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A mãe do Senhor e a tragédia grega

14 ago

A tragédia grega Édipo Rei foi analisada pelo poeta Hölderlin, onde usa o termo aórgico para a busca que Édipo faz para saber que é, uma vez que fora doado a um pastor pelo pai Laio para cria-lo, para evitar a tragédia prevista pelo oráculo de Delfos, e para completar a tragédia Édipo acaba por desposar a própria mãe.

O termo aórgico aqui é usado para entender a corrupção da natureza humana, e pode ter um sentido novo a cada nova tragédia humana, é o sentido de Hölderlin ao dizer que “onde há medo há salvação”, devemos temer não só a pandemia que já é um desastre, mas o que pode vir de desumano e aórgico após esta tragédia.

Não faltam apocalípticos, no entanto o interessante seria pensar o além da tragédia e inverter o papel de Jocasta para uma mãe que defende e quer seus filhos são e salvos, e assim numa reinvenção humana olhássemos não para Eva da criação humana, mas para Maria que deu à luz ao divino filho.

Não é só o preconceito religioso que desvia deste sentido profundo da fecundidade e da maternidade humana, é a relevância do papel da mulher ao segundo plano, a a análise de Hölderlin envolve os paradoxos que comumente constituem o trágico, como o humano e o divino, e a tarefa poética da modernidade como uma tarefa possível para toda e qualquer poesia, assim seu plano cultural não pode eliminar o trágico, mas deve também incluir o divino.

É esta misoginia do humano ao divino que nega todo e qualquer papel da mulher, Maria deveria ser tema apenas religioso, mas também o divino ligado ao trágico, a Pietá ainda que lembrada e revisitada por tantos autores, esconde o papel da mãe desolada diante do filho desfalecido, também Salvador Dali em seu quadro Christus Hypercubus coloca uma figura feminina ao pés do quadridimensional Christus, inspirada em sua esposa.

Aos cristão ignora-se a passagem bíblica do evangelista Lucas (Lc 1,43): “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar “, e o Senhor neste caso não é apenas o filho divino-humano que nascerá de Maria, mas também o Deus Senhor de Maria e Isabel, que diz isto “cheia do Espírito Santo” (Lc 1,41), assim a relação é trinitária e aórgica, afinal o acontecimento natalino está envolto do mistério das leis do universo que sobre ela agiram.

Em meio a pandemia seria extraordinário se a mesma mãe da Pietá estive com a humanidade em seu colo (matris in gremio) e pudesse numa inspiração trágica e divina socorrer a humanidade que desfalece e vê um futuro cada vez mais sombrio a frente, os mistério de Medjugorje e Garabandal (aparições misteriosas) podem não ser apenas fantasias de crianças (hoje todos adultos), mas a própria revelação divina sobre o trágico humano, quem dera seja verdade, onde há medo, há salvação.

 

Pós-Deus ou reinvenção do humano

13 ago

A poucos dias li na Folha de São Paulo (em nota online) que o famoso físico-místico Fritjof Capra (Tao da Física) disse que a pandemia é uma “Pandemia é resposta biológica do planeta”, e também falou em sua conferência no debate temático Fronteiras do Pensamento sobre a “Reinvenção do humano”, no qual falaram também o economista Paul Collier e o escritor francês Alain Babanckou.

Em sua palestra supõe um despertar em 2050 e visualizar o mundo e suas transformações pós-pandemia, já bem definidas, o que ele e a futurista Hazel Henderson propuserem são perspectivas imagináveis, as quais olhando para o passado verificaram as falhas e condições da humanidade, e quais mudanças seriam percebidas, penso que sim pensando num cenário distante, pensei uma reflexão bem mais válida do que pensar no ano que vem.

No pensamento do físico-místico austríaco ele considera que uma consciência expandida ajudaria a superar as limitações cognitivas (e culturais acrescento), os pressupostos e ideologias equivocadas que ficaram para trás nas crises do século XX, a forma míope de avaliar tudo a partir dos preços e métricas de desenvolvimento e produtivistas, como o PIB, acabaram por permitir enormes perdas sociais e ambientes e a destruição das funções dos exossistemas planetário.

