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Se aquela noite vier
A Europa vive sobre o medo de uma nova onda da pandemia, e mesmo assim ainda a solidariedade aos que falecem é pequena, até há expressão de sentimentos ou alguma comoção, mas o sentimento humanitário fraterno é localizado às pessoas que sempre caminham em ações humanistas em momentos de crise.
O aconteceria se houvesse alguma catástrofe natural ou algo que chamasse a humanidade à consciência de um modo ainda mais grave, claro que não é desejável e não se deve espalhar este pânico, porém por hipótese se uma noite mais profunda se abatesse sobre a humanidade talvez uma nova tomada de consciência da grave situação da civilização fosse pensada e alcançada em larga escala.
Também é visível que são os últimos na valorização social aqueles que mais são solidários, já vivendo em situação grave a pandemia os torna mais solidários, ali a fraternidade é uma necessidade para a própria sobrevivência humana.
A noite e a cegueira não é anunciada agora pela pandemia, aqui neste blog em várias postagens chamamos a atenção para a noite cultural, social e até mesmo religiosa da humanidade, o caminho do processo civilizatório parece estar em colapso, isto quem observa a história ao longo dos últimos séculos é claramente visível, duas guerras, processo de isolamento social de culturas, raças e credos, preconceito a migrantes e principalmente aumento da desigualdade.
Se a noite vier, ao contrário daqueles que imaginam que as vidas humildes sejam “vidas desperdiçadas”, será ao contrário as vidas arrogantes e opulentes aquelas menos preparadas para uma “noite civilizatória” já em curso.
Não foi a pandemia que fez isto emergir, ela apenas tornou evidente e palpável o que já está em processo a algum tempo, porém o que se deve indagar é se houvesse uma noite alargada, visível que nos coloque em xeque.
Não se trata de uma visão apocalíptica ou mesmo profética, sem deixar de ter respeito por elas, um olhar profundo sobre os processos desumanos, violentos e antissociais que se vive, a decadência e o agravamento da crise está aí.
Se a noite vier, poucos estarão preparados, somente aqueles que já estão em ambientes e processos solidários, aqueles que durante o período de calmaria trabalharam e vivenciaram o lado fraterno, humano e solidário da vida cotidiana.
Pressupostos da intenção
O filósofo e psicólogo Franz Brentano (1838-1917), professor de
Husserl e Freud em Viena, a partir de uma subcategoria da consciência, a intencionalidade, desenvolveu-a em relação aos atos psicológicos.
Na sua compreensão o fenômeno mental contém uma característica exclusivamente sua que é a de dar aos objetos uma Intentio, ou seja algo do objeto de si mesmo, e exemplificava, o ódio é sempre algo que é odiado, assim como o amor, é algo que é amado, em termos científicos significa, a consciência é iluminada como tendo sentido na relação ao objeto.
Porém será Husserl que vai explicitar esta relação da intencionalidade como sendo algo inerente ao ato de conhecer, situando-a como tendo a característica destes atos de sempre se referirem a algo, implicando um objeto de conhecimento, e assim pode-se redefinir a objetividade idealista:
“Pertence à essência das vivências de conhecimento (Erkentniserlebnisse) ter uma intentio, significar alguma coisa, referir-se a uma objetividade”. (Husserl, 1950, p.55)
Ao conceber a fenomenologia como algo novo na relação com o objeto, reconhece também a existência do Outro ego que existe independente de minha consciência, assim o mundo físico “objetivo” (já dissemos fora da dicotomia sujeito/objeto) está aí, antes de mim e de minha consciência e independente dela, e assim também estará em outro sujeito, o que parece sugerir uma intersubjetividade, porém esta existência diferente da minha também tem como objeto o “algo” que conhece.
Mas só sei do outro, só conheço o outro, a outra consciência, se a reconheço a partir de minha consciência intencional, o Outro aparece através da mediação, como presença imediata, assim como o objeto, é também a consciência intencional que me dá consciência do Outro.
Assim a experiência de um sujeito não deve ser remetida, enquanto condição constituinte, senão de um mundo vivido em comum, compartilhado com outros, porém não era para Husserl a intersubjetividade, o que aparece em seus escritos é a relação com outro, como tendo outro ego, outra intencionalidade.
