Arquivo para a ‘Antropotécnica’ Categoria
Além do cansaço, viver o presente
Vários fatores conseguiram podem colocar nossa vida em desarmonia, mesmo que sejam involuntários, mortes, tragédias, incompreensões, etc . pode parecer que pouco ou nada pode fazer para mudá-los, uma fórmula já conhecida que é a meditação e/ou a oração, pode até parecer fuga.
Há várias correntes culturais que pensam como uma apelação ou religiosas que as associam ao new age, mas a sociedade do cansaço descobriu a contemplação, Byung Chul Han escreveu sobre isto, Sloterdijk seu mestre alertou para “uma ascese desespiritualizada”, ambos não são cristãos, e em ambos podem se encontrar aspectos que chamam co-imunidade ou mesmo a contemplação.
Aos poucos a mente turbada vai voltando a ficar clara, escolher um pensamento ou uma atitude para tornar o dia melhor, buscar um modo de acalmar e relaxar e superar situações de conflito.
A psicopolítica, e a tentativa que ressurge de controle das pessoas, deve ter uma reação calma e afirmar que isto não está funcionando, sem se indispor com ninguém a sua volta e evitar que se perca o momento, ou tentar controlar atitudes das pessoas que estão ao seu lado.
Por último o que foi postado ja aqui, mesmo em meio a turbulência, até mesmo na guerra, são possíveis momentos de trégua, de felicidade se vivermos desapegados do que já passou e não existe mais.
O número de problemas sociais que se avolumam vai requerer atitudes para não cair em alguma forma de doença psíquica, depressão, desanimo, abatimento ou síndromes mais pesadas.
Há um lado profundamente positivo nisto tudo, tornou-se urgente alguma forma de espiritualidade e até aí residem perigos pois não são poucos os que prometem o que não entregam: paz de espírito, pois a paz social vai demorar e os obstáculos a serem removidos são enormes, mas também teremos que fazê-lo.
Ao ver filmes, livros e cultura, claro de alto nível, tudo parece apontar para lá, uma retomada do Ser, unir objetividade e subjetividade, ação e contemplação enfim poderá custar, mas algo haverá de reflorir e alavancar um futuro mais “humano” além do humanismo fragmentário do moderno.
Terra-planetarismo, uma cosmovisão planetária
Já mencionamos que a cosmovisão depende de uma visão do cosmos e da própria vida, falta ainda uma cosmovisão cidadã, o Edgar Morin chamou de terra-pátria e que chamo de terra- planetarismo.
Ver o planeta como Pátria, como “casa comum” na visão místico- religiosa, como Gaia em uma visão mitológica, incorporam esta visão, pois o próprio planeta, os seres viventes incluindo animais e plantas e as culturas que são a cidadania dos povos viventes no Planeta, ampliam uma visão cosmo-planetária da Terra que habitam.
No livro de Edgar Morin ele traça nos capítulos 2 e 3 o que seria esta identidade planetária, e ao mesmo tempo revela um esgotamentos e uma agonia planetária, há algo que envolve além das tradições e das questões culturais em jogo, esta cosmovisão depende de como o homem se vê como um todo, e isto implica numa cosmovisão avançada, que admite os novos telescópicos, que fizeram a revolução copernicana, que agora são presentes nas novas mídias e numa visão ampla do universo.
O terraplanismo é o lado mais extremo desta visão, mas o apego a uma visão anterior a física quântica, aos buracos negros, a visão de um multi-verso, implica que a cosmovisão planetária ainda é iluminista e idealista, presa a uma ideia de cidadania, de estado e de planeta que já está a muito superada, e agoniza em sucessivas crises.
No livro de Morin e Anne Brigite Kern, apontam que o fenômeno-chave para entender esta crise de proporções planetárias é “o subdesenvolvimento moral, psíquico e intelectual” (Morin e Kern, 2011, p. 115) inclusive do que é desenvolvimento, e a proliferação de ideais geras “ocas e de visões mutiladas, a perda do global, do fundamental e da responsabilidade” (idem).
Ampliar esta visão requer abandonar princípios pseudo-planetários que são eurocentristas, terceiro-mundistas, imperialistas e neocolonizadores presentes em “salvadores da pátria” sejam de esquerda ou direita, em geral pouco solidária e de cosmovisão limitada.
