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Arquivo para a ‘Antropotécnica’ Categoria

O vazio e a hiperpolítica

01 dez

O assunto que deveria interessar a teólogos interessa primeiro a filósofos e escritores como Julian Barnes ( The Sense of an Ending”, que ganhou o premio Man Booker) escreveu: “Eu não acredito em Deus, mas sinto falta dele”, enquanto o cético Peter Sloterdijk escreveu: “Numa cultura monoteisticamente condicionada, declarar que Deus está morto implica um abalo em todas as referências e o anúncio de uma nova forma de mundo” (Slotertijk, 1999, p. 59) e implica abandonar o projeto de unidade planetária.

Em uma linha oposta o professor de literatura inglesa e escritor Terry Eagleton escreveu “Cultura e morte de Deus”, identifica os substitutos iluministas desta morte além da razão e de sua obra mais acabada: o Estado Moderno, algumas formas de racionalização desta “morte” além do próprio Estado: a ciência, a humanidade, o Ser, a Sociedade, o Outro, desejo, força de vida e relações pessoais, chamando-as de “formas de divindade deslocada”.

Como substitutos não é diferente o que elabora Sloterdijk em “no mesmo barco: ensaios sobre hiperpolítica” (1999): “começa uma onda literária que não fala de outra coisa senão de Estado, vida em sociedade, formação humana” (Sloterdijk, 1999, p. 58), diz Sloterdijk refletindo Nietzsche que Código Teológico a parte: “aquilo que inspira nosso tempo com esperança e horror; alguma coisa está morta e só pode desmoronar mais rápida ou lentamente, mas de alguma forma avançam a vida e a civilização e se cristalizam em novidades não compreendidas” (Sloterdijk, 1999, p. 60) e não se trata apenas da nova cepa do coronavírus que assusta, mas de novidades que avançam em discursos polarizados e radicais.

Lembra que não são apenas os discursos de algum aventureiro político de países com convulsões políticas, mas: “Vê-se o elenco político desfilar com algazarra pela mídia e somos lembrados na inapetência premeditada dos torneios municipais” (Sloterdijk, 1999, p. 64), sabe que existem aqui e ali: “megalopatas convincentes da velha guarda” (idem), mas uma “desproporção global entre as forças necessitadas e as fraquezas existentes” (ibidem), ou dito de outra forma estadistas capazes de lidar com as crises contemporâneas.

Chama alguns destes personagens que aparecem aqui ou ali de “atletismo de Estado da globalidade”, mas ressalta que ainda não foi escrito ressaltando as “exigidas consciências” que não deveria ter para uma “profissão: político”, uma residência com opacidade, um programa com o qual é difícil pertencer-se, no aspecto Moral pequenos trabalhos, nenhuma paixão: uma ausência de relação, evolução para o autorrecrutamento a partir de conhecimento e deveriam ser atletas de um “mundo sincrônico” (pg. 65).

A sentença da hiperpolítica de Sloterdijk é drástica: “o tema da ´revolução conservadora´, experimentado há duas ou três gerações” (pg. 67) em que previa certo tipo de nova onda fundamentalista, previa alguns políticos contemporâneos como Donald Trump e Boris Johnson mostram não só que não foram acasos, mas que continuam a espreita de uma nova de política que surge no rescaldo da “síndrome de Krause” (político alemão envolvido escândalos de corrupção), mostrando que não é obra do acaso, não é apenas a ausência do Geist (espírito) ou da falta de subjetividade e aceitação da diversidade cultural planetária, a “política aparece como o equivalente de um quase-acidente coletivo-crônico numa rodovia coberta pela névoa” (Sloterdijk, 1999, p. 69).  O livro foi escrito bem antes da ascensão da onda conservadora.

Na sua sentença final Sloterdijk pede que “a hiperpolítica se torne a continuação da paleopolítica por outros meios” (pag. 92).

Sloterdijk, P. no mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica. Trad. Claudia Cavalcanti. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.