A experiência vivida, o Lebenswelt que aparece como um dos fundamentos do pensamento de Husserl, é que sugere uma nova solução para a questão, através do que ficou chamada de fenomenologia genética (e não estática) dirigida ao tema da constituição desta experiência vivida, no mundo da vida, fortalecida com a publicação de alguns textos inéditos de Husserl.
Assim a subjetividade passa à esfera da intersubjetividade, através de uma experiência co-constituinte, que pertence a todos e a ninguém em particular, foi o que abriu caminha a vários trabalhos posteriores da fenomenologia, chegando ao círculo hermenêutico de Heidegger e aos “novos horizontes” de Gadamer.
O importante é entender que a experiência e a interpretação do outro do mundo vivido, não o isola em um mundo particular, a consciência como afirmou Merleau-Ponty não nem “externa” nem “estrangeira” ao Outro, assim há um mundo vivido comum a todos e nele é possível um diálogo hermenêutico.
Acordo para agilizar a vacina
O acordo de vários países para agilizar a vacina (Covax), entre eles o Brasil que assinou na última hora na sexta feira, prevê um mínimo de vacinação de 10% da população (a opção do Brasil) até um máximo de 50% da população, que uma vez assinado não poderia desistir dos valores comprometidos, assim o Brasil assinou no mínimo, mas isto dá 42 milhões de doses, não é pouco e o risco é evidente pelo não cumprimento de todo o protocolo de testagem.
O governo não desistiu do acordo já assinado com a AstraZeneca com a chamada vacina de “Oxford” que tem a participação do prestigioso instituto da FioCruz, enquanto o governo do Estado de São Paulo promete acelerar o processo da vacina que é desenvolvida na China com participação do Instituto Butantã.
O acordo brasileiro entretanto prevê que se a vacina de Oxford chegar primeiro ao mercado ele pode optar por manter o acordo bilateral de comprar de vacinas, abrindo mão do fornecimento pela aliança, mas é provável que na pressa a vacina da aliança Covax chegue primeiro, então teremos que aceitar a vacinação, o que é temeroso.
O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse em 13 de agosto que “COVAX já conta em sua carteira com nove vacinas candidatas, que se encontram na fase 2 ou 3 dos ensaios”, mas curiosamente as vacinas Janssen Pharmaceutics e BioNtech/Pfizer não estão na lista.
Para funcionar a aliança precisa de U$ 38 bilhões, mas conta com menos de U$ 3 bilhões, então pode ser que isto recaia sobre o ombro de países que entram na aliança apenas para cumprir acordos internacionais, isto também no aspecto social e econômico, o acordo é preocupante.
A priori o acordo é para que os países mais pobres tenham o mesmo acesso que países ricos às vacinas que tenham maior possibilidade de êxito, menos de 10 encontram-se na fase de testes, e o volume financeiro pode tornar o jogo de interesse mais sério, assim como deixar que o uso em países mais pobres não tenha a preocupação dos países ricos, seriam estes uma espécie de cobaia, a OMS alega o contrário diz que “é para garantir o acesso dos países pobres”.
O Brasil receberá 42 milhões de vacina, se houver algum problema quem se responsabilizará por isto, é claro que dirão que é o próprio país por ao assinar o acordo torna-se “consciente” dos “riscos”, embora eles não sejam mencionados.
Mesmo muito camuflado é um jogo de interesses que parece muito claro, é provável que os países menos ricos recebam primeiro doses da vacina, e se verificadas seguras é que serão usadas em países ricos, não é uma tese fácil de ser provada, porém a pressão nos países menos ricos foi enorme e o Brasil assinou na última hora sem dizer o real motivo.
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Venezuela estão entre os países que assinaram o acordo, e o acordo Covax é apenas uma parte do “Acelerador de Acesso a ferramentas Covid-19”, ou simplesmente Acelerador ACT, que é o mecanismo de resposta que a OMS criou para a pandemia, apesar do termo “acelerador” ser evitado em entrevistas.
Espero estar errado, mas o jogo econômico continua a prevalecer sobre a saúde da população, em especial, dos pobres.
Justiça e desemprego na pandemia
O número de processos trabalhistas, e de injustiças que nem chegam aos tribunais deve crescer durante a pandemia, segundo dados de especialistas (alguns jornais citam as empresas Datalawyer e FintedLab), indicam que estes dados devem crescer, entre as reclamações estão o pagamento de verbas rescisórias, por exemplo o saldo do salário e a multa de 40% sobre o FGTS, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço no Brasil), e as condições de trabalho na pandemia.