Uma nova visão planetária, que respeito a própria natureza, exige uma visão de um universo ainda mais amplo que foi visualizado por Copérnico, Galileu, Newton e os iluministas, o eterno dualismo materialismo x idealismo, a religiosidade imperial de algumas religiões.
Falta sabedoria aos humildes e humildade aos sábios, é tempo de repensar o pensamento, como queria Edgar Morin, tempo de transdisciplinaridade de multi-verso (vários universos).
MORIN, E., KERN, A.B. Terra pátria. Trad. Paulo Neves. 6ª. edição, Editora Sulina, 2011.
Esta apresentação no SESC em São Paulo Brasil, fala sobre este tema:
Cosmologia, Cosmovisão e diálogo
A origem da palavra grega “kosmos” está ligada a ideia de ordem, universo (ou multi), beleza e harmonia, também o cosmo através da posição das estrelas ajudaram a organizar o calendário na origem da história humana, hoje pode estar ligado também as cosmogonias e visões do início e fim do uni-multiverso, da natureza e do homem.
A ausência de uma cosmovisão empobrece também a visão do Ser, Emanuel Lévinas examinando o tema fez em seu livro Ética e Infinito, uma crítica radical da categoria da totalidade, típica da filosofia ocidental que levou ao culto do Mesmo e do Neutro, do pensamento absoluto que levou a tiranias e ideologias totalizantes.
Na Física aristotélica, anterior a física moderna e impensável naquela momento uma astrofísica do multiverso, ele elaborou um modelo estático, de eterno fluxo do devir, submetido a uma ordem, a revolução copernicana colocou tudo em movimento, e a astrofísica moderna recuperou o modelo do “infinito”, onde a matéria e a energia escura dominam 96% do universo.
As cosmogonias são fundamentais para entender a formação de culturas e pensamentos religiosos de diversos povos, as lendas e mitos geralmente podem ser pensadas em torno de uma metafísica, e as crenças que as tornam possíveis como explicação do mundo.
A cosmovisão está presente em qualquer forma de pensamento, assim o materialismo, o idealismo e o espiritualismo são cosmovisões, como uma apreensão parcial da totalidade e a solução e encontro do Outro são feitos em função desta cosmovisão.
Assim num diálogo de culturas, imperativo para um mundo globalizante e a exigência de uma cidadania global ainda que não reconhecida, é necessário esclarecimentos desta cosmovisão, de modo não totalizante e ao mesmo tempo que admita o infinito como mistério e devir.
Encontramos no Dicionário básico de Filosofia (Jupiassu, Marcondes, 2008) que a cosmologia supõe a possibilidade de um conhecimento do mundo como sistema e como expressão de um discurso, o postulado de uma totalização do mundo, se feito pelo saber, torna indispensável a ideia de uma eventual cosmologia do próprio saber.
JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
O video below mostra a visão cósmica de David Southwood da ESA (European Space Agency):
A maioria e o identitário
Poucos conhecem este nome, o contrário de transsexual é cis, também o cristianismo e o fato de ser branco pode ser uma dificuldade de diálogo com outros grupos, entretanto a democracia e os direitos exigem que estes diálogos também sejam feitos.
Não se trata apenas de uma posição ideológica ou partidária, porém é assim que se vê a maioria, no caso religioso há ainda uma coisa única no Brasil que poderia ser positiva e não o é, o chamado sincretismo religioso.
Diria mais no caso brasileiro, os negros se contados pardos e mulatos são maioria, o que seria então a guerra ideológica que boa parte da direita pensa, nada além da recusa do diálogo.
A dicotomia que se estabeleceu na sociedade brasileira é prejudicial ao conjunto dos brasileiros, e a chamada “guerra cultural” pode levar o país a extremos nunca pensados antes.
O identitário que no caso americano levou determinada direita ao poder, a oposição não é bem uma esquerda, no caso brasileiro pode abrir fendas profundas na nação, pensando em povo e não em símbolos pátrios apenas, sem que isto leve a uma perspectiva a curto prazo.
A longo prazo somente uma retomada do diálogo tornará possível novos avanços e novas formas de democratizar direitos e deveres aos seus cidadãos, construir uma nova cidadania identitária requer que vejamos o conjunto da sociedade como ela: uma miscigenação de povos, raças e religiões.
