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America do Sul e Agenda pós-2015
Quando a ONU organizou a sua Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, parecia que as organizações da sociedade civil caminhavam para uma concentração maior em assuntos da pobreza e da fome, nos aspectos urbanísticos e na educação, no desarmamento nuclear e no empoderamento da mulher, outros assuntos relacionados com a pessoa, a luta por maiores regalias e poderes, a volta do nacionalismo caminhou em sentido contrário.
Afirmava o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em setembro de 2014> “nosso mundo precisa de mais energia eólica e solar. Mas creio em uma fonte de energia ainda mais forte, o poder das pessoas”, o caminho parecia seguro e não era, pode-se agora avaliar o erro.
Os números anteriores a reviravolta conservadora eram na América Latina ainda “muito desiguais”, afirmava Eduardo Frei que o Chile que governou de 1994-2000, com várias iniciativas que promoveram a democracia e a justiça social, tinha reduzido a pobreza de 38,6% para 7,8% da população, e a pobreza extrema de 13% para 2,5%, mas em 2015 a América Latina tinha outro perfil, apesar do crescimento do PIB de 2015 a 2018 (foto acima).
Era ainda uma região “mais desigual” do que outra, dos seus 600 milhões de habitantes ainda 167 milhões viviam na pobreza e 71 milhões na extrema pobreza, este contraste revela um fosso social perigoso e profundo, segundo afirmou o próprio Frei em 2015.
Com vistas ao futuro, Frei afirma que a luta contra a pobreza e as desigualdades exigiam junto ao esforço de sustentabilidade outro esforço de fundamento ético, e nessa encruzilhada, seria hora dos governos darem um maior impulso ao “movimento moral” que não aconteceu.
Juan Somavía, ex-diretor da Organização Internacional do Trabalho, disse na elaboração da agenda pós-2015 que uma boa base para negociações seria: “o documento reflete uma visão extremamente ambiciosa, com suas 17 metas e 69 indicadores centrados no conceito de desenvolvimento sustentável focado nas pessoas e na erradicação da pobreza”, afirmando que o apoio político da ONU era fundamental.
No 20º. aniversário da CMDS (Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável), Oh Joon, o vice-presidente do Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc), afirmou que o problema da erradicação da pobreza foi incorporado aos objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), adotados em 2000, mas os outros dois: o emprego produtivo e a integração social, foram excluídos, e não é mera coincidência.
E integração social é um conceito mais amplo quando pensamos em uma cidadania global.
A cidadania-mundo e a auto-identidade
Em geral poucos autores estão fora da idolatria do Estado Moderno, mesmo que a maioria deles, em especial os hegelianos, o considerem abstrato, ou como Habermas fora do “mundo da vida”, mas este conceito é diferente do Lebenswelf de Husserl, que é fora do “estado”, pois é mundo-da-vida de modo mais amplo possível.
Um dos poucos autores que irá falar da “constituição da sociedade” é inviável no conceito de modernidade tardia, porém Giddens irá demonstrar em “Além da direita e da esquerda”, que o componente central das sociedades da chamada “modernidade tardia”, não é mais algum tipo de elemento interativo ou coletivo, ao processo é de formação da auto-identidade.
Citando Giddens em sua visão de auto-identidade: “o self é reflexivamente [entendido como auto-identidade] pela própria pessoa nos termos da sua biografia. A identidade, nesse caso, assume continuidade ao longo do tempo e do espaço: mas a auto-identidade é essa continuidade interpretada reflexivamente pelo agente.” (GIDDENS, 1991, p. 53).
Pode parecer um argumento excessivamente individualista, ou por causa do self pensar em algo apressado das novas mídias, Giddens não disse neste contexto, mas da expressão da cidadania de diversos grupos com identidades específicas, as minorias culturais, sociais ou religiosas.
Por desencaixe e sem superar a ideia abstrata de Estado, Giddens entende que o processo de elevação e deslocamento (lifting out) das relações sociais dos contextos locais, e assim a rearticulação em uma outra
Por desencaixe Giddens entende o processo de elevação e deslocamento (lifting out) das relações sociais dos contextos locais e sua rearticulação em uma outra dimensão espaço-temporal (Giddens, 1991, p. 18-21), note-se que o espaço-temporal não é tempo e espaço vistos em movimento absolutos.
Assim apesar do avanço de Giddens, ele não consegue demonstrar que self reflexivo pode gerar instituições internacionais mais democráticas e defender formas multiculturais de cidadania, ainda há um buraco nestes conceitos, que em absoluto se trata de anarquismo.
