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Inocência, pureza e paz
Parece contraditório e até inocente, de certa forma o é, mas num mundo tão conturbado com tantos problemas urgentes falar de paz, de pureza de sentimentos e comportamentos não só é ingênuo para aqueles que acreditam em soluções violentas, elas estão provando insuficientes.
Se nos preparamos para a guerra temos a convicção de que ela e só ela é a solução, no entanto, produzem mais injustiças, mais desigualdades e só os ditadores e poderosos se beneficiam delas, não se incomodam com as crises financeiras, as mortes inocentes porque na sua mente só a sua segurança e bem estar pessoal importa.
Também autores de grandes obras, como Edgar Morin, que fala da resistência do espírito, o limitar de uma tragédia de grandes proporções alimenta mentes doentias em todas as esferas, acreditam que isto possa ser um “sinal do futuro”, mas é o sinal de um passado, também no limiar da primeira e segunda guerra muitos autores advertiam isto, como Karl Kraus.
A pureza das crianças devia ser observada mais atentamente, podem até brigar, mas logo querem refazer as amizades para poder brincar com os amigos, não levam tudo a ferro e fogo, a menos que sejam estimuladas por adultos, e há quem o faça infelizmente.
Querem o bem comum, desejar o bem a todos e desejar um mundo mais igualitário e de paz não é um pensamento qualquer, está no fundamento de toda civilização que presa este nome, as nações e impérios bélicos sumiram depois de uma decadência trágica.
Na antiguidade os gregos falavam do Sumo Bem, da aretê (virtude) e da educação do cidadão, objetivo ultimo tanto de Platão quanto Aristóteles, ainda era uma sociedade de escravos e onde crianças e mulheres tinham poucos direitos, porém já havia esta meta.
Desejar a paz, ter inspiração na pureza e na alegria da convivência das crianças, pode nos tirar do pensamento perverso que ronda nosso cotidiano, de divisões, ódios e rancores.
Apagando incêndios
Com iniciativa do Egito e do Qatar, apoiado por outros países, há uma tentativa de um cessar fogo entre o Hamas e Israel que evitaria uma provável retaliação do Irã pelo assassinato do líder do Hamas, Ismil Haniyeh, em Teerã, no final de julho passado.
O Irã considera possível, porém exige um fim de incursões de Israel na faixa de Gaza, Israel se prepara como se a guerra fosse inevitável, e isto levantaria um novo front de guerra mundial entre o Ocidente e agora o mundo árabe.
O outro front na guerra entre Ucrânia e Rússia com um envolvimento cada vez maior da OTAN, a Ucrânia lançou um ataque surpresa em território russo na cidade de Kursk onde se trava intensos combates, com a Rússia fazendo novo recrutamento de jovens para serviço militar.
Duas preocupantes situações em usinas nucleares também ocorreram neste final de semana, uma na cidade de Rostov, onde uma nova usina foi ligada e houve preocupações com uma unidade que teria algum problema de funcionamento, porém o engenheiro-chefe da usina, Andrey Gorbunov, afirmou segundo fontes da imprensa: “estamos trabalhando com a eficiência máxima”, dizendo que eram manutenções de rotina.
Mais grave foi um incêndio no dia de ontem, nas instalações da usina nuclear Zaporizhzhia, no sul da Ucrânia, neste domingo (11/08), conforme informa a agência Reuters, localizada em zona da guerra, em território ucraniano, mas sob o domínio da Rússia, ambos países trocaram acusações pelo incêndio causado, o presidente da Ucrânia, Zelensky, afirma que a situação está sob controle e os níveis de radiações está normal.
Evgeny Balitsky, um funcionário alocado pela Rússia na região ocupada de Zaporizhzhia, acusou a Ucrânia de iniciar o incêndio bombardeando a cidade vizinha de Enerhodar, e as autoridades russas disseram que a usina “sofreu sérios danos pela primeira vez” devido ao ataque.