Os estudos feitos por Mario de Andrade para Macunaíma pode ser um bom início para este diálogo, embora é claro haverá quem o torne demoníaco também.
O processo de “estranhamento” da sociedade brasileira com sua própria identidade, que é sem dúvida uma miscigenação, pode ter dois caminhos negar uma metade da população com efeitos catastróficos, ou incluir as duas metades e levar o país a um exemplo de tolerância.
Eu torço e luto pelo segundo caso, embora neste momento pareça quase impossível.
Entre as várias resenhas que encontrei na internet, a de Luana Werb é boa introdução a leitura de Macunaíma, caso tenha interesse acesse o link abaixo:
Entre a Aporia e a Aletheia
A palavra grega Aporia (Ἀπορία) significava na Mitologia grega a impotência, a dificuldade e o desamparo, ou ainda a falta de meios, foi repensada pela escola aristotélica como impasse, paradoxo, dúvida, incerteza ou mesmo contradição, seus estudos são designados aporética.
Aristóteles a definiu como “igualdade de conclusões contraditórias” (Tópicos, 6.145.16-20).
Ela é importante porque rompia, ainda que participialmente, como a lógica de Ser ou Não ser, não podendo haver contradição, o que veio dar no idealismo contemporâneo.
É radicalmente diferente da Aletheia, porque está é encobrimento, não a contradição e assim era designada pelos antigos gregos como verdade e realidade, simultaneamente.
Heidegger a retoma na tentativa de “desvelar” a verdade, esta considerada um estado descritivo objetivo, e, portanto, carente de um movimento metafísico ou subjetivo.
Aporia foi também usada por autores contemporâneos, como Derridá e Paul de Man, portanto na teoria literária pós-estrututalismo, é assim a própria leitura desconstrutiva do texto, que já alertamos anteriormente que nada tem a ver com negação da verdade, mas indeterminação ou indecidibilidade.
O sentido de as colocarmos juntos aqui é justamente buscar uma relação que na teoria contemporânea está desconexa, sendo ela própria uma aporia, a viragem linguística parece não ter nada e nenhuma ligação com a ontológica, assim aporia e aletheia estão desconexos, os gregos pouco ajudam, pois, a leitura é no particípio passado e não particípio presente.
É curioso, mas foi Portugal que me alertou para o fato, aqui não se usa o gerúndio: alguém está falando, está a falar dizem, assim nada estará sendo, mas está a ser, esclareceu-me padre Manuel Antunes ao dar características do povo português: povo místico, mas não metafísico.
Enquanto aporia é particípio passado ela torna-se fatalista, indeterminada como busca da verdade, já a aletheia enquanto desvelamento é uma constante busca de horizontes, onde não há verdade definitiva, mas verdade em construção: sendo, revelando, acontecendo.
O determinismo filosófico, político e principalmente o religioso leva a diversos tipos de fundamentalismo, vai da pura aporia a pura “verdade”, não há dialógica nem desvelar.
O círculo hermenêutico de Heidegger não é apenas um método, é u desvelar, admitir a ideia que todos temos pré-conceito é um desvelar para a crise da modernidade, o legalismo e o positivismo idealista deu no que deu, uma realidade aporética, que parece sem saída, mas a própria humanidade aponta caminhos, um já é claro: admitir que há pré-conceitos é o único remédio e diagnóstico capaz de superá-los.
Culturas, religiões e conceitos políticos estão em choque isto é aporético, podem e devem entrar em dialógica humanista, isto é, desvelamento e busca de horizontes.
Luta pela paz, com mansidão e justiça
A história da humanidade é até os dias de hoje uma história de guerra do Mesmo contra o Outro, o livro A expulsão do outro de Byung-Chul Han não é senão a constatação desta realidade, pode-se revolucionar esta história ?
É nosso destino, uma fatalidade, penso que não, quando mais se falou de paz se fez a guerra, talvez quando mais se fale de guerra possa ser pensada a paz, a Terra como pátria humana.
Os desafios são imensos, e os medos crescem a cada novo governo autoritário, é bom que se diga também há ilhas de esquerda, e fortaleza de direita que não são senão pessoas “eleitas”.
Não penso em resistência nem em oposição, continuo a pensar em transformação, o grande retrocesso que acontece em toda humanidade, se fosse localizado seria fácil tem uma só leitura: não conseguimos ir a frente, os saudosistas dizem: “como era bom aquele tempo”, qual ?