Já salientamos em posts anteriores a importância de buscar modelos de empregabilidade que combatam a mudança de cenário acentuada no desemprego durante a epidemia, este que já era alto no Brasil, agora segundo o Ministério da Economia, de março a abril, cerca de 8 milhões de pessoas perderam o emprego ou tiveram corte salarial, sendo que 1.1 milhão de empregos com carteira tiveram seus contratos rescindidos, e os informais tem dados ainda mais volumosos.
É justo socorrer e pagar salário justos a estas pessoas, é claro que sim, a lógica de reduzir os salários e de abolir empregos não se justifica pois a pandemia não diminui a demanda em setores essenciais, além de criar demandas novas como serviços online, serviços home office, auxílio em áreas como a saúde, a educação e a segurança est]ao ai.
O quadro torna-se ainda mais grave com o aumento de preços, isto significa que alguns setores estão se beneficiando com a crise, além da espantosa corrupção na área da saúde, com hospitais que não foram usados, desvios de verbas e até de remédios e equipamentos é simplesmente criminosa, onera os estados e municípios, e desfavorece política públicas de auxílio e socorros emergenciais.
Há uma passagem bíblica onde é contada a parábola do vinhateiro que precisando de operários para sua vinha, ele sai as 9 da manhã para buscar mais operários e depois as 3 da tarde para buscar mais operários, combina com todos uma moeda de prata, parece injusto, mas quem paga e combina o salário é ele, e na verdade corrige a injustiça do desemprego.
Diz aos operários que contrata as 3 da tarde (Mt 20, 6-7): “ ´Por que estais aí o dia inteiro desocupados eles responderam: ´Porque ninguém nos contratou´. O patrão lhes disse: ´Ide vós também para a minha vinha’ “.
E todos receberam o mesmo salário, nada mais justo, esta deveria ser a lógica do combate ao desemprego na pandemia.
A lei do mais fraco
Toda a lógica, inclusive parte da lógica científica, está em defesa da lei do mais forte, a pandemia mostra que também os mais fracos devem ser pensados, pessoas que tenham comorbidades, idosos, diabéticos, obesos enfim os que estão fragilizados por alguma doença ou condição de vida (a idade por exemplo, e também a vida nas periferias).
Foi nome de um filme de Hector Babenco, Pixote: a lei do mais fraco, que é baseado numa história real, e que foi protagonizado pelo ator Fernando Ramos da Silva, o verdadeiro Pixote da vida real, que o diretor do filme conheceu, veio a falecer pouco tempo depois do filme, morto por policiais em Diadema, na grande São Paulo.
O filme conta a história de um garoto que sem ter conhecido os pais, vai morar na rua, e após um roubo de uma carteira de um desembargador vai para uma instituição de recuperação de menores, a FEBEM, que deveria ser uma casa de reeducação, mas na verdade é onde sofrem abusos, violências, humilhações podendo até mesmo perder a vida.
Pensar nos mais fracos significa olhar para uma sociedade e desejar maior equilíbrio, além da distribuição de renda, o tratamento de dignidade a todos, o respeito e a proteção daqueles que por alguma razão tornam-se frágeis num contexto social de concorrência, consumo e desumanidade, onde fatalmente sofrerão ainda mais se não há proteção.
A situação da pandemia, além de expor a fragilidade médica de muitas pessoas, agrava a situação de distribuição de renda, que coloca milhões de pessoas em situação de desespero e angústia, somente uma grande virada de amor e de fraternidade poderá evitar um caos social e até mesmo uma crise civilizatória já em processo.
Claro cada um pode fazer sua pequena parte, porém as políticas desenvolvidas por governos nos diversos níveis da administração pública deve ser pensada pensando naqueles que trabalham na informalidade, além da taxa de desemprego que já era alta antes da pandemia, os que precisam de socorro imediato e a saída da crise.
Se pensar apenas nos motores centrais da economia o resultado demora a chegar ao emprego formal, então outras soluções emergenciais podem ser pensadas, tais como: frentes de trabalho, micro empreendimentos e auxílio aos pequenos negócios que podem a curto prazo empregar muita gente.