Pouco se fala sobre a persistência das religiões e as respostas que também elas podem dar e o papel que jogarão numa etapa pós-pandêmica, embora não explicitada pelo físico e nem pelos economistas que falam nesta conversa temática, a reinvenção do humano, mas suas raízes aórgicas, viemos do inorgânico, da terra seja por processões químicos, pelas mãos ou sopro divino, o certo é que fomos criados, assim uma escatologia completa não falará só do pós-humano, mas do pré-humano.

De onde viemos, do pó dos planetas, agora que podemos olhar aos milhares em todo cosmos como telescópios que são como a reinvenção da luneta de Galileu que sacudiu o século XVII, agora estamos olhando para um infinito cada vez mais enigmático, como partículas de Deus e como colapso de matéria em buracos negros, o que nos espera, não é apenas um pós-Deus, mas a reinvenção de uma cosmologia capaz também de dar ao homem a sua crise, cuja pandemia é só um sintoma.

Escreveu Peter Sloterdij em seu “Pós-Deus”, que a mitologia grega: “tinha previsto a vingança do tempo contra a eternidade de longe, quando se permitiu a alusão segundo a qual até mesmo os deuses imortais precisariam aprender a conviver com um destino de ordem superior” (Sloterijk, 2019, pag. 12) e os gregos chamavam isto de Moira, mas e este destino também preveja o Matris in Gremio escatológico, descrito pelo próprio Sloterdijk em “Esferas I: bolhas” (veja nosso post).

Aproveitando a alusão a rebeldia da natureza de Fritjof Capra, e se ela não se realizou ainda completamente, o pós-pandemia pode prever uma rebeldia aórgica de fora do planeta, e se Moira queira ainda ter uma última palavra, que era três e não apenas uma Cloto, Láquesis e as Átropos, que teciam os fios do destino (figura).

Enquanto Cloto significa fiar, Láquesis significa sortear, lembre-se o significado de Fortuna para os gregos, e, Átropos, significa afastar, num sentido escatológico, ou seja um fim, mas não um final, pode ser que depois de tudo se afaste o fim último e se tenha então uma nova esperança, quem sabe uma nova “iluminação”.

Sejam quais forem estes afastamentos da realidade, todos tornam-se importante num momento trágico, afinal a tragédia não é o que parece, e o romantismo e ilusionismo da modernidade é que mostrou sua verdadeira face de horror, envolto em belas palavras, promessas de felicidade e “bem-estar”.

Os cristãos, nos quais me incluo, sabedores desta “noite de Deus”, tem esperança em uma nova manifestação aórgica, afinal ela está no princípio da vida humana e deverá estar também nesta reinvenção do humano para um planeta que seja casa de todos.

Sloterdijk, Peter. Pós-Deus. Trad. Markus A. Hediger. RJ: Vozes, 2019.

 

A escatologia do bem

24 jul

Assim como qualquer cosmovisão tem alguma alegoria para o princípio e fim, no caso da cristã o Genesis e o Céu e Inferno, e outras propõe que nascemos de plantas ou animais, ou que voltamos a vida através da reencarnação, o bem possui sua escatologia, enquanto o mal uma “estrutura” simbólica.

Não é definição de visões religiosas apenas, também na filosofia clássica Platão na República e Aristóteles na Ética a Nicômaco trataram da questão e já fizemos alguns posts aqui, porém foi Demócrito que definiu de maneira mais próxima a nossa atual, ao dizer que o bem depende do desejo interior do homem, o homem bom não apenas pratica o bem, mas o deseja sempre.

Assim é na história humana também, sem determinismo ou romantismo histórico caminhamos para o bem se exercitamos a partir do interior de cada homem, mas praticando socialmente, aquilo que os gregos chamaram de “virtude”, mas também temos o ciclo vicioso do mal.

O ciclo vicioso do mal leva a uma “crise” do bem, o mal simbólico pode se estruturar de tal forma que determinada estrutura social pode levar a um fim, pode ser o fim de uma época que é muito trágico, mas pode também levar a uma crise civilizatória grave se não se encontra uma saída.

