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Arquivo para a ‘Noosfera’ Categoria

A Páscoa dos pães ázimos à eucaristia

01 abr

É verdade que a Pascoa comemorada pelos cristãos como a paixão, morte e ressureição de Jesus, já era comemorada com a passagem do povo hebreu da escravidão no Egito a sua terra prometida, hoje Israel, porém a festa é mais antiga.

Os dois sinais mais fortes do cristianismo é a morte de Jesus justamente no lugar do cordeiro que é sacrificado na festa judaica, lembrando o cordeiro que foi sacrificado por Abraão no lugar de seu filho, e sua ressurreição no dia de Páscoa, ou seja, a passagem para a vida eterna.

Porém a data é mais antiga, o calendário judaico é lunissolar, ou seja, se baseia nos ciclos do sol e da Lua, diferentemente do cristão que fica entre os equinócios do outono/primavera no hemisfério norte, e verão/outono no hemisfério sul.

A festa era comemorada ainda no exílio do povo judeu no Egito, calcula-se que a cerca de 3.500 anos, eles sacrificavam um cordeiro sadio, de um ano, numa data chamada de dia 14 de nissan, durante uma semana consumiam pão sem fermento e ervas amargas, e o sangue do animal era usado para marcar os umbrais das residências dos judeus, para que o anjo da morte que passaria não adentrasse aquelas casas.

Os pães consumidos neste período por serem sem fermento, são chamados pães ázimos que dão origem a festa que antecede a Páscoa, na sexta-feira o cordeiro é sacrificado, e deverá ser consumido antes do amanhecer e o que não for consumido deve ser queimado.

Jesus foi sacrificado justamente numa sexta-feira da Pascoa judaica e isto confirma o sinal profético previsto na bíblia, e na quinta-feira realiza a ceia com os pães ázimos, entretanto ao purificar e repartir o pão e o vinho, afirma: “este é meu corpo e meu sangue” instituindo a Eucaristia cristã, na qual acontece um evento aórgico, uma substância inorgânica torna-se orgânica e neste caso divino, eis a hóstia consagrada.

Os cristãos chamam de transubstanciação, porém todo nosso corpo, exceto a alma para os que creem, é também composto de substância inorgânica, e na escatologia cristã todo universo será transformado em corpo de Cristo, na visão de Teilhard Chardin sempre o foi, pois todo ele é seu corpo.

Assim pode-se dizer que o futuro do universo e da humanidade é tornar-se todo eucarístico.

Para os cristãos católicos, pelo menos no Brasil, é uma realidade triste, o lockdown proibiu a eucaristia no dia em que ela é celebrada, a quinta-feira santa. 

 

O futuro civilizatório

31 mar

Para muitos, já a Primeira Guerra Mundial constituiu o fim de uma civilização, embora a literatura muito popular na época era a coragem e o patriotismo, as mentes mais lúcidas viam o absurdo da guerra e entre eles estava Teilhard Chardin que perdeu dois irmãos e um amigo próximo Jean Boussac que seria um grande nome para a geologia francesa.

Porém Chardin acreditava no futuro, para ele existe uma “lei de complexidade e consciência”, a qual pode ser pensada nestes termos: “Perfeição espiritual (ou ´centralidade´ consciente) e síntese material (ou complexidade) nada mais são que os dois aspectos e as duas partes correlatas de um mesmo fenômeno”, assim não separa a nossa evolução histórica da espiritual.

Sua crença no futuro, foi claramente expressa numa entrevista inédita concedida a Marcel Brion em janeiro de 1952 e publicada na revista francesa “Les Nouvelles Littéraires”, nela esclarece a visão que transcende o mal e o sofrimento, acusação que era feita a ele como uma apostasia.