É hora de solidariedade, infelizmente não é o que se vê em parte alguma, nem mesmo nos que se dizem realmente preocupados e que procuram mais a denúncia do que a iniciativa e o apoio a boas iniciativas, é hora de solidariedade.
A pobreza e a ajuda externa
Não é apenas pelos fatores de desigualdades, o fluxo de riqueza que corre sempre numa única direção, depende do desequilíbrio de áreas como educação, infraestruturas não apenas sanitárias, mas também de transportes e fontes de riqueza regional e nacional, e para isto a ajuda externa é imprescindível.
A relação entre ajuda externa e combate a pobreza global é positiva e eficaz, dizem os relatórios de muitos fóruns.
Talvez alguns dos exemplos mais fortes da eficácia da ajuda externa sejam os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio desenvolvido pela ONU, porém as metas não foram alcançadas, corrupção interna e ajuda externa ineficiente.
Essas metas, propostas pelas Nações Unidas e ratificadas por todos os países do mundo, visavam: reduzir a pobreza, a fome e a mortalidade infantil, mas os planos de desenvolvimento local e regional foram timidamente atacados.
O chamado Borgen Project foi na verdade direcionado a ações de capitalistas locais e interesses externos,
Os objetivos propostos e ratificados por todos eram:
– reduzir a pobreza, a fome e a mortalidade infantil;
– alcançar educação primária universal, igualdade de gênero e sustentabilidade ambiental;
– melhorar a saúde geral, lutando contra doenças tratáveis; e
– atuar como uma parceria global para o desenvolvimento.
Parecem louváveis e dificilmente alguém deixaria de apoiar a estes planos, mas a aplicação local foi para reduzir a natalidade, sustentabilidade ambiente sem desenvolvimento, e as doenças tratáveis não são de fato atacadas, ainda doenças infantis subsistem, a malária é comum em muitas regiões da África e há o risco agora da pandemia.
Restou o problema fundamental da parceria global para o desenvolvimento, onde deve-se olhar os interesses, a cultura e aquilo que é socialmente valorizado localmente, e infelizmente a mentalidade colonialista ainda impera, a chamada decolonização vem no enfrentamento desta questão.
Um processo que contemple este novo processo deve ser pensado, observando autores e as culturas locais.
Auxilio efetivo a pobreza
Se por um lado é necessário o auxílio emergencial, principalmente porque a pandemia impede o exercício de trabalho informal e muitas famílias economizaram com empregados domésticos, é necessário um plano de recuperação a médio e longo prazo para evitar uma degradação e uma distribuição de renda ainda pior do que a que já existe.
O economista Muhammad Yunus é conhecido no mundo inteiro como “o banqueiro dos pobres”, mas na verdade não é um banqueiro no sentido convencional, pois ele auxilia pessoas que nunca tiveram acesso a nenhum sistema bancário, o que fomenta é um empreendedorismo, principalmente entre mulheres, e seus resultados são surpreendentes.
É verdade, entretanto que fundou um banco, o Grameen Bank em 1983 em Bangladesh, porém hoje o que mais faz são palestras, é um dos oradores mais solicitados do planeta, e recebeu entre outros prêmios, o Nobel da Paz em 2006.
Em suas palestras censura e critica banqueiros que visam apenas o lucro fácil, os juros escorchantes e pouco ou nada olham para a realidade social em que vivem, uma de suas frases muito conhecidas diz: “Lidar com teorias econômicas diante de pessoas morrendo [de fome], para mim era uma piada”, isto é ainda mais verdade numa pandemia.
O produtivismo utilitarista, a produção é necessária principalmente em bens essenciais, é aquele que visa apenas os setores mais atrativos onde o lucro é alto e o impacto social nem sempre tão alto, no que se refere aos pobres, e no caso da educação e da saúde, é necessário até mesmo que não seja considerado o lucro, pois se trata de investimento.
A ideia que invadiu diversos setores, e infelizmente também na educação e na saúde pública, que é necessário que estes setores sejam produtivos não é senão uma reprodução de um capitalismo selvagem incapaz de gerir a crise atual, e só está em alta por causa da desinformação da população, em tempos sombrios teorias autoritárias ganham voz.