A humanidade sempre encontrou saídas, isto dá esperança, porém as tragédias fazem parte da mudança, e a gravidade da tragédia depende da resiliência do bem, embora frágil é ele que pode indicar o caminho novo, uma saída para a cidadania terrena, para o futuro civilizatória humano.

A leitura bíblica indica três metáforas para a escatologia do bem, e compara o “reino dos céus” (Mt 13, 24-43) com o plantio do joio e do trigo que crescem e que só no final escatológica deve ser colhido e separado do mal (o joio), a segunda parábola o grão de mostarda, a menor das sementes, que dá uma arvore bela e frondosa onde “os passarinhos vem fazer seus ninhos”, e a terceira é uma receita de pão, uma mulher mistura três porções de farinha.

A terceira “parábola” a mulher mistura três porções de farinha, uma parte só deve ser fermentada, seriam aqueles que tem a virtude do bem e ela deve ser praticada de forma a produzir boa fermentação no resto da massa, as outras duas porções, então o fermento é o bem.

O final da leitura diz que um pai tira de seus tesouros coisas boas (a parte fermentada boa) e más então sempre tem-se um “mal simbólico”, é preciso saber se parte boa foi “fermentada”.

 

O mal e a crise do humanismo

22 jul

O idealismo continua a defender seu ideário de Estado, de Ética (moral e virtudes são outras coisas, por exemplo, acabar com as corrupções), agora defender as nações, um Estado mais forte (esquerda e direita no fundo desejam isto) e por isto pode-se falar do zoon politikon, o animal político de Aristóteles, é preciso então entender o que é o animal político.

Há duas condições que pode não tornar-se político: ser degredado (diríamos hoje excluído) ou ser sobre-humano (ou divino, assim de ordem superior as leis e regras humanas).

Esta é a primeira premissa para entender “Regras para o Parque Humano – uma resposta à Carta de Heidegger sobre o Humanismo”, não se trata por tanto de ver o homem como “bicho” do zoológico, mas como animal “natural” porém que seu humanismo encontra-se em cheque.

A polêmica que seguiu-se a sua palestra no castelo de Elmau, na Baviera, significava que a tentativa (desde as escolas de Platão e Aristóteles) de programar a história e o humanismo por meio de uma engenharia social faliu, outro tema importante é a questão da “domesticação”.

A domesticação também não é nova, o filósofo recebeu de uma influência direta de Nietzsche, e Foucault também tratou o tema, sua proposta na Conferência que depois virou livro, era a de inverter a prioridade de Heidegger da dimensão ontológica sobre a ôntica (Sloterdijk, 1999,).

A polêmica causa é porque o filósofo se perguntou se não passaríamos da fatalidade “do nascimento ao nascimento escolhido e seleção pré-natal” (Sloterdijk, 2000) que foi o ponto principal da polêmica tentando mostrar isto as ideias nazistas e fascistas do período da guerra.

As questões de manipulação genética, que na Alemanha sofreram restrições rigorosas até 2002 e a liderança da Escola de Frankfurt por Haberrmas foram o pano de fundo desta polêmica, porém o fundamental que é o humanismo de Heidegger e Levinas, tema da conferência de Elmau  é um aspecto principal, esquecido por muitos comentaristas, pois o humanismo está mesmo em crise.

Quanto a resposta de Sloterdijk, ele próprio retorna ao tema de em Esferas I de forma diferente ao falar de manifestação aórgica, o inorgânico sobre o orgânico, afinal o homem veio da Terra até mesmo pela metáfora bíblica, assim do inorgânico barro Deus “soprou” as narinas e introduziu o espírito, gostem ou não, o tema é metafísico e não religioso, e se algo aórgico acontecer.

Hora não será a primeira vez na história, o homem veio depois dos céus, da terra e das águas, novamente também nas diversas cosmogonias (mesmo não cristãs) e também a própria terra já teve outras manifestações, como a que eliminou os dinossauros, porque uma nova não pode ocorrer, e ela nos ajudar a enfrentar a crise de época (ou civilizatória) que enfrentamos.

