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O Ser, a Dor e a Páscoa
Este é um tempo que não aboliu a Dor, porque conforme desenvolvemos em posts anteriores ela é inerente a existência, porém a condenamos a opô-la ao Ser e a Felicidade, o filósofo Byung Chul Han escreveu: “Justo na sociedade paliativa hostil á dor, multiplicam-se dores silenciosas, apinhadas nas margens, que persistem em sua ausência de sentido, fala e imagem”. (HAN, 2021, p. 57).
Nada é mais paradoxal na pós-modernidade do que a Dor, imagina-se então a Cruz como símbolo de liberação e de vida, alguém poderia até dizer: o absurdo, porém Paulo Apóstolo adverte: “Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos procuram sabedoria; nós, entretanto, proclamamos a Cristo crucificado, que é motivo de escândalo para os judeus e loucura para os gentios.” (Coríntios, 1:23).
É nesta perspectiva que se explicam violências raciais, de diversas formas de exploração e daquilo que Byung Chul Han chama de “auto exploração”, não precisamos mais que outros nos explorem, nós o fazemos voluntariamente, incita-se a um cotidiano com a marca da contagem e não do Ser.
A Pandemia poderia ser ocasião para a dor solidária, mas foi mais um impulso para a exclusão, para o isolamento, para o fortalecimento das barreiras e das angústias individuais, que explodiram em crise de ansiedade, de diversas formas de ignorar a dor alheia, a ponto de negá-la totalmente.
Demorou, mas na batalha final contra a Pandemia cedemos a fatalidade, ao delírio de festas públicas fora do tempo, o desejo de extravasar e tentar ignorar a dor pelo êxtase das alegrias passageiras, segue um ciclo euforia e depressão.
O que aparece no horizonte deste delírio são guerras ainda mais infernais, desejos de dominação e de mais poder, ignoram-se vidas com justificativas quase sempre absurdas: era inevitável, não há como detê-los sem armas, etc. mais guerras, mais mortes, mais sofrimentos e quebra de mercados.
Ao que parece ignorando a Paixão divina, caminhamos a largos passos para uma “paixão” (de sofrimentos) civilizatória, humanitária e um abismo maior do que aquele que seria conviver e gerenciar as dores de uma civilização e uma pós-modernidade doentes e com horizonte sombrio.
Resta a esperança dos que creem na superação solidária de uma humanidade adormecida, de um centro civilizatório equilibrado que recupere não só o processo de hominização como também a sua solidariedade com a natureza e o universo que vivemos.
Esta é uma leitura possível para a Paixão Divina daquele que por amor suportou as dores humanas, só uma “passagem” pela Dor pode nos fazer entender uma nova humanidade possível.
HAN, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.
A dor, o Ser e o Outro
A dor é essencial na existência, o filósofo Byung Chul Han no ensaio “A sociedade paliativa a dor hoje” escreve falando sobre a pandemia e a redescoberta do Ser: “Sinto dor, logo existo. Também devemos a sensação de existência a dor. Se ela desaparece inteiramente, busca-se por substitutos” (Han, Vozes, 2011, p. 65).
Porém a dor do Outro nos é estranha, escreve Han: “A nudez da alma, o ser exposto, a dor com o outro, estão inteiramente perdidos para nós” (Han, p. 104), não há com-paixão.
Por isso a crueldade da guerra, os líderes totalitários que expõe este tipo de desprezo pelo Outro, por sua dor, no caso da Pandemia pelo número de mortos estão tão anestesiados, não dói em nós então não existe, o que é uma falsificação do ser, pois é Ser somente com-o-Outro.
A megalotimia, a supervalorização do si mesmo, ou do grupo social ao qual pertende, é tanto para Chul Han como para Fukuyama (que escreveu “O fim da história”, mal lido e interpretado), inspirados por Nietzsche que este é o “último ser humano”, que desvenda esse tipo de anestesia: “um pouco de veneno de vez em quando: isso dá sonhos agradáveis” (Han, p. 105).
É importante para compreender porque admitimos a morte, mesmo que injustas (dos inocentes e dos contaminados pelo vírus) porque não a imaginamos como não vida, não dói em nós, e a dor do outro não é sentida, pode até ser denunciada por aspectos grupais, porém não como ser e como Outro.