 

A verdade e o método

17 nov

Hans Georg Gadamer é o herdeiro da hermenêutica ontológica de Heidegger, e desenvolveu a hermenêutica filosófica através de sua obra prima Verdade e Método, publicada pela primeira vez em 1960.

Para desenvolvê-la precisou revolucionar a hermenêutica ocidental moderna, através da crítica da estética, a teoria da compreensão histórica e o desenvolvimento da ontologia da linguagem, para complementar o método heideggeriano do círculo hermenêutico.

A publicação de Verdade e Método significa ainda nos dias de hoje, um estudo novo na ciência da interpretação e que entra numa importante fase denominada hermenêutica filosófica, que deve auxiliar as disciplinas humanas a buscar a partir da experiência a compreensão do próprio ser, constituindo uma nova tentativa filosófica de avaliar a própria compreensão como um processo de conhecimento do estatuto ontológico do homem, fundando assim uma nova antropologia.

Enquanto filosofia da linguagem, estamos em pleno processo da viragem linguística, não se constituem apenas o acesso à coisa e não a verdade, pois também a correspondência entre palavra e coisa só ocorre quando se conhece a coisa, dessa forma o aprendizado (ensino, busca, pergunta, resposta e a própria informação) só é feito pelo pensar que conduz as coisas ao mundo das ideias, e assim as palavras não passam de representação de signos ao qual se atribuem sentido. e começa seu estudo por Humboldt.

Foi Wilhelm von Humboldt que utilizou a teoria da “força do espírito” humano como fonte produtora de línguas, a tese dele aborda uma “filosofia idealista que destaca a participação do sujeito na apreensão do mundo, mas também a metafísica da individualidade, desenvolvida pela primeira vez por Leibniz” (GADAMER, 2008, P. 568).

Como forma de questionar a história desenvolvida de modo idealista, Gadamer ao fazer a crítica de Dilthey parte do pré-conceitos, onde o historiador “submete a alteridade do objeto aos próprios conceitos prévios” (Gadamer, 2008, 513), e está assim ilustrado em seu texto: “apesar de toda metodologia científica, ele se comporta da mesma maneira que todo aquele que, filho de seu tempo, é dominado acriticamente pelos conceitos prévios e pelos preconceitos do seu próprio tempo” (Idem).

Para uma nova compreensão, como ponto de partida para uma nova antropologia, interpretar não é um meio de se chegar a compreender, mas entrar no próprio conteúdo do que se quer atribuir um sentido de forma unitária ou unilateral, mas que a “Coisa de que fala o texto vem à fala” (GADAMER, 2008, p. 515).

O texto no final questiona a própria linguística que afirma que cada língua realiza isso à sua maneira, porém o autor ressaltar outro foco procurando uma unidade entre o pensar e falar, isto se infere ao fato que qualquer tradição escrita só pode ser compreendida, apesar da grande multiplicidade das maneiras de falar, identificando uma unidade existente entre a linguagem e pensamento, pensamento e fala, e neste caso qual é a conceitualidade de toda compreensão? A interpretação conceitual é o modo como se realiza a própria experiência hermenêutica. 

Como toda compreensão é uma aplicação da linguagem, o intérprete está sempre em um desenvolvimento contínuo de conceitos, a linguagem se mantém viva tanto no falar como no compreender todo o processo de compreensão, interpretação e pensamento.

GADAMER, H.G. Verdade e Método I. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2008

 

A natureza, o homem e o divino

29 out

É o desenvolvimento da cultura humana que pode desenvolver estas potencialidades, assim diz Morin: “É certamente a cultura que permite o desenvolvimento das potencialidades do espírito humano” (Morin, 1977, p. 110), depende, portanto, do desenvolvimento de uma cultura de paz, de solidariedade e de preservação da vida dentro do espírito humano.