Nesta entrevista, afirmando que foi depois que trabalhou de maqueiro nas trincheiras da guerra, que cunhou definitivamente a palavra Noosfera: “Eu usei esse termo pela primeira vez em um dos meus primeiros ensaios sobre o Fenômeno Humano, mais ou menos em 1927, mas, efetivamente, a ideia de uma comunidade espiritual humana adjacente ao orgânico havia nascido em mim nas trincheiras: a ideia, quero dizer, de uma espécie de “megaunidade” biológica especial que constitui o invólucro pensante da terra. Essa é, para mim, a noosfera”.

Longe de uma crença na tecnização, diz Chardin: “Nem mecanização, portanto, nem identificação por fusão e perda de consciência, mas sim unificação por ultradeterminação laboriosa e amor” e esta sim poderá construir um futuro sustentável para a humanidade.

Indaga no final da entrevista: “o nascimento, ao nosso redor, de um tal ´neo-humanismo´ (ligado, no meu pensamento religioso, aos progressos da “caridade”) não é precisamente uma das características distintivas dos tempos que estamos atravessando?”

Brion, Marcel. Rencontre avec le Père Teilhard de Chardin, “Les Nouvelles Littéraires”, janeiro de 1951.

 

Critica da razão inadequada

30 mar

A filosofia ocidental vive numa razão inadequada, não pode ser racional ignorar a dor, a morte e as intempéries da natureza e da vida, a vida é morte e ressurreição e sem compreender uma não se compreende a outra, em plena pandemia observa-se que nem mesmo religiosos entenderam isto.

Na filosofia ocidental predomina o idealismo e sua lógica dualista, assim dor e felicidade se complementam, por isto é possível tanto sadismo com o próprio corpo, com as relações humanas, ainda que agora haja grande apelo a empatia, já discorremos sobre o “terceiro incluído” da física quântica e a lógica do ir-além do eu-tu.

Epicuro submetia a dor ao tetrapharmakon, a ideia que negá-la seria inútil então é buscar o melhor caminho para conviver com ela, é o terreno neurótico do certo e do errado, do bem e do mal, para atingir uma planície filosófica povoada como diria Espinosa, bons e maus encontros.

Os dois primeiros remédios de Epicuro referem-se ao intelecto, próprio do idealismo, desfazer todas as superstições e medos irracionais que causam angústia nos homens, a morte e a cólera dos deuses, por isto se repete a ladainha Deus é bom, ele o é, mas incompatível com o mal e isto não significa ausência de dor, mas sua transposição para um bem maior.

Os dois últimos remédios são uma “ética” hedonista, trata dos caráteres preventivos da dor e a obtenção do prazer, também eles não admitem a dor com uma contingência da vida, e nem tudo é inevitável, por exemplo a morte, e assim ela permanece presa a uma razão inadequada.

Também Camus tratou do tema, e tivemos oportunidade de fazer um post sobre o Mito de Sísifo, e seu ponto de partida é encontrar a felicidade onde é possível em tempos sombrios (as guerras).

Se admitirmos a dor, e realizar a passagem por ela encontraremos um terceiro ir-além ou o pensar para o além, sugerido por Emmanuel Lévinas, que significa mover-se cada vez mais para o estranho, para o mistério e para o infinito (outro tema de Lévinas) e já mencionamos aqui o Cosmos e a visão de Teilhard de Chardin sobre uma cosmovisão cristã.

Entramos na semana da Páscoa e com ela na cosmovisão cristã, o sacrifício de Cristo substitui o sacrifício do cordeiro feito por Abraão (nas três grandes religiões monoteístas: o Islã, o Judaísmo e o Cristianismo), assim a dor entra num novo significado a partir do qual é possível vida-pós-morte

 

Amor, dor e lógica divina

26 mar

Somente aqueles que são capazes de ultrapassar os limites da dor, do ódio e do desprezo podem se aproximar de um amor divino, é preciso ultrapassar a lógica dualista da luta do bem contra o mal, a deo-lógica é aquela que sempre vai de encontro ao bem, o que os gregos chamavam de agathosyne, que vem de Agathon bondade num sentido de espírito elevado, e que é busca.

Há um terceiro incluído que caminha conosco. 

