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Empatia e espiritualidade
Conforme apontamos no post anterior frônese não é uma virtude moral, mas intelectual na teoria de Aristóteles, então a empatia pode ser conforme elaborado ali, um componente de sentimento da frônese, o melhor exemplo para explicar isto é o da acrácia (em grego akrasia, ἀκρασία), ou do sentimento e frônese de um psicopata.
Embora acrásia possa ser traduzida ao pé da letra por “não ter comando sobre si mesmo”, está descrito no discurso de Platão em Protágoras, na verdade é uma situação de psicopatia onde o mesmo tem conhecimento de determinada ação, mas não tem exatamente o mesmo sentimento de uma pessoa normal perante algum sofrimento.
O que está errado neste contra-argumento para explicar a frônese é que o desejo de aliviar a dor do outro perante algum sofrimento deve estar de alguma maneira bloqueada, no entanto não impede que o psicopata cultive algum sentimento da situação da outra pessoa e o faz de tal modo sofisticado no que define a respeito de como e porque a pessoa em questão tem tal Sofrimento, e não se trata só de atitudes morais, no caso de um psicopata o que torna seus sentimentos e ações moralmente defeituosos podem ter raízes em seus hábitos (já dissemos que isto vem dos pensamentos tornados ações), se incluirmos as pessoas que tem compaixão ou misericórdia pelo Sofrimento alheio, então pode-se explicar.
Não é, portanto, apenas uma atitude moral ou ética, embora o seja também, mas alguma virtude espiritual praticada com insistência de tornar-se um hábito que o Sofrimento do outro, o exercício desta compaixão onde a ação torna-se hábito guiado para a disposição de agir de uma maneira boa que pode ser fornecida pelas outras atitudes morais que fornecem os meios para discernir sobre o sofrimento junto com a Empatia, assim tem-se que necessariamente expandir a lista das atitudes morais fornecidas por Aristóteles.
A frônese não pode ser exercida sem virtudes morais básicas e assim não pode ser iniciada sem a empatia, pode-se admitir que um psicopata tenha até mesmo empatia, muitos são carismáticos e podem influir muitas pessoas, mas lhe faltará uma virtude moral básica que complemente a sua ação, e isto é impossível sem alguma um exercício para tornar-se hábito a atitude empática completa de sentir o Sofrimento alheio, este exercício que torna-se um hábito é chamado aqui de Espiritualidade.
Enquanto não é hábito pode ser um exercício de ascese, uma simulação ou simplesmente um disfarce que em algum momento será desvelado.
É bom ressaltar que pode haver ascese (elevação do espírito parcialmente) sem uma verdadeira espiritualidade, chamo-a usando um termo de Peter Sloterdijk de “ascese desespiritualizada”, ou seja, sem uma raiz profunda que leve ao conhecimento amplo do que é a dor do Outro, se quisermos dar um nome uma frônese empatizada.
A espiritualidade é, portanto, um exercício que leva a uma ascese, porém o que é ascese não depende só da crença de cada um, mas aquilo que durante a vida torna-se hábito e caráter, quem não o tem pode praticá-lo por alguns dias, ou até mesmo alguns anos, mas sem raiz profunda logo a abandonará, como emagrecer, fazer dietas e outras tentativas de hábitos que nem sempre se mantém, para torna-los vida eles devem integrar o nosso caráter, a nossa personalidade.
Caminhando para um futuro incerto
Palestras e livros motivacionais estão crescendo desde o início do século XXI, não importa muito a mensagem, o importante é levar as pessoas a uma força de ação que é a do desempenho.
Religiões tradicionais perdem adeptos para igrejas que trocam o discurso do pecado pela autoajuda e pelo desejo de reconhecimento e sucesso, a polarização política não deixa isto de lado um bom político deve demonstrar seus “feitos” e não sua isenção, equilíbrio e honestidade.
Longe de estar desdenhando a evolução tecnológica, ela é importante e podem auxiliar numa retomada co-imunológica, aquela em que descobrimos a mutualidade, o “exame” conforme descrito por Byung Chul Han apenas busca performance e ela pode incluir o desrespeito e as fake- News.
