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A pandemia e a doxa
A mera opinião sobre temas tão complexos quanto o tratamento da pandemia expôs o mundo da mera opinião ou da “doxa” como os gregos chamavam aquilo que era oposto a episteme, ou o conhecimento organizado e sistematizado.
O número de soluções curiosas no combate ao vírus é enorme: usar limão até ozônio, os remédios que são efetivos para outras doenças como o uso da cloroquina para malária, usos de chás e águas quentes, determinadas frutas e legumes, a FioCruz que acompanha o desenvolvimento da vacina de Oxford fez uma pesquisa, que dá como 73% falsas as notícias sobre curas do coronavírus no Whatsapp, em sua grande maioria são receitas caseiras sem efeito nenhum sobre a doença.
Toda a vida no tempo de Platão (428/427 a.C. – 348/347 a.C.) acontecia em torno da polis, onde já haviam então o cidadão da polis, o político, porém ainda dominavam os sofistas, que buscavam apenas argumentos para favorecer o poder, sem se preocupar com a justiça e a verdade.
No livro República de Platão o termo episteme, que antes suportava a possibilidade de ter habilidade para algo, agora adquire o conteúdo de saber pleno de certeza, um saber evidente que é ligado a realidade do Eidos (a Ideia para os antigos), com isto episteme é conhecimento verdadeiro e totalmente oposto a doxa, reduzida a simples opinião.
É na relação entre epistemologia e ética, que é possível considerar a ação sob um ponto de vista da doxa, embora não signifique um fundamento deste tipo de saber ético em Platão, pois ele aparecerá com Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), em especial no seu livro “Ética a Nicômaco”.
O problema da determinação destes conceitos ligando-os a questões éticas aparecem nos primeiros diálogos até a República, que se mantém depois no diálogos sobre as Leis, tornando possível abordar esta questão em diálogos posteriores.
Platão usa os conceitos de nous (República VI 511d4) e noesis (República VI 511e1), a doxa está no mundo da realidade sensível, enquanto a episteme está no conhecimento dianoético (dianoia, é a forma de pensar menos elevado que a noesis) que tem por objetos os noeta, mas são inferiores a dialética (República VII 533d).
Aristóteles vai negar a existência de eide (pensamento puro) em termos platônicos, assim sua episteme vai designar para ele o conhecimento das causas necessárias (está desenvolvido nos primeiros analíticos) e consiste de na demonstração (apodeixis) e na sensação (aisthesis) tornam-se necessárias para a episteme.
Para não complicar muito, os gregos foram, é na Metafísica (E 1, 1025b-1026a) que o termo episteme vai designar uma organização sistemática dos conhecimentos racionais, chegando assim a apontar para o conhecimento teorético, em sua oposição ao conhecimento prático e poiético (Ética a Nicômaco VI 3, 1139b14-36).
Seja qual for a forma de conhecimento sistemático, a ciência tem seus caminhos e negá-los é colocar toda a humanidade a prova, nem receitas caseiras, nem vacinas sem as condições de testes são aceitáveis, é preciso prudência já pagamos um preço demasiado pelas mortes na pandemia, que a cura seja para eliminar as possibilidades de reinfecção e efeitos colaterais, é a dose do veneno que faz o remédio, porém o inverso é verdadeiro também.
A pandemia e o Areté
Areté era para os gregos um conjunto de virtudes que deviam ser exercitados para evitar uma crise ainda maior na democracia grega.
Embora esteja ligada a virtude moral, no sentido grego é claro, duas características da areté são necessárias neste momento da pandemia: a prudência e adaptação perfeita.
As condições da pandemia exigirá de todos uma adaptação, os números de infectados e mortos evoluem numa curva estável, porém em números absolutos significa um aumento diário na casa dos milhares de mortos, e milhões de infectados, os cuidados devem se tomados e significa uma adaptação a situação atual, um novo normal incerto virá , o que vivemos agora é uma adaptação a uma situação de exceção.