Assim o perigo das guerras, que produzem enormes perdas e vidas humanas, o risco de um “acidente”, uma atitude precipitada ou cruel, como assassinatos, pode disparar processos irreversíveis e criar um clima mundial irreversível de guerras e horrores.
A esperança que as forças de paz, e no caso das usinas de forças técnicas competentes, evitem tragédias maiores do que aquelas que as guerras já causam, mortes e desespero humano de civis e pessoas inocentes.
Que justiça e que paz queremos
No post anterior falamos de paz e liberdade, a paz não é a Pax Romana que significava a submissão dos vencidos, aqueles que praticam injustiças precisam desviar a vida de seu curso natural da vida dos povos, precisam mudar o humanismo transformando-o em algo perverso, transformam culturas milenares numa cultura estranha, retiram dela o que tem de mais originário e verdadeiro, desrespeitam os pobres e desamparados ao confundi-lo com desejos de poder e avareza próprios da opressão.
Poucos homens procuram desviar-se destas ciladas, com isto a ideia que uma pessoa “bem-sucedida” significa que teve sorte, foi “abençoada” ou através de estratégias soube acumular riqueza, mas também há estruturas perversas que se favorecem do poder, e muitas delas estão na estrutura de poder, por isto ele é fonte de influência.
Mas há outro caminho o da herança, ao longo da história somente os vencedores contam suas glórias, “ao Vencedor as batatas” (Robert Schwartz escreveu um livro com este título) diz o personagem Quincas Borba (figura) no romance de Machado de Assis com o mesmo nome, onde ele desenvolve a ideia do humanitas, que enxerga a guerra como uma forma de seleção dos mais aptos, assim justifica a opressão e o empobrecimento dos injustiçados.
O personagem Quincas Borba é uma espécie de filósofo ateu, que se tornou rico ao herdar os bens de um velho tio, morador de Barbacena, Estado de Minas Gerais, onde permanece um tempo nesta cidade antes de morrer.
Quem irá desfrutar da fortuna deixada por Quincas Borba será Rubião, um modesto habitante do interior de Minas Gerais, que recebe sua fortuna e decide ir viver no Rio de Janeiro, assim fala da migração do interior para as grandes cidades, não na perspectiva dos pobres que vão a busca de trabalho, mas dos ricos que vão em busca de boa vida.
Rubião vai para a cidade e tentará aplicar a filosofia do Humanitas desenvolvida por Quincas Borba e esta é na verdade o tema do livro.
Além do aspecto literário e histórico do romance, característico da época (o romance Quincas Borba foi publicado pela primeira vez em 1891), Rubião ao mesmo tempo que desfruta de uma fortuna fácil, é vítima de sua credulidade provinciana da qual seus amigos que o acolhem na “cidade grande” vão desfrutar.
O tema é universal, mesmo que pintado com cores históricas brasileiras, além das injustiças com pobres e desamparados, as artimanhas e maquinações que tiram também as posses de pessoas que por terem conquistado dinheiro fácil, não sabem como utilizá-lo bem e se perdem nas armadilhas preparadas por falsos amigos avarentos.
Assim a liberdade não pode estar condicionada a estruturas perversas e nem as formas autocráticas de poder, é preciso que ela contemple de fato a justiça dos simples e humildes, a armadilha do liberalismo está também no romance Eugenie Grandet de Balzac.
ASSIS, Machado. Quincas Borba. Rio de Janeiro, 1891. (ver o pdf da 3ª. edição)
Cresce a tensão mundial
O morte do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em pleno território iraniano por “um míssil de curto alcance” que estava no Irã para a posse do novo presidente do Irã Masoud Pezeshkian, elevou a tensão entre Israel e Irã ao nível máximo, e a resposta do Irã será inevitável.
O envio do ex-comandante das tropas na Ucrânia, Valerri Zaluzhnyi, para ser embaixador no Reino Unido, traz também sérias preocupações não só pela proximidade do governo britânico, que certamente se manterá informado das ações militares, o novo embaixador traçou um futuro sombrio e doloroso para o futuro da guerra no leste europeu.