Porém não foi Nietzsche que “matou Deus”, nem mesmo o divino em nós, a paixão da cruz é a dor-com-o-Outro, não faz sentido senão um divino Ser que se entrega pelo Outro, e aí é puro Ser, é divino Ser.
Ao julgar Jesus e mesmo não encontrando crime algum entrega-o a crucificação, e mesmo condenado o divino Ser que será submetido a uma crueldade de espinho, açoites e finalmente crucificação, ainda olha para a humanidade de seus algozes e diz: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lucas 23:34).
Quem matou Jesus foram o poder do Império Romano, uma face do poder totalitário, e os fariseus: má religião e má interpretação daquilo que deveria ser nossa re-ligação ao divino.A dor é essencial na existência, o filósofo Byung Chul Han no ensaio “A sociedade paliativa a dor hoje” escreve falando sobre a pandemia e a redescoberta do Ser: “Sinto dor, logo existo. Também devemos a sensação de existência a dor. Se ela desaparece inteiramente, busca-se por substitutos” (Han, Vozes, 2021, p. 65).
HAN, B.C. Sociedade paliativa: a dor hoje. trad. Lucas Machado. Petrópolis: Ed. Vozes, 2021.
Errar é humano, perdoar é divino
O erro de Will Smith no Oscar foi só um erro, e Chris Rock que levou o tapa faz bem em não falar.
A guerra é a ausência de diálogo, de perdão e de tolerância levada ao extremo, é a barbárie do gênero humano que a torna menor que as outras espécies vivas, é a crueldade nua.
O erro no pensamento é parte da busca da verdade, o erro nas palavras e ações é parte da má articulação do pensamento, é sempre possível retroceder se há disposição ao diálogo, a ouvir o que é contraditório e não querer submeter o Outro pela força bruta ou pela ofensa.
Ainda estamos no primitivo da humanidade porque não conseguimos resolver os problemas, que existem e precisam ser encarados, as diferenças, que levam ao preconceito e a intolerância, e a convivência onde pequenas coisas podem ser pensadas e feitas de modo diverso sem prejuízo a ninguém, é preciso um princípio essencial de humanidade, por isto o humanismo está em crise.
A pior maneira de resolver a guerra é fazer mais guerra, buscar a pax romana, a submissão do que é o “outro lado”, por isto o cessar-fogo e o diálogo são fundamentais para uma retomada da paz.
Muitos querem a paz sem de fato a promoveram, vejam o armamento contínuo de uma guerra.
O perdão é a semente original da paz, onde há perdão não se inicia uma pequena guerra, e todos nós errados e precisamos ser perdoados, mas precisamos também dar o perdão ao Outro.
Na origem do povo judaico uma adultera devia ser apedrejada em público, alguns povos árabes guardam esta barbárie, é famosa a passagem bíblica que apresentam uma mulher adultera a Jesus para lhe perguntarem se ela deveria ser “apedrejada”, e Jesus pergunta se alguém não tem pecado podia lhe atirar uma pedra e eles começaram a se afastar (Jo, 9-11):
“E eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos; e Jesus ficou sozinho, com a mulher que estava lá, no meio do povo. Então Jesus se levantou e disse: ‘Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou ?’ Ela respondeu: ‘Ninguém, Senhor.’ Então Jesus lhe disse: ‘Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais’.
Do apenas humano ao sobrenatural
Todas as forças que se concentram numa polarização veem apenas o aspecto humano de um conflito, como o atual na Ucrânia que pode a qualquer momento se tornar mundial, já com alguns sinais visíveis coma visita da vice-presidente dos EUA à Polônia e as reações Russas às sanções.
A esperança de paz e de uma solução para um conflito tão perigoso, felizmente alguns técnicos da Ucrânia poderão ajustar os problemas na Usina de Chernobyl, mas existem inúmeras outras na Europa, incluindo a já ocupada pelos russos, a de Zaporizhzhia, uma das maiores da Europa.
Existe um lado sobrenatural, como o de valores que traçamos no post anterior, porém há um mais profundo, muitas como as profecias de Medjugorje (ainda não são aprovadas pela igreja católica) que fala de uma aparição de Maria como “rainha da paz” acontecem a 40 anos, desde a primeira aparição vista por 7 videntes, que falava da guerra, castigos e um novo tempo na história.