A sociedade repressora e disciplinar do século XX descrita por Michel Foucault (Vigiar e Punir) perde espaço para uma nova forma de organização coercitiva: a violência neuronal, enchem-se as fanpages, as lives exibindo performances e até mesmo exibindo violência, o que é preocupante é o excesso de informação pouco elaborada.
Interioridade, que é diferente de subjetividade, que é o que é próprio do sujeito, é aquele espaço interno que precisamos cultivar para tornar a nossa vida mais equilibrada, com pensamentos e atos mais positivos e que colaborem com o mutualismo, o sentimento de responsabilidade pelo outro, a consciência social, enfim, a coimunidade (a sociedade imunológica).
Chul Han aponta que a subjetividade, já presente em discursos de pensadores atuais, como a “sociedade pós-industrial” (Bell, 1999), “soeicdade do controle” (Deleuze, 1992), “capitalismo cognitivo” ou “economia material” (Negri e Lazzarato, 2001, Gorz, 2005) e “biopolítica” (Foucault, 2008) foram formas de expressão desta subjetividade, porém sem lançar mão da interioridade, todas citações de Byung Chul Han.
A sociedade é empurrada para um excesso de positividade como a chama Chul Han em sua Sociedade do Cansaço, o conceito disciplinar coercitivo (“tu deves”) imposto de fora, fez entrar em cena um novo enunciado (“nós podemos”), o qual, em seus aspectos mais imanentes, “remete a uma falsa liberdade ao impor aos indivíduos os imperativos do desempenho e autosatisfação.
A análise do autor parte do filme Cisne negro (Aronofsky, 2010) para explicar sua tese, a imposição de performance e desempenho mediante a autossuperação é incorporada pela protagonista que é levada as últimas consequências.
A sociedade do cansaço atual nada mais é do que a absolutização unilateral da “potência positiva” e o melhoramento cognitivo (neuro-enhancement) pode não representar nenhum problema moral, mas levará a um problema moral ainda maior na normatividade da sociedade do desempenho.
HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. 2 ed. ampl. Petrópolis, Vozes, 2017. 128 pp
Metáfora viva e narrativa
Ambos são temas de Paul Ricoeur, porém estabelecer a ligação clara entre estes dois conceitos não é tarefa simples, o próprio autor não vai dizer entre a metáfora e a narrativa, há tal conceito.
Isto porque conforme já fundamos em um post anterior, é quase uma refundação do eidos (aquilo que era ideia para os gregos), dando a ela (a metáfora) uma “ideologia do inefável”, que é no entanto atingível posto que está na consciência como um não dito.
Também neste post frisamos que a metáfora viva começa onde a linguística termina, e a narrativa está em estreita ligação com a linguística, mas seria ousado dizer que a narrativa não é também uma forma de metáfora, então nesta intersecção inesperada entre narrativa onde a metáfora vive.
A metáfora na leitura dos gregos, na poética e de retórica de Aristóteles a palavra ou o nome são unidades básica entre a poética e a retórica, enquanto a segunda é mais voltada a mimese.
A ideia que a linguagem tem uma outra função além da convencional, foi defendida por Heidegger dizendo que ela tem esta outra função é a poética, e ela nos remete tanto à metáfora como outras figuras de linguagem que estão além da chamada “licença poética”, pois tem uma função retórica.
Encontra-se na definição corrente de metáfora como aquela figura de linguagem em que se verifica uma comparação implícita, porém qual a relação entre uma comparação e a metáfora?
Ricoeur esclarece que no núcleo desta relação, há “um pequeno enigma” no discurso aristotélico, na origem desta questão, “porque esse tratado (da Retórica), que declara nada acrescentar à definição de metáfora dada pela Poética, empreende no capítulo IV um paralelo sem correspondente neste último tratado, entre metáfora e comparação?” (Ricoeur, 2005, p. 42).
A primeira resposta de Ricoeur é que ela é depende “no interior do corpus aristotélico” (p. 42), mas vai objetar o propósito que não é explícito, “Aristóteles assinala a subordinação da comparação à metáfora”, assim “não é explicar aqui a metáfora pela comparação, mas antes a comparação pela metáfora” (pag. 43).