A Ucrânia recebeu os esperados caças F-16 (foto) para reforçar sua defesa aérea, agradecei a Noruega, Holanda e Dinamarca, aparentemente os doadores desta remessa, entretanto ainda espera outras, o resultado político é um envolvimento maior das forças de outros países na guerra.
Países dos Balcãs e da Escandinava já começaram o recrutamento obrigatório para o serviço militar temendo uma expansão da guerra.
Também a América Latina sofre com a controvertida eleição Venezuelana, a agência de notícias AP obteve fotos de quase 79% das atas da eleição e comprovaria a eleição do candidato da oposição Edmundo Gonzáles, enquanto o CNE órgão de Maduro para apuração das urnas deu o ditador como ganhador.
As ruas tiveram vários protestos, e segundo o próprio Maduro já há mais de 2 mil detidos, havendo mortos e feridos nas manifestações que são reprimidas pelas forças militares.
Sempre há esperanças àqueles que acreditam na paz, respeito as diferenças culturais, religiosas e políticas, melhoria na distribuição de renda e socorro às populações carentes, os problemas do mundo atual são justiça e liberdade, a guerra só piora estas condições.
Apagão cibernético e as guerras
O apagão que aconteceu na semana passada é um dos maiores da história, causou confusão em muito aeroportos (veja o gráfico dos Voos nos EUA ao lado), TVs, bancos, hospitais e serviços que dependem de comunicação digital, porém não foi com motivação bélica, a empresa CrowStrike, por trás do apagão, declarou sexta-feira (19) que “isso não foi um ataque cibernético” e que a equipe da empresa “está totalmente mobilizada para garantir a segurança e estabilidade dos clientes da empresa”.
Segundo entrevista de Rob D’Amico, um ex-agente do FBI, apesar de não haver motivação bélica: “Eles podem não estar envolvidos no que aconteceu, mas estão observando o que aconteceu, quais foram as reações, os tempos de resposta, como isso foi corrigido, para que, se considerarem uma operação cibernética ofensiva contra os Estados Unidos, possam mapear o que foi feito”, disse em declaração à CNN.
É bom lembrar que o início histórico da Internet foi um projeto junto ao DARPA, um departamento americano para projetos estratégicos que previa um funcionamento em rede que não prejudicasse a comunicação, assim a primeira rede eletrônica chamou-se Arpanet.
Isto é extremamente estratégico porque uma pane pode cibernética pode deixar indefesas tanto o sistema de comunicação como a própria defesa, que depende de comunicações para serem acionadas, fragilizando extremamente o sistema que estiver sob ataque.
A Ucrânia tem anunciado que tem conseguido afetar diretamente os sistemas de comando e defesa da Rússia, enquanto a Rússia procura fragilizar o sistema de abastecimento de energia e canais de comunicação terrestre da Ucrânia, também planeja uma ferrovia em seus domínios em solo ucraniano, revelando táticas de defesa e ataque diferenciadas.
Na medida em que avançam as retóricas bélicas, também as guerras políticas e ideológicas cotidianas, um apagão se anuncia maior que o cibernético, as mentes e as almas se tornam cada vez mais turvas e o horizontes sombrio esconde esperanças, refúgios e clareiras.
Aos que lutam e desejam a paz nada falta, nem mesmo aquilo que a guerra e o ódio tentam retirar a paz cotidiana, o momento de descanso e lazer, não aquele fantasioso da orgia e das falsas liberdades que destroem uma vida frutífera e feliz, há sempre uma sombra, uma clareira e uma pausa para respiro em meio a aceleração moderna.
“Mesmo que eu passe pelo vale da sombra da morte nenhum mal eu temerei” (Salmo 23:4) diz o salmista do período sombrio do povo hebraico, e assim cantam alegres aqueles que desejam e lutam pela paz.