O importante é acreditar em forças além das humanas que possam ser mobilizadas incluindo a luta pela paz e pelo respeito aos povos e nações, todos os que defendem esta posição estão de alguma forma cooperando com o aspecto sobrenatural da defesa da paz e da convivência humana.
Neste caso é extremo, pois a própria civilização pode estar em jogo em caso de uma guerra nuclear, os limites começam a ser ultrapassados de um lado bombas até em maternidades e de outro uma russofobia que quer abolir até clássicos da literatura como Dostoievski que teve um curso gratuito cancelado na Itália, não podemos confundir crítica radical a atitudes ditatoriais como prática que são também autoritárias.
Para os cristãos o momento de revelação do aspecto sobrenatural de Jesus é no monte Tabor, onde ele para apresentar a sua realidade sobrenatural aos apóstolos escolhe três: Pedro, João e Tiago, a escolha em si já é interessante: Pedro apóstolo chamado a fundar Sua igreja, João o apóstolo que Jesus amava e Tiago chamado de apóstolo de menor, porém foi grande apóstolo.
Um episódio bíblico conhecido Jesus “Andando sobre a água” foi retratado no quadro de Ivan Konstantinovich Aivazovskii (1817-1900) nascido na Criméia, justamente uma região de conflitos.
Diz a leitura que ao chegarem ao Monte Tabor, enquanto orava (Lc 9,29-30): “seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante. Eis que dois homens estavam conversando com Jesus: eram Moisés e Elias”, claro aos que creem, ali Jesus revela-se como Deus.
Não importa a crença, importa mais a ideia de uma humanidade capaz de viver a paz e viabilizar o processo civilizatório que nos afaste das injustiças, dos flagelos e do ódio.
A força moral e a bélica
Aqueles que promovem o ódio e a intolerância, mesmo que além valores, apenas o veem como dependentes da capacidade humana, Mahatma Ghandi que venceu a dominação inglesa sem usar a força bélica e dizia: “A força não provém da capacidade física”.
Inspirou muitos pacifistas na década de 60, inclusive aqueles que eram contra a guerra do Vietnã, que não deixava de ser também uma guerra de invasores, no caso, americanos.
Os analistas militares estranham a capacidade de resistência da Ucrânia em meio a uma desvantagem enorme de poderio bélico com a Rússia, embora no jargão militar exista a ideia da “moral da tropa” ela está associada apenas ao campo de batalha e não a valores.
Para que exista uma força moral é preciso que ela exista também no campo espiritual, no caso de Ghandi era o hinduísmo que durante décadas inspirou e atraiu muitos no mundo ocidental, incluindo personalidades do mundo pop, como os Beatles.
Assim a degradação moral do mundo ocidental também é indiretamente responsável pela guerra e na sua lógica, que é também a lógica da OTAN somente a força bélica é vencedora e protetora de seus “valores”, porém estes estão em crise e não reconhecem.
A Ucrânia assim acabou recorrendo a seus vizinhos e a ameaça que eles também temem de invasão russa, que esconde um interesse expansionista, fêz surgir um terceiro bloco para ajudar a Ucrânia a defender seu território: Polônia, Lituânia, Estônia, Suécia, Finlândia e Canadá, países antes vistos como “pacifistas”.
Este bloco quebrou uma tradição de não uso de armas para auxiliar a defesa da Ucrânia, completa este bloco o Reino Unido, que é bom lembrar está fora da União Europeia, pelo Brexit, o que os atraia além do medo de serem os próximos alvos da Rússia é a defesa de valores além daqueles bélicos, que em última instância também defende a OTAN.
É verdade que oscilam entre o uso de armas e o pacifismo, porém percebem que não há como impedir os desejos expansionistas de Putin, cuja narrativa histórica começa a partir da formação da União Soviética, sem existir história pregressa, dos povos originários.
A lógica do ódio, seja o lado que esteja é em última análise a guerra, a do amor é a paz.
As três tentações e os três flagelos
Há uma forte ligação entre os 3 flagelos viciosos da humanidade: fome, guerra e peste, e as três grandes tentações de Cristo no deserto: alimentação (Jesus no deserto foi alimentado por anjos), poder e desprezo pelas coisas divinas que podem nos limitar moral e civilizadamente.
Ontem a conversa do presidente da França com Putin, este afirmou: “o pior ainda está por vir”, as terras da Ucrânia são férteis e são grandes produtoras de alimentos e a Rússia de fertilizantes.