A dor é muitas vezes aquilo que mais fere a alma, mas pode ser também a que a alarga, nestes momentos de evolução da crise pandêmica no país enfrentamos a mais séria necessidade de buscar uma força além das medidas sanitárias, débeis é verdade, mas a defesa da vida deve continuar naqueles que se solidarizam com os que estão sendo afetados pelo vírus.

Só entendendo este sentido mais profundo da dor seremos capaz de abraça-la, de ter esperança e de olhar para um futuro onde não mais teremos que correr atrás do tempo perdido, mas nos preparemos e nos antecipemos para evitar crises humanitárias ainda piores, que poderão advir.

Há sempre uma terceira possibilidade e assim como a dor é uma passagem de um estado para outro, também o que pode surgir depois de muito sofrimento é uma novidade ainda maior, um salto de qualidade naquilo que somos como homens e como natureza, e superar o estágio atual.

Edgar Morin escreveu em seu livro recente É preciso mudar de via: lições do coronavírus, neste sentido também: “A utopia do melhor dos mundos deve dar lugar à esperança de um mundo melhor. Como toda grande crise, como toda grande infelicidade coletiva, nossa crise planetária desperta esperança.”

Pode-se assim entender melhor, tanto no sentido teológico quanto filosófico, numa passagem central da paixão de Jesus quando na cruz ele grita (Marcos 1,34): “Pelas três da tarde, Jesus gritou com voz forte:— “Eloi, Eloi, lamá sabactâni?”, que quer dizer: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”, porque é nesta dor que o humano e o divino se fundem, emergindo uma nova realidade de morte e ressurreição, sim Deus morreu dizem os filósofos, porém há um terceiro incluído: depois ressuscitou, assim pode-se entender a passagem da morte para a vida.

Toda esta dor, esta “grande infelicidade coletiva” diz Morin desperta esperança, porque ela é de fato uma passagem, talvez a mais dolorosa que a humanidade passou, ainda que tivemos guerras odiosas, ainda que tenhamos conflitos de natureza social, étnico e religioso, há um sentimento de dor.

Só fará sentido toda esta dor se encontrarmos logo ali na frente uma outra forma de olhar para ela.

 

A crise civilizatória e o terceiro excluído

25 mar

O fato que estamos presos ao dualismo, agora transformado em polarização política como se na natureza e na sociedade houvesse sempre apenas dois polos em conflito não havendo uma terceira (ou mesmo quarta e quinta opções) parece não ter sentido com o paradoxo lógico desenvolvido por Barsarab Nicolescu e encontre paralelo apenas nas física quântica (foto).

Não é verdade, o próprio texto de Barsarab que pede uma reforma da Educação e do Pensamento (Barsarab, 1999) indica que pode-se ver nesta mudança o centro de uma crise maior que as questões físicas ou lógicas, afirma Barsarab: “Uma coisa é certa: uma grande defasagem entre a mentalidade dos atores e as necessidades internas de desenvolvimento de um tipo de sociedade acompanha invariavelmente a queda de uma civilização”, ou dita de outra forma, mais ontológica, ente o Ser e o não-Ser há um estado Não-Ser-sendo que penetra em dualismos e paradoxos.

A carta de Barsarab que pede uma reforma da educação, Edgar Morin também pede e outros perceberam uma crise na modernidade como pensamento e educação, o teórico do Terceiro Incluído T, dá uma sentença preocupante: “O risco é enorme, porque a contínua expansão da civilização ocidental, em escala mundial, faria com que a queda dessa civilização fosse equivalente ao incêndio de todo o planeta, em nada comparável às duas primeiras guerras mundiais”. 

Existe ainda um pensamento linear e monodirecional onde a intencionalidade é sempre polarizar e criar um caminho “único” e monocromático, com o eterno perigo de autoritarismo e desvios de poder, para distensionar seria necessário um mundo mais aberto e onde todos fossem incluídos.

A educação deve caminhar e auxiliar este contexto, Barsarab diz em sua carta: “A harmonia entre mentalidades e saberes pressupõe que tais saberes sejam inteligíveis, compreensíveis. Mas será que essa compreensão pode ainda existir, na era do big bang disciplinar e da extrema especialização?”