O tempo é diferente do nosso, o cometa volta depois de 6.800 anos a nos visitar, nem registro dele tínhamos, e quando voltar depois de outros 6.800 anos o que encontra, só Deus sabe, afinal neowise significa “agora”.

 

SLOTERDIJK, P. Regras para o Parque Humano – resposta a Carta sobre o Humanismo de Heidegger, São Paulo: Estação Liberdade, 2000.

 

O razão e o mal

16 jul

Para demonstrar duas verdades, Agostinho de Hipona escreveu longas páginas no seu livro “Sobre o Livre-Arbítrio”, praticamente todo o livro II (do capítulo 3 ao 17), onde conclui que todos os bens procedem de Deus, inclusive o livre-arbítrio, e questiona se este bem deveria ser dado ao homem.

Tanto Agostinho (De Trinitate) como Boécio (Opuscula) defenderam a cooperação entre fé e razão, porém será na Alta Idade Média que Tomás de Aquino e também Duns Scotto, em correntes diferentes (realista e nominalista) defenderão que o uso da razão é complemento da fé.

Enquanto Tomás de Aquino vai defender a distinção entre Ser e essência, Scotus vai elaborar a lei da analogia, que afirma que não podemos conceber o que é ser algo sem conceber este algo existindo realmente, assim uma coisa que existe (si est) é o que ela é (qui est).

O importante tanto em Tomás de Aquino quanto em Duns Scotto é a complementaridade entre fé e razão, assim a ideia que Descartes, Kant, Leibniz e Hobbes sejam herdeiras dele é muito simplista, o que vai acontecer é a substituição dos argumentos da fé, por argumentos racionais, o fato que sejam importantes, isto deve ser estudado a partir dos aspectos ontológicos.

Assim, o argumento ontológico foi retomado por Franz Brentano, incorretamente chamado de neo tomista, pois apenas retoma uma sub categoria do “ser” que é a consciência, a hermenêutica e a fenomenologia que é retomada a partir dele, e terá desenvolvimento em Husserl, Heidegger e Gadamer é uma filosofia ontológica, tendo em comum a questão metafísica do Ser.

Hanna Arendt e Paul Ricoeur que vem destas correntes retomam a questão do “mal”, mas as questões da razão e toda a literatura moderna é analisada (Descartes, Kant e Hegel).

 

A luta do bem contra o mal, fragilidades do bem

15 jul

O mal em Agostinho de Hipona no livro VII das Confissões, é ausência de bem, assim como todo o universo é ordenado, ainda que agora descobrimos um universo com energia e massa escura, buracos negros, seminovas e galáxias sumindo e aparecendo, e muitas leis novas na astrofísica, ainda assim, há uma hierarquia, onde algumas coisas sobressaem as outras, e é para isto que Agostinho chamou a atenção, e já havia em Agostinho a questão do livre-arbítrio.

Mas uma lição dura mesmo para religiosos como Agostinho, que abandonou a filosofia de maniqueu, é a luta do bem contra o mal, e isto ainda domina parte do dualismo filosófico, onde ser inferior não é ser do mal, há coisas boas inferiores e coisas más superiores, assim o importante é a perda de sentido do que é bom ou mal, aquilo que Hanna Arendt chamou de “A banalidade do mal” (Companhia das Letras, 1999), assim alguém pode fazer algo “inferior” sem ser “mal”.

Assim há dicotomia entre a “luta” pelo bem e a “guerra”, trabalhar e lutar pela vida, ou eliminar o adversário.

Aqueles que querem dar a vida o puro deleite, ou que afirmam que há sentido numa vida bem vivida é o de sermos “produtivos” e “ativos”, inspirados no mitos como um QI superior ou herança fortuita (fortuna no sentido grego é diferente, é destino), mesmo que isto seja feito por meios opressores, indo até o argumento racial, que é o mais repugnante de todos, mas de onde vem estes mitos da “guerra”, do “vencedor” que se confunde com o opressor? 