GIDDENS, A. Modernity and Self-identity : Self and Society in the Late Modern Age . Stanford, Stanford University Press, 1991.
Fraternidade, cosmovisão e religião
Não sei qual a religião da capitã do Sea Watch, porém a cosmovisão fraterna da capitã Carola Rackete, presa injustamente e levada aos tribunais e só solta estes dias, é sem dúvida a única e verdadeira manifestação de mundialidade no mundo contemporâneo recente.
A imprensa pouco noticiou, as autoridades italianas esbravejaram contra a “rebeldia” da capitã de socorrer náufragos e atracar em Lampedusa na Itália, contra a determinação da polícia marítima local, porém esta é a verdadeira fraternidade e religião de ver todos povos como merecedores da mesma fraternidade e respeito.
A capitã Rackete foi acusada dos crimes de resistência ou violência contra a embarcação de guerra italiana e de tentativa de naufrágio por ter se chocado contra uma patrulha da Guarda de Finanças (polícia marítima das fronteiras italianas), e os jornais europeus que sempre fazem alarde de qualquer atitude na américa latina ou na África pouco noticiaram a prisão de Rackete.
Ainda a velha visão colonialista de olhar com desdém para o resto do mundo, que não é só a americana, permanece e pouco olham para seus crimes e barbaridades, em especial contra os outros povos e nações que tem uma cosmovisão diferente da europeia.
Não reconhecem a penumbra e a cegueira que vivem, nem mesmo a própria cosmovisão é muito clara, além dos interesses políticos e econômicos, pouco ou nada sobra de um respeito por outros povos e culturas, e pouco reconhece a própria decadência e crise de pensamento.
A arrogância de uma cosmovisão limitada, apesar de sua origem do cristianismo, vale para boa parte do pensamento europeu, é fato que existem resistência e grupos que protestam, vale para a cosmovisão aparentemente fraterna da Europa aquele dito bíblico sobre o farisaísmo no tempo de Jesus, Lc 10: 12: “eu vos digo que, naquele dia, Sodoma será tratada com menos rigor do que esta cidade”, referindo a povos que rejeitavam a mensagem fraterna cristã.
É claro que só se pode falar de um cristianismo com uma cosmovisão de respeito e verdadeira fraternidade com todos os povos e culturas, pois o restante é farisaísmo e orgulho cultural.
O olhar com desdém aos povos sofridos, explorados e colonizados ainda é estigma de nosso tempo, ainda é fruto de uma cultura de dominação e exploração dos povos e da natureza.
No video abaixo a capitã do Sea-Watch, Rackete, fala após o lançamento da prisão domiciliar (pode-se ativar legendas):
A maioria e o identitário
Poucos conhecem este nome, o contrário de transsexual é cis, também o cristianismo e o fato de ser branco pode ser uma dificuldade de diálogo com outros grupos, entretanto a democracia e os direitos exigem que estes diálogos também sejam feitos.
Não se trata apenas de uma posição ideológica ou partidária, porém é assim que se vê a maioria, no caso religioso há ainda uma coisa única no Brasil que poderia ser positiva e não o é, o chamado sincretismo religioso.
Diria mais no caso brasileiro, os negros se contados pardos e mulatos são maioria, o que seria então a guerra ideológica que boa parte da direita pensa, nada além da recusa do diálogo.
A dicotomia que se estabeleceu na sociedade brasileira é prejudicial ao conjunto dos brasileiros, e a chamada “guerra cultural” pode levar o país a extremos nunca pensados antes.
O identitário que no caso americano levou determinada direita ao poder, a oposição não é bem uma esquerda, no caso brasileiro pode abrir fendas profundas na nação, pensando em povo e não em símbolos pátrios apenas, sem que isto leve a uma perspectiva a curto prazo.
A longo prazo somente uma retomada do diálogo tornará possível novos avanços e novas formas de democratizar direitos e deveres aos seus cidadãos, construir uma nova cidadania identitária requer que vejamos o conjunto da sociedade como ela: uma miscigenação de povos, raças e religiões.
Os estudos feitos por Mario de Andrade para Macunaíma pode ser um bom início para este diálogo, embora é claro haverá quem o torne demoníaco também.
O processo de “estranhamento” da sociedade brasileira com sua própria identidade, que é sem dúvida uma miscigenação, pode ter dois caminhos negar uma metade da população com efeitos catastróficos, ou incluir as duas metades e levar o país a um exemplo de tolerância.
Eu torço e luto pelo segundo caso, embora neste momento pareça quase impossível.
