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O mau pensamento, a má política e a má religião
A estrutura da crise civilizatória que vivemos, a ameaça nuclear tornou-se real após a liberação de mísseis para o território russo estes dias, a crise energética e o problema da miséria mundial estão na pauta civilizatória, mas o pensamento, a política e a religião (em seus desvios) não os percebem claramente.
Trata-se de conseguir aliados e não de construir pontes e derrubar muros políticos, culturais e até mesmo religiosos, o pensamento iluminista ainda domina o ocidente, a visão cultural rasa invade o discurso até das camadas mais cultas e a religião quando não é puro comércio se desvia para preceitos e pré-conceitos humanos pouco ou nada tem de puro e divino.
Sobre o pensamento um texto interessante de ler é “Cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento” de Edgar Morin, diz ele sobre a crise que já era presente nos discursos sobre o “mal estar civilizatório”: “De modo que podemos, ao mesmo tempo, integrar e distinguir o destino humano dentro do Universo; e essa nova cultura científica permite oferecer um novo e capital conhecimento à cultura geral, humanística, histórica e filosófica, que, de Montaigne a Camus, sempre levantou o problema da condição humana” (Morin, 2003, p. 38).
Diz na introdução do livro: “O saber tornou-se cada vez mais esotérico (acessível somente aos especialistas) e anônimo (quantitativo e formalizado). O conhecimento técnico está igualmente reservado aos experts, cuja competência em um campo restrito é acompanhada de incompetência quando este campo é perturbado por influências externas ou modificado por um novo acontecimento.” (Morin, 2003, p. 19).
Porém as redes invadiram o discurso dos experts e piorou o conhecimento cultural e político, agora sob a influência do “enxame digital” (ler Byung-Chul Han: o Enxame), uma onda de má política e má religião foi deflagrada e invadida por “influencers”, pseudo-profetas e políticos cuja conduta anti-civilizatória já denunciam suas falsidades e maldades.
É hora dos oportunistas, do pouco pensamento (ele já atingiu a camada seleta de “cultos”) e de má religião, que profetiza o mal, a desordem, e anuncia como “profecia” a religião do lucro fácil, do desprezo a cultura e de outras culturas que não as próprias.
Porém a luz persiste, a resistência persiste entre aqueles que anunciam a boa-nova e um mundo mais humano, a nova civilização e o protagonismo do que é bom, belo e humano; e aos poucos o que é pensamento ultrapassado, má política e religiões e profetas falsos desaparecerão, será um longo e doloroso processo, mas a noite só persiste na ausência da luz.
A quem tem pouco (pensamento, cultura e fé) até o pouco lhe será tirado.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento / Edgar Morin; tradução Eloá Jacobina. – 8a ed. -Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
COP20 e a geopolítica
O tema será evitado em ser tocado diretamente, já que países árabes como o Egito e a Turquia participam da conferência e a Rússia estará presente através do ministro das relações exteriores Serguei Lavrov.
O Brasil sedia a conferência que deverá ir até a segunda feira, o G20 ou Grupo dos 20 foi formado com sentido econômico após as sucessivas crises financeiras da década de 90, em 1999, ministros de finanças, chefes de bancos centrais das 19 maiores econômicas do mundo mais a União Africana e a União Europeia, visavam criar um grupo econômico forte que coordenasse ações globais na economia.
Estes países representam 90% do PIB mundial e 80% do comércio mundial (incluindo o comercio intra-EU) e dois terços da população mundial, esperasse algo de muito interesse econômico, mas temas como opções de gênero e geopolítica (indiretamente o tema será tocado) devem ser evitados e como nas edições anteriores o clima deve ser o grande tema, porém há uma expectativa que o tema taxação de grandes fortunas avance.
O texto base já está sendo elaborado nos bastidores e deve avançar até a madrugada de terça- feira para apresentação do texto final, a reunião é relevante para a paz, ainda que não seja tema do encontro, porém a conversa de líderes e ministros destes países melhora a relação.
Enquanto isto a guerra no leste europeu vai tomando contornos dramáticos, a capital Kiev da Ucrânia tem sido constantemente atacada por drones e os Estados Unidos deram permissão para Kiev usar misseis de longo alcance que poderão atingir alvos dentro da Rússia.