Um dos grandes mitos que surgem desde a antiguidade é Ulisses de Odisséia e Ilíada (cantos VIII da Odisseia e IX de Ilíada), que significam um símbolo da capacidade do homem de superar as adversidades, embora exista o personagem Odisseu (o nome em grego de Ulisses), seria nascido em Ítaca, filho do rei Laerte, que reinou em Anticléia.

Embora Ulisses de James Joyce escrito de 1914 a 1921, fala de um personagem Leopold Blum, considerado pelo autor um homem moderno que é ao mesmo tempo forte e fraco, cauteloso e precipitado, herói e covarde, numa tentativa de criar um ser humano representante da humanidade, no entanto, é na verdade o herói solitário moderno, um dom Quixote requintado.

A contextualização do herói épico grego e o “herói” moderno são, entretanto, diferentes, assim para ler Ulisses de Joyce é necessário quase um roteiro, que inclusive foram feitos alguns.

Foi o psicólogo Carl Jung que chamou a atenção para o aspecto de “monólogo” do Ulisses de Joyce, embora pareça um homem “comum”, é um homem só e sua “luta”, alertou Jung: “O que é tão assustador em Ulisses é o fato de, atrás de mil véus, nada ficar escondido; de não estar virado nem para a mente nem para o mundo, mas, tão frio quanto a lua vista do espaço cósmico, permite que o drama do crescimento, do ser e da decadência siga o seu curso”, eis um mito moderno.

Os heróis que apareceram na pandemia, não são heróis de “guerra” nem mitos imortais, eles próprios não estão imunes da pandemia e convivem com o medo, e até o isolamento familiar, o que deveriam pensar é a vida que vale a pena ser vivida por todos, pelo planeta e pela saúde.

JUNG, Carl Gustav. Ulysses: A Monologue, UK: Haskel House, 1977.

 

A questão do Mal na História

14 jul

Um filósofo hermeneuta Jan Patocka, é citado por Ricoeur, ainda que não seja diretamente ligada ao mal, pode dar origem socrática da questão da questão do mal: “A perda de ´sentido´não é a queda no ´não-sentido´, mas o acesso à qualidade do sentido implicada na própria busca. Jan Patocka reencontra, assim o tema socrático do ´cuidado da alma’ e da ‘vida examinada’ “ (Ricoeur, 1999, p. 16), está no prefácio do livro de Jan Patocka “Ensaio heréticos sobre história da filosofia”, sem tradução para o português.

Platão elaborou o Sumo bem, que na verdade é a elaboração de uma ética, o Bom e Belo devem ser buscados pelo sujeito moral para harmonizar-se interiormente, e ter consciência do Bem, neste sentido que que pode ser pensado o cuidado da alma e a vida examinada de Sócrates.

Aristotéles elabora sua famosa Ética a Nicômaco, onde explora a ideia de busca da virtude, assim o homem natural não é bom, é pela pratica das virtudes que ele torna-se bom, mas tanto em Platão como em Aristóteles esta virtude tem o sentido social, embora se confunda com o moral, não o é.

O sentido de Mal moral, no sentido de vícios da alma, está elaborado em Agostinho de Hipona, no livro VII intitulado “A ideia de Deus e a Origem do mal”, o mal é a ágape desordenada (diferente da filosofia do eros e da filia), assim é na ausência da escolha de coisas superiores para escolha das inferiores (este é o sentido mais profundo do ágape), que aderimos aos vícios, e desarmonizamos.

Embora o tema possa ser encontrado em vários autores medievais, como Tomás de Aquino e Duns Scotto, o sentido de mal é aprofundado no sentido teísta e o filosófico fica ligado a Ética de Platão, permanecendo a ideia da virtude, trabalhada em torno da Ética de Aristóteles, escreveu Tomás de Aquino: “A virtude designa certa perfeição da potência“, (Suma Teológica, Iª seção, IIª parte, q. 55 a.1).

Na modernidade é Paul Ricoeur que retoma a questão no seu livro “A simbólica do mal”, porém é na delicada passagem do Renascimento a Modernidade que é aprofundada e confundida a distância entre o mal moral e o ético, como se fossem o mesmo, deixando a virtude de ser pensada.