A prudência deve estar em nossa mente, é uma situação de limitações, porém se levada a sério torna o dia-a-dia menos tenso, também as autoridades de saúde e políticas devem tomar cuidados ao adotar as vacinas, além da saúde existem questões políticas e interesses econômicos envolvidos, e novamente a saúde deve ter prioridade, toda prudência na adoção da vacina será necessária.
A grande razão de termos dificuldades em cumprir regras, e também ter sensibilidade e respeito ao cumpri-las é que as virtudes não estão na moda, a moda é a plena liberdade, e não ela nunca é possível por razões de leis e regras sociais de boa convivência, em período de um estado completamente excepcional exige de todos atitudes ainda mais disciplinadas, de higiene, de distanciamento social e de delicadezas.
A solidariedade é outro valor que deve voltar a moda porque muitas pessoas precisaram de nossa compreensão para poderem ter sua sobrevivência garantida, não faltam campanhas e atitudes é verdade, porém será necessário um esforço ainda maior para que realmente todos tenham o mínimo de dignidade para viver.
Os gregos que construíram o primeiro modelo de polis, podem nos ajudar a corrigir valores que a cultura contemporânea corrompeu, por isto, durante toda a semana que passou tratamos deste tema, prudência e adaptação exigem esforço para que o drama da pandemia não seja um flagelo ainda pior.
A tragédia da cultura moderna
Theodore Dalrymple, pseudônimo do médico e psiquiatra inglês Anthony Daniels, que propôs uma reflexão sobre o apodrecimento moral da cultura moderna, o efeito do perigoso politicamente correto na sociedade (como se ele fosse uma única posição política) e as consequências para a verdadeira cultura dos povos, o seu livro Qualquer coisa serve (2016) é uma análise “clínica” profunda de que tipo de crise cultural vivemos.
O autor colabora com vários periódicos The times, The Daily Telegraph, The Observer e The Spectator, é um ponto de vista conservador que olha a história sem dúvida, mas nem por isso deixa de ser importante algumas observações que faz da vida contemporânea e vê como muitos outros o desgaste da cultura atual.
Ganhou o primeiro Liberdade em Flandres em 2011, região que fala o flamengo dois terços da Bélgica, depois de elogiá-la como culta vai criticar seu nacionalismo: “solicitei um quarto … a recepcionista me respondeu em inglês, mas não por conta do meu sotaque com minha esposa, que é parisiense, fez ela o mesmo. Fomos assim apresentados ao nacionalismo flamengo, que demonstra que país nenhum é excessivamente pequeno para o separatismo nacional” (pag. 30), a outra região é a Valônia que fala o francês, mas em Flandres só mesmo o flamengo, ainda que conheçam o francês.
Ele revela sua verdadeira identidade no livro ao dizer “como médico e psiquiatra, passei um terrível período de minha carreira tentando levar pessoas por um caminho que se me afigurava adequado e benéfico a eles” (pag. 81) e depois confessa seu fracasso, diz que seus pacientes eram “autodestrutivos que, se encarados de maneira imparcial e com mínimo de bom senso, não poderiam conduzir a nada além da angústia” (idem), mas não é seu ponto alto.
Noutra linha, mas também em defesa da cultura que se erigiu entre os povos do planeta, com raízes originárias claras e inconfundíveis, Byung-Chul Han, um filósofo coreano migrado para a Alemanha, também critica a cultura do liso, da ausência de imperfeições e ranhuras que se confunde na arte com o politicamente correto.
Escreveu Byung-Chul escreveu que a beleza hoje é lisa, não apresenta resistência, não quebra e exige likes, a distância convida somente ao toque, não há negatividade que é oposta, sem ela, desaparece a surpresa e o maravilhamento: “sem distância não é possível haver mística, a desmistificação torna tudo fruível e consumível.”, não há alteridade do Outro, há só espaço para uma diversidade estetizada e homogeneizada, e assim consumível e explorada.
Não se trata da defesa da tradição, bons críticos e bons reformadores sempre fazem um diálogo com o lado oposto, porém o que se trata é o esquecimento e até o desprezo pelas raízes originárias de cada cultura e uma massificação que quer tornar tudo uniforme e disforme.
