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Nomeando elefantes (ou bois) e visão de mundo
Falecido em fevereiro do ano passado, o americano e filósofo cristão James W. Sire (1933-2018) fez uma ampla pesquisa por trás da questão da visão de mundo, disse que levou 30 anos, publicado em 2004, provavelmente começou a se debruçar sobre o tema em 1974.
Também sua visão de mundo deve ser relida, quero dizer que de 1974 a 2004 o mundo passou por transformações que ele não aprofundou, a queda do Muro de Berlim, o fim da guerra fria que parece agora renascer, a queda de ditaduras que parecem voltar em todo o planeta e mais recentemente ainda a pandemia.
Não li o livro, mas um de seus capítulos que encontrei na Web e também alguns de seus comentaristas que me ajudaram a formular uma ideia, ainda que imprecisa, do seu principal livro “Nomeando elefantes: visão de mundo como um conceito” (Naming the Elephant: Worldview as a Concept, editora IVP Academic), e o capítulo que referencio é o Definições de Cosmovisão: de Dilthey a Naugle, que já no título é sugestivo de algum idealismo o que o texto confirma logo no início, está disponível no google Books, sendo leitor de Dilthey está ao meu ver no fio da questão.
Diz no início do capítulo 2 que a origem do termo Weltanschauung teve origem com Kant (1724-1804) (pasmem! idealistas), “mas somente de passagem”, e cita textualmente Dilthey: “to denote a set of beliefs that underlie and shape all human thought and action” (Sire, 2004, p. 23), em tradução livre: denotam um conjunto de crenças que sustentam e moldam todo o pensamento e ação humanas, elas estão no cerne do que desejo analisar.
Embora apropriada a análise, talvez a mais completa sobre o termo, falta a leitura de Heidegger que atualizou e desenvolveu o tema num sentido mais amplo que o de Kant e Dilthey, e Hans Georg Gadamer irá criticar justamente a concepção de Dilthey como idealista.
Para fazer o caminho do conceito de Weltanschauung cita Nietszche, Wittgenstein, com digressões a Platão e Descartes, Foucault e até Rorthy de passagem, e ai começa a discorrer sobre autores cristãos evangélicos (reformados é o nome no exterior), James Orr, Abraham Kuyper, Herman Dooyeweerd, Ronald Nash até chegar ao que chama de nova síntese que seria David Naugle, entretanto, jamais foge do idealismo, diz passar da ontologia a hermenêutica (não seria o contrário) e diz que esta visão sintética é caracterizada por um “sistema semiótico de signos narrativos” (Sire, 2004, pag. 42) citando Naugle do qual fez tal síntese.
Entretanto a verdadeira síntese escondida atrás do texto, de clara visão nominalista veja-se a ideia de sistema semiótico, se revela ao citar o texto bíblico “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim, referindo-se a passagem bíblica de Jo 14:1, pois ignora em seguida o texto que diz: “na casa de meu pai há muitas moradas”.
A ideia de signos, mitos e símbolos embutidos em narrativas que representam uma visão de mundo não é desprezível, e é mesmo importante, entretanto qualquer visão que se prenda unicamente a narrativa não faz o trabalho de retirar a visão antropológica e a real visão “histórica” do acontecido, sendo a visão do historicista de Dilthey idealista e irreal.
Há outra passagem mais significativa, a chamada volta do filho pródigo (Lc 15,10:32), que alguns autores e exegetas idealistas não gostam do nome, procurando idolatrar o filho mais velho que ficou em casa com o pai, sendo este mais conservador portanto, mas também o filho pródigo teu seu defeito, foi ao mundo fazer experiências, o fato que retornou é louvável, mas que visão de mundo ele trouxe de seu desvio, na verdade o pai de ambos é que é o misericordioso com os filhos conservador e rebelde.
É preciso recuperar esta visão de verdadeira misericórdia, e as leis dizem mais ainda: “pedi e vos será dado” (Mt 7,7) e porque parece que Deus não nos atende, é simples algo a ser corrigido.