Este enigma torna-se na teoria da metáfora-enunciado em Paul Ricoeur, mais que uma rica figura de linguagem, ela é desmembrada em duas partes: “sob o nome de ´parabole’, é ligada à teoria da ´prova´(Livro I da Retórica), que consiste na ilustração pelo exemplo, que subdivide, por sua vez, em exemplo histórico ou fictício,; a outra sob o nome de eikon, é vinculada a teoria da léxis e posta no domínio da metáfora” (p. 44).
Os recursos e argumentos de metáfora viva permitem não só compreender as narrativas, mas penetrar em seus elementos constitutivos como recursos de linguagem e de conhecimento.
RICOEUR, P. Metáfora Viva. São Paulo, trad. Dion Davi Macedo. 2ª ed, Ed. Loyola. 2005
Empatia forçada e verdadeira
O fato de sorrir sempre e ter necessidade de se mostrar feliz pode ser altruísmo e até mesmo heroísmo de muitas pessoas, o que deveria nos dar confiança e empatia deveria ser a transparência, que nem sempre é empática.
Claro isto não significa ser mal-educado ou grosseiro, nem desvio de personalidade, mas o alívio do dualismo interior diante da verdade, mesmo quando ela não é simpática, faz a pessoa ter maior coerência interna, que não se confunde com identidade.
Identidade pode ser pessoal, em grupo ou cultural, algumas vezes é confundida com ser conivente ou conveniente, mas na raiz isto é falsidade, portanto a empatia tem seu lugar diante da verdade e do ser, nem sempre da ética social que dita regras de conveniência e “legalidade”, o que passou a ser chamado de politicamente correto, mas bem poderia ser politicamente conveniente.
Desde a década de 30 se fala do brasileiro como o “homem cordial”, embora haja uma grande distância antropológica e histórica da politicamente correto, não seria isto apenas a atualização.
Empatia então deveria ser bom humor no sentido de capacidade de com serenidade entrar em problemas e questões polêmicas e com forte possibilidade de polarização, o mundo hoje precisa disto, e, portanto, confundi-la com hipocrisia, sorriso fácil ou apenas tolerância pode ser “cordial”, podendo não ser um sentimento verdadeiro.
Na verdade fazer ao outro o que gostaríamos que fosse feito para nós, não é o sistema empático, o que a neurociência mostra é que temos um conjunto de neurônios chamados neurônios-espelho que diz que imitar o outro é uma forma empática muito natural, que não é só a de fazer algo ao outro pelo simples fato que gostaríamos que fosse feito a nós, no fundo estamos “pedindo” algo que queremos, é saber como o Outro QUER que seja algo feito a ele, isto sim é empático.
A empatia significa o dom que todos tem, de poder sentir o que o outro sente, assim falar de Outro é a verdadeira forma tanto de encontrar um dom inato da humanidade, a neurociência revela, como também tornar esta verdade explícita, existimos e sentimos o Outro, só o negamos assumindo um falso eu, pois temos como “habilidade” natural a empatia, e só por um treino constante de negar-se ou por algum condicionamento social, perdemos a empatia.
A pandemia tornou muita gente amarga, insatisfeita e de certa forma acentuou o individualismo, em O sócio e o próximo (Le socius et le prochain), Paul Ricoeur explica esta diferença de relação.
Não há, portanto, eu verdadeiro sem o Outro, sem a empatia com o Outro, natural e não forçada, que feita assim é uma encenação e o Outro sentirá, a empatia é assim ontológica, parte do Ser.
A jovem Tati Fukamati explica num vídeo sua descoberta da empatia na neurociência, é uma boa iniciação para aqueles que desejam ser mais empáticos.
Consciência e verdade
Um dos truques mais comuns é dizer uma meia-verdade, uma mentirinha sem maldade ou aquilo que suaviza nossa consciência quando sabemos que estamos fazendo o que está errado, não se trata do politicamente correto, pois em muitos casos pode-se dizer aquele político “bom” se corrompeu, tornou-se ditador ou é incapaz de diálogo.
Uma frase conhecida de William Shakespeare é “Sabemos o que somos, mas ainda não sabemos o que podemos chegar a ser”, que é uma frase tão interessante quanto “To be or not to be”, porque significa que podemos Ser além do ser atual, assim há um devir, assim not to be and I will be.
A esfera interior na qual saciamos vazios emocionais, frustrações ou ansiedades, por exemplo na bebida ou na comida, estamos preenchendo o vazio saciando temporariamente, mas ele voltará de tempos em tempos.