É apenas um lado da cultura que atinge o pensamento que tornou-se vulgar e sofista, da religião que tornou-se ideológica ou fundamentalista, e da cultura da qual todos descendemos que é ignorada, as consequenciais sociais e morais são apenas a parte visível do que ocorre nos fundamentos da sociedade moderna.
DALRYMPLE, Thedore. Qualquer coisa serve. trad. Hugo Langone. São Paulo: É Realizações, 2016.
A espera de uma vacina
Duas vacinas estão próximas de brasileiros pela participação de institutos de pesquisa locais, a vacina de Oxford, onde que tem o brasileiro Pedro M. Folegatti na equipe de desenvolvimento (autor do artigo na revista The Lancet), da qual participa também o laboratório Fio Cruz com incentivo do governo, e a vacina chinesa a qual na etapa de testagem participa o Instituto Butantã da USP, com acordo do governo de São Paulo para o desenvolvimento.
Pode gerar uma confusão de interpretação o fato que o laboratório AstraZeneca britânica, que está no desenvolvimento da vacina de Oxford, fechou acordo para produzir a vacina também na China através da empresa Shenzhen Kangtai Biological Products, anunciado na quinta feira passada, de 6 de agosto.
As vacinas tem também diferentes desenvolvimentos, enquanto a vacina chinesa segue o desenvolvimento tradicional de vacinas para gripes e algumas doenças comuns como sarampo, cachumba e outras, que é o desenvolvimento de uma dose mais fraca do próprio vírus produzindo assim uma imunidade no corpo, após alguns pequenos incômodos, no caso do corona vírus fica uma pergunta, será que não há a possibilidade de reinfecção, já há casos no mundo todo, que estão sendo estudados.
A vacina de Oxford, que tem a participação da FioCruz e incentivo do governo brasileiro, já foi explicado num post que é produzindo um vetor viral não replicante, ele é modificado e não infeccioso, uma proteína escondida no vetor leva uma proteína que produz anticorpos e imuniza o vacinado, o laboratório de Oxford afirma que com duas doses é 100% eficaz.
Há muitos outros projetos em desenvolvimento no mundo, as empresas chinesas participam além destes dois, em mais 8 dos 26 projetos que lideram o desenvolvimento da vacina por estarem já na etapa de teste das vacinas em humanos ao redor do globo.
A corrida pela vacina tem dois aspectos, o positivo há uma corrida que pode trazer a vacina mais cedo, a outra temerosa é que etapas de segurança sejam ultrapassadas, a Rússia diz já ter uma vacina para breve, mas há duvidas sobre o cumprimento dos protocolos antes da vacinação em massa, é necessário prudência.
https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2820%2931604-4
Se a Europa (e o mundo) despertarem
Peter Sloterdijk se perguntava se uma Europa destruída por uma guerra em 1945 poderia ser vista como uma metáfora para um império moderno e esclarecido as vésperas de um novo século, era um ambiente mais otimista daquele tempo, porém o filósofo já havia previsto a guinada violenta da política norte-americana e uma possível crise mundial.
A pandemia parece ter unido a Europa, exceto o Reino que se diz unido, mas parece que não é, uma política de recuperação que sustente a economia “doméstica”, isto é, aquelas empresas e negócios que tradicionalmente sustentam das diversas nações européias podem ter uma nova injeção de animo (e de dinheiro) para se recuperar.
O livro de Sloterdijk Se a Europa Despertar, de 2002, tinha apesar de algum otimismo de uma “nova Europa”, a ideia que os europeus não se voltam a seus fundamentos histórico-filosóficos para buscar uma orientação baseada numa “mitomotricidade” que vai de encontro aos mitos fundadores que resultaram de esplendores culturais, filosóficos e políticos que a Europa se julga herdeira, mas podemos pensar nisto depois de uma trágica safra de totalitarismos e guerras mundiais?
Edgar Morin prepara seu mundo sobre a pandemia e apesar de toda expectativa, ele sempre tão otimista parece agora não estar, em uma entrevista em novembro de 2019 ele afirmava que apesar de “caminharmos como sonâmbulos em direção a uma catástrofe”, ele não deixou uma ponta de esperança “resistir ao ditame da urgência … a esperança está próxima.”