Sire, J. W.Naming the Elephant: Worldview as a Concept, editora IVP Ademic, EUA: Illinois, 2004.
A pandemia, o deserto e as tentações
A pandemia nos colocou em xeque quanto as normas de conduta de nossas vidas, primeiro a ideia primária (mas muito usada) que podemos fazer tudo o que queremos se estiver ao nosso alcance, a segunda é imaginar a onipotência humana no caso da medicina humana para enfrentar qualquer dificuldade que nos impõe, e a terceira o jogo bruto do poder, que esquece os que sofrem.
As tentações não são um problema apenas religioso, também elas existem no plano espiritual (a onipotência humana acima dos mistérios divinos), mas é também um problema social, queremos beber, sair de casa, ir aos shoppings enfim desfrutar dos benefícios sociais, e poucas vezes nos lembramos que eles não são acessíveis a todos, e que seu uso também deveria ser moderado.
O isolamento nos propôs um modo de vida mais restrito, uma maior convivência com aqueles que nos são mais próximos, mas também ao sair para alguma atividade lembrar dos que estão por obrigatoriedade enfrentando a pandemia: as pessoas da área da saúde, as pessoas responsáveis pelo abastecimento de gêneros alimentícios (lembrando dos que não os tem em quantidade necessária) e também as pessoas responsáveis pela segurança e serviços essenciais (são muitos, mas a polêmica aqui pode ficar de lado).
Temos que enfrentar um deserto próprio, o isolamento nos obriga, a enfrentarmos primeiro os nossos próprios limites, aceitá-los, não ter receio de solicitar ajuda nas questões necessárias para a nossa sobrevivência: o deserto, o silêncio, o refletir, o saber recolher-se é também um exercício.
Há uma tentação mais usual que é a de poder, somente a nossa ideia e os nossos conceitos são os que devem ser aceitos, e também a luta pelo poder numa polarização social crescente onde pouco ou quase nada se dialoga, apontamos neste blog está escalada que está agora num cume delicado.
A receita cristã para o poder é muito simples, além de valorizar a humildade e a escuta respeitosa do Outro, prestar culto e chamar de mestre somente o seu Deus, e seu filho único: Jesus, sem isto a luta pelo poder é crescente e pode levar a guerras e convulsões sociais.
Antes de começar sua vida pública Jesus foi ao deserto para enfrentar as suas fragilidades humanas (Mc 1,12-13), foi a sua grande ascese, os judeus acreditavam que no deserto vivia um espírito maligno chamado Azazel (Lev. 16 e Tb 8,3), porém uma leitura contemporânea, a pandemia é uma oportunidade, ainda que forçada e não seja exatamente um bem, é uma doença grave, o deserto que cada um teve que enfrentar pode ser uma ascese.
Querer curar-se para um novo normal
Começaria hoje o carnaval no Brasil, há quem lamente esta impossibilidade mesmo pensando em uma pandemia que não dá sinais de enfraquecimento, mesmo países que avançam com a vacina, caso de Portugal, Inglaterra e Estados Unidos os sinais que o vírus circula ainda está mais forte.
O livro de Morin nos alerta para lições que a pandemia deveria ter nos ensinado, porém não é o que de fato se observa, assim não só precisamos de outras “curas” como a própria fragilidade humana perante o vírus e outras patologias, incluindo as sociais, podem permanecer.
É preciso querer curar-se e descobrimos que esta cura é coletiva e codependente, precisamos que todos sejam sãos e uma sociedade que não olha os mais frágeis ou que os despreza e condena a vida da solidão e da morte não alcançou ainda uma cura duradoura que aponte para uma solidariedade duradoura.
Aprendemos a dureza do isolamento e da solidão, mesmo que em família, porém quantas são as pessoas que vivem assim na chamada normalidade, que o novo normal traga um maior agregamento humano a todos, que se trace a partir de uma nova política aquilo que Edgar Morin chama de uma nova humanidade mais humana.