Lutar pela paz deve ser também pela justiça e contra toda sorte de opressão, engrandecer a sabedoria simples e entender que é preciso profundidade para ser simples, uma “sofisticação” como disse Leonardo da Vinci, e estabelecer um espírito de mansidão onde seja possível pensar.
Sem deixar de perceber uma dose excessiva de autoritarismo é hora de perguntar, qual o lugar exato do estado na vida cotidiana? sua abrupta interferência até na vida pessoal não é senão uma forma de autoritarismo? temos câmaras e radares a cada quilômetro, não é exagero.
Armas para a paz, não faz o menor sentido, mais armas mais violência, nunca o contrário.
Lembram as bem aventuranças bíblicas Mt 5,5: “bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra”, claro o que vejo hoje é o poder na mão de raivosos e autoritários, mas não é o fim.
O verso longo seguinte é praticamente um alerta para a justiça Mt 5,6: “Bem-aventurados os que têm fome e se de justiça, porque serão saciados”, e, mais a frente Mt 5,9: “os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”, será que o humanismo morreu ?
O fato que todos, ou pelo menos uma grande parte da humanidade, tem uma percepção que algo precisa ser feito com urgência para superar os “perigos contra a humanidade” nos desafia.
É urgente uma governança mundial, e não menos urgência programas de distribuição de renda.
O colapso ecológico, e nas grandes metrópoles também o urbano pedem medidas mundiais.
Lembro as duas bem-aventuranças como estímulo para aqueles que lutando pela humanidade sofrem perseguições, injustiças e calúnias.
Mt 5,11 “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim”, isto é cristianismo, é preciso conjugar Amor com paz e justiça.
Aplacar medos e ódios: a mansidão
Há pouca literatura filosófica sobre a mansidão, mas sobre medos e ódios são abundantes, exploramos isto nos posts da semana anterior, agora desejamos amadurecer e superar tanto os ódios, os medos e principalmente as mágoas que entravam as vidas é necessário algo relacionado a temperança, a mansidão e claro uma boa dose de sabedoria crítica.
Poder-se-ia conjugá-la com a paz, com a tolerância, mas são assuntos com relação direta ao social, ao justo e principalmente a alguma dose de poder no sentido positivo que dissemos em nosso post anterior, a paz interior ou a resiliência interior como forma de tolerância não são outra coisa que a negação do contexto social e humano externo.
A mansidão é aquela força capaz de mesmo diante do contraditório ser capaz de ouvir, argumentar e em muitos casos apenas calar até que a outra pessoa consiga ouvir.
Diferente da “paz interior” ou dos conceitos sociais de paz, ela é uma forma pacífica de olhar o mundo, o Outro para além de suas limitações, de seus rompantes momentâneos ou habituais, e é capaz de transmitir serenidade e calma em ambientes hostis.
Os medos nascem da imaturidade, da incompreensão ou da fragilidade diante de uma situação, o uso de armas não leva a uma maior mansidão, leva a tentativa de leva o medo ao outro, porém quase sempre isto constrói uma escalada de ódio.
Agora sim pode ser conjugada com a ideia de paz social, a pax romana previa a submissão dos povos, a Pax de Vestfália que não foi senão um tratado de tolerância religiosa que levasse a uma paz política, já a pax eterna o direito do estado de interferir num conflito, até mesmo com violência se for necessário, isto volta a discussão na realidade brasileira.
Kant afirmava que “pelo uso e predomínio da razão, pela constituição da esfera individual – a construção do indivíduo moderno, pelo estabelecimento do espaço público para o debate e resolução dos conflitos sociais”, tal era o modelo construtor da pax eterna da modernidade.
Sem mansidão, uma dose de compreensão de hermenêutica da interpretação.
Este discurso do relembra Heidegger que tem um ensaio sobre a Serenidade (1959), Byung-Chul Han lembra que “coragem serena para enfrentar um medo essencial “[Heidegger], e quando este medo falta, o idêntico permanece, então o pensamento põe-se à mercê da “voz silenciosa” que o “acorda com os horrores do abismo”.