Entre as várias resenhas que encontrei na internet, a de Luana Werb é boa introdução a leitura de Macunaíma, caso tenha interesse acesse o link abaixo:
Democracia ou política identitária
Tão logo se popularizou o termo, inicialmente política identitária, aquela dos gêneros, raças e culturas que buscam algum respeito e direitos, não faltaram aqueles que apressadamente já se lançam sobre o tema e não aprofundam a questão
Entre os que aprofundam o tema, está o cientista política e pensador americano Mark Lilla, cuja especialidade é a história da intelectualidade, já que falar em filosofia não é mais comum, professor da Universidade de Nova York, tem um dos artigos mais lidos sobre o tema, e tem um vídeo de sua participação no Fronteiras do Pensamento.
Faz três perguntas essenciais: o que é democracia hoje? Como os jovens encaram seus ideais? Como a solidariedade se tornou uma defesa radical da individualidade?
Esta última parece estranha, mas não é, postamos inúmeros comentários sobre o idealismo e a sua profunda influência na cultura contemporânea, a história intelectual de Mark Lilla vai num outro caminho, mas não deixa de tocar esta questão essencial: o individualismo.
luta pela igualdade conquistou direitos e transformou a sociedade de forma louvável e inquestionável. Até que algo mudou. A busca por um mundo melhor passou a ser a luta para que o mundo me reconhecesse.
Mark Lilla explica as mudanças geradas por este novo paradigma. O que é democracia atualmente? Como os jovens encaram seus ideais? Como a solidariedade se tornou uma defesa radical da individualidade?
Seu artigo mais lido no ano passado no New York Times, enfatiza que as identidades e as bandeiras de grupos minoritários, a chamada política identitária abraçada pelo Partido Demorata, é a principal responsável pelas seguidas derrotas da esquerda nos Estados Unidos, estaria certo ? se olharmos as eleições brasileiras creio que está certo.
Antes de mais nada não se trata de abandonar estas justíssimas bandeiras, mas repensá- las para tornar o progresso da humanidade de novo possível e evitar um retrocesso.
Segue o vídeo de Mark Lilla, lembrando que as legendas podem ser ativadas:
Até onde pode ir a AI
O projeto OpenAI que embora se diga “sem fins lucrativos” e seja realmente aberto, basta entrar no blog do projeto para verificar o andamento e as possibilidades, na verdade assuntou até mesmo os especialistas ao publicar um sistema que escreve notícias/textos, teoricamente de ficções, mas que podem ser classificados como fake, ou como estão sendo chamados: faketextos.
Também o código está aberto e disponível no site GitHub para desenvolvedores.
Os sistemas de processamento de linguagem natural podem fazer tarefas como responder questões, conversão de máquinas, compreensão de leitura e sumarização de textos, o que já são tipicamente abordadas com aprendizado supervisionado em conjuntos de dados específicos de tarefas, porém a pesquisa de textos no GPT2 é mais ampla em quantidade.
O GPT2, sucessor do GPT que era apenas um produtor de textos a partir de textos básicos, agora pode ler até 40 GB de textos existentes na Web, e o que tem produzido assusta um pouco, pela clareza, profundidade e o pior de tudo, pura ficção ou mais claramente: fakes.
Entre suas características sintáticas, é superior a outros do género, escrevendo passagens que fazem sentido com o texto anterior e mantém o estilo, sem se perder em frases longas.
O problema é que poderá gerar fakenews que agora podem ser mais longas, tornando-se faketextos, uma reportagem do The Guardian mostra a novidade e os problemas:
O que devemos fazer
A aporia dos gregos, a impropriedade (eu traduzo como irrazoabilidade) de Heidegger, o medo e a fragilidade de Martha Nussbaum, podem todos serem compostos em um suco que ajude a olhar para frente o momento atual, com serenidade e esperança.
Antes do advento do nascimento de Jesus, o Natal tem este significado simbólico mais profundo, esperamos uma “salvação” e ela deve ser concreta, João Batista pregava no deserto e a multidão que o seguia tinha apreensão e angustia, perguntavam-lhe: “Que devemos fazer?” João respondia: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo!” (Lucas, 3,11).
Iam para lá também cobradores de impostos, os corruptos de hoje que sujam toda a saúde financeira do estado, este é o protesto na França, e parece que também Teresa Mey no Reino Unido começa a dar sinais de fraquezas, a virada conservadora mostra sua impotência.
O que devemos fazer, não perder a solidariedade, a fraternidade, e que o espírito do advento do natal nos ajude naquilo que deve “advir” e virá, mas é preciso mentes e corações fortes.
O sentimento de morte, e até de certo abatimento nos corações desejosos do futuro podem estar presentes, mas não devem significar rendição nem paralisia, mas sim Aporia.