RICOEUR, P. Prefácio a PATOCKA, J. – Essais hérétiques sur la philosophie de l’histoire. Trad. Erika Abrams, Lagrasse: Verdier, 1999.

 

O velamento do conhecimento, noite do pensamento

09 jul

A Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida, escrita pelo físico Nicolescu Barsarabi, o serigrafista português Lima de Freitas e Edgar Morin, aponta o processo (anterior a Web), onde a excessiva especialização e um empobrecimento do Ser criaram um velamento do pensamento, diz a carta:

“ …a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis.” (Arrábida, Portugal, 1994).

O problema então é como criar um saber que une e uma cosmovisão que amplie o espírito humano empobrecido e embrutecido, segundo a receita do próprio Morin: “é preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une”.

Toda a polarização e barreiras entre pensamentos distintos são a raiz onde o diálogo é ignorado, mesmo que as vezes afirmado, o fechamento semântico do pensamento, seja quais forem os princípios e muitos vezes morais, religiosos e até culturais são importantes, devem ultrapassar os pré-conceitos e ir ao encontro do positivo no Outro.

Diz a Carta de Arrábida no artigo 14: “A Abertura comporta a aceitação do desconhecimento, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às ideias e verdades contrárias as nossas”, este é o sentido de substituir um pensamento “que isola e separa” por outro que “distingue e une”, ter diferença não significa isolar ou mesmo separar.

É a ideia totalitária da verdade única, mesmo que religiosa, pragmática ou científica que muitas vezes isola e não une, em diálogos fundamentados sempre há elementos novos a serem considerados e poucas vezes eles são devidamente ouvidos e respeitados.

O físico Barsarab Nicolescu, um dos signatários da Carta de Arrábida, em seu próprio Manifesto da Transdisciplinaridade, a respeito da física quântica escreveu: “… de onde vem esta cegueira? De onde vem este desejo perpétuo de fazer o novo com o antigo? A novidade irredutível da visão quântica continua pertencendo a uma pequena elite de cientistas de ponta”, embora a realidade física a comprove e surpreenda.

Disse na referida carta sobre a “realidade”, “Em nosso século, Husserl e alguns outros pesquisadores, num esforço de questionamento a respeito dos fundamentos da ciência, descobriram a existência dos diferentes níveis de percepção da Realidade pelo sujeito observador”, mais do que isto o observador é parte do experimento, do todo, e não é neutro.

Toda a nossa lógica e as nossas ações se baseiam em três axiomas: O axioma da identidade: A é A, O axioma da não-contradição: A não é não-A;  e o terceiro é chamado axioma do terceiro excluído: não existe um terceiro termo T (T de “terceiro incluído”) que é ao mesmo tempo A e não-A.

O que Nicolescu afirma é o que aconteceria se tornássemos o terceiro incluído, foi o que fez Stefan Lupascu (1900-1988) ao criar a lógica do terceiro incluído (tertium non datur), incluindo o estado-T que não é nem “atual”  nem “potencial”, substituem a lógica clássica do “verdadeiro” ou “falso”, e cria um nível mais generalizado que inclui a física, a epistemologia e o que é “consciência”.

NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Triom : São Paulo, 1999. PDF

 

Inocência, ingenuidade e ignorância

03 jul

Em muitas situações tropeçamos nestes três conceitos como sinônimos ou próximos, não são, uma criança é inocência e desconhece muitos assuntos, mas não é ignorante, por sua ingenuidade deve ser protegida tanto pelos pais quanto por qualquer pessoa de bom caráter.

Também um adulto pode ser inocente em determinada situação porque não fazia parte ou não conhecia determinada situação grave, não é ignorante, mas inocente ainda que algum mal possa ter ocorrido por sua ingenuidade em não perceber a gravidade ou as consequências de um ato.

A ignorância é militante, isto é, mesmo vendo e compreendendo a gravidade de determinada situação, por uma ação voluntária consciente comete ou permite que ato grave seja levado a frente, e algumas ou muitas pessoas ou mesmo situações graves podem ocorrer.

A pandemia expôs estas três realidades e não se pode deixar de perceber uma doença com a gravidade de ceifar vidas e cuja defesa é complexa pelo desconhecimento da ação e do controle do coronavírus implica em tomar decisões em defesa da vida que atenuem o número de mortes.