A expulsão do Outro
O olhar de Byung-Chul Han sobre a contemporaneidade não poderia ser mais autentico para o autor da Sociedade do Cansaço, da Salvação do Belo e do Aroma do Tempo, entre outros livros é claro, mas tem logo em suas primeiras páginas, a relação com tudo isto e com o belo: “Se uma flor tivesse em si mesma a sua plenitude ôntica, não teria necessidade de que a contemplassem” (Han, 2016, p. 13), parece paradoxal esta frase mas não é, está no seu livro “A expulsão do Outro” (HAN, 2016).
O autor analisa questão [em Max Scheler] de Santos Agostinho atribuir “de uma forma estranha e perigosa° uma necessidade às plantas:
“de que os homens as contemplem, como se, graças a um conhecimento do seu ser guiado pelo amor, experimentassem alguma coisa de análogo à redenção” [Han apud Scheler, 2016, p. 13).
Han esclarece que o conhecimento visto desta forma é redenção, mas note-se que não há como nesta forma separar sujeito de objeto na ação de contemplação, o que é longamente analisado em outro livro seu A sociedade do cansaço, aqui a relação amorosa com o objeto enquanto outro.
Nisto o autor distingue a simples notícia ou informação, “à qual falta por completo a dimensão de alteridade” (idem, pag. 13), aquela que seria capaz de revelar um mundo novo, uma nova compreensão daquilo que realmente é, fazendo de súbito que o novo apareça (idem).
Retomando Heidegger, afirma que todo esta falsa objetividade não significa outra coisa que “Senão esta cegueira aos acontecimentos” (Han, 2016, p. 14).
Embora sua visão seja excessivamente pessimista da rede e do digital, tem razão ao dizer que “a proximidade traz inscrita em si a distância como seu contrário dialético. A eliminação da distância não gera mais proximidade, antes a destrói” (Han, 2016, p. 15) e sentencia de modo categórico, que na falta de distância nem o idêntico que ela cria contém vida.
Retoma o tema de outro livro “A agonia do eros”, dizendo que “na pornografia todos os corpos se assemelham” e o corpo fica reduzido ao sexual não conhece outra coisa.
Faz uma rápida análise do filme de animação Anomalisa (figura acima) feito por Charlie Kaufman em 2015, que revela o inferno do idêntico, coloca o quadro Golconda de René Magritte, o surrealista belga, estilizado em seu livro “Enxame”.
O livro analisa ainda o terror da autenticidade, o medo e a alienação antes de analisar a linguagem e o pensamento do Outro, o pensamento moderno não é outra coisa como consequência do “esquecimento do ser”, da separação de sujeito e objeto, a expulsão do Outro.
HAN, Byung Chul. A Expulsão do Outro, Lisboa: Relógio d´água, 2016.
Heidegger e o Poder
Embora possa se fazer uma especulação sobre a questão do poder no conceito de pre-sença que é uma resposta de Heidegger ao racionalismo, o ser-para-o-fim “não se origina primeiro de uma postura que, às vezes, acontece, mas pertence, de modo essencial, ao estar-lançado da presença, que na disposição (do humor) se desvela dessa ou daquela maneira.” (Heidegger, 2015, p. 327).
É a ideia que este ser-lançado, a presença “existe para seu fim” (idem), o para está destacado por que está na relação com o conceito para-si de Hegel, e através disto seria possível fazer a especulação do que é de fato a relação que Heidegger vê com o poder, a partir da presença.
O caminho que faremos é mais direto, porque Heidegger analisou diretamente esta questão, estudando a vontade de Poder em Nietzsche, e o eterno retorno que de modo indireto, já fizemos (post) a análise no eterno do estado e queremos aprofundar o conceito.
A afirmação que em nossos instintos estão sempre presentes as ideias de vontade de poder, eterno retorno (em alemão Ewige Wiederkehr) e super-homem (em alemão übermensch), e os dois últimos são conduzido pela vontade de poder, portanto sua categoria principal.
O ente para Nietzsche não é pensado como ser, mas como querer inerente à vontade, assim o ente que quer sempre a si mesmo de modo instável e insaciável é o que o torna, um ente metafísico do querer e não necessariamente do Ser.