Iniciamos na quarta-feira a Quaresma e talvez a grande provação do homem, dizem as leituras bíblicas sobre as tentações de Cristo no deserto (Lc 4,1-13) (veja o quadro do russo Ivan Kramskoi, sec. XIX):
O diabo disse, então, a Jesus: “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se mude em pão”. Jesus respondeu: “A Escritura diz: ‘Não só de pão vive o homem’”
E (depois) lhe disse: e lhe disse: “Eu te darei todo este poder e toda a sua glória, porque tudo isto foi entregue a mim e posso dá-lo a quem quiser. Portanto, se te prostrares diante de mim em adoração, tudo isso será teu”.
Jesus respondeu: “A Escritura diz: ‘Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás’”.
E o desprezo pelo poder do mal e não aceitar a Deus: Depois o diabo levou Jesus a Jerusalém, colocou-o sobre a parte mais alta do Templo e lhe disse: “Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! Porque a Escritura diz: ‘Deus ordenará aos seus anjos a teu respeito, que te guardem com cuidado!’ E mais ainda: ‘Eles te levarão nas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’”.
Jesus, porém, respondeu: “A Escritura diz: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’”.
Isto deve servir em primeiro lugar para os religiosos: não se colocarem no lugar de Deus e depois para toda a humanidade evitar o mal é distribuir o pão, renunciar ao poder humano e ao domínio mantendo o respeito ao Outro e respeitar as regras sanitárias para evitar que a peste se alastre.
Não conseguimos (como humanidade) romper com nenhum destas tentações, mas há esperança.
Cinzas de uma quarta-feira
Em todo mundo cristãos celebram no início da quaresma a quarta-feira de carnaval, os 40 dias até a Páscoa, não houve carnaval e sim uma festa da carne e da morte que é a guerra no leste europeu, imploramos que o crescente envolvimento de muitos países não crie uma 3ª. guerra mundial.
Diversas cidades ucraninas foram arrasadas e tomadas por forças militares russas, ao norte as já declaradas repúblicas populares da região de Donbass (do rio Don) Luhansk e Donesk, e agora ao sul Mariupol e Kherson, no Norte ainda há resistência na segunda maior cidade do país Kharkiv.
As tropas russas, o maior comboio militar desde a segunda guerra mundial chegou nas proximidades de Kiev, a noite lá terá combates extremos, uma torre de comunicação foi derrubada e um memorial do Holocausto foi atingido, mostrando que a retórica de lutar contra o neonazismo é apenas um pretexto para a guerra, a Ucrânia também foi atacada por Hitler e o memorial lembrava isto, claro há grupos neonazistas na Ucrânia como em muitos países.
No início da pandemia quando a Páscoa não podia ser celebrada em público para evitar aglomerações, afirmamos aqui que era uma Quaresma significativa, talvez esta com tantos mortos devemos pensar não mais na paixão e morte de Jesus, mas na nossa paixão e possível morte de civilização, há protestos pela paz, mas nas redes as manifestações de ódio entre “torcidas” estão espalhadas.
Também é verdadeiro que em todo mundo há manifestações de solidariedade pela paz, muita acolhida aos refugiados cujo número pode surpreender porque uma país está todo ele destruído e a Ucrânia não é uma pequena nação, é um dos maiores países da Europa, abaixo da Rússia é claro.
Podemos fazer uma pausa para pensar no nosso processo civilizatório em crise, pensar nas mães e filhos que perdem seus pais, parentes e amigos na guerra, nos jovens que não terão futuro, nos inúmeros mortos, só do lado russo são já mais de 6 mil soldados que não voltaram para casa.
Sobre as cinzas poderemos erguer uma nova civilização, sem submeter nações ao desespero e ao opóbrio, sem bárbaros processos de colonização incluindo o cultural e enfim sermos povos que vivem em paz, que resolvem conflitos numa mesa de negociação e olham para crianças e velhos com apreço.
Que a Quarta-Feira de Cinzas nos lembrem que somos pó e que a vida tem um valor sagrado.