Porém o clima é sombrio, com as nuvens pairando nas relações China e EUA, e nas relações com a Turquia e parte do mundo árabe não tão amistoso com o ocidente, que resposta um mundo em ebulição poderá ter, é a pergunta que fica.
Os ânimos estão exaltados e a sociedade da velocidade e do cansaço parece não ter cedido muito espaço a uma pausa, mesmo a pandemia impondo isto a todos, passados 6 meses parece que não há mais política equilibrada que convença os cidadãos a civilidade, a compaixão e a solidariedade.
Em meio a um mar agitado, os discípulos quando viram Jesus andando sobre as ondas gritaram “é um fantasma”, porém logo Ele lhes disse “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14,26-27), a crise é para os valentes e para os visionários, que lideranças e líderes realmente fraternos e solidários nos ajudem no pós-pandemia e num mundo com aspectos sombrios.
Aos que desejam um mundo mais fraterno, o respeito as diferenças e minorias, o apreço aos que sofrem, há algo a esperar no pós-pandemia.
Simplismo ou complexidade
William Ockham proclamou que entre duas explicações sobre determinado fenômeno deve-se ficar com a mais simples, este princípio ficou conhecido como navalha de Ockham, mas o que fazer com problemas que são complexos, como é o caso da atual crise do corona vírus, as explicações mais simplistas são fake News, teorias da conspiração ou simples mentiras.
O problema da complexidade veio da Biologia, o problema ecológico e os ecossistemas mostraram que os fenômenos estão mais interligados do que pensou-se antes, há toda uma cadeia alimentícia indo dos organismos mais simples, celulares até os mais complexos e neste inclui-se o homem.
Porém a Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida, assinada pelo serigrafistas Lima de Freitas, pelo Barsarab Nicolescu, escrito em 15 artigos, destacava “ … a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido, leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis” (Arrabida, Portugal, 1994).
Como método foi Edgar Morin que pensou a complexidade, escrito em seis volumes: Método 1 – A natureza da natureza (1977), o Método 2 – A vida da vida (1980), Método 3 “O conhecimento do conhecimento” (1986), Método 4 – “As ideias: habitat, vida, costumes e organização” (1991), Método 5 – “A humanidade da humanidade: a identidade humana” (2001), e o Método 6 – “A ética” (2004), porém a questão epistemológica desenvolvida numa palestra de dezembro de 1983, em Lisboa, que tornou-se um livro, publicado em português em 1985.
Em essência o pensamento sobre complexidade é delineado em três conceitos novos: o operador dialógico (entendido como diferente do dialético), o operador recursivo (que significa entender as consequências dos atos, numa relação causa-efeito que produz nova causa) e o operador hologramático (a parte está no todo e o todo está na parte, não se separa todo e parte).
Assim pode-se resumir da Transdisciplinaridade ao Complexo como um problema essencial do humanismo, somos 100% natureza, 100% cultura sem haver dualismo entre ambos, resolvendo a pergunta sobre o que somos como homem “natural”, assim tanto o problema ecológico quanto o humanismo estão interligados, o problema da natureza é um problema humano e o problema de fundo do homem é sua relação com a natureza incluindo o Outro como parte de sua natureza, independente de raça, cor e credo.
A origem história de conflitos em pandemias
A ideia de esconder dados sobre a pandemia já havia ocorrido na gripe espanhola,que recebeu este nome apenas por razões políticas visto que a Espanha manteve-se neutra durante a primeira Guerra Mundial, o nome original era gripe das trincheiras por ter afetado muitos soldados e enfraquecido alguns exércitos.
A ideia de esconder a doença foi até mesmo sustentado por instituições de prestígio, como a Royal Academy of Medicine de Londres, até o final e 1918 poucos acreditavam na gripe.