A relação com a filosofia é ampla, desde Platão que definiu o mito da caverna como passar do mundo das sombras, onde nos vemos como projeções no fundo da caverna para uma esfera elevada, autêntica e onde há verdadeira liberdade, e o medo das meias-verdades some.
A verdadeira consciência não é nem um despertar, nem uma iluminação, mas um “desvelar” tirar o véu, e o primeiro passo é que a consciência seja consciência de algo, onde encontrei limites ou um NÃO inesperado, não só uma dor, mas um obstáculo à primeira vista intransponível.
A psicologia Gesltat, com forte influência da hermenêutica, define como dar-se conta de algo (awareness) e encontramos correspondente na filosofia japonesa, por exemplo, como “satori”, tirar as camadas superficiais para encontrar o núcleo de algo.
Os três passos para adentrar estas camadas são: despertar para nossa zona mais profunda, no aspecto emocional, nossos medos, angústias e inquietações, o segundo requer o que acontece no seu exterior, o contexto, as pessoas e situações que invisto sem resultados, e o terceiro, bem mais complexo sabe o que sente, o que acontece em seu exterior, mas há preconceitos, barreiras e algo que o faz se defender e não passar de certos limites.
Exerça uma mudança, não basta encontrar os pontos fortes, é justamente nos pontos fracos que suas defesas estão fragilizadas, e, elas estão articuladas com seus enganos e vivências.
Equilíbrio e calma em tempos de crise
Visto o agravamento da crise pandêmica no Brasil e alguns países das Américas, a chegada do frio neste hemisfério e o esgotamento do Sistema de Saúde, sem o #LockOut preventivo, teremos que fazer agora uma intervenção emergencial, com as consequências que ela traz.
É preciso nesta situação uma disciplina que culturalmente não temos, uma consciência que nem sempre se entende bem o que é, só há a consciência de algo, e neste caso é a saúde pública e os cuidados extremamente necessários e urgentes para que a curva inicie um processo de recuo.
Aquelas pessoas que têm alguma espiritualidade, que conseguem nesta situação equilíbrio precisam ajudar o conjunto da população, defender os médicos, enfermeiros e pessoal de apoio que trabalham na saúde (motoristas, secretários, socorristas etc.) para ter condições de trabalho.
Existem diversas formas de encontrar o equilíbrio pessoal, exercícios físicos e respiratórios, leitura, música e relaxamento, porém o estado da alma é que conta mais, e na turbulência do perigo de uma pandemia, é essencial encontrar uma forma de espiritualidade, de pensamentos e de Ser.
Para os cristãos que creem na existência de um Deus onipotente e soberano sobre todas as coisas que regem suas vidas, sabe que a atitude interior é de passividade, de tolerância e de um profundo Amor a todos que o cercam, e nesta pandemia ter atitudes de proteção a todos.
O consolo de suas almas, para espiritualidades cristãs verdadeiras, é a crença no Amor de Deus.
Está escrito pelo evangelista João (Jo 14,1-2): “não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em mim também [Jesus]. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós”, e sua morada terrena agora é refúgio.
O medo entre a filosofia e a realidade
É preciso diferenciar medo, angústia e ansiedade, aqueles que culpavam o mundo “virtual” (o virtual vem de virtus que é a raiz também de virtude) devem perceber na pandemia que não estavam corretos, é a situação de inapropriação que leva ao medo.
Também a angústia, outro sentimento típico nesta pandemia, é um sentimento ligado a não pertença ou não compreensão da realidade que se vive, pode-se dizer que é quase o contrário do medo já este gera uma impropriedade, isto é, não enfrentamos o problema ou o adiamos ou saímos pela positividade, assim ou aceleramos a vida, como um correr do “perigo”, ou somos otimistas, “isto passa” como se diz aos pequenos.
Deixamos a ansiedade para o fim, ela é o final de um ciclo, fizemos um post muito tempo atrás para explicar que não era correto atribuí-la a tecnologia a ela, há um livro chamado Ansiedade da Informação (Wurman, 1989) que trata o tema, entretanto, na psicologia ela é o final deste ciclo: medo, angústia (liga a um sistema de crenças ou outro) que chega a ansiedade e pode levar à síndrome do pânico ou à de Burnout, que realimenta o ciclo com o medo.