Sociedade sem dor e a biblioteca da meia noite
Byung-Chul Han escreveu a Sociedade Paliativa, a propósito não apenas da Pandemia, mas também e sobretudo da busca de um mundo sem dor, somos capazes até de sofrimentos e grandes esforços em função do narcisismo e da estética pessoal, aquilo que Peter Sloterdijk chamou de “a sociedade de exercícios”, porém uma ascese desespiritualizada.
O romance do escritor inglês Matt Haig: A biblioteca da meia noite, fala de uma mulher de 35 anos cheia de talentos e poucas conquistas, arrependida de suas más escolhas na vida, ela se pergunta se poderia ter vivido de modo diferente, ao perder o emprego e seu gato ser atropelado decide tirar a própria vida, no estágio entre a vida e a morte encontra a Biblioteca da Meia Noite (figura ilustração da capa), com as possibilidades de vidas que podia ter vivido.
Com ajuda de uma velha amiga decide mudar para a Austrália e reatar antiga relações, assim descobre que é possível rever a vida e desfazer algo que nos arrependemos, ter esperança.
Entre os dramas iniciais de Nora destaco o trecho que ela diz: “Eu fico com dor de cabeça olhando para… celulares”, não é só ela, é muita gente, isto tira a capacidade de reflexão e do silêncio que Byung-Chul Han reivindica, aquela que pode fazer refletir sobre a vida e nossos atos.
A sociedade paliativa, conforme Byung-Chul Han, nada tem a ver com a medicina paliativa, explica o filósofo coreano-alemão: “Assim, cada crítica da sociedade tem de levar a cabo uma hermenêutica da dor. Caso se deixe a dor apenas a carga da medicina, deixamos escapar o seu caráter de signo” (Han, 2011).
Lembra um ditado de Ernest Jünger: “Dize tua relação com a dor, e te direi quem és!”, assim cada sofrimento social ou social deve preceder e anteceder a momentos de reflexão, ou como gosta Byung-Chul, de uma “Vida Contemplativa” outro ensaio do autor.
“A sociedade da sobrevivência perde inteiramente o sentido para a boa vida. Também o desfrute é sacrificado à saúde elevada a um fim em si mesmo” (Han, 2021, p. 34), ou seja, a própria ausência de uma “hermenêutica” da dor pode levar ao fim do sentido da vida.
Esclarece também o sentido de homo sacer e via nua de Agamben: “Sem resistência sujeitamo-nos ao o estado de exceção que reduz a vida à vida nua” (Han, 2021, p. 34).
As angústias, as solidões e as depressões não tem apenas causas sociais, mas aquilo do que alimentamos nossas almas, na passagem bíblia que o profeta Isaías vai visitar Ezequiel que está acometido de uma doença mortal (Is 1,1-6) após as súplicas de Ezequias, através da palavra de Isaías Deus liberta-o não só da doença dando-lhe mais 15 anos de vida, mas também “vou libertar-te das mãos do Rei Assíria, junto com esta cidade, que ponho sob minha proteção” (Is 1,6).
Claro a solução social não é passe de mágica, mas encaramos melhor se nossa dor é entendida.
Haig, M. A biblioteca da meia noite. Tradução: Adriana Fidalgo, RJ: Editora Record, 2020.
Han, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.
Insegurança na Europa e atentado nos EUA
A OTAN decidiu colocar mísseis americanos na Alemanha, os mísseis balísticos Tomahawk, que podem atingir alvos a até 2.500 km de distância e carregar munições nucleares, há também armas hipersônicas em desenvolvimento, que aumentam o poder de fogo europeu, a Rússia já possui armas deste tipo e que já estão espalhadas em locais estratégicos.
A reação russa veio através porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov “A Europa está no ponto de mira dos nossos mísseis, nosso país está no ponto de mira de mísseis americanos na Europa. Já vivemos isso. Temos capacidade o bastante de conter esses mísseis, mas as potenciais vítimas são as capitais desses países europeus”, o que seria o estopim de uma 3G.