O nome de influenza espanhola também é antigo, jornais brasileiros (houve um artigo da revista A Careta, n. 537) usavam o nome porém como agora o início do combate a doença foi conturbado, e as medidas coercitivas defendida pelo sanitária Oswaldo Cruz foi vista como uma tirania sanitária no país e os grupos políticos de oposição ao governo Wenceslau Braz (na figura) viam a gripe como um pretexto do governo para intervenção na vida da população.
Também o uso político foi feito, porém neste momento grave da história, é desejável que os verdadeiros espíritos humanitários se desarmem para defender a vida da população, a ação dos médicos, dos grupos de socorro e os esforços para a vacina.
A insistência em polarizar num momento tão trágico revela apenas a decadência dos mais caros valores de compaixão e solidariedade, até mesmo por grupos que deviam estar mais empenhados em unir esforços, e curiosamente encontramos mesmo em lados opostos tanto aqueles que se solidarizam como os que procuram desviar a atenção do verdadeiro inimigo: a pandemia que afeta a todos.
No país, perdida a oportunidade de fazer um #lockDown quando a doença ainda estava localizada em algumas regiões, agora se alastrou por todo país e apenas as medidas já conhecidas devem continuar a serem adotadas, vejo equipes médicas e os serviços de apoio atingirem o esgotamento, os casos de infecção deste verdadeiros heróis continuam crescendo.
O que há de novo é uma tensão mundial em limites verdadeiramente preocupantes, o desvario do abandono dos fundamentos básicos da sociedade e atitudes que variam entre o conformismo e o simples abandono de qualquer medida de proteção e isolamento social, como a marcha de milhares de pessoas na Alemanha.
Os patamares da pandemia no Brasil continuam estáveis, nem é verdade que a pandemia esteja sobre controle, nem é verdade que existe um genocídio no país, simplesmente as medidas que podiam ser tomadas não foram, e o tempo passou e a doença se espalhou.
Resta-nos a esperança da vacina, a de Oxford uma das mais confiáveis pelos critérios científicos, pela transparência dos cientistas que trabalham (um artigo detalhado foi publicado na revista The Lancet) e pelo rigor das etapas de liberação da vacina, sem atropelos.
O pós-pandemia assusta porque não há mesmo em setores conscientes da sociedade atitudes de sobriedade e equilíbrio, fica a impressão de um humanismo mais política que verdadeiro
Areté. virtude e ética do Estado
A ética da antiguidade clássica tinha assim duas bases a aretê, a virtude (entendida como formação cidadã mas com valores morais) enquanto a ética dos sofistas que fez a democracia grega entrar em crise defendia uma verdade relativa e o homem entregue as suas paixões e instintos.
No início do período romano estas duas correntes reaparecem com os neoplatônicos, epicuristas e estóicos de um lado defendendo uma moral ascética e de outro lado pensadores como Cicero e Lucrécio, que vão um conjunto de leis e direitos no período do império romano, do qual o direito moderno tem forte influência, é o que demos o nome de ética do Estado, para diferenciar ao conceito de ética da cidade-estado de Platão e Aristóteles que defendiam também as virtudes, a aretê grega.
Embora não se possa fazer uma clara alusão aos sofistas no período do império romano, seus pensadores são legisladores, os neoplatônicos são correntes fora do poder e se refugiam em pensadores cristãos e muçulmanos, como Santo Agostinho, Alfarabi e alguns pensadores estoicos que trariam influências no poder romano, como Sêneca que foi preceptor de Nero, embora defendam a virtude não defendiam uma moral ascética.
As influências epistêmicas surgem neste período, tais como a querela dos universais de Boécio e mais tarde Abelardo, Duns Scotto e Tomás de Aquino, vão retomar questões sobre o ser e a essência, a existência de Universais (o que chamamos de conceito) ou apenas de particulares.
No tratado sobre as virtudes Tomás de Aquino fez a diferença entre virtudes morais e intelectuais, considerando que o santo filósofo fez uma revisão da ética aristotélica, incorporando valores cristãos, enquanto as virtudes morais aperfeiçoam os aspectos especulativos e práticos, as virtudes morais vão aperfeiçoar as potencias apetitivas, nome dado as paixões e instintos cuja discussão vem desde o período dos sofistas.
