano de 476 a.C., quando Rômulo Augusto foi destronado pelos hérulos que são os germânicos, porém vindos de mais ao norte, segundo alguns historiadores, teriam origem na Escandinávia.
Um dado histórico pouco conhecido é que foi após a morte e crucificação que Roma finalmente domina e submete o povo judaico, as tropas do general Tito tomam a cidade de Jerusalém em 8 de setembro de 70, o Templo que havia sido construído por Salomão (970 a.C.) é incendiado e os habitantes deportados como escravos.
Nos subterrâneos do império romano viviam diversos povos que apesar de submetidos mantinham sua cultura e seu ânimo, e entre estes povos estavam os cristãos que cresciam em número e os apóstolos eram estimados por toda comunidade.
O que ligam os povos e das suas culturas que são próprias, eram a solidariedade e o espírito de amor que existiam entre eles, diferente do que acontece nos dias de hoje que há divisão entre os próprios povos, a unidade entre as comunidades eram fortes, e também crescia a ideia de estados a partir da visão republicana de Platão e Aristóteles, porém a visão imperial e as guerras permaneceram.
Se estes impérios e guerras podem ser pensadas realmente como um tempo obscuro, nos mosteiros e nas pequenas comunidades agrárias onde a vida continuou a florescer tanto o processo civilizatório como a preservação de suas culturas originárias, é também do final deste período o império turco-otomano, além de extenso um dos mais longos da história, de 1299 a 1923, período que tiveram outros impérios na Europa como o Carolíngio de 800 a 888.
Todos tiveram o ocaso por suas contradições internas, o espirito sempre opressor e bélico que pode parecer o motor da história, mas é justamente o contrário, a culturas sobreviveram apesar destes desejos de submissão e opressão de povos diferentes.
Há sempre esperança e vida para aqueles que permanecem no sentido de civilização humana.