O que Yunus diz sobre empregos é muito interessante: “Uma questão essencial está na ideia de emprego. Quem disse que nascemos para procurar emprego? A escola? Os professores? Os livros? Sua religião? Seus pais? Alguém colocou isso na cabeça das pessoas. O sistema educacional repete: ‘você tem que trabalhar duro’. Seres humanos não nasceram pra isso. O ser humano é cheio de poder criativo, mas o sistema o reduz a mero trabalhador, capaz de fazer trabalhos repetitivos. Isso é vergonhoso, está errado”, aqui precisamos vencer também o economicismo assistencialista.
O mundo digital no qual qualquer pessoa pode ter um sistema online e trabalhar nele, onde empregos “informais” podem tornar pessoas de qualquer localização, inclusive da periferia empreendedores, vão de encontro a proposta de Yunus, tornar os “serviços” mais próximos da população de periferia é possível graças a onipresença do digital.
Empreendedores existem em todas camadas sociais, arrisco até a dizer que eles se concentram na periferia, o problema é quem se arrisca a colocar capital ali, quem poderia financiar estes “microempreendedores” de periferia, aí há solução, o número de empregos pode crescer rapidamente e haver circulação de bens e renda em ambientes frágeis.
Número de casos cresce e as vacinas
O número de dados voltou a crescer, se olhamos o vale do dia 7 de setembro, feriado nacional no Brasil, vemos o vale de decréscimo com 10 mil casos, nesta avaliação de curto prazo é melhor o número de infectados, porque o número de mortes só será afetado de 7 a 14 dias, que neste período também voltou a crescer.
Foi um escândalo e comentado em todo país a descida dos paulistas para as praias litorâneas, coincidência ou não, é um dado real e científico, o número de casos voltou a crescer e o número de mortes voltou a aproximar das mil diárias.
Enquanto a vacina não vem, teremos que conviver com esta realidade, o período de um possível lockdown passou o vírus está em todo país e o único isolamento que funciona é o social para evitar a infecção entre pessoas próximas, partindo justamente da ideia que todos podem ser portadores do vírus agora e todo cuidado é necessário.
Agora estamos a espera da vacina, e o caso de um efeito colateral de uma mulher em Londres da vacina de Oxford, a que usa o princípio vetor viral, o efeito foi uma mielite transversa que causa um problema neurológico e pressão alta, sendo possível que a causa foi um fator externo a fórmula, a mulher passa bem, há avaliação do caso por um comitê que é independente (vejam o quão complexo e sério devem ser os testes), e a retomada dos testes já foi autorizada, há outras 6 na fase dos testes.
É importante notar que o problema foi o efeito colateral e não a infecção, a vacina da Oxford e do Laboratório Astrazeneca, que tem participação do laboratório da Fiocruz brasileira, não tem possibilidade de infecção, ela não replica o vírus, por isto é considerada segura, mas efeito colateral existem em quaisquer remédios e vacinas e deve-se prescrever os casos, como aqueles que encontramos nas bulas, do tipo, crianças ou adultos não podem tomar, etc.
O caso foi importante para que todos tenhamos consciência da seriedade e da lentidão dos testes, que são necessários.
Outras vacinas sobem na “cotação”, a vacina da Pfizer. que segue o princípio ácido nucleico (RNA), e com boa cotação na área médica, porém esta também está sujeita aos testes e sem a avaliação das “contraindicações” não se deve apressar seu uso, por isto, a demora, é necessária e não se pode dispensar esta fase.
Socialmente o que esperamos, passado um período de ajuda (deve ir até o final do ano, mas que já está ai), é preciso já começar a pensar nas consequências econômicas, sociais e educacionais, elas serão fortes e exigirão o esforço de todos e deve-se pensar não como um peso, mas como uma necessidade social que determinados grupos tenham proteção.
É o caso de idosos, crianças e grupos socialmente marginalizados, se a sociedade e as políticas públicas não abraçarem estas pessoas, as consequências sociais que já são graves, poderão ir para o campo do descontrole e seria uma tragédia.
Ódio, desdém e reflexão
Não é por acaso que a região do cérebro de estruturas como o córtex frontal medial, cuja capacidade de argumentar e portanto de dialogar se encontra ali, tenha como núcleo o putâmen, o córtex pré-motor e o córtex insular, cujas estruturas participam também da percepção do desdém e do nojo, isto é a ativação do ódio está fisicamente no cérebro próximo àquelas áreas associadas ao julgamento e ao raciocínio, assim pode-se tanto ativar um como o outro, há as duas opções.