Somos parte da natureza e o conceito antropocêntrico precisa ser modificado, porém é “só ao nível de indivíduos que dispõem de possibilidades de escolha, de decisão e de desenvolvimento complexo que as imposições podem ser destrutivas de liberdade, isto é, tornar-se opressivas” (idem), mas esta depende do desenvolvimento da cultura, ou da esfera do pensamento (Noosfera de Teilhard de Chardin), sobre isto Morin dirá: “É certamente a cultura que permite o desenvolvimento das potencialidades do espírito humano” (idem), depende, portanto, do desenvolvimento de uma cultura de paz, de solidariedade e de preservação da vida que não pode excluir a Natureza.

Dirá Morin no capítulo de sua conclusão sobre a “complexidade da Natureza”, que no universo dito “animista”, ou mitológico no caso dos gregos, “os seres humanos eram concebidos de modo cosmomórfico, isto é, feitos do mesmo tecido que o universo.” (Morin, 1977, p. 333), e neste ponto Teilhard de Chardin desenvolve o conceito de um universo deificado, ou dito dentro da cosmologia cristã: “cristocêntrico”, razão pela qual foi durante algum tempo acusado de panteísmo (muitos deuses).

A ciência penetra mais e mais num universo cheio de surpresas, do bóson de Higgs à constante de Hubble que estabelece tanto o tamanho como a idade do universo, mas será que isto é a consolidação da unidade da física, chamada hoje de Teoria da Física padrão, porém esta constante já foi modificada.

Em termos astronômicos existe a medida megaparsec, que equivalente a 3,26 milhões de anos-luz de distância, Hubble mediu pela primeira fez 500 km por segundo por megaparsec (km/s/Mpc) o diametro da Terra, mas esta medida hoje varia entre 67 e 74 km/s/Mpc.

Também a natureza do interior do planeta varia e há muitas incertezas, devido a exposição do vulcão Cumbre Vieja nas Ilhas Canárias, muitos cientistas e pesquisadores sérios, há muitos fake News sobre o assunto, percebe-se que não há ainda teorizações claras sobre a natureza destes organismos planetários, sempre presentes nas história do planeta.

O diálogo entre diversas cosmovisões longe de simplificar ou reduzir o pensamento de sua cultura, amplia e auxilia o desenvolvemos das outras, mas é preciso ter clareza que cada uma tem uma contribuição a dar, e cada uma pode permanecer em suas identidades culturais, na maioria delas há sempre uma precedência do divino ao amor humano.

Para muitas cosmovisões o meio divino para poder dialogar com o humano, penetra nos mistérios do universo e pensamento (a noosfera), na cosmovisão cristã isto está explicado em dois passos: Amar a Deus e amar ao próximo, assim diz a passagem bíblica (Mc 12, 29-31) sobre o questionamento feito pelo farisaísmo a Jesus sobre quais eram os mandamentos: “Jesus respondeu: “O primeiro é este: Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força! O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes”.

Assim o farisaísmo irá relativizar o primeiro “mandamento” para priorizar o segundo, só o amor ao próximo importa e define o cristão, em geral reduzem ao seu grupo e não dialogam com outras culturas, o segundo (amar a Deus sobre todas as coisas), nega a inclusão do segundo mandamento e caminha para o fundamentalismo e a negação da ciência como cultura, além de negar também outras cosmovisões não cristãs.

O diálogo entre diversas cosmovisões longe de simplificar ou reduzir o pensamento de sua cultura, amplia e auxilia o desenvolvemos das outras, mas é preciso ter clareza que cada uma tem uma contribuição a dar, e cada uma pode permanecer em suas identidades culturais.

CHARDIN, T. O lugar do homem na natureza, trad. Armando Pereira da Silva, Ed. Instituto Piaget, Lisboa: 1997.

MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.

 

O lugar do homem na natureza

27 out

A natureza mantém uma relação como um todo com o planeta e este tem íntima interdependência com os seres vivos e que por sua vez são interdependentes entre si, assim todos os ecossistemas da Terra são apenas simplificações dos estudos de Biologia e estão separados da totalidade que é o planeta, esta é uma das teses do livro A natureza da NATUREZA, de Edgar Morin que nós já fizemos algumas postagens aqui.