A primeira questão portanto é tratar o medo com a impropriedade combatendo-o com a-propriação, isto é, entender o que o causa, torná-lo consciente e com isto a etapa seguinte da angústia possa ser bloqueada, porque não fugiremos da realidade, a ideia de esconder ou ignorar os fatos é que realimenta este ciclo.
Não precisamos ser especialistas ou médico no caso da pandemia, para entender que algumas medidas são necessárias, que sem elas entramos uma angústia e isto sim pode levar ao stress do pânico, conscientes enfrentamos até mesmo o problema da internação ou das dificuldades sociais causadas pelo isolamento.
Também isto explica porque algumas pessoas que fazem apenas um raciocínio primário, caem no lugar comum de encontrar inimigos fictícios (a inapropriação os leva a angústia por estarem sem respostas) e na última etapa quando as fatalidades chegam, os levam ao pânico ou a síndrome de Burnout, assim faz todo sentido algumas claques que saem as ruas pedindo o fim do “isolamento”, já é o pânico no estágio primário.
Como são as crenças e sistemas que levam a última etapa, trato o problema religioso, que nada tem a ver com espiritualidades que buscam o equilíbrio, e até mesmo em sugestões de psicólogos você vai encontrar tais como, faça uma autoanálise e tenha autocontrole, uma boa espiritualidade ajuda, um fanatismo religioso prejudica e acelera este processo.
Além do idealismo, novas lógicas e pandemia
A simplificação de Kant levou a formulações abstratas tão complicadas que seria impróprio chamá-las de complexas já que ele pretendia a simplificação, porém a tentativa de reduzir 12 categorias e 3 três ideias centrais: a psicológica (alma), a cosmológica (o mundo como totalidade) e a teológica (de Deus).
Isto irá produzir um construto engenhoso, racional mas muito complicado que são os três juízos que ligariam Sujeitos (A) a predicados (B), os juízos: analíticos, sintéticos a priori e a posteriori, a ideia de juízos a priori foi a mais polêmica, porque vê a mente como tendo uma memória nata.
Edmund Husserl e Gottlob Frége que tinham forte formação lógica aritmética se debruçaram sobre este tema kantiano imaginando que a lógica não podia ser reformulada a partir da ação, isto é, não mudamos nossa mente porque nossa maneira de agir se modifica, nisto se baseia todos os que ao verem a mudança na lógica da vida cotidiana provocada pela pandemia, imaginam que a mente e a lógica da vida não mudarão.
O afastamento de Husserl da lógica Matemática para o mundo das experiências, sob forte influência de Franz Brentano que trabalhava a intencionalidade (veja o post anterior o outro eidos), o fez formular um novo mundo das experiências, desde as emoções humanas até a total vida do mundo (Lebenswelt).
Enquanto as Investigações Lógicas datam de 1900 e 1901, a sua ideia de intencionalidade formulada em sua fenomenologia como a volta às coisas mesmas, ou como elas se apresentam a consciência através da redução fenomenológica, o seu epoché, que é o de colocar nossos conceitos e pensamentos entre parênteses, uma discordância clara do cogito cartesiano.
No seu retorno ao eidos grego, promoverá a variação eidética, que pode ser explicada como a partir do epoché fenomenológico (colocar entre parêntesis conceitos) produz uma variação eidética sobre a ideia que tínhamos da coisa (conceitos, pensamentos ou objetos) e ela pode produzir ao final novos “horizontes”, categoria fundamental para o diálogo sobre o novo.
Nosso fenômeno pandêmico produziu um epoché, um novo olhar sobre uma virose mortal, tivemos que produzir uma variação eidética, o que pensamos dessa “gripezinha”, e isto deverá produzir novos “horizontes” sobre os conceitos de como viver o dia a dia: atitudes sanitárias, solidariedade econômica e reformulação total da vida em família: espaços, tempo, alimentação e relações e uso da tecnologia.
Os idealistas continuam a imaginar que tudo voltará a ser como antes, não fizeram o epoché, vivem da “lógica”.