Os que querem justificar o ódio então estão cheios de argumentos, são capazes de raciocínios até profundos para agir contra o odiado, mas se a premissa for o diálogo o mesmo raciocínio pode ser usado para compreender, cuidar e desviar a violência do outro, como algumas artes marciais ensinam, desviado o “corpo”.
O ódio não desaparecerá esperando que as circunstâncias externas mudem, em geral ela não acontece, não é uma mágica, para curá-lo é necessário que se reconheça a diversidade, sua problemática, como diria Gadamer ter consciência dos pré-conceitos, isto é, dos fundamentos que iniciam uma desavença ou um tipo de crédito, reconhecer o Outro em sua bolha e reconhecer a nossa, ambas como tendo pré-conceitos.
Se de fato ativamos a parte do raciocínio, do pensamento e colocamos as desavenças neste nível, atenuamos um pouco a parte do ódio, mas é essencial perguntar e uma parte de nosso ódio viria abaixo ao refletir dessa forma: “Por que odeio? O que pretendo conseguir com isso? O que ganho e o que perco com meu ódio?”.
Não conheço situação que se resolveu neste caso, em geral levou a um conflito maior, a um ódio mutuo maior, se o objetivo é a guerra provavelmente chegaremos lá, mas creio que para a maioria das pessoas não é, então o que falta é refletir, analisar as origens de tal “mal” em suas bases mais profundas.
O ódio deve ser combatido com a compreensão e principalmente que leve a um novo tipo de ação, o que implica reconhecer em primeiro lugar que ele existe e é fomentando por dois lados e não por um só, nas manifestações das pessoas e em suas propagandas, as denuncias são recorrentes para dizer toda verdade está deste lado e no outro só mentira, é preciso explicar as consequências e que de fato quem se beneficia são aqueles cuja razão de existir e de pensar é mesmo o “ódio”.
Pessoas sábias de diversos matizes como Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela ou madre Teresa de Calcutá com sabedoria e inteligência diante de conflitos enormes e absurdos souberam mostrar que a bondade e a generosidade, a criatividade e o respeito ao outro podem levar a buscar um bem coletivo maior e em embora um pouco mais demorado terão frutos mais duradouros, com menos violências e mortes, mas porque mesmo em grupos sérios o ódio persiste, a resposta é muito simples.
Incentivados por líderes e grupos que vivem em bolhas políticas, ideológicas ou religiosas, o principal recurso é a demonização do adversário, identificado com algum aspecto repugnante do mal: morte, corrupção, violência sexual, racial ou de gênero, enfraquecimento de valores ou algo do tipo, e uma vez unidos em grupo o medo desaparece e isso reduz a inibição de quem odeia para agir de outras formas não a da argumentação e exposição dos fatos, mas a violência contra a violência.
Os líderes que incitam este ódio, dizem já não poderem controla-lo, mas no fundo o desejaram, desenvolvem esta parte do raciocínio que dizemos no início perto da parte do cérebro do putâmen, e liberado o ódio será executado pelas pessoas que usam a outra parte com menos raciocínio e mais visceral, assim o ódio “explode”.
O que devemos pensar diante de fatos indignos, e neste momento não deveria haver nenhum maior que a pandemia, é que o sentimento de medo e de exaustão pelo confinamento é explorado não em conseguir modos de relaxamento e anti-stress, mas de liberá-lo em formas violentas, quais as consequências ? e a quem estão favorecendo ? penso que aos odiosos, e não aos amorosos que de fato tem amor pela humanidade e pelo apreço mais frágeis.
Parece um caminho sem volta, em meio a pandemia e com duas eleições tensas se aproximando, a nacional dos Estados Unidos e as municipais no Brasil, vejo pouca ou quase nenhuma discussão sobre a pandemia e sobre os que morrem todos os dias, as famílias enlutadas e a compaixão com estes, nem de um lado nem do outro.
Felizmente os níveis de mortalidade diminuíram, mas o fim de semana prolongado prometem aglomerações, a vila de carros para a praia era enorme, e a pandemia ?
A verdade é lógica, ontológica ou poder
Os sofistas diziam que o homem é a medida das coisas (Protágoras), não para afirmar qualquer princípio ontológico, apenas para reafirmar o status quo vigente que em última instância é o poder, usavam para isto a arte da persuasão (Górgias) e por último afirmavam a conveniência do mais forte (Trasímaco), quase todos aparecem nos diálogos de Platão, através dos diálogos de Sócrates) e cuja preocupação era contestá-los para afirmar a democracia da polis.