É preciso estar aberto ao novo, e desenvolver a solidariedade denunciando a violência e os abusos sociais, o prêmio Nobel o médico Denis Mukwege que socorre vitimas de abusos no Congo e que denuncia a violência ignorada pelo ocidente que acontece em seus pais, junto com Nadia Murad ativista contra o abuso sexual de mulheres, que foi ela própria vítima de violência dos
Denis Mukwege elogio o bom uso das novas mídias para denunciar estes fatos que a grande imprensa ignora ou torna-os menos graves do que são, assim a mudança digital, a inteligência artificial, a informação e a comunicação estão aí não para atrapalhar, mas para ajudar isto.
Os exemplos de Denis Mukwege e Nadia Murad nos servem para vencer o medo e seguir em frente, as mudanças que todos esperam virão com nosso empenho sereno e decidido.
O medo, a angústia e a mudança
O filósofo Martin Heidegger (1889-1976) convida aqueles que vivem no medo, a viver na impropriedade, ou seja um tipo de aporia que significa pensar sem atribuir valores e sentido, deixando que as circunstâncias o atribuam, parece uma alienação, mas é a alienação do eu.
Num mundo que vive sempre correndo, e alerto que isto já era reflexão de Nietzsche e também a Paulicéia Desvairada de Mario de Andrade da década de 20, e agora a Monarquia do Medo que é uma reflexão de Martha Nussbaum para os EUA, mas que serve ao Brasil e outros.
Nada está mais relacionado ao medo que a Morte, mas ela desperta também a angustia, seria de pensar qual a relação destas com a mudança, diria nenhuma, a menos da hipótese que Heidegger nos lança: a impropriedade, ou seja, deixarmos de atribuir sentido e permitir que os outros o atribuam, diria que é uma dialógica resignada.
Heidegger escreveu também que é na angústia que experimentamos nossa fragilidade.
Nela encontramos de forma inesperada a mudança, aonde nem a angústia e o medo alcançam, alem deles portanto, onde nasce a esperança e a “clareira”, luzes sobre a floresta.
Então o medo existe porque existe um perigo real, e significa que algo está em mudança, a angústia nos leva a pensar sobre qual é a mudança e o rumo dela.
Desconfio que o termo impropriedade usado na tradução nacional para a palavra de Heidegger unangemessenheit, possa ter outro significado, já que angemessen pode ser traduzido como o que é razoável, então eu traduziria irrazoabilidade, ou seja, o que não é em certo sentido como sendo razoável, mas que diante do medo e da angústia surgem como tendo novos horizontes, de onde podem emergir mudanças que antes eram impensadas.
O poeta alemão Hölderlin dizia que onde há medo há salvação, pode-se dizer nos dias de hoje de modo mais amplo, ou seja, na ciência, na política e porque não na espiritualidade.
Entre a Aporia e a Aletheia
A palavra grega Aporia (Ἀπορία) significava na Mitologia grega a impotência, a dificuldade e o desamparo, ou ainda a falta de meios, foi repensada pela escola aristotélica como impasse, paradoxo, dúvida, incerteza ou mesmo contradição, seus estudos são designados aporética.
Aristóteles a definiu como “igualdade de conclusões contraditórias” (Tópicos, 6.145.16-20).
Ela é importante porque rompia, ainda que participialmente, como a lógica de Ser ou Não ser, não podendo haver contradição, o que veio dar no idealismo contemporâneo.
É radicalmente diferente da Aletheia, porque está é encobrimento, não a contradição e assim era designada pelos antigos gregos como verdade e realidade, simultaneamente.
Heidegger a retoma na tentativa de “desvelar” a verdade, esta considerada um estado descritivo objetivo, e, portanto, carente de um movimento metafísico ou subjetivo.
Aporia foi também usada por autores contemporâneos, como Derridá e Paul de Man, portanto na teoria literária pós-estrututalismo, é assim a própria leitura desconstrutiva do texto, que já alertamos anteriormente que nada tem a ver com negação da verdade, mas indeterminação ou indecidibilidade.
O sentido de as colocarmos juntos aqui é justamente buscar uma relação que na teoria contemporânea está desconexa, sendo ela própria uma aporia, a viragem linguística parece não ter nada e nenhuma ligação com a ontológica, assim aporia e aletheia estão desconexos, os gregos pouco ajudam, pois, a leitura é no particípio passado e não particípio presente.
É curioso, mas foi Portugal que me alertou para o fato, aqui não se usa o gerúndio: alguém está falando, está a falar dizem, assim nada estará sendo, mas está a ser, esclareceu-me padre Manuel Antunes ao dar características do povo português: povo místico, mas não metafísico.