No oriente médio há uma expectativa de acordo de Israel com o Líbano, mas os bombardeios continuam e o Irã não participa desta negociação, assim o Hezbollah permanece em guerra.
Espera-se da COP20 além dos tradicionais temas sobre a emissão de gases e problemas sobre o clima que algum aceno para a paz seja lançado, uma vez que Rússia, China e Estados Unidos estarão presentes na Conferência.
Um extra na consciência planetária
No final do século parecíamos tomar consciência de nossa realidade, de repente explodem novos conflitos e as guerras adormecidas acordam: ódios étnicos, ódios raciais e ideológicos.
Escreveu Morin sobre este momento:
“Ainda até os anos 1950-1960, vivíamos numa terra desconhecida, vivíamos numa Terra abstrata, vivíamos numa Terra-objeto. Nosso fim de século descobriu a Terra-sistema, a Terra Gaia, a biosfera, a Terra parcela cósmica, a Terra-Pátria. Cada um de nós tem sua genealogia e sua carteira de identidade terrestres. Cada um de nós vem da Terra, é da terra, está na terra.
Pertencemos à Terra que nos pertence” (Morin, 2003, p. 175).
Então o que seria esta tomada de consciência, escreve Morin:
• “a tomada de consciência da unidade da Terra (consciência telúrica);
• a tomada de consciência da unidade/diversidade da biosfera (consciência ecológica);
• a tomada de consciência da unidade/diversidade do homem (consciência antropológica);
• a tomada de consciência de nosso estatuto antropo-bio-físico;
• a tomada de consciência de nosso dasein, o fato de “estar aí”, sem saber por que;
• a tomada de consciência da era planetária;
• a tomada de consciência da ameaça damocleana;
• a tomada de consciência da perdição no horizonte de nossas vidas, de toda vida, de todo planeta, de todo sol;
• a tomada de consciência de nosso destino terrestre. “ (Morin, 2003, p. 175)
Embora reconheça que precisa ir além, pois escreve: “E é através dessas tomadas de consciência que podem con- vergir doravante mensagens vindas dos horizontes mais diversos, umas da fé, outras da ética, outras do humanismo, outras do ro- mantismo, outras das ciências, outras da tomada de consciência da idade de ferro planetária” (Morin, 2003, p. 176), está preso a ideia do humanismo das luzes “que reconhece a qualidade de todos homens” (idem), mas esbarra nas limitações humanas sem saber como superá-los.
“Dominar a natureza? O homem é ainda incapaz de controlar sua própria natureza, cuja loucura o impele a dominar a natureza perdendo o domínio de si mesmo. Dominar o mundo?” (Ibidem), não está claro para o autor nos “horizontes mais diversos” a consciência do divino.
Sem fazer parte do imaginário um ponto elevado da civilização, que veja ao longe uma nova civilização, que o próprio autor reconhece: “Esse homem deve reaprender a finitude terrestre e renunciar ao falso infinito da onipotente técnica … ” (p. 177), porém não é o cosmo o limite.
Reconhecer como parte do imaginário realizável, “o já mais não ainda” de Byung-Chul Han (está na nota de nosso blog), é reconhecer que o destino do homem é divino, é o reino do “já” aqui na terra, mas não ainda porque caminhamos para a pátria celeste, não do cosmos apenas, mas de uma vida eterna.
Morin, E. e Kern, B. Terra-Pátria. Trad. Paulo Neves, Porto Alegre: Sulina, 2003.
Civilizar a civilização
Este é um dos capítulos centrais do livro “Terra-Pátria” de Edgar Morin, é sempre importante lembrar que isto foi muito antes da atual crise bélica, que é o cume de um dos mais perigosos pontos da crise civilizatória.
Escreveu sobre o que significa civilizar: “A busca da hominização, que faria sair da idade de ferro planetária, nos incita a reformar a civilização ocidental, que se planetarizou tanto em suas riquezas como em suas misérias, a fim de realizar a era da civilidade planetária” (Morin, 2003, p. 110).
O lema é bonito, parece tão simples quando falamos do amor, mas realiza-los é algo muito mais difícil do que se imagina: “Nada é mais difícil de realizar que o desejo de uma civilização melhor” (Morin, 2003, p. 110).