Enternecer
Em tempos de #FicarEmCasa, uma boa leitura é indicada, ou ver um bom filme, mas nada de grandes dramas, sensacionalismo ou violência, as leituras que recomendo também que sejam para nos acalmar, nos pacificar e tornar a convivência próxima possível, numa palavra: enternecer.
Um dos livros indico para aproveitar o aconchego do lar, “O prazer de ficar em casa” (só tem em português e infelizmente está esgotado, best seller sem querer), onde a autora brasileira Leticia Ferreira Braga, sem saber os eventos atuais, escreveu em 2007, como melhorar a autoestima e o autoconhecimento, como organizar um consumo mais consciente e explorar os recursos naturais, o esforço para tornar o ambiente que vive mais agradável e também prático, sem luxo e simples.
Para quem gosta de pensar mais fundo, já indicamos e comentamos aqui diversas vezes, “A sociedade do cansaço” de Byung Chul Han, o coreano-alemão sabia que a humanidade caminhava a passos largos para um ativismo e tecnologismo exagerado (ele exagera também quanto ao uso da tecnologia que pode ser um bom recurso na situação atual), porém seu pensamento sobre a dificuldade de contemplação do homem moderno é uma boa reflexão, é preciso enternecer.
Pequenos hábitos de rotina no ambiente doméstico ajudam, fazer melhor a limpeza, até recomendável para o coronavírus, mas cuidado com o toc, evitar assuntos chatos e polêmicos, rir das próprias dificuldades, incluindo as limitações pessoais e dos familiares, enfim enternecer.
Se pudesse resumir uma atitude necessária para o ambiente familiar ficar senão aconchegante suportável é fazer o que não é agradável tornar-se, o que é duro suportável, o que é difícil tornar se possível de realizar, enfim suavizar-se e rever hábitos rudes e bruscos.
É quase uma reeducação cultural, ou fazemos isto ou a casa explode e explodimos junto.
O vírus e suas lições
De repente a sociedade que não podia parar, a “sociedade do cansaço” do ritmo alucinante, dos espetáculos diários, tem que retomar uma visão que já não conhece mais, parar ou ao menos diminuir o ritmo, ficar em casa, conviver com os familiares que são quase estranhos.
O fato é que o universo, a natureza e nela a natureza humana tem suas leis, e estas podem ser além de um Big Bang, podemos estar dentro de uma bolha e cujas leis vem de “fora” dela.
Vi uma hashtag disparar e me surpreendi primeiro, mas depois fui aos poucos entendendo, principalmente jovens usavam #stayfuckatHome como resposta a “StayAtHome, claro não é fácil para quem nunca teve este hábito cultivado, agora ter que enfrentá-lo.
Não consegui com as ferramentas mensurar ambas as hashtags, mas o universo conspira e nos leva a parar e a ficar em casa, pois eventos são cancelados, não há o que fazer na rua, mesmo o comércio dá seus sinais de parada, e é claro que continuam a pensar no lado econômico.
Bom devemos salvar a economia, mesmo que isto signifique uma rápida explosão de um vírus, enfim o universo deu sua lição, não é a economia que vive para o homem, mas o homem que vive para que haja economia, e se ela tem suas próprias leis, que elas não contrariem a natureza e o homem, parece que temos um cheque mate.
As lições para o universo online são duplas, por um lado o presencial retoma um curso que nunca deveria ter saído, o mundo relacional presencial e os círculos fraternais e de outro a necessidade de relações que são públicas ou privadas terem ferramentas online adequadas.
O conflito existe nas duas pontas, nem fazemos as relações presenciais satisfatórias, são fugidias, autoritárias ou o que é pior indiferentes, e nem sabemos como nos comportar no mundo online (o virtual existe antes da internet e do universo digital), e sempre os que criticam usam mal e não compreendem a “lógica” deste universo que pede relações diferentes das presenciais.
Agora temos que marcar reuniões online, usar chats e vídeos e finalmente iremos além da pregação religiosa e ideológica para relações não-presenciais que sejam de fato “relação”, por que virtual vem do latim “virtus” que é parecido a “potencial” quer dizer devemos “cultivar” o virtual para se tornar de fato relação real (virtude vem de virtus), o presencial não garante a “relação”.
A grande lição, haverá muitas outras, é que devemos compartilhar e codividir responsabilidades para superar a crise pandêmica, que já é social e econômica, e depende da atitude de cada um.