Enquanto aporia é particípio passado ela torna-se fatalista, indeterminada como busca da verdade, já a aletheia enquanto desvelamento é uma constante busca de horizontes, onde não há verdade definitiva, mas verdade em construção: sendo, revelando, acontecendo.
O determinismo filosófico, político e principalmente o religioso leva a diversos tipos de fundamentalismo, vai da pura aporia a pura “verdade”, não há dialógica nem desvelar.
O círculo hermenêutico de Heidegger não é apenas um método, é u desvelar, admitir a ideia que todos temos pré-conceito é um desvelar para a crise da modernidade, o legalismo e o positivismo idealista deu no que deu, uma realidade aporética, que parece sem saída, mas a própria humanidade aponta caminhos, um já é claro: admitir que há pré-conceitos é o único remédio e diagnóstico capaz de superá-los.
Culturas, religiões e conceitos políticos estão em choque isto é aporético, podem e devem entrar em dialógica humanista, isto é, desvelamento e busca de horizontes.
A aporia e o deserto
O que acontece em momentos de profunda crise é retornar ao porto seguro, infelizmente o porto seguro para as massas é aquilo que elas conhecem: um estado moderno forte e quando não o fundamentalismo religioso que parece devolver as raízes de cada povo.
Não são poucos os exemplos no mundo, até mesmo aqueles que se recusam, a rediscutir o estado, percebem que alguma coisa vai muito mal: cansaço da democracia ou até ódio à democracia, não é tão simples, não se cansa nem se odeia o que é bom, há algo errado.
A aporia é neste momento, mais que o vazio, porque este significa ouvir alguma coisa que vem a mente (o cogito cartesiano que não vai além do ego), o alter que é ouvir aquilo que não é o Mesmo, a aporia é o reconhecimento de uma falácia, mesmo que seja enquanto etapa histórica.
O diagnóstico de Sloterdijk é duro, devemos abandonar as profundezas de nossas interpretações antropológicas: todas as interpretações do homem enquanto “trabalhador” ou “comunicador” agora devem se traduzir na linguagem do exercício o que conhecemos até então como manifestações do homo faber ou homo religiosus, uma vida de “exercícios”.
Claro que é questionável, mais seu diagnóstico acertou até agora, os dualismos: sagrado vs. profano, pculturas aristocratas nobre vs. comum, culturas cognitivas conhecimento vs. ignorância, culturas militares vs culturas liberais, e vai por aí agora, é como se para diversos sistemas houvessem apenas a lógica dual binária, . Niklas Luhmann seguiu na mesma direção e chega a dizer que se constitui sua identidade, possibilita sua comunicação interna e regulamenta e restringe, ao mesmo tempo, sua comunicação com seu ambiente (Luhmann).
O que estaria além disto? A compreensão de cultura como regra e não como ancestralidade, é na verdade uma nova compreensão do humanismo ou mesmo o seu fim querem alguns.
Sob cultura entendem, desde Wittgenstein até Sloterdijk, são o conjunto de todas as formas comportamentais possíveis dentro de uma determinada sociedade, ou seja, todas as formas de vida que passam pelo crivo da regra; regra esta colocada num nível tão alto de exigência, que somente uma vida de exercícios pode alcança-la.
Assim poucos seriam capazes de cumpri-la. Wittgenstein, Nietzsche, Heidegger e até Foucault seriam todos representantes de uma filosofia enquanto disciplina, assim a filosofia, é mais que uma matéria escolar: ela é engajada e caracterizada por uma “tensão vertical”.
Se a politica conservadora brasileira requer uma escola sem partido, ela não pensa outra coisa que não seja o retorno a uma vida de exercícios: morais, religiosos e culturais, porque pouco ou nada sabe da origem de lemas como: “ordem e progresso”, lembra do positivismo de Augusto Comte do qual foi retirado a palavra “amor”, dispensável para ditadores.
A aporia necessária é o reconhecimento de uma noite cultural, filosófica e até mesmo religiosa que o ocidente enfrenta, mas também o budismo e o hinduísmo outrora pacifistas já dão sinais de “intolerância” em casos atuais em regiões da India e do Myanmar.
Somente uma “aporia moderna” será capaz de abrir um novo horizonte, esquemas antigos estão falidos, sou mais otimista que Sloterdijk e outros, o humanismo não morreu, há um humanismo de novo tipo que deve nascer: de todo homem e de toda cultura, sem exclusões.
Como está escrito em Lucas 3,4: “palavras do profeta Isaías: Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas’ ”.