É como quando foi feita a Revolução Francesa, o seu lema trinitário: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” parecia simples e realiza-lo, porém adverte Morin, a norma democrática de 1848 é complexa porque: “porque seus termos são ao mesmo tempo complementares e antagónicos: a liberdade sozinha mata a igualdade e a fraternidade; a igualdade imposta mata a liberdade sem realizar a fraternidade; a fraternidade, necessidade fundamental para que haja um vínculo comunitário vivido entre cidadãos” (Morin, 2003, p. 112).
Estes antagonismos vão desde o egoísmo econômico até o ódio político, e também o exercício da democracia: “ … exige simultaneamente consenso e conflitualidade, é muito mais que o exercício da soberania do povo” (idem) e este limite que exige tolerância foi ultrapassado.
Assim o que temos em jogo é “… a dificuldade de instaurar a democracia após a experiência totalitária. A regra do jogo democrático necessita de uma cultura política e cívica cuja formação foi impedida por décadas de totalitarismo; a crise económica suscita um excesso de conflitualidade que ameaça romper a regra democrática” (Morin, 2003, p. 113) e em várias partes do planeta este rompimento já aconteceu.
Escreveu Morin em tom profético para a época (escrito em 1993): “Correlativamente, o desmoronamento das grandes esperanças do futuro, a crise profunda do revolucionarismo, o esgotamento do reformismo, o achatamento das ideias no pragmatismo do dia-a- dia, a incapacidade de formular um grande projeto, o enfraquecimento do conflito de ideias em proveito dos conflitos de interesses ou dos etnocentrismos étnicos ou raciais ..” (p. 114).
É preciso ultrapassar estas fragilidades para reencontrar o caminho do bem comum e do bem estar social, não está longe o seu alcance, o problema é que este caminho como o amor e a fraternidade não são tão simples e exigem uma resiliência de fazer o bem exercitando-o.
MORIN, E. e KERN, B. Terra-Patria. Trad. Paulo Azevedo Neves da Silva. Brazil, Porto Alegre : Sulina,2003.
Em novo cenário geopolítico a pax romana
Durante a campanha eleitor Donald Trump disse que encontraria uma solução para acabar com a guerra “em um dia”, suas ações e falas recentes apontam para uma Pax Romana (na foto o imperador Júlio Cesar em campanha).
A paz romana era aquela considerada quando uma nação se submetia ao império romano, as conversas do novo presidente eleito (ainda não empossado) Donald Trump com Putin e Zelensky, assim como sua fala sobre o Oriente Médio apontam nesta direção.
Segundo o jornal americano Washington Post no domingo Trump já teria falado com Putin e Zelensky, ao presidente russo teria dito que é preciso evitar a escalada da guerra e a Zelensky afirmou que continuaria apoiando a Ucrânia, mas sem estabelecer claramente quais seriam os limites e orçamentos.
Já com Israel o recado aos antissemitas foi mais duro, dizendo para desistir de ações contra Israel.
Curiosamente nas eleições americanas o republicano teve ligeira vantagem de 21% dos votos islâmicos contra 20% da democrata, porém a maioria foi do partido verde, Jill Stein obteve 53% dos votos sendo um segmento que ganhou, nas eleições da câmara dos deputados.
A vitória de Trump foi comemorada por israelenses, ali a pax romana será mais clara, a submissão aos interesses de Israel e aceitação dos limites territoriais.
Sua fala sobre a região foi o que disse a Netanyahu para “acabar logo com isso” embora tenha acrescentado “a matança tem que parar”.
O problema da pax romana é que ela não elimina as disputadas e rancores, que permanecem apenas adormecidos e podem explodir de novo a qualquer momento, enfim é o que foi dito por Trump como “paz por meio da força”
A paz verdadeira significa novos horizontes além dos conflitos e povos que possam por meio de acordos razoáveis viverem em paz.
Desenvolvimento, poder e civilização
A política dominada pela arrogância do poder, pelo pouco serviço as causas sociais e pelo desprezo e desrespeito a cidadania do cidadão comum é a vida pública deteriorada.