Porém queremos dialogar com o conceito antropocêntrico que domina muitos estudos e cada vez mais vemos que é uma limitação já que a natureza tem seu próprio curso, e a interferência brutal do homem pode modificar e prejudicar este curso.

Segundo Ways (1970) citado em Chisholm (1974) existe uma tendência na epistemologia ocidental de objetivar a natureza para vê-la “do lado de fora”, e está é a responsável pela forma arrogante e insensível de lidar com o mundo natural, segundo o autor mesma atitude de separação do homem da natureza constitui a base do crescente conhecimento humano da mesma, sendo, portanto, uma interpretação antropocêntrica da evolução do mundo natural.

Por outro lado, é inegável a complexificação da natureza no homem, como uma animal que tem consciência, ou dito de outra forma tem consciência da própria consciência, o que pode levar a outro extremo que é a “interiorização” onde cultura e natureza se confundem, onde o subjetivismo pode ser uma tendência responsável por esta vertente.

Já o paleontólogo Teilhard de Chardin em sua obra “O fenômeno Humano”, observa que não há nenhum traço anatômico ou fisiológica que distingue o homem dos outros animais superiores, por outro lado tem a característica zoológica que o faz um ser à parte no mundo animal, é o único que habita todo o planeta, outra característica que vem de sua forma de consciência é a sua organização enquanto consciência e estrutura de pensamento, que Teilhard de Chardin chama de “noosfera”, uma esfera do pensamento também mundial.

Quanto ao home resta saber, e nem a ciência sabe, se é um mero acidente superficial que aconteceu ou se há nele uma intencionalidade desde que o Universo foi criado, seja Big Bang ou não, reflete Teilhard Chardin: “que a devíamos considerar – prestes a brotar da mínima fissura seja onde for no Cosmos – e, uma vez surgida, incapaz de desperdiçar toda a oportunidade e todos os meios para chegar ao extremo de tudo o que ela pode atingir, exteriormente de Complexidade, e interiormente de Consciência” (CHARDIN, 1997).

 

CHARDIN, T. O lugar do homem na natureza, trad. Armando Pereira da Silva, Ed. Instituto Piaget, Lisboa: 1997.

CHISHOLM, A. Ecologia: uma estratégia para a sobrevivência. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

 

Simetria e diversidade

13 out

Toda relação de poder é assimétrica, discorrendo sobre o poder das [mídias] de redes sociais, no seu livro-ensaio “No Enxame” escreve o coreano-alemão Byung Chul Han: “o poder é uma relação assimétrica. Ele fundamenta uma relação hierárquica. O poder de comunicação não é dialógico. Diferentemente do poder, o respeito não é necessariamente uma relação assimétrica” (p. 18), então fica a pergunta como o poder poderia ser simétrico e como a comunicação dialógica.

Sociedades coletivas, comunais e originárias sempre tiveram alguma forma de hierarquia e a maioria delas desenvolveram formas de comunicação dialógica, a modernidade talvez seja o momento histórico de maior hierarquia e onde a comunicação tornou-se mais problemático, sendo necessário voltar a conceitos básicos sobre quem é o outro e que forma de poder é lícita”?

O pior dos cenários tornou-se realidade, este é o ponto que Byung Chul Han tem razão: o enxame, porém é preciso compreender o processo de desenvolvimento que vem do racionalismo-idealismo cartesiano-kantiano, onde o centro é a verdade objetiva, sem espaço para a subjetividade, não por acaso os conceitos éticos e morais perderam valor, dizia o imperativo categórico kantiano: age de tal forma que sua conduta seja modelo universal, mas quem é este ser “ideal”, “racional”?

Sabemos que na natureza sempre há alguma assimétria, por exemplo, os lados do corpo humano.

A resposta não é tão difícil se entendermos a diversidade, não há modelo “individual” que seja um padrão para todos, nem há uma forma objetiva de expressar o poder, senão aquela que induza toda uma coletividade ao amor solidário, a proteção dos mais frágeis e a negociação em disputas.