Evitar o pesadelo nuclear
A guerra na Ucrânia vai subindo o tom e tornando-se uma ameaça para toda a humanidade, no campo de batalha os ucranianos apresentam uma resistência e um heroísmo que poucos acreditavam, as pressões sobre a Rússia no conselho de segurança da ONU e na própria assembléia da ONU aumentou (ontem diplomatas russos foram expulsos pois a sede fica em Nova York), apesar de muitas abstenções, como a India e a China, o tom é de condenação pelos princípios de soberania das nações, as sanções econômicas impostas primeiro para os milionários russos e o próprio Putin, agora para toda economia Russa já são sentidas, no campo de batalha apenas aumentou o tom, e a primeira tentativa de diálogo fracassou, foram enumeradas as questões de cada lado e uma próxima reunião.
A guerra já produziu um enorme flagelo, são mais de 5 mil soldados russos mortos em batalha e certamente o número de ucranianos deve ser maior, além neste caso de civis que pagam inocentemente pela guerra, são mais de meio milhão de refugiados e a entrada dos países europeus na guerra criam um temor maior: as armas nucleares.
Estas armas estão no exclave da Rússia em Kaliningrado, parte territorial descontinua da Rússia que fica entre a Polônia e Lituânia para onde foram levados mísseis de logo alcance com carga nuclear, mas agora todo espaço aéreo europeu está fechado para os russos, assim como a passagem do mar negro para o mediterrâneo que a Turquia fechou, este país é membro da União Europeia, que começa a se envolver militarmente no conflito e a ameaça de Putin de uso de armas nucleares é para este caso, dizem é um blefe os analistas, mas o risco existe.
Um grande comboio militar russo de mais de 30 km de caminhões transportam tropas, talvez entre eles estejam os temidos chechenos que travam a batalha campal, e os outrora inimigos de Putin agora o veem como um comandante, de origem islâmica tem agora relativa autonomia e depende da Rússia.
Em todo mundo e na própria Rússia há protestos pedindo o fim da guerra, lá são duramente reprimidos, o papel do Brasil de voto na ONU pela condenação da Rússia e de neutralidade na OEA se abstendo do voto mostra o caráter ambíguo, o papelão do presidente de ter ido visitar a Rússia dias antes da guerra foi um enorme equívoco, no mínimo.
O Brasil depende dos fertilizantes da Rússia, a Europa depende do gás e também dos grãos cuja Ucrânia é grande produtora, os reflexos na economia já são sentidos: o rublo russo caiu 30% e o dólar começa uma queda que provavelmente não vai parar, na prática além da economia: os alimentos e os combustíveis devem subir de preço verticalmente.
No campo cibernético que a Rússia é uma potência, o site Anonymous declarou sua guerra, porém a entrada de Elon Musk (dono da Tesla) na guerra deve ser vista com cautela, a segunda guerra foi um negócio para muitos empresários, até mesmo a Vokswagem alemã e Ford americana tiveram sucesso no pós guerra.
Kiev pode não cair, mas será um milagre, o socorro militar do Ocidente pode ter chegado tarde, o símbolo que existe na praça central é o Arcanjo Miguel é o anjo das batalhas, para muitos cristãs e os ucranianos são cristãos de rito próprio, mas ligada a Roma (aliás o Vaticano se propôs a intermediar o diálogo), que o chefe do exercito celeste encontre um caminho, agora obscuro para a paz, e não permita um flagelo e uma noite nuclear que afete toda humanidade (na foto o arcanjo Miguel na coluna na Praça Central de Kiev).
Avançar para uma verdadeiro pensamento
Nenhum pensamento é completo se não possui uma espiritualidade, aquilo que a modernidade chama de subjetividade porém que está separada da objetividade como é próprio do dualismo, cria duas realidades e nenhuma delas é parte do todo.
Contemplar o todo significa considerar a profundidade do nosso Ser e entender que fazemos parte de um imenso universo cheio de mistérios, e que nossa alma anseia pelo infinito e é para lá que caminha uma verdadeira espiritualidade, que não está separada da substancialidade da vida (o que é chamado na modernidade de objetividade, que é só a parte) e que sem ela não contemplamos e vivemos o todo, vivemos uma vida segmentada.
Substituí-la por uma pequena parte, pequenos vícios e prazeres, é caminhar na frivolidade, na superficialidade, nenhuma ascese verdadeira prescinde de uma espiritualidade, e não há espiritualidade sem contemplar a alma humana como parte do todo de nosso Ser, assim ultrapassar a antropotécnica e chegar uma onto-antropotécnica que olha para as coisas e também para a alma.