A polarização em dois grandes blocos políticos não aconteceu recentemente, Edgar Morin em seu livro Terra-Pátria já afirmava: “A guerra fria começa já em 1947. O planeta está polarizado em dois blocos, travando em toda parte uma guerra ideológica sem remissão. A despeito do equilíbrio do terror atómico, nem por isso o mundo se acha estabilizado” (Morin, 2003, p. 30).
Que tipo de crise é esta? em outros livros Morin fala da crise do pensamento, neste de uma crise do desenvolvimento: “Nossa civilização, modelo do desenvolvimento, não estará ela própria doente do desenvolvimento?” (Morin, 2003, p. 83).
A crise civilizatória que vivemos, tem efeitos colaterais: “Os indivíduos só pensam no dia de hoje, consomem o presente, deixam-se fascinar por mil futilidades, tagarelam sem jamais se com- preender na torre de Babel das bugigangas. Incapazes de ficar quietos, lançam-se em todos os sentidos” (Morin, 2003, p. 84).
Outro efeito é os jovens: “Quando a adolescência entra em rebelião contra a sociedade, quando ela “se extravia” e mergulha na droga pesada, acredita-se que é apenas um mal da juventude; não se percebe que a adolescência é o elo fraco da civilização, que nela se concentram os problemas, os males, as aspirações difusas e atomizadas noutra parte”. (Morin, 2003, p. 85).
O que acontece é que entramos numa “corrida cega” como a chama Morin: “A corrida da tríade que se encarregou da aventura humana, ciência/técnica/indústria, é descontrolada. O crescimento é des- controlado, seu progresso conduz ao abismo”. (Morin, 2003, p. 92).
Certamente produzimos frutos civilizatórios importantes: “Ah, certamente! Shelley, Novalis, Hulderlin, Pushkin, Rimbaud, Bach, Mozart, Schubert, Beethoven, Mussorgski, Berg são os frutos históricos de um desenvolvimento civilizacional; mas a obra deles transcende esse desenvolvimento, ela exprime nosso ser-no-mundo, fala-nos do indizível, leva-nos ao limite do êxtase, lá onde se atenua a influência irremediável do tempo e do espaço” (Morin, 2003, p.107).
Porém os donos do poder, envoltos em seus devaneios megapolíticos, de impérios e lutas que não contemplam a grandeza humana e civilizatória, incapazes em sua arrogância de abrir mão de privilégios e de outros povos e nações como aliadas e amigas, incapazes de resolver os problemas sociais e climáticos.
Diz o evangelho sobre estes, que são também os de religiosidade farisaica: “Jesus dizia, no seu ensinamento a uma grande multidão: “Tomai cuidado com os doutores da Lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes. Eles devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso eles receberão a pior condenação” (Mc 12,38-40)
MORIN, E. e Kern, Anne-Brigitte. Terra-Pátria, trad. por Paulo Azevedo Neves da Silva. — Porto Alegre: Sulina, 2003.
Além das dores, outra alegria
Não há só cancelamentos de identidades e etnias, há também cancelamentos voltados às políticas que eliminam a fraternidade, a solidariedade e o amor.
Edgar Morin para falar da “salvação” escreveu: “A vida, a consciência, o amor, a verdade, a beleza são efémeros. Essas emergências maravilhosas supõem organizações de organizações, oportunidades inusitadas, e elas correm a todo instante riscos mortais. Para nós, elas são fundamentais, mas elas não têm fundamento” (Morin, 2003, p. 164).
Este tipo de cancelamento não é só o mais perigoso, é ele próprio um cancelamento da possibilidade de uma boa-nova: “O amor e a consciência morrerão. Nada escapará à morte. Não há salvação no sentido das religiões de salvação que prometem a imortalidade pessoal. Não há salvação terrestre, como prometeu a religião comunista, ou seja, uma solução social em que a vida de cada um e de todos se veria livre da infelicidade, do acaso, da tragédia. É preciso renunciar radical e definitivamente a essa salvação” (Morin, 2003, p. 164).
Morin cita outro autor fundamental para sua argumentação: “Como diz Gadamer, é preciso “deixar de pensar a finitude como a limitação na qual nosso querer-ser infinito fracassa, (mas) conhecer a finitude positivamente como a verdadeira lei fundamental do dasein”. O verdadeiro infinito está além da razão, da inteligibilidade, dos poderes do homem” (Morin, 2003, p. 164).