Que a vacina nos imunize, mas que aprendamos a co-imunidade como defendia Peter Sloterdijk já antes da epidemia, e não se referia a imunidade da doença, mas num sentido mais amplo, aquela imunidade que nos faz uma humanidade capaz de defender-se das tiranias e das doenças sociais.
A passagem bíblica em que um leproso se aproxima de Jesus e pede de joelhos: “Se queres tens o poder de curar-se”, Jesus, cheio de compaixão estendeu a mão, tocou nele e disse: “eu quero fica curado!” (Marcos 1,40-41).
Há dois pontos essenciais o desejo ardente com fé do leproso de curar-se e a compaixão divina para que ele fique curado, a fé e a retidão humana atraem o poder divino, os que creem sabem disto. Mas só o nosso desejo de mudar de via (veja os posts anteriores) podem tocar a misericórdia de Deus.
O mundo hoje quer mudar ou viver a frivolidade da normalidade anterior.
Existência, repetição e Ser
Na filosofia pode-se ter forma (morphé) e matéria (hilé) e todos seres tem morphé-forma e hilé-matéria, mas a in-formação depende do pensamento, depende da disponibilidade ao ato de pensar e não apenas o de repetir, aqui encontramos este segundo tópico, que o repetir não significa apenas tornar-se redundante, o problema civilizatório permanece se não avançamos.
Em palestra em 2016, no Salão de Atos da UFRGS Sloterdijk já sentenciava: “Penso que a realidade hoje se assemelha a como estávamos em 1915 – comentou ele, comparando o atual panorama com uma época no século passado em que a I Guerra recém havia começado e não haviam se sucedido…”, este quadro só se agravou, a pandemia poderia ser uma pausa, mas não foi.
A repetição pode ser vista como submissão as regras, as leis da natureza, da sociedade enfim de um conjunto de situações que te aprisiona, como pode ser uma tomada de consciência de quem você efetivamente é, aquilo que é sua verdadeira natureza, então repetir é a possibilidade de ser no presente e projetar-se no futuro, então entra-se na existência.
O acesso a existência humana num novo tipo de registro implica uma articulação de sentido para o Ser e para a vida, o caminho percorrido de Husserl a Heidegger, e depois com Gadamer é o que liga a hermenêutica a ontologia, e em Gadamer é explicitado o método do círculo hermenêutico.
Pode ser assim descrito seguindo o raciocínio de Gadamer: não deve ser degradado a um círculo vicioso, mesmo que esteja seja tolerado, nele vela uma possibilidade positiva do conhecimento originário, que, evidentemente, só será compreendido de modo adequado quando a interpretação compreender sua tarefa primeira.
Esta tarefa primeira constante e última permanece sendo a de não receber de antemão, por meio de uma “ideia feliz” ou por meio de conceitos populares, nem a posição prévia, nem a visão prévia, mas em assegurar o tema científica na elaboração desses conceitos a partir da coisa mesma. (GADAMER, 1998, p. 401).
Visto o método voltamos a questão essencial do Ser, que é o esquecimento na filosofia ocidental deste conceito, desde Platão até Nietzsche, e assim temos uma metafísica ou sua negação, ambas de forma incompleta porque um conceito tão essencial não foi abordado.
É o esquecimento do ser, que o filósofo diagnostica em toda a tradição filosófica ocidental, começando com Platão e se estendendo até Nietzsche.
Na sua obra “Que é metafísica” (escrita em 1929), o Heidegger definições assim a existência: “A palavra existência designa um modo de ser e, sem dúvida, do ser daquele ente que está aberto para a abertura do ser, na qual se situa, enquanto a sustenta” (1989b, p.59).
Sem esta categoria essencial a discussão e o pensamento fica preso ao “ente”, que Tomás de Aquino a define assim: “De onde se segue que a essência, pela qual uma coisa se denomina ‘ente’, não é apenas a forma, nem apenas a matéria, mas ambas, embora à sua maneira apenas a forma seja a causa desse ser” (Aquino, 2008, p. 10), nesta linha ontológica não há separação entre o Ser e o Ente.