Assim como se expõe a ingenuidade de muitas pessoas que não tomam cuidados de higiene e prevenção para minimizar o contágio, expondo pessoas inocentes, porém é a ignorância que mais preocupa e pode causar situações ainda mais graves se não for possível interromper o descaso.

A ignorância foi utilizada na história para manipular populações inocentes e muitas vezes conseguiu levar muitas pessoas ingênuas a situações de catástrofes, atingindo inocentes e muitas vezes levando a morte e ao desespero, isto aconteceu em guerras e em pandemias, a gripe espanhola nos anos 1918 e 1919 matou 50 milhões de pessoas, um número absurdo para a população da época.

A revelação bíblica na qual o apóstolo Mateus (Mt 11,25) afirma que foi do agrado do pai revelar-se aos pequenino e esconder as verdades divinas dos “sábios e entendidos”, deve ser entendida no contexto da crença em Deus.

Conhecimento de Deus e não sobre o conhecimento e as verdades temporais, pois o texto seguinte é muito claro (Mt 11,26-27): “Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.  

Usar este trecho para justificar ou defender a ignorância é má fé, nos dois sentidos, no religioso e no moral. 

Se é certo que Deus se manifesta aos humildades, usar da ignorância para manipular a consciência é má fé.

 

O desenvolvimento da ciência e a crise epistêmica

01 jul

Diversas ideias e notícias se espalham entre os povos e se tornam dogmas e lendas desde a origem da humanidade, porém foi a organização do conhecimento que organizou a episteme, o mundo da doxa, a mera opinião continuou.

A primeira grande questão cientifica levantada por Boécio no século VII, era se existem ou não categorias universais ou apenas particulares, esta questão deu origem a uma disputa entre nominalistas como Duns Scotto e William Ockham que defendiam que os “nomes” eram universais, e realistas como Tomás de Aquino, que diziam o real sê=lo.

Roger Bacon (1220-1292) defendeu a experimentação como fonte de conhecimento, e junto a Duns Scotto e William de Ockham criam a base empirista do pensamento, e assim o conhecimento não depende apenas da fé, mas também os nossos sentidos.

Com sua operação filosófica denominada “dúvida metódica”, René Descartes acabou instituindo um paradigma filosófico que foi identificado como pragmatismo conceitual, e John Locke, representante da corrente empirista, e René Descartes, fundador do método cartesiano, convergiam em suas teorias ao afirmarem que o conhecimento válido provém da experiência e dos sentidos, pois são inatos à alma.

O idealismo de Kant vai criar 12 categorias separados em 4 grupos, o da Quantidade (Unidade, Pluralidade e totalidade), a Qualidade (Realidade, Negação e Limitação), a relação (Substância, Causalidade e Comunidade), a Modalidade (Possibilidade, Existência e Necessidade), e nelas os fenômenos preenchem as formas vazias.

Assim os fenômenos só podem ser pensados dentro das categorias, diferentemente da fenomenologia que dirige a consciência a coisa em si, ou seja, retorna-se aos entes, e isto abrirá uma nova possibilidade para a metafísica.

Apesar de fortes sinais de uma crise no pensamento, a matemática se modifica com o surgimento das geometrias não euclidianas, a quarta dimensão, a física com o princípio da incerteza de onde vieram a teoria da relatividade e a física quântica, os paradoxos lógicos apresentados no Círculo de Viena e principalmente uma crise no pensamento humanista, mostraram um início de século XX em crise, mas não evitou-se duas guerras e a guerra fria.

A queda do muro de Berlim um aparente fim da luta ideológica deu origem a novas crises agora no mundo da cultura, a guerra do Irã, do Afeganistão e a permanente em muitos países árabes mostraram agora uma tensão oriente x ocidente.

A pandemia deveria solidarizar os povos, na verdade criou uma polarização ideológica mais grave, o perigo de regimes totalitários emergirem com maior força, é preciso ter esperança e lutar por um mundo mais solidário e um humanismo digno do nome.