Como é este além da finitude pode ser escrito conforme o autor: “O evangelho dos homens perdidos e da Terra-Pátria nos diz: sejamos irmãos, não porque seremos salvos, mas porque estamos perdidos*. Sejamos irmãos, para viver autenticamente nossa comunidade de destino de vida e morte terrestres. Sejamos irmãos, porque somos solidários uns com outros na aventura desconhecida” (Morin, 2003, p. 166), e explica em nota de rodapé (*):
*Na verdade, a ideia de salvação nascida da recusa da perdição trazia em si a consciência recalcada da perdição. Toda religião de vida após a morte trazia em si, recalcada, a consciência da irreparabilidade da morte.
Cita Albert Cohen para explicar: “Que esta espantosa aventura dos humanos que chegam, riem, se mexem, depois subitamente param de se mexer, que esta catástrofe que os espera não nos faça ternos e compassivos uns para com os outros, isto é inacreditável” (Cohen, apud Morin, 2003, pgs. 166-167).
Assim fica seu apelo à fraternidade: “O apelo da fraternidade não se encerra numa raça, numa classe, numa elite, numa nação. Procede daqueles que, onde estiverem, o ouvem dentro de si mesmos, e dirige-se a todos e a cada um. Em toda parte, em todas as classes, em todas as nações, há seres de “boa vontade” que veiculam essa mensagem” (Morin, 2003, p. 167).
MORIN, E. e Kern, Anne-Brigitte. Terra-Pátria, trad. por Paulo Azevedo Neves da Silva. — Porto Alegre: Sulina, 2003.
Além da dor e da agonia
As crises tanto pessoais como as humanitárias devem propiciar um novo alvorecer e uma glória maior do que aquelas que o processo civilizatório permitiu.
Edgar Morin ao analisar a policrise que vivemos faz uma análise de uma certa agonia, diz:
“Se considerarmos globalmente os dois ciclones crísicos e críticos das guerras mundiais do século XX e o ciclone desconhecido em formação, se considerarmos as ameaças mortais à humanida- de vindas da própria humanidade, se considerarmos enfim e sobretudo a situação atual de policrises enredadas e indissociáveis, então a crise planetária de uma humanidade ainda incapaz de se realizar enquanto humanidade pode ser chamada de agonia, ou seja, um estado trágico e incerto em que os sintomas de morte e de nascimento lutam e se confundem” (Morin, 2003, p. 97).
E conclui: “Um passado morto não morre, um futuro nascente não consegue nascer” (idem).
Procura salvar aqui que está além destas dores e dificuldades: “Há avanço mundial das forças cegas, de feedback positivos, de loucura suicida, mas há também mundialização da demanda de paz, de democracia, de liberdade, de tolerância…” (Morin, idem) mantendo a esperança.
Mas o cenário já era difícil quando escreveu o livro: “A luta entre as forças de integração e as de desintegração não se situa apenas nas relações entre sociedades, nações, etnias, religiões, situa-se também no interior de cada sociedade, de cada indivíduo” (idem) é uma luta interior.
Estamos condenados a isto, escreve: “Estamos irremediavelmente comprometidos na corrida ao cataclismo generalizado? De que parto esperamos a saída? Ou continuaremos, aos trancos e barrancos, rumo a uma Idade Média planetária nos conflitos regionais, nas crises sucessivas, nas desordens, nas regressões – apenas com algumas ilhotas preservadas?…” (p. 98).
Só temos uma saída para o autor: “A agonia de morte/nascimento é talvez o caminho, com riscos infinitos, para a metamorfose geral… Com a condição de que venha a tomada de consciência, justamente, dessa agonia” (idem, p. 98).
Esta saída é a redescoberta das nossas finalidades terrestres, tema das páginas seguintes e que já abordamos anteriormente, este caminho exige reflexão e retomada de equilíbrio e da paz.
MORIN, E. e Kern, Anne-Brigitte. Terra-Pátria, trad. por Paulo Azevedo Neves da Silva. — Porto Alegre: Sulina, 2003.