Assim temos além do Ser, sua categoria agregada do ente, que lhe é inseparável.
AQUINO, T. O Ente e a Essência, Universidade da Beira Interior. LusoSofia.Press, Covilhã, PT, 2008.
HEIDEGGER, Martin. Que é metafísica? In: HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1989.
GADAMER, H.G. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
Porque é necessário um “epoché”
Toda a nossa forma de ver a vida está filtrada por uma visão de mundo, um complexo de valores, educação familiar, social e religiosa num sentido lato, isto é, todos temos alguma crença, ou então teríamos toda a explicação do mundo sobre os enigmas da natureza, do homem e da vida. A pandemia poderia ter mudado a visão.
Esta visão “cosmológica” implica sempre (não é quase) em valores pré-conceituais, ou seja, como classificamos o mundo, as coisas e os modos sociais de desenvolver a vida, esta cosmovisão foi chamada por Heidegger de Weltanstchauung, a palavra é importante porque toda tradução é imprecisa.
Na vertente ontológica que Heidegger bebeu, está a fenomenologia de Husserl, seu professor, e para ele a esta era “a descrição daquilo que aparece” ou a “ciência que tem como objetivo ou projeto essa descrição”, e para ele é ela própria um conceito de método, que Hans Georg Gadamer aprofundou mais tarde em “Verdade e Método”.
No entanto muitos beberam da fenomenologia de Husserl, cada um a seu modo, Karl Jaspers, Emmauel Levinas, Edith Stein, Jean Paul Sartre, Gabriel Marcel, Hans Georg Gadamer, Paul Ricoeur, Martin Buber, Nicolai Hartmann, Hans Jonas, e aquele que a transformou em filosofia Hans-Georg Gadamer.
O sentido aberto do Ser em Heidegger extrapola os campos sócio-políticos, biológicos ou antropológico (por isto é ontológico, ou próprio do Ser), e o conceito de Dasein significa estar lançado no mundo enquanto o “Ente” são as coisas em sentidos diversos, ou seja, tudo o que falamos, sentimos, entendemos, nos comportamos em última análise aquilo que “somos”.
Se entramos nesta clareira o Ser é também aquele que precisa de auxílio, de cura, de escuta, de uma palavra de aceitação enquanto Ser do Ente, ou seja, nas suas funções enquanto vivência.
Ainda que a exegese bíblica considere encerrada toda a análise do envio dos discípulos de Jesus ao mundo, ide pelo mundo e proclamai a boa nova e curai os doentes, este cuidado com o próximo (no sentido amplo da palavra “curar”) também significa abertura, “epoché” e transcendência.
Ide pelo mundo com uma visão de mundo ampliada, além do seu círculo restrito.
Uma relação e um terceiro
Costuma-se dizer que aquele que está com Deus tem tudo, ou aquele que tem um amigo possui um tesouro, ou ainda que o homem que encontrou a companheiro ou a companheira que encontrou um companheiro, encontrou a felicidade, quase sempre dois a dois sem um “algo” a mais entre eles.
Sócrates dizia que a verdade não está com os homens, mas entre os homens, quer dizer existe um terceiro elemento no caso da lógica, mas no caso onto-lógico existe um terceiro Ser.
Quem é este, se duas pessoas tiverem num verdadeiro epoché, isto é, se relacionam num vazio capaz de estabelecer uma ligação que produza tal força que surge uma terceira possibilidade, o que pode ser chamado de mutualidade, reciprocidade ou de modo mais simples solidariedade.
Porém esta terceira presença precisa de uma nova categoria ontológica, o não-ser ou aquilo que Paul Ricoeur chama no seu discurso linguístico “ser-como” e que na hipótese lógica do terceiro incluído, aquele que existe além do A e o Não-A, e que a física quântica estabelece como real.