Muitos exercícios, do físico ao espiritual, são feitos buscando esta ascese, neste ponto Sloterdijk tem razão quase todas elas são “desespiritualizadas” porém sua explicação é incompleta porque não há em suas esferas uma escatologia, este raciocínio é feito especialmente em Esferas II, qual é o todo para o qual caminhamos, é possível ir até Ele.
Sim é possível se avançamos para águas mais profundas, buscar a completitude de nossa substancialidade superando o antropocentrismo e entendendo a Terra e o Universo como nossa casa, nossa morada, mas principalmente caminhando e lançando as redes para pensamentos e espiritualidades mais profundas, há em alto mar, ainda que revolto, aquilo que nossa alma anseia: o eterno.
Diz a passagem bíblica Lc 5,4-5, logo após Jesus ensinar as multidões e Pedro (Simão) reclamar que não haviam pescado nada, Jesus lhe responde: “quando acabou de falar, disse a Simão: “avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”, Simão responde que trabalhou a noite inteira e não pescou nada, mas obedeceu e lançou as redes.
O resultado foi uma grande pescaria, vale aqui a substancialidade dos alimentos e também a espiritualidade de avançar “pra águas mais profundas”.
Diversas reações ao pensamento dominante
Em países que foram colônias da Europa, emergiu o termo decolonização que se diferencia de descolonização porque penetra justamente no pensamento e na epistemologia dominante (alguns autores chamarão por isto de epistemicídio) que não é a simples liberação de dominação, mas também o ressurgimento de culturas subalternas.
Assim apareceram autores na África (como Achiles Mbembe), na América Latina (Aníbal Quijano e Rendón Rojas y Morán Reyes), além de autores de cultura originária como os indígenas (Davi Kopenawa e Airton Krenak), porém é possível um diálogo com autores europeus abertos a esta perspectiva como Peter Sloterdijk (fala da Europa como Império do Centro) e Boaventura Santos (fala do epistemícidio e também alguns conceitos de decolonização), há muitos outros claro.
Deve-se destacar nestas culturas também a cultura cristã, vista por muitos autores como colaboradora do colonialismo, não se pode negar a perspectiva histórica e também de doutrina que é a libertação dos povos e uma cultura de fraternidade e solidariedade, ela é também minoritária hoje na Europa e perseguida em muitos casos.
Entre os europeus que defendem um novo humanismo, ou um humanismo de fato já que o iluminismo e as teorias materialistas não conseguiram contemplar a alma humana como um todo, e são por isto um humanismo de uma perna só, entre os europeus destaco Peter Sloterdijk e Edgar Morin, o primeiro que defende o conceito de comunidade como um “escudo protetor” capaz de salvar nossa espécie, e o segundo, um humanismo planetário, onde o homem seja cidadão do mundo e as diversidades sejam respeitadas.
Ambos consideram as propostas populistas, é bom saber que elas existem a esquerda e a direita, devem perder com a crise atual e o consumismo global depende de uma atmosfera de “frivolidade” ou de superficialidade que a humanidade será obrigada a repensar, não voltaremos aquilo que consideramos estável, os próprios escritores originários, como Davi Krenak destaca em várias entrevistas, o que queremos voltar não era bom, não havia uma felicidade e bem estar real naquilo que era considerado normal.
Como aspecto de construção do pensamento, em Sloterdijk destaco a antropotécnica, para ele a modernidade foi uma desverticalização da existência e uma desespiritualização da ascese, enquanto o conhecimento e a sabedoria proposta na antiguidade sair do empírico e do enganoso para ir em direção do eterno e do verdadeiro, como para ele não existe a religião, seria um movimento de sabedoria e conhecimento, e não apenas uma ascese de exercícios, onde a alma imortal foi trocada pelo corpo.
Já na perspectiva de Edgar Morin é o hologramático que pode dar ao homem uma visão do todo agora fragmentada pela especialização e pela particularidade de cada ramo da ciência, paradoxo do complexo sistema no qual o homem é uma parte que deve se integrar ao todo, onde “não somente a parte está no todo, mas em que o todo está inscrito na parte”, a pandemia nos ensinou isto, mas a lição ainda foi mal aprendida, em plena crise pandêmica resolveu-se que está tudo liberado e não há protocolo de proteção de todos em cada um (cada parte), e não há co-imunidade.