Depois vivemos vários séculos organizando as leis até fazer a passagem da cidade-estado grega para os burgos pós-idade média, onde o liberalismo vai crescer até tornar-se o Estado moderno, criando o conceito de nação e o contrato social que rege determinado povo.
Para a visão epistemológica moderna, a verdade está ligada ao objeto (a coisa em si) e isto o torna relativa, pois está submetida ao espaço, ao tempo e às categorias, este conceito vem de Aristóteles, mas foi sobre ele que o pensamento da idade média se dividiu entre nominalistas e realistas, mas para ambos e também para Descartes que vai estabelecer a res-extensa (matéria), a res-cogitans (coisa pensante) e a res divina (coisa pensante perfeita, infinita).
É Kant que faz a ligação da coisa pensante sobre o objeto tornando-se relativa, pois tal verdade é ao sujeito cognoscente tendo então uma face subjetiva, própria do sujeito, para ele a “coisa em si” (o objeto) transforma-se em “a coisa em mim” (sujeita a subjetividade).
Isto significa que diante do objeto, a consciência desenvolve o trabalho na produção da verdade de acordo com o espaço em que esse objeto está ocupando, o tempo que ele está situado e em que categoria se encaixa, trata-se então de categorizar e organizar os objetos em torno de conceitos.
Não é difícil entender que isto cria uma estrutura lógica que vai num primeiro instante criar uma lógica positivista e mais tarde um empirismo lógico, ou um neologicismo, em ambas correntes qualquer aspecto metafísico é negado, assim a lógica não é mais função de uma construção argumentativa, mas de um cálculo de proposições que segue uma estrutura lógica, em última instância é também o que justifica o poder e suas maquinações.
Retornamos as narrativas sofistas, a ideia de que é o poder que diz o que é verdade, então trata-se de conquistá-lo muitas vezes numa lógica na qual os fins justificam os meios, assim justifica-se a corrupção, a ausência de virtudes morais e até mesmo a morte.
A verdade ontológica parecia ter sucumbido, mas foi a hermenêutica e a fenomenologia as raízes que recuperam a ontologia moderna, Franz Brentano vai usar uma subcategoria do conceito ontológico de consciência, ao elevar a intencionalidade a uma categoria superior e torná-la “fenômeno mental”.
Husserl aluno de Brentano, vai recriar a intencionalidade e retirá-la do aspecto psicológico ainda com resquício empirista, e vai dizer que só tem sentido chamar de consciência, a “consciência de algo”, isto significa que não existe consciência da coisa-em-si, mas a intencionalidade na consciência de algo.
A intencionalidade distingue a propriedade do fenómeno mental: ser necessariamente dirigido para um objeto, seja real ou imaginário. É neste sentido, e na fenomenologia de Husserl, que este termo é usado na filosofia contemporânea, também por Heidegger, mas que vai recuperar e transformar a ideia do Ser.
Entretanto é necessário lembrar que Heidegger em O meu caminho na fenomenologia, deveu-se a leitura em 1907 da dissertação de Brentano escrita em 1862: “Da múltipla significação do ser em Aristóteles” (Brentano, 1862) e isto significou uma retomada do caminho de seu mestre Edmund Husserl.
Heidegger ao contrário de Brentano nega a caracterização fundamental do ser como substância, uma vez que, Brentano ainda estava ligado à tradição interpretativa medieval, desconsiderando a dimensão do papel na linguagem, por isto dirá com propriedade que é uma “questão nova” o seu Dasein.
O ser-verdadeiro (a verdade ontológica) como ser-descobridor [Wahrsein (Wahrheit) besagt entdeckend-sein] é o modo de aparição da aletheia, é o que Heidegger dá o nome de desvelar, pegando-o ao pé da letra (mas traduzido, o que já é uma interpretação):
“O enunciado é verdadeiro significa: ele descobre o ente em si mesmo. Ele enuncia, indica, “deixa ver” (apophansis) o ente em seu ser e estar descoberto. O ser-verdadeiro (verdade) do enunciado deve ser entendido no sentido de ser-descobridor.” (HEIDEGGER, 2009, p. 289)
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. 4ª ed. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: São Paulo, 2009.