Levamos dois mil anos, se considerarmos o modelo cristão de fraternidade, para entender que o único modelo possível de dialogia é o respeito ao Outro (no conceito de Chul Han o respeito é simétrico, porém não pode anular a diversidade, a simetria perfeita não é natural).

Estamos de tal forma treinados e condicionados a um modelo padrão que o chamamos de “reto”, numa analogia a uma linha ideal, já que qualquer objeto presente na natureza que seja reto terá alguma imperfeição, e assim o imperativo categórico de Kant só é possível no imaginário idealista.

A sociedade, em suas diversas formas de “bolhas”, não instituiu e desenvolveu a confiança, mas o controle, forma de poder para que todos se moldem ao modelo ideal de determinado grupo ideal.

 

A finalidade humana e sua finitude

24 set

Diferente da máquina que tem como finalidade omeio (ver post anterior), a finalidade humana é reafirmar a existência pela perpetuação da vida, e também tudo que é vivo pode e deve defender esta existência, conforme explica Edgar Morin:
“As imposições que inibem enzimas, genes, e até células, não diminuem uma liberdade inexistente a este nível, pois a liberdade só emerge a um nível de complexidade individual onde há possibilidades de escolha; inibem qualidades, possibilidades de acção ou de expressão” (MORIN, 1977, 110), as máquinas não deixam de ter finalidade, mas sejam quais forem são meios.

Mas esta liberdade quando está no nível humano, e é “só ao nível de indivíduos que dispõem de possibilidades de escolha, de decisão e de desenvolvimento complexo que as imposições podem ser destrutivas de liberdade, isto é, tornar-se opressivas” (idem).

É o desenvolvimento da cultura humana que pode desenvolver estas potencialidades, assim diz Morin: “É certamente a cultura que permite o desenvolvimento das potencialidades do espírito humano” (ibidem), depende, portanto, do desenvolvimento de uma cultura de paz, de solidariedade e de preservação da vida dentro do espírito humano.

Dirá Morin no capítulo de sua conclusão sobre a “complexidade da Natureza”, que no universo dito “animista”, ou mitológico no caso dos gregos, “os seres humanos eram concebidos de modo cosmomórfico, isto é, feitos do mesmo tecido que o universo.” (MORIN, 1977, p. 333).

Esta presença do que Morin chama de “generatividade”, os seres animados e animadores, todos existentes no seio do universo, implicava numa comunicação entre as esferas: da physis, da vida e a antropossocial, se ampliarmos estes conceitos para a esferologia de Sloterdijk: antropotécnico.

Mas conforme raciocinamos alguns posts atrás, a separação da physis em natureza (animada) e física (inanimada) não só “desencantou o universo, mas também o desolou”.

Completa seu raciocínio com uma frase que mostra nossas múltiplas crises e noites: “Já não há génios, nem espíritos, nem almas, nem alma; já não há deuses; há um Deus, em rigor, mas noutro sitio (o destaque é do autor); já não há seres existentes, com excepção dos seres vivos, que certamente habitam no universo físico, mas procedem duma outra” (idem).

Assim conclui que a natureza foi devolvida aos poetas e a physis aos gregos, e assim o universo das técnicas (que são meios) dominou a vida (que é finalidade) e então “a ciência e a técnica geram e gerem, como deuses, um mundo de objectos” (MORIN, 1977, p. 334).

Não deixa que o finalismo (ou fatalismo) seja a última palavra: “é da crise desta ciência que saem os novos dados e noções que nos permitem reconstruir um novo universo” (idem), a física quântica, do terceiro incluído (o quantum entre dois quanta) e a entropia/neguentropia se renovam.

Todo universo é “anima”, também o teológo Teilhard Chardin concorda com esta tese, e também que a vida é a complexificação do universo, no qual o fenômeno humano é seu ápice.

Além da interpretação animista ou mitológica para estas finalidades da vida, que é morte e vida em vida em morte, um princípio heraclitiano também citado por Morin, a reflexão cristão sobre as passagens já citadas anteriores sobre quem é Jesus (Mc 8,27 e Mc 9,31), e Ele devia sofrer muito.