Também o discurso religioso mudaria se a terceira pessoa a que todos clamam pudesse pertencer não ao próprio ego, mas justamente a sua negação para a inclusão do Outro, por isso estes temas estão relacionados, também na Bíblia por “ama teu próximo” não significa o da sua igreja, do seu grupo e apenas aquele que passa ao seu lado, mas há algo além o “como”, assim é Ser “como”.
O Ser-Como estabelece Ricoeur em outro texto (acima era uma referência ao seu livro Metáfora Viva), o texto “Le socius et le prochain” (O próximo e o sócio, sem tradução para o português), significa ultrapassar a barreira utilitária do Sócio para chegar ao Próximo, o livro é tão importante que mereceu uma citação na Encíclica do Papa Francisco “Fratelli Tutti”.
A maioria dos líderes que não possuem o magnetismo de um carisma verdadeiro, vale para qualquer segmento social: uma empresa, um grupo religioso, um partido ou alguma forma de governança, não olham para seus liderados como “próximos” (muitos até querem mesmo a distância), mas como sócios, ou repetidores de suas palavras e de suas vontades.
Três antídotos são naturais para verificar este novo tipo de liderança: seu apreço aos mais simples que não podem trazer grande poder de “sócios”, desapego ao cargo e aos luxos que o poder pode proporcionar e principalmente uma extraordinária capacidade de escuta.
Assim quando se quer caminhar a dois é necessário pensar se existe a possibilidade da terceira Pessoa estar “incluída”, numa lógica do terceiro incluído e da abertura de ambos capaz de fazer o vazio, o “epoché” para ouvir o Outro.
Mudança e cosmologia limítrofe
As mudanças de nosso tempo trazem preocupações e alguns contratempos, entretanto é perigoso e limítrofe o que pode acontecer no pensamento, se pensamos tudo ser muito simples, pois não o é, o que é a fé.
Olhar aquilo que não entendemos com desconfiança, significa como a mudança é complexa, o risco de uma análise inadequada e ver as mudanças mais essenciais como obstáculos, enquanto são elas as grandes impulsionadoras da mudança, a reação pura e simples a ela é o que promove em nossos dias a ignorância, a manipulação dela é a má política e o dissenso, cresce a ignorância.
Ninguém tem bola de cristal, mas os argumentos da fé e da esperança podem ser usados, se bem usados, para olhar para o futuro com generosidade e convicção de que ele será possível.
Já citado no post anterior, a mundialidade é um deles, e é o melhor exemplo, porque é ao mesmo tempo simples, termos a Terra como Pátria, como reivindica Edgar Morin, e muito complexo porque envolve culturas, interesses econômicos e complexidade social.
Uma esperança simples é que o homem sempre superou na história os obstáculos que surgiram, na antiguidade clássica as guerras Greco-Persas (449-499 a.C.), a decadência do império romano, o tratado de paz da Vestfália (24 de outubro de 1648) que pôs fim as guerras religiosas entre estados, e foi marco de direito internacional, e finalmente, as duas guerras mundiais, que fizeram emergir a ONU ainda que seu papel deva ser ainda maior neste tempo.
Não se pode dizer que caminhamos para uma guerra, talvez seja este o momento em que possamos tratar a possibilidade de conflito mundial de modo preventivo, existem muitos locais, e por eles deve se começar a tratar os aspectos fundamentais de nosso tempo: o bom uso dos recursos naturais, a cooperação entre nações, e maior mutualismo, a pandemia deveria ter despertado isto.
O perigo de uma noite nuclear existe, também o que chamamos aqui de mutação aórgica, o próprio planeta, a natureza ou o misterioso universo nos atingir com algo impensável.
O aspecto da fé é importante, porque ela mobiliza bilhões de pessoas, é preciso dar a ela um caráter cosmológico e unificador, diferentes povos têm diferentes crenças, e mesmo que seja a mesma é preciso permitir a expressão cultural de modo adequado a cada povo.
Em toda cosmologia há a consciência de uma essência cósmica maior, um Deus expresso como Ser ou como alguma forma física, mas sempre superior aos impulsos mundanos e imediatos, ele pode ser usado não como limítrofe de nossos pré-conceitos e interpretações, mas como aquele “Algo” maior que reúne nossas distinções e encurta as diferenças.