A moral idealista vai seguir a máxima kantiana: “age de tal forma que possa se tornar uma lei universal”, enquanto cria o sujeito transcendental fora de qualquer característica religiosa, ele possui uma capacidade cognitiva subjetiva tendo: a razão, o entendimento (das categorias) e a sensibilidade (formas puras de intuição, espaço e tempo), a partir desta moral que Hegel vai elaborar a moral do Estado.
Na linha da moral Kantiana, Hegel vai elaborar a eticidade, elaborada sobre a questão da “autodeterminação da vontade”, não mais na subjetividade ou no transcendental, e sim o desdobramento objetivo das vontades livres, assim é o Estado é o regulador das vontades livres, e eticidade é uma qualidade da ética, que fica no campo privado, e que a qual o Estado através de suas leis pode torna-la objetiva, assim as qualidades morais interiores e as virtudes valem apenas para estes aspectos e segundo as determinações do estado que pode interferir na vida subjetiva.
O relativismo moral e da verdade que surge a partir de um direito objetivo e de uma eticidade elaborada segundo leis do direito e estas ligadas aos interesses do Estado.
Sofistas modernos e a sabedoria prática
Os sofistas acreditavam na educação e no bom, porém o bom era relativo e um código de ética impediria atingir o que satisfaz os instintos e paixões humanas, enquanto que Sócrates vai elaborar a felicidade como um conjunto de virtudes (em grego aretê, que significa ao mesmo tempo excelência moral e política, hoje em campos opostos), e seu método a ironia e a maiêutica.
Os sofistas modernos podem ser vistos em três correntes, os céticos que não acreditam em verdade e pensam a felicidade como bula de remédio (a ética são apenas contra-indicações), os pragmáticos que recuperam o sentido original do “bom” para sofistas sem virtudes, e os retóricos, também a moda dos sofistas originais, numa boa oratória dizer o óbvio (e esconder os problemas e a doxa, mera opinião).
Já explicamos em outro post, que ironia não tem o sentido de hoje próximo ao ceticismo, são exatamente opostos na origem grega, vem da palavra grega eirein que significa perguntar, assim por sucessivas perguntas em uma discussão Sócrates levava seu oponente a contradições, a segunda parte de seu método é a maiêutica que é a arte de parir, então o que no fundo o método socrático queria pela ironia era levar o oponente ao perceber seus pré-conceitos obter a capacidade de refletir, e assim de parir ideias próprias que o conduzissem a verdade.
Mas retornemos a felicidade que os sofistas assim como a verdade diziam não ter formulas, mas apenas maneiras de satisfazer suas paixões instintos, assim a ideia da virtude política e ética ao mesmo tempo pretendida por Sócrates era também ilusória já que era natural a paixão destinada ao poder e a posse de seus benefícios instintivos.
Platão como discípulo de Sócrates, na verdade o que se sabe de Sócrates está em Platão vai refutar o sofista Protágoras, e o diálogo vai se dar em torno da virtude se ela é ensinável ou não, e isto foi ponto fundamental para o nascimento da escola Platônica, segundo historiadores aproximadamente entre 384-383 a.C., localizados em jardins nos subúrbios de Atenas (na foto um mosaico de Pompéia, agora no Museu Arqueológico de Nápoles) .
O objetivo era educar os homens para serem cidadãos e assim combater a decadência da democracia grega provocada pela escola dos sofistas, da mera opinião e da verdade relativa, por baseia-se naquilo que vai do sensível ao inteligível, a dialética da escola platônica baseia-se nisto, onde vai ser essencial a superação da doxa, a mera opinião e a construção da epistéme, o conhecimento organizado construído em verdades universais.
A evolução dos diálogos, principalmente na República de Platão, mostra a evolução dialética (não é nem poderia ser a hegeliana por razões históricas) dos termos da episteme até se constituir em uma estrutura ética que leva a formulação de leis, porém a ética como conhecemos hoje vem da escola de um dos alunos de Platão, Aristóteles que elaborou “A ética a Nicómaco” uma concepção teleológica e eudaimonista (Eudaimonia era a felicidade para os gregos antigos), em torno de uma racionalidade prática, o que os gregos chamavam de phronesis (Frônese em português) um dos elementos da ética.