Ela se complementa na questão sobre abandonar aquilo que é finalidade transitória da vida (portanto só meios) e se não for útil para a finalidade última (e, portanto, são apenas meios e devem ser relativizados) se tua mão, teu pé ou teu olho te leva a pecar (esquecer o fim último da vida humana que é a eternidade da vida) é melhor perdê-los para ter a finalidade viva.

Mas sua última palavra é a de aceitação aos que veem esta realidade de modo diferente, se não são contra nós é a nosso favor (Mc 8, 40) e (Mc 8,41) e “quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa”, assim muitos podem cooperar com o crescimento da anima humana, com a vida e a Natureza viva da qual todos dependemos.

MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.

 

O fim dos seres e das máquinas

23 set

Edgar Morin diz que “estamos pois na pré-história da finalidade”, usando o discurso hegeliano dirá “todo o ´si´ torna-se já quase um parasi” (Morin, 1977, p. 242), e assim a máquina viva (para diferenciar das artificias) desde as células molecadas, até os organismos vivos mais complexos “são quase especializados em função das refas quase programadas que visam realizar fins, e todos estes fins se unem no fim global: viver” (idem).

Pode-se dizer então, expressão do autor, que “este ser vivo que se autofinaliza é o produto é o produto finalizado do acto reprodutor que o originou” (ibidem), e “remontando” isto até a origem da vida, fica a pergunta “como é que a finalidade nasce da não finalidade?” (MORIN, 1977, P. 243).

Vai perguntar então que tipo de “informação” capaz de reproduzir e controlar proteínas com as quais não estavam ainda associadas? A idéia de informação, e portanto de programa, e portanto de finalidade, não podem ser anteriores à constituição dum primeiro anelamento protocelular” (idem), vai concluir a partir daí que deve-se afastar “a ideia de processo finalitário antes do aparecimento da vida”, talvez aqui separamos máquinas artificiais dos seres vivos, seu início.

Dirá de modo categórico e essencial que “a finalidade biológica, e evidentemente antropossociológica, está mergulhada num processo recorrente de geração-de-si de que faz parte. É o rosto emerso e informacional desta geração-de-si” (ibidem), para aqueles que creem, digo que este é o que penso ser “imagem e semelhança de Deus”, estar num processo originário vital.

As máquinas vivas e as artificiais terão em comum, segundo o autor, “finalidades das origens da vida repercute-se e reflecte-se nos fins globais das máquinas vivas, e até das máquinas artificiais” (MORIN, 1977, p. 243).

Diferenciará mais a frente a máquina artificial da viva, citando Paul Valéry: “Artificial quer dizer que tende para um fim definido e, por isso, se opõe ao vivo”, assim por exemplo, o fim “duma fabricar é fabricar carros, cujo fim é a deslocação, a qual serve para actividades construtivas da vida do indivíduo na sociedade e da sociedade no indivíduo” (Morin, 1977, p. 244).

Assim enquanto a máquina tem uma finalidade extrínseca da vida, e esta finalidade deveria ter o fim intrínseco da vida biológica, estes “fins complementares podem tornar-se concorrentes e antagônicos, como acontece com os fins da existência individual e a reprodução…” (Morin, 1977, p. 245), se tornarem-se antagônicos podem conduzir da exclusão de uma finalidade pela outra.

E assim, conclui este tópico Edgar Morin> “no Homo sapiens, os prazeres gastronômicos e os gozos eróticos tornam-se fins em detrimento das finalidades alimentares e reprodutoras; o conhecimento, meio para sobreviver num ambiente, torna-se, no pensante tornado pensador, à qual subordina a sua própria existência” (MORIN, 1977, pags. 245-246).

Assim as finalidades deslocam-se, degeneram e tornam-se incertas, como o futuro da civilização.

MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.

 

Crise do pensamento e a razão cínica

17 ago

O pensamento moderno ainda está fortemente atrelado ao idealismo, há vários pontos a colocar em questão a Crítica da Razão Pura de Kant, dois pontos que considero centrais: o dualismo sujeito e objeto (chamado de dicotomia infernal por Bruno Latour) e a transformação do eidos grego em ideia abstrata, quase toda filosofia ocidental contemporânea é herdeira de Kant.