A dura realidade da pandemia mostra que oscilamos entre uma verdadeira solidariedade e uma distensão para enfrentar a crise, e a polarização oportunista que quer tirar vantagem sobre as mortes e os desvios de uma crise sanitária mal gerenciada, em alguns países mais, mas em quase todos.

A sentença de Barsarab que parece dura não o é: “Existe alguma coisa entre e através das disciplinas e além de toda e qualquer disciplina? Do ponto de vista do pensamento clássico não existe nada, absolutamente nada. O espaço em questão é vazio, completamente vazio, como o vácuo da física clássica”, pois é no vazio, no epoché onde pode florescer uma verdadeira filosofia, também ela quando não é (a suspensão de juízo, os novos horizontes além dos pré-conceitos, etc.) é que ela é.

NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. Trad. Lúcia Pereira de Souza. São Paulo: Trion, 1999.

 

A questão da Identidade e sua atualidade

24 mar

A questão é tão fundamental que percorre a filosofia desde Parmênides, onde “o mesmo, pois, tanto é aprender (pensar) como também ser” (apud Heidegger, 1973) e para ele pensar e ser são pensados como o mesmo, ou seja, a identidade faz parte do ser, porém isto tem muito a ver com o momento atual.

Quando apelando a questões de identidade separamo-nos de pessoas de diferentes raças, credos ou gêneros não estamos senão tentando fortalecer aquilo que é um falso conceito de identidade porque tanto nega o próprio Ser, como tentativas de fortalecer determinado grupo sob uma pretensa identidade e negar aqueles que pouco tem a ver com a pertença aquele grupo ou raça.

Esse olhar para “coisas diferentes” e reconhecer nelas alguma co-pertinência (a pertença é só mais uma forma de dar identidade a um grupo ou raça isolada), devemos manifestar diferentemente o que deve ser apontado como mesmidade, ou seja, co-pernitência de grupos com cultura diversa.

O sentido lógico de pensar desta identidade é forte e tem presença em diversas culturas tanto porque os grupos querem se fortalecer através desta “identidade”, quanto seguem uma lógica binária e dualista onde A não pode ser B, ou são iguais e são o mesmo, ou são diferentes e são contraditórios, já apontamos em outros textos o terceiro incluído de Nicolescu Barsarab, na lógica.

Porém na onto-lógica o Ser é e pode não-Ser, onde existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A, que até mesmo na realidade física já foi comprovado pela física quântica, o problema para a filosofia dualista é que isto envolve a complexidade.

Há um segundo modo de ver a questão dentro do pensar (noein) onde o mesmo é apresentado como Ser, como foi dito no início, nele duas coisas supostamente distintas, vêm-se uma na outra como co-pertinência, o que tornou possível algumas interpretações problemáticas na modernidade.

Heidegger aponta para ela, primeiro citando Parmênides e depois desenvolvendo “algo absoluta- mente diverso daquilo que ordinariamente conhecemos como a doutrina da metafísica, na qual a identidade faz parte do ser” (HEIDEGGER, 1973).

O que Heidegger faz é inverter a frase de Hegel: “a identidade faz parte do Ser”, para “(…) a unidade da identidade constitui um traço fundamental do ser do ente. Em toda parte, onde quer que mantenhamos relação com qualquer tipo de ente, somos interpelados pela identidade” (HEIDEGGER, 1973).

Indo ao fundo da filosofia moderna, onde Hegel é digno representante, pode-se dizer que há um deslocamento do Ser (sein) para o Ser-aí (Dasein) e talvez a complexidade encontre aí um ponto de apoio para os que desejam explicações simplistas, pode-se dizer há no ser um deslocamento

Porém é mais complexo, pois envolve aspecto existenciais como a “mundanidade”, a “facticidade” e a “linguagem”, sem eles caímos nas explicações simplista que só fortalecem a identidade como fator de diferença e exclusão do Outro, daquele que não é do meu círculo e caminhamos a intolerância.