Aristóteles elabora então a sabedoria como uma virtude do pensamento prático, ou apenas sabedoria prática, o objetivo é descrever os fenômenos da ação humana através do exame dialético das opiniões, resíduo do método socrático, mas para descobrir neles princípios imutáveis, assim é possível superar a doxa e chegar ao conhecimento a episteme, pode-se descrever esta dialética como conhecer-entender-conhecer.
Mais tarde Aristóteles. um dos alunos de sua escola platônica, vai fazer seu Liceu, que essencialmente era feita caminhando, por isto chamada também de peripatécnica, mas escola tenha um gynasium para exercícios físicos, e também para socializar os conhecimentos adquiridos.
A hermenêutica filosófica de Gadamer vai reelaborar a Frônese sistematizando o círculo hermenêutico de Heidegger, criando uma filosofia hermenêutica.
Sofismas e fake-news
O sofisma é uma sabedoria usada por conveniência em alguma situação, pode ser por exemplo o politicamente correto, ou pode ser para favorecer grupos de interesses o que tem maior correspondência com a origem histórica da palavra.
Eram contemporâneos de Sócrates, que se opunha a esse saber utilitário, os sofistas eram pensadores que viajavam de cidade em cidade realizando discursos para atrair estudantes e cobravam taxas para oferecer-lhes educação, qualquer semelhança com as mídias modernas não é coincidência.
Os fake News são noticias falsas, teorias da conspiração e mitos que devido a facilidade da comunicação se espalham de maneira muito mais rápida, porém as meias verdades de sofistas que se espalham por vendedores de sabedoria e máximas sem comprovação científica e histórica também existem hoje, é só verificar o preço de alguns palestrantes que falam de tudo, até mesmo do que nunca estudaram.
Os que vendem a felicidade com fórmulas mágicas, o sucesso fácil, modelos de gestão que não consideram a crise pandêmica, embora seja verdade que muitos ganham dinheiro com ela, a felicidade está longe da camada humilde do povo, a maioria honesta terá dificuldades para colocar seus serviços e produtos no mercado, mesmo com uso do virtual, pois a realidade é que a economia está em recessão mundialmente e muitos socorros e solidariedades serão necessários.
O que é preciso dizer é que a notícia fácil, o sucesso fácil e explicações pouco profundas não são muitas vezes verdadeiras, os que buscam facilidades e simplismo caem nesta armadilha, mas isto aconteceu em toda história, Karl Kraus reclamava nos anos 20 que a imprensa construía uma guerra e ela aconteceu, podemos estar construindo outra, e o fermento da crise e das dificuldades humanas vai auxiliar esta guerra acontecer.
Mesmo que desejamos a paz, espalhar noticias falsas é criar radicalizações, estopim para pequenas guerras que polarizadas se tornam grandes guerras, há pessoas bem intencionadas que fazem isto, denúncias infundadas e meias verdades estão aí, assim na origem de um fake-news está um sofisma, muitas vezes construído por gente inteligente que não devia favorecer a ignorância.
Ditadores sabem que a ignorância os favorece, mas também aqueles que sabem o horror das ditaduras e das guerras podem favorece-las com meias verdades, para facilitar a exposição de um posição social, cultural (inclui-se aqui a religiosa) e política é mais fácil atirar uma meia-verdade, todos desta ou daquela posição são corruptos, fascistas ou comunistas, porém isto é início de uma pequena guerra.
A verdade custa um preço pessoal muitas vezes caro, mas favorece a que lá na frente a guerra não seja feita por motivo injusto, por uma pedra ou um tiro atirado que atinja um inocente, as nossas pequenas “guerras” diárias contra a diversidade de opinião, não são diálogos e não favorecem a paz, no pós-pandemia precisarem de muitas solidariedade e a boa vontade de todos para superar as dificuldades, não há felicidade nem paz fácil.