A crise da “democracia” grega (questionável porque escravos e mulheres não participavam) aconteceu em meio a crise do pensamento sofista, fundado no relativismo e na justificativa do poder, valia a arte da retórica e da oratório e o poder da argumentação, mais que a verdade.

Também lá nasce outra dicotomia infernal: entre natureza (phýsis) e cultura (nómos), afinal o que é natureza e o que queremos dizer que é cultura quando a distanciamos da vivência e da techné.

Sloteridjk é um dos raros filósofos ocidentais que vai questionar sem perder o cunho racionalista e progressista, tanto os clássicos moldes atuais da argumentação como de Adorno e Horkheimer, de Sartre e de Foucault, não escapa nem Heidegger do qual de certa forma é também herdeiro, ao questionar sua Carta sobre o Humanismo, e pensar o que é de fato humanismo hoje.

O que chama de cultura, por exemplo, pode mostrar a contradição, dando o exemplo da China onde pode-se comer carne de cachorro e na Índia não se pode alimentar de carne bovina que é um animal sagrado.

O ponto que considero mais central é a explicação do relativismo moderno, já que este também era o fundamento dos sofistas gregos, lá tudo que se referia a vida prática podia ser modificado, assim tanto a religião como a política, eram considerados fatores culturais e podiam ser modificados, é convergente, segundo Sloterdijk com o pensamento moderno, segundo sua análise dos conceitos de cinismo e kynismós, seu fundador Antístenes de Atenas (445-365 a.C.) pregava uma vida simples como uma vida selvagem (na natureza, a palavra kynós significa cão), a figura de Diógenes em seu barril é a mais emblemática (na pintura acima de Jean-Leon Gerome, 1860).

Embora discípulo de Sócrates, diferentemente de Platão optou apenas pelo estereótipo do mestre, ao contrário de educar e organizar uma “episteme” ele vai tornar tudo simples e relativo.

O contexto destes sofistas era a cidade-estado e a democracia de Atenas que se encontrava em crise.

A segunda parte do livro de Sloterdijk é uma crítica ao cinismo aplicado, estruturado em quatro partes: fisionômica, fenomenológica, lógica e histórica.

Sloterdijk, P. Crítica da Razão Cínica, trad. Marco Casanova e outros, SP: Estação liberdade, 2012

 

A parição aórgica

13 ago

Como o conhecimento moderno poderá parir um novo mundo,superar a crise humanitária (que é além da pandêmica), superar a crise do pensamento alertada por tantos pensadores Bachelard e a nova ciência, Husserl e a crise do pensamento científico, Morin e a crise do pensamento humanitário, que também Sloterdijk criticou revisando a “Carta sobre o humanismo” de Heidegger.

Repassando as três mudanças, na antiguidade Sócrates através de Platão pariu a episteme que superava o modelo sofista e Platão organizou o modelo da cidade-estado, com as limitações que não dava direito as mulheres e aos escravos, modelo que entra em colapso junto com o império romano, herdamos deles o direito, mas em que se traduziu o direito natural: no contrato social.

A república moderna, vem justamente de uma discussão do que é a natureza humana, o modelo antropocentrista ignorou o Ser e sua relação com o Ente, não se trata só da relação com a Natureza, mas com a própria natureza humana, que é também um fenômeno.

postamos aqui sobre a mudança aórgica, a relação com a própria natureza e com a nossa própria, que Sloterdijk chama de “matrix in grêmio” (figura), nome apropriado para a escatologia cristã, onde há a figura feminina como a promotora desta mudança aórgica, a relação tensa com a natureza que trará mudanças profundas no planeta e na relação humana.

O que desenvolvemos em nosso post anterior sobre a mutação aórgica, foi a necessária superação do antropocentrismo, é a natureza da natureza (desenvolvida no Método I de Edgar Morin), o lugar do homem na natureza (o título de um dos livros de Teilhard Chardin) e outros autores apontam que o antropocentrismo é um paradoxo, somos codependentes e coparticipes da Natureza.