HEIDEGGER, M. O princípio de identidade. In. Col. Os Pensadores. Trad. Ernildo Stein, Rio de Janeiro: Abril, 1973.

 

A proximidade em Ricoeur e no papa Francisco

23 mar

A citação de Paul Ricoeur na encíclica papal Fratelli Tutti é de uma dimensão filosófica e teológica que poucos ainda compreenderam, ao separar sócios de próximos, inspirado nas categorias de Ricoeur o papa dialoga com a contemporaneidade tanto com a filosofia como com a teologia e abre um caminho novo para um fraternalismo concreto.

Embora o pendor de teor utópico que a palavra Fraternidade (o nome da encíclica é Fratelli lembremos) toma dimensão nova ao transcorrer a leitura de Socius et Prochain de Ricoeur.

Pode-se dizer que desenvolve uma verdadeira cultura da proximidade, ou seja, não são os amigos daquele grupo que estou ligado, daqueles que compartilham certa “identidade”, a encíclica também esclarece estes falsos conceitos de identidade que nos isolam dos próximos.

A menção que faz de Ricoeur merece nota: “a caridade reúne as duas dimensões – a mítica e a institucional –, pois implica um caminho eficaz de transformação da história que exige incorporar tudo: instituições, direito, técnica, experiência, contribuições profissionais, análise científica, procedimentos administrativos” (FT §164), e assim incorpora realidades humanas no mítico.

Pode-se dizer que é um realismo realista de uma utopia de um mundo melhor possível, que não se reduz a um sentimentalismo religioso pouco eficaz que ameaça certas concepções que tanto a mística como a boa filosofia contemplam, ir de encontro ao Outro, a proximidade.

Outro ponto essencial da encíclica é o mal uso da categoria identidade, dirá a Encíclica que “quando agarram a uma identidade que os separa dos outros” e está no capítulo III que fala justamente do pensar

E alerta a Encíclica: “Existem periferias que estão próximas de nós, no centro duma cidade ou na própria família”. (FT §97), e novamente em Paul Ricoeur encontramos: “o vizinho é a própria conduta de se fazer presente (…) a ciência do vizinho é imediatamente bloqueada por uma práxis do vizinho: não temos um vizinho; Sou o próximo vizinho de alguém” (Ricoeur, 1968).

É a incompreensão desta categoria que leva a má filosofia a não entender o que significa o outro e o dar-se e isto pode ser visto em toda história da filosofia nas diferenças concepções de identidade, o conceito está em Stuart Hall e também de Heidegger é que identidade é o grau de compreensão que cada um tem da própria cultura, mas o tema é polêmico e voltaremos a ele.

 

RICOEUR, Paul “O socius e o próximo”, in História e Verdade, trad. F. A. Ribeiro (Companhia Editora Forense: Rio de Janeiro, 1968),

PAPA FRANCISCO, Carta Encíclica Fratelli Tutti (FT), Vaticano, outubro de 2020. Disponível em:

Fratelli tutti (3 de outubro de 2020) | Francisco (vatican.va)

 

O grão de trigo morre para dar vida

19 mar

Talvez o mistério cósmico mais profundo seja a morte e aparecimento de estrelas, planetas, cometas e tantos astros errantes no Universo, e também na vida microscópica é assim, o vírus precisa de uma célula para viver e ali pode causar morte ou vida, eis o mistério cósmico-pascal.

Chardin disse sobre o Universo que na escala do Cosmos: “só o fantástico tem a condição de ser verdadeiro”, as nebulosas são astros com simples composição de Hélio e Hidrogênio (são os elementos mais comuns no universo), quando um gás se contrai esquenta e a temperatura depende da densidade do gás, a queima do Hidrogênio vai causar uma fusão nuclear e surge um sol, se não for suficiente vão surgir as chamadas Anãs marrons, são mais planetas que estrelas.