O apelo entretanto deve ser aos que tem fé, que ela seja ao menos do tamanho de um grão de mostarda, com afirma a referência cristã, e que todos sirvam a Deus, o trecho do apóstolo Lucas que fala da fé minúscula que os crentes deveriam ter, diz (Lc 17,6): “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria.”
Mas o texto bíblico didaticamente logo em seguida explica que isto SÓ PODE SER feito pela força superior e não por habilidade, apelo humano ou manipulação da fé para uso impróprio, diz o trecho seguinte (Lc, 17, 8): “Prepara-me o jantar, cinge-te e serve-me, enquanto eu como e bebo; depois disso tu poderás comer e beber?”, para dizer que a fé serve ao Senhor, e não aqueles que se servem dela, serve para que o Planeta e todo o Cosmos possa ter harmonia.
É preciso ter fé e esperança verdadeiros no futuro humano e do planeta, ela não pode servir a manipulação religiosa, política ou social, deve servir a todos, em especial, aqueles que tem outro tipo de crença ou de cultura, é preciso respeito a diversidade.
Euforia e serenidade
O contrário de serenidade não é irritação ou ira, estas são o contrário de calma (ou longanimidade), o contrário é euforia, já postamos a relação entre serenidade e Phronesis, palavra grega que poderia ser traduzida como sabedoria prática, central no livro de Hans Georg Gadamer, e que a nosso ver se aproxima de serenidade.
Há aqueles que acreditam em euforia depois da covid.
Isto porque vivemos em tempos de reações impulsivas as questões colocadas, em que depois da euforia vem a depressão e o desanimo, que no fundo são sempre falta de phronesis, ainda que muitos chamem a atenção para a ação, para a prática, mas descolada da sabedoria.
Em Verdade e Metodo II (segundo volume), predominam colocações sobre a estrutura dialógica da linguagem pensada como a que pode orientar o mundo (e nossa visão de mundo) e a relação mais clara entre pensamento e linguagem.
O esclarecimento que faz da questão histórica, foi Gadamer que superou a discussão de Dilthey e outros da historicidade romântica, sua hermenêutica filosófica aprofunda como uma hermenêutica da escuta, na escuta e para a escuta, verdadeira visão do Outro.
Gadamer no segundo volume dá estrutura a uma frase do escritor russo Leon Tolstoi: “Não existe grandeza onde não há simplicidade, bondade e verdade”, se verdade é difícil de ser dita, quando praticada em sabedoria Phronesis ela abre uma “clareira”, a escuta do outro.
Será que o universo nos “ouve”, será que plantas e animais nos “ouvem”, é preciso entender sua linguagem e neste sentido linguagem não é qualquer coisa da simples fala, é escuta.
No vídeo abaixo Gadamer retrata a história da filosofia, mas com phronesis e verdade:
A paz desejada e não construída
Sabemos que a “pax romana” era a rendição ao império que dominou boa face do mundo civilizado de então, é hoje certo que já haviam povos em diversas partes do planeta, mas seus registros paleontológicos não deixam muitas marcas de suas culturas, e, talvez como pensou Rousseau “o bom selvagem” vivia em paz, porem no conflito natural com a natureza.
A “paz eterna” elaborada pelos idealistas e idolatrada pelos adoradores do “estado moderno”, pouco é aprofundada porquê de fato para muitos será este o estado, desculpem a ironia, final da humanidade, devendo apenas ser aperfeiçoado.
Kant publicou no ano de 1798, numa revi ta de Berlim, o ensaio “Anúncio da próxima assinatura de um tratado para a paz perpétua em filosofia”, que foi uma retomada de seu ensaio feito dois anos antes: “Para a paz perpétua”, que ficou confinada na sua filosofia.
Isto porque o objetivo era resolver a paz no interior de um só Estado, ou no plano das relações entre diferentes Estados, que podemos ver mesmo com o surgimento da ONU e com o aumento de nações democráticas, que em essência a ideia de Estado permanece iluminista.