Mas a natureza dá sinais de agonia, a mudança climática é apenas um sintoma, a própria estrutura do planeta (vulcões, terremotos etc.) pode alterar profundamente e perigosamente o planeta, lembremos dos desastres de Fukushima e de Chernobyl, e a polarização trás o perigo da guerra.

Na escatologia cristã, no livro do Apocalipse de São João lê-se (Ap. 12-19a-12): “Abriu-se o Templo de Deus que está no céu e apareceu no Templo a Arca da Aliança. Então apareceu no céu um grande sinal: uma Mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”.

Embaralham-se teólogos e exegetas sobre esta passagem, claro que a figura de Maria vem a tona, mas o templo de Deus não é nada mais que o universo e a natureza, incluindo a natureza humana, e a coroa de doze estrelas, as dose tribos de Israel, mas curiosamente a bandeira da Europa tem dose estrelas também, e metaforicamente diria que representa um mundo mais unido, no modelo inicial europeu porque ele também sofreu fissuras como o Brexit inglês.

A mudança aórgica é uma possibilidade não uma fatalidade, e tudo depende da ação humana, como diz o centenário filósofo Morin dá para ter esperança e para acreditar numa mudança.

 

A metáfora e a especulação

03 ago

Não há no discurso filosófico (ou do pensamento bem estruturado) que seja livre de pressupostos.

Na metáfora viva, Paul Ricoeur esclarece que isto é “pela simples razão de que o trabalho do pensamento pelo qual se tematiza uma região do pensável põe em jogo conceitos operatórios que não podem, ao mesmo tempo ser tematizados” (Ricoeur, 2005, p. 391).

Estes postulados são fundamentais para compreender o discurso, a retórica e a mera especulação.

Paul Ricoeur faz este estudo em torno das questões: “Qual a filosofia está implicada no movimento que conduz a investigação da retórica à semântica e do sentido â referência? “(idem).

Será na resposta a estas questões, e “sem chegar à concepção sugerida por Wittgenstein de uma heterogeneidade radical dos jogos de linguagem” (Ricoeur, 2005, p. 392) é possível reconhecer: “em seu princípio, a descontinuidade que assegura ao discurso especulativo sua autonomia” (idem).

Não explicitado por Ricoeur, mas Edgar Morin fala sobre o discurso moderno duas raízes que levam o discurso especulativo a uma forma moderna de obscurantismo: o fechamento em áreas do saber demasiadamente especializadas, que ele chama de hiperespecialização.

Aqui a metáfora pode ser confundida com a mera especulação e a filosofia estaria “induzida pelo funcionamento metafórico, caso pudesse mostrar que ela apenas reproduz no plano especulativo o funcionamento semântico do discurso poético” (idem).

Ele esclarece que a pedra de toque deste equívoco é “a doutrina aristotélica da unidade analógica das significações múltiplas do ser, ancestral da doutrina medieval da analogia do ser” (idem) que voltaremos no próximo post para entender as limitações metafísicas da ontologia aristotélica.

O segundo esclarecimento, mais fundamental é o discurso categorial, onde “não há nenhuma transição entre a metáfora poética e a equivocidade transcendental” que é a conjunção entre teologia e filosofia “em um discurso misto” que cria confusão entre analogia e metáfora” (Ricoeur, 2005, p. 393), e isto implicaria em “uma subrepção, para retornar uma expressão kantiana?” (idem), por isto é necessário retornar a questão metafísica e nela a questão ontológica.

Cita como epígrafe a afirmação de Heidegger de que “o metafórico só existe no interior da metafísica”, é aqui o coração desta obra de Ricoeur, e ele chama de uma “segunda navegação”, alusão a “Mytologie blanche” de Jacques Derridá, passar da metáfora viva para a metáfora morta.

Ricoeur, P. Metáfora viva. trad. Dion David Macedo. BR, São Paulo: Edições Loyola, 2005.