Quando a estrela vai se esfriando e a densidade diminuir em 8 vezes a massa do sol, ela se torna uma Anã Branca, porém na medida seu combustível nuclear esquenta a temperatura de seu centro, as estrelas se expandem virando as chamadas Gigantes Vermelhas, entre as anãs brancas e as Gigantes Vermelhas estão as nebulosas planetárias que não são propriamente planetas.

Estes são apenas um dos enigmas espetaculares do Cosmos, ainda existem as estrelas de nêutrons, os buracos negros, os asteroides e cometas e agora os recém-descobertos planetas errantes que giram fora do círculo de seu astro principal e vagam pelo imenso universo.

E o que falar das diversas teorias sobre os buracos negros, as teorias mais aceitas é que o que restou da morte da estrela gera as estrelas de nêutrons enquanto se a massa for maior 3 vezes que o Sol gera um buraco negro, mas há outras teorias.

Morte e vida expressos na cosmologia cristã pode parecer distante, mas para Chardin não era, já que ele definia o universo como “cristocêntrico”, ou seja, todo ele vive um mistério pascal.

Assim a passagem bíblica, em especial em João 12,22-33, tem texto bem próximos destes enigmas quando Jesus diz que o Filho do Homem será glorificado (é interessante porque o Filho de Deus tem a dimensão humana na boca de Jesus), e se diz angustiado, e que “que direi? ‘Pai, livra-me desta hora?’ Mas foi precisamente para esta hora que eu vim.”

E diz que veio glorificar o Pai, e isto quando aproxima sua morte de cruz, e diz quando for elevado da terra, atrairei todos a mim, indicando que o caminho da salvação existe, e todo universo vai neste rumo, assim o homem e nosso planeta também tenderá a isto, como via Chardin.

Em palavras mais simples, Jesus explica: se o grão de trigo não cair no solo e morrer, produz fruto.

 

Dar uma “alma” a Terra

18 mar

A ideia de dar ao homem de nosso tempo uma cidadania planetária, vivemos o tempo da mundialização ou da globalização, e isto implica em direitos, só terá sustentabilidade se na contrapartida este caminho apontar também para uma “alma” terrena onde todos se vejam como codependentes entre si, a pandemia já deveria ter despertado isto, mas ainda não aconteceu.

Diz Chardin no livro que estamos analisando: “o homem de nossa época passará ainda um período de grande ilusão, imaginando que, chegado a um melhor conhecimento de si mesmo e do Mundo, não tem mais necessidade de Religião” (Chardin, 1958) e isto piora quando vemos a noite de Deus que paira sobre a humanidade, confusa entre ideologias e fundamentalismos.

Via o imperativo que “da evolução universal Deus emerge nas nossas consciências”, e via que era preciso superar “a religião entendida como simples apaziguamento das nossas dificuldades, um ‘opio’. Sua verdadeira função é de sustentar e estimular o progresso da Vida” e notem que os sistemas propostos contra ela não foram capazes de se mostrarem eficientes nesta direção.

Explica que a função religiosa é “nascida da ´hominização´, e ligada a esta só pode continuamente com o Homem mesmo”, e perguntará: “Não é isto que podemos constatar em nossa vida?  Em que momento, na Noosfera, existiu uma necessidade mais urgente de procurar, de encontrar uma Fé, uma Esperança para dar um sentido, uma alma ao imenso organismo que nós construímos?

Dava a entender que este processo de hominização, como ponto alto da complexificação do Cosmos, sua forma “mais avançada” se encontra “personalizada”, e ela faz surgir uma dupla condição necessária para o futuro: super-animar a Pessoa (anima e alma tem a mesma origem etimológica), mas sem a destruir, e uma convergência universal “deve ainda possuir (eminentemente) a qualidade de uma Pessoa”, invertemos de propósito, pelos eventos atuais.

Chardin imaginava que a pessoa cresceria junto com esta “super-anima” (aqui no sentido de alma) mas vemos que a Pessoa ficou em segundo plano, ou como preferem existencialistas mais atuais, o Ser e o Ser-com-o-Outro, que deveria ter evoluído junto com a super-anima, mas não ocorreu.