Um novo meta-desenvolvimento
Encaramos viver como uma vida intensa de ação, prazer e desprezo pela verdadeira alegria de viver, aquele gaudio e paz que só corações solidários podem sentir.
Escreveu Edgar Morin sobre o meta-desenvolvimento:
“O desenvolvimento é uma finalidade, mas deve deixar de ser uma finalidade míope ou uma finalidade-término. A finalidade do desenvolvimento submete-se ela própria a outras finalidades. Quais? Viver verdadeiramente. Viver melhor.
Verdadeiramente e melhor, o que significa isso?
Viver com compreensão, solidariedade, compaixão. Viver sem ser explorado, insultado, desprezado” (Morin, 2003, p. 106).
Isto deve estender a todos povos, religiões e culturas do planeta, não haverá verdadeira processo civilizatório, justiça e liberdade sem estes valores, caras conquistas da humanidade.
Não apenas Edgar Morin sonhou com uma cidadania planetária, todos verdadeiros sonhadores e humanistas sonharam com ela, embora alguns se limitem a olhar os fracassos, a vida plena e a liberdade que não ignora os direitos dos outros é a única capaz de conduzir um novo momento.
Talvez as guerras e todas as mazelas que elas envolvem: lutas econômicas, politicas e até religiosas (uma verdadeira religião jamais contemplaria a menor violência contra a vida) é preciso sobretudo resistir e ter esperança que um futuro novo poderá vir, talvez com os sofrimentos atuais, diria uma “paixão violenta” na vida planetária com ameaças e guerras.
A que tipo de retrocesso, uma verdadeira barbárie estamos caminhando, já percebi o gênio e a sagacidade de Morin, da dupla barbárie: “É verdade que em todos os tempos, em todos os lugares, a humanidade se viu diante da necessidade de resistir à crueldade difusa feita de maldade, desprezo, indiferença. As duas barbáries presentes são formidáveis desenvolvimentos de crueldade: a crueldade odiosa vem da primeira barbárie e se exprime no assassinato, na tortura, nos furo- res individuais e coletivos, a crueldade anónima vem da barbárie tecno-burocrática” (Morin, 2003, p. 100).
Morin percebeu o retrocesso depois da primavera vivida em 1989-1990, onde os muros caíram, agora eles se reerguem é preciso resistir, conforme afirma em seu texto.
MORIN, E. e Kern, Anne-Brigitte. Terra-Pátria, trad. por Paulo Azevedo Neves da Silva. — Porto Alegre: Sulina, 2003.
Provocações, ameaças e esperanças
As guerras continuam ameaçando a paz mundial, e as grandes potências estão envolvidas de modo crucial para que isto aconteça, não há discursos pacíficos nem humanitários, as forças envolvidas lançam uma grande sombra sobre toda a humanidade: uma guerra global.
O ex-presidente russo e atual vice-presidente do Conselho de Segurança russo, Dmitri Medvedev, em entrevista a agência de notícia RT declarou: “Os Estados Unidos estão errados ao pensar que a Rússia nunca ultrapassará uma certa linha no que diz respeito ao uso de armas nucleares” e de fato a Rússia tem feito exercícios militares neste sentido, mas em outros discursos o ex-presidente russo sempre reconheça que seria um desastre sem precedentes.
Outro polo de tensão é um confronto direto Irã e Israel, agravado por ataques e revides recentes entre as duas nações, o presidente iraniano Ali Khamenei declarou: “Os inimigos, tanto os EUA quanto o regime sionista [Israel], devem saber que certamente receberão uma resposta devastadora pelo que estão fazendo contra o Irã e a frente de resistência” se referindo aos grupos aliados ao Irã, incluindo Hamas e o Hezbollah.
A China também realiza exercícios militares em torno da ilha Taiwan, no domingo (04/11) 35 drones ultrapassaram a linha divisória entre os dois países no estreito de Taiwan (figura), que manteve apenas a prontidão do seu serviço de defesa, uma vez que não foram efetuados ataques.
Há sempre uma esperança de paz e que os líderes entendam o número de vítimas, de injustiças e de flagelos que as guerras trazem, a paz é uma condição civilizatória para todos.