Os combates continuam duros, um documento secreto revela que o número de mortos já é imenso na guerra e a Rússia teria 750 mil soldados mortos ou feridos, o número da Ucrânia embora desconhecido deve estar perto deste valor, e os países vizinhos Polônia, Letônia e Lituânia além dos escandinavos ameaçam enviar tropas caso a Ucrânia se fragilize mais.
O ex-presidente e candidato a presidência Donald Trump sofreu um atentado quando fazia um comício de campanha na Pensilvânia, foram feitos vários disparos matando uma pessoa e ferindo outra, Trump foi atingido na orelha e retirado do local por seus seguranças, o atirador foi morto e o FBI investiga as motivações, a primeira é claramente política.
Embora o cenário seja assustador e não faltam espíritos belicistas, porém neste momento há uma crise civilizatória instalada porque desde o centro do poder até os cidadãos comuns há uma animosidade que não percebe o perigo da intolerância, violência como esta não só desperta espíritos mais autoritários como os fortalece, e não deveria ter aplauso de ninguém.
A boa notícia vem do Irã onde o moderado Masoud Pezeshkian, Presidente eleito do Irã afirma estar disposto à realizar ‘diálogo construtivo’ com a União Europeia, o anuncio foi feito em um jornal de língua inglesa trazendo grande esperança.
Tempo de conflitos e clareira
Se estamos em tempos impróprio para o pensamento e a inteligência, por isso a inteligência artificial assusta tanto, é tempo impróprio para valores humanos e morais, este será um tempo de clareira também, pois exigirá que muitas consciências e homens poderão despertem e enxerguem e se lancem para abrir a clareira.
É preciso para isto uma metanóia no pensamento filosófico, político, cotidiano e até religioso, lembrem-se que os verdadeiros oráculos e profetas foram mortos e ignorados até mesmo por gente inteligente e “religiosa”.
O limiar de uma crise civilizatória e humanitária sem limites está próximo, mas se olharmos a cultura cotidiana, disto falamos tanto do brasileiríssimo Ariano Suassuna até o inglês Anthony Daniels (usando o pseudônimo de Theodore Dalrymple – Nossa cultura … ou o que restou dela – 2015) nos posts anteriores, também a política e o pensamento parece polarizado entre dois estremos que em muitos valores se confundem, e um deles é a guerra e o desejo de poder.
Até mesmo os que invocam a paz escondem interesses de poder, de ganância por maior riqueza e opressão daqueles que afirma proteger, é triste um cenário de pouca luz e onde os homens de boa vontade que desejam um olhar menos sombrio para o futuro que desejam, eles devem ter espírito de resistência.
Olhando a etimologia da palavra clareira na filosofia de Heidegger, ela vem da palavra alemã Lichtung, cujo significado além do de clareira na floresta (ele próprio viveu alguns anos na floresta negra da Alemanha), sua raiz Licht é a palavra para luz, que significará coisas ocultas, ou entes cuja verdade deve vir à tona, assim alguns tradutores usaram a palavra desvelar.
Que tempo propício é este, e porque nos aproximamos dele, porque sempre que as palavras proféticas de pensadores e místicos que pedem uma mudança de rumo na humana, não foram ouvidas, se aproxima este tempo de escuridão seguido de uma grande clareira.
Na metáfora bíblica a clareira é a luz da boa nova (evangelho), mas o mestre alerta “eis que os envio (Mt 10,16) “Eis que eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas”.
Assim foi no tempo das guerras púnicas, da pequena Grécia lutando contra o forte império persa e também no tempo em que os apóstolos de Jesus foram enviados dois a dois em missão para abrir as clareiras e as mentes da humanidade para uma civilização mais fraterna e não se tratava de uma guerra bélica ao seu império, mas a sua mentalidade..
O mal e a compaixão
Hannah Arendt, em sua obra A Origem do Totalitarismo (original de 1951) censurou a teoria de Kant que defendia o mal como a busca da satisfação do amor de si, e defendeu que o mal existe por diferentes motivos, como por exemplo, ganância, avareza, ressentimento, desejo de poder e covardia.