Em Nietzsche é um “torna quem tu és” que vale e não o princípio socrático “conhece-te a ti mesmo” que é mais próximo do ser ontológico, e Heidegger vai propor o “confronto” que é a revisão da fundamentação originária do pensamento ocidental, em torno da essência e em sua necessidade, descrita assim: “se uma consideração mais originária sobre o ser deve se tornar necessária a partir de uma urgência histórica do homem ocidental, então esse pensamento s+o pode acontecer na confrontação com o primeiro começo do pensamento ocidental.
Essa confrontação se dá plenamente, “ela mesma permanece fechada em sua essência e necessidade, enquanto a grandeza, quer dizer, a simplicidade e a pureza da tonalidade afetiva fundamental do pensamento e a força do dizer adequado se recusarem para nós.” (Heidegger, 2015, p. 479).
Não por acaso, o brasileiro nietzschiano Oswaldo Giacóia Jr escreveu “Heidegger urgente: introdução a um novo pensar” (Três estrelas, 2013) que é um guia para leitura de Heidegger muito precisa, esclarece que Heidegger pretende reatar um pensamento ainda mais “radical e originário do que aquele que foi vivenciado na Grécia … “ (Giacóia Jr, 2013, p. 46), para corresponde à verdade do Ser como desvelamento (alétheia) diria ainda mais um retorno a sua essência.
Neste contexto o Ser, numa nova poiésis (a maneira criativa e infinita de pensar o Ser), deve antes de tudo a vontade de poder que está presente no messianismo e na mitologia de todo pensamento contemporâneo, fonte das bases autoritárias de fazer política e de sociedade.
O eterno retorno é o conceito mais frágil, não há a questão da consciência histórica nem do tempo, o que diferencia profundamente do circulo hermenêutico de Heidegger.
GIACÓIA JÚNIOR. Oswaldo. Heidegger urgente – Introdução a um novo pensar. S.P. Três Estrelas, 2013.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo, 10a. edição, Trad. Revisada de Marcia Sá Cavalcante, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2015.
Visão científica e ontologia
A ciência contemporânea é fruto de uma construção de conceito “a priori”, que pode ser pensada como aquilo que é anterior a experiência ou à percepção, em termos de filosofia isto corresponde a duas formas de conhecimento ou argumento, quando dizemos na minha experiência eu sinto que … é o argumento da percepção, quando digo vejo isto da seguinte forma … significa que tenho uma visão de mundo e estou recorrendo a ela.
Na fenomenologia ontológica também é admitido um “a priori”, mas não significa uma “construção apriorística”, pois ela deve estar desvinculada da “empiria”, pois na verdade mesmo que não consigamos explicitar a nossa visão de mundo, ela foi social e culturalmente construída, o que no circulo hermenêutico são os pré-conceitos, no sentido que estão de alguma forma formulados.
Assim como tanto a pesquisa científica como a ontologia tem conceitos “a priori” elas podem convergir, mas na prática a ontologia requer uma purificação, ou seja, a explicitação de quais são os preconceitos, por exemplo, o idealismo ou a cultura.
Toda investigação Científica realiza uma a priori que é a “fixação dos setores dos objetos” e só é possível a partir de uma abertura originário ao ser do ente, ou seja, qual é a experiência ordinária que ela tem do mundo, por vezes difícil de explicitar e questionar.
Para que um verdadeiro questionamento científico seja feito é preciso determinar a região dos entes, muitas vezes chamada de contextualização mas esta no máximo só corresponde a uma visão romântica de história (ler Gadamer), a região significa ser levada ao horizonte da experiência original, o horizonte da relação fundamental do ente que questiona com o mundo questionado, em geral feito às avessas.
Na filosofia medieval, toda a discussão destes a priori levam querela dos universais de Boécio(470-525 d.C.), que traduziu a Isagoge do grego para o latim, logo percebeu o magnífico programa que as questões de Porfírio anunciavam.
No fundo a querela é se existem universais, quais seriam eles, que desencadeou uma luta entre nominalistas (tudo é nome) e realistas (eles existem independentes dos nomes).
A analítica existencial “está antes de toda psicologia, antropologia e, sobretudo, biologia.” (Heidegger, 2015, p. 89), embora já o dizemos no post anterior Paul Ricoeur afirma que há em Heidegger (diria em toda ontologia) um a priori que se fundamenta na antropologia, que chamamos de originária por razões culturais.
Heidegger, M. Ser e tempo, 10a. edição, Trad. Revisada de Marcia Sá Cavalcante, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2015.