Nos escritos de Pequim datados de 1937, ele especula sobre esta energia humana motora de tantos avanços e esta força de “ser-mais” sob uma forma mais primitiva e mais selvagem: a Guerra.

Acreditava que virá o tempo em que “aqueles que triunfam dos mistérios da Matéria e da Vida” ao contrário de ser usada para a guerra, dos exércitos e frotas, “dobrar esta outra potência que a máquina tornará livre, e uma maré irresistível de energias disponíveis levará aos círculos mais progressivos da Noosfera”.

Como uma primeira conclusão, os textos ainda irão a frente, afirma: “O amor, assim como o pensamento, está sempre em pleno crescimento na Noosfera. Torna-se cada dia mais flagrante o excesso de suas energias em relação às necessidades cada mais restritas da propagação humana.”

 

CHARDIN, T. Construire la Terre. Paris: Editions du Soleil, 1958.

 

(Re)Construir a Terra

17 mar

O texto de Chardin datado do final de sua vida na década de 30 (são vários extratos), compilado e publicado após sua morte em 1958, dizia apenas em Construir a Terra, porém não havia ainda o forte desiquilíbrio ambiental, o crescimento das usinas atômicas (a energia foi usada na guerra para bombas) e o perigo de um cataclismo global, ameaças hoje presentes, além do desiquilíbrio social.

Ele já sabia da crise da democracia e do crescimento de sistemas totalitários (fascismo e comunismo), definia sua crença no futuro em três vertentes: paixão pelo pessoal, pelo universal e pelo próprio futuro, e vendo o planeta como um organismo deu sua sentença: “cada célula pensa, pelo fato de ser livre, que está autorizada a erigir um centro para si mesma” (Chardin, 1958), porém constatou a dispersão deste falso liberalismo intelectual e social.

Vê, porém as contradições em diálogo, estas forças não tem o “poder meramente destrutivo, cada um dela contém fatores positivos … por menos que estes componentes conversem, cada um deles contém componentes positivos … cada um deles é o próprio mundo é o próprio mundo que se defende e quer chegar a luz”, claro é preciso evitar os conflitos de guerras e extremismos.

No sentido que dá ao “espírito da Terra”, este foi escrito unindo extratos de 1931, em viagem pelo Oceano Pacífico, definiu este espírito como “o sentido apaixonado do destino comum que arrasta, sempre mais para longe, a fração pensante da Vida”, e ela dá sentido à nossa consciência em círculos crescentes de famílias, de pátrias, das raças, descubra enfim que a única Unidade humana verdadeira, natural e real, é o Espírito da Terra”.

Edgar Morin em seu livro Terra Pátria criou um conceito similar como cidadania planetária, porém é preciso dar uma “alma comum” a esta ideia de um planeta como casa de todos.

Na cosmologia de Chardin, ele trabalha insistentemente neste tema em sua Noosfera (esta camada pensante que cria este espírito capaz de envolver todos), dirá que “o amor é a mais universal, a mais formidável e a mais misteriosa das energias cósmicas”, hoje com tantos polos e tantas forças em conflito é preciso reencontrar este ponto essencial de convergência.

No caminho da unidade, “às maravilhas de uma alma comum”, escreveu “estas breves e pálidas devem fazer compreender que formidável poder de alegria e de ação dorme ainda no seio da unidade humana”, redescobrir este valor e esta força cósmica, como a define, é o destino nosso.

Para desenvolver este pensamento no resto do livro, põe em primeiro plano: “às nossas preocupações uma organização e uma exploração sistemática de nosso universo compreendido como uma verdadeira pátria humana” e dirá em escrito de Pequim de 1937, quais as condições desta energia humana capaz de dirigir “as emoções coletivas” em direção a uma força comum, e capaz de repelir a pior das energias negativas: a guerra.

CHARDIN, T. Construire la Terre. Paris: Editions du Soleil, 1958.