A genialidade de Byung-Chul Han analisa a obra de Heidegger a partir do coração e da modalidade afetiva, porém não é algo totalmente original, Kant confessa em seu livro “Conflito das faculdades” que “por causa de seu peito chato e estreito, que deixa pouco espaço para o movimento do coração e dos pulmões, eu tenho uma predisposição natural para a hipocondria, que em anos anterior beira o tédio da vida (Han, 2023, p. 8) e daí en Kant um “anseio expande o coração, o faz definir e esgota as forças” (Han, 2023, p. 9).
Han usa a metáfora da costureira (Näherin) de Heidegger que “trabalha na proximidade” e é ela também uma circuncidadora do coração” (pg 10) e ali “o coração do ser-aí” palpita no horizonte transcendental, assim conforme explica Han, no Heidegger tardio que “a contrição penetra mais profundamente” e o ser-ai separa-se do ser do aí: o dasein (p. 11).
Analisar as tonalidades afetivas do coração e sua ligação estreita com o ser-aí é mais do que descobrir a interioridade e a transcendência do discurso filosófico, ele é “O coração de Heidegger, por outro lado [confrontado com Derridá], escuta uma só voz, segue a tonalidade e gravidade do “uno, o único que unifica”, para ele é um “ouvido do seu coração” porém há algo forte de espiritual nisto, mais que sentimento ou emoção.
A resistência do espírito, em nossos tempos, Han diz que o discurso de Heidegger é bastante temporal no sentido do contexto da segunda guerra mundial, é o discurso da paz, de anúncio da fraternidade, da superação de ódios e diferenças (irá recuperar o “ “Il y a” de Lévinas, e também o conceito de différance de Derrida), para ir além do conflito e da dialética hegeliana.
É preciso circuncidar o coração, esta é a origem do termo judaico, na leitura de Deuteronômio (10:16) citado em epígrafe por Han: “Circuncidai, pois, o vosso coração espiritual; retirando toda a obstrução carnal, e deixai de ser insubmissos e teimosos!”
Han, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.
Resistência do espirito e pacifismo
Aquilo que Edgar Morin define como resistência do espírito, ele fez ontem 103 anos de idade (8/7), é além do pensamento e da força política, o que é espírito para a filosofia europeia é mediado pela ideia que formulamos sobre o mundo, e espírito aqui tem que ser além do pensamento atual cotidiano.
Os seres humanos são capazes em suas relações de pensar em paz, se cultua em sua interioridade, tema exaustivo na ontologia de Byung-Chul Han, e se aprofunda em valores como: humildade, fragilidade e a necessidade que temos uns dos outros, não vivemos isolados.
Enfim ter uma verdadeira alteridade, o medo da alteridade é quando há diferença e nos “pomos na defensiva”, aquilo por exemplo que é chamado de guerras preventivas, garantias de soberania sobre outros povos ou outras culturas, isto em geral iniciam as guerras e não as previnem como é o propósito dito.
A principal razão, dizem muitos autores, um que não é questionável por denunciar “as veias abertas da américa latina” é Eduardo Galeano, que disse que a grande razão é o roubo e a pilhéria dos povos a serem dominados, hoje além disto são também os impérios em choque.
O espírito de resistência e o pacifismo historicamente não é uma posição fácil ou “neutra”, é evitar a catástrofe humanitária que caracterizam todas as guerras, em uma escala mundial isto significa uma crise civilizatória sem precedentes, uma vez que o poderio bélico hoje é imenso.
É preciso um espírito bastante elevado, verdadeiramente altruísta e missionário, uma vez que as guerras atuais encontram aliados com facilidade, até mesmo na população simples, tanto a polarização quanto o uso das mídias para promover narrativas quase todas tendenciosas, são o que dão substância ao pensamento bélico e se difundem no tecido social.
Parabéns ao longevo Edgar Morin, sua resistência é visível pela idade, pela lucidez que ainda mantem e que suas palavras ecoem e a civilização encontre um caminho de resistência.