Deste ensaio pode-se supor que o que o filósofo entendia por filosofia significa que se os sistemas da filosofia encontrassem uma solução para seus conflitos eles poderiam auxiliar os sistemas políticos a resolverem seus conflitos, por isso permanece no campo idealista.
O conflito entre objeto e sujeito, que faz supor que é no objeto que se encontra o conflito e não no sujeito é a hipótese do sistema idealista/iluminista, mas é na facticidade dos sujeitos históricos que estão os conflitos, entendo estes não como a historicidade romântica, pois facticidade é o conceito heideggeriano do sujeito lançado no mundo com seus fatos.
Assim o que se entende por paz além do idealismo é aquela passível de ser construída na facticidade do dia-a-dia, em cada conflito encontrado em cada fato, sem estar confinado aos pressupostos teóricos ou filosóficos, mas ali onde está o “ser lançado no mundo”.
A paz, portanto, é construída e não um acordo entre estados ou no seu interior, o tratado de paz da 1ª. guerra mundial levou a segunda, dizem alguns leitores da história mundial, o fato é que houveram duas guerras e os estados “modernos” não só não evitaram, como são autores.
“Se deseja a paz, constrói a paz”, dizia um político italiano, bem poucos entendem isto.
Um pós-pandemia será problemático, pode inclusive caminhar para uma crise civilizatória, onde muitas providencias deveriam ser tomadas já a partir de agora.
A questão do Ser e a situação
A grande questão do Ser na filosofia contemporânea emergiu a partir do pensamento de Martin Heidegger, aluno de Husserl do qual herdou a fenomenologia como método, propôs-se de modo essencialmente ontológica penetrar na questão do ser.
Embora já tenha sido estudada pela filosofia em todos tempos, até mesmo o idealismo kantiano tem uma ontologia que é deslocado do Ser para a questão do sujeito, ela já existia em Platão como ideia (o eidos platônico não é kantiano) e Aristóteles como substância.
O ser não se manifesta diretamente, mas sempre com ser do ente, dá para fazer uma brincadeira com a contemporaneidade que é o Ser doente, pois o Ser do Ente fica oculto na aparência.
Pode-se buscar o Ser puro, numa existência etérea de um Deus, mas é a porta existencial através do homem que se tem acesso ao Ser, neste caso Heidegger está aplicando o método fenomenológico, ele parte do homem de fato (não o idealizado por exemplo), deixa que ele se manifeste como é e só depois procura compreendê-lo em sua manifestação, depois da presença.
Sua primeira existência é o ser-no-mundo, uma das traduções mais aceitas para o Dasein, mas como este ser é também um Ser-em-situação, a leitura atenta de Heidegger pode esclarecer isto, faço uma tradução própria o ser-sendo-no-mundo, porque Heidegger usa também a visão-de-mundo (Weltanstchauung), que é aberto ao mundo e ao cosmos, aqui incluo a cosmovisão.
Este conceito é importante para a compreensão heideggeriana do Ser porque significa esta cosmovisão como o círculo de crenças, afetos, interesses e até mesmo em conceitos filosóficos que o Ser, e mesmo que não estude filosofia, é um Ser “ser-em-situação” que não significa só lugar ou mesmo contexto, mas a própria visão que se tem ao ver o mundo, a sua “visão-de-mundo”.
Assim muitas ideias e convicções parecem obvias para uma pessoa, mas praticamente todas elas estão vinculadas a situações temporais e assim limitadas pela “situação” que não exclui o pensar.
O problemático desta relação do Ser é o que significa estar em determinada situação e continuar encontrando a morada do seu Ser, ali onde está o conforto da alma mesmo em situações difíceis.
Esta “morada” como uma ascese está descrita na passagem onde os discípulos perguntam ao Rabi (mestre), onde Ele mora (Jo 1,38-39) e ele disse “Vem e vede”, foram e ficaram com Ele aquele dia, onde está sua morada?