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A questão da consciência
A grande questão para a Inteligência artificial foi até pouco tempo a autonomia, robôs, máquinas autônomas e agora automóveis autônomos, com toda polêmica o projeto evolui, a Alemanha, por exemplo, já prevê uma linha de carros autônomos para a próxima década que se iniciará.
A nova questão é a questão da consciência, ela já ocupa a cabeça dos filósofos a mais de um século, e pode conceituar de modo geral como a capacidade de assumir ações e consequências destas ações, o que tem a ver com autonomia, pois a autonomia é analisar as consequências dos atos praticados por máquinas, pelos limites de periculosidade e privacidade.
No âmbito da consciência social, ou histórica, este foi o grande debate de Gadamer com Dilthey, ao qual atribui uma concepção de consciência romântica pela ausência de uma “mediação histórica” a partir da facticidade, e pergunta “como se irá determinar a tarefa da hermenêutica” e encontra um ponto comum entre Schleiermacher e Hegel ” (Gadamer, 2002, Verdade e Método, p. 256), com os conceitos de reconstrução e integração, e segundo ele, Dilthey faz o caminho intermediário entre eles.
Explica Gadamer: “Schleiermacher e Hegel poderia apresentar as duas possibilidades extremas de resposta a esta pergunta. As suas respostas poderiam ser designadas com os conceitos de reconstrução e integração. Tanto para Schleiermacher como para Hegel, no começo se encontra a consciência de uma perda e [de uma] alienação frente à tradição, que é a que move a reflexão hermenêutica” (idem).
Entretanto dirá, cada um deles vai determinar a tarefa da hermenêutica de maneira diferente, e o que Gadamer chama de reconstrução e integração, significa a separação dos pré-conceitos e alienação em relação à tradição, e por isto reconstruir e integrar.
A célebre tese de Schleiermacher é “o que importa é compreender um autor melhor do que ele próprio se teria compreendido”, fez Gadamer pensar sobre a obra de arte, mas Schleiermacher fica preso a sua concepção de “história do espírito” que é seu conceito.
Já o que Hegel afirma, segundo Gadamer, é a criação de uma categoria ao afirmar que a essência do espírito histórico não consiste na restituição do passado, mas na mediação do pensamento com a vida atual, que é a prevalência e o idealismo do ideal sobre as questões factuais.
E a origem da consciência, como ela se deu, será que tem razão Terence Deacon ao afirmar que a mente veio da matéria, e com ela veio a consciência, se for verdade é possível pensar que de algum modo a máquina, nos níveis da Inteligência artificial, poderá ter “consciência” e então saberá que é máquina e que nós humanos não.
O que relacionamos nos vídeos de Gadamer e Peter Sloterdijk foi para introduzir esta questão, e se propõe a questão da verdade como gênese da consciência histórica (Gadamer, 2002, p. 265), assim a consciência de máquina não poderá ter este nível.
GADAMER H. G., Verdade e método, 4ª ed., tr. Flávio P. Meurer. Petrópolis: Vozes, 2002.
Poder e alma
Não há no discurso sociológico algo que de fato desvende o que é o Espirito, a grande razão ela qual a filosofia veio re-trabalhar a questão do Outro (Levinas, Ricoeur e até mesmo Habermas e Chul-Han a retomaram) é que a visão idealista é centrada no “eu”, também o pensamento vulgar foi por este caminho: o “mistério”, a chave do sucesso, etc.
Para se ter uma relação com a alma é preciso saber não a ex-sistência (ex-fora e cistere – cisterna), mas que Deus é, sua essência é Ser em sua plenitude e assim nele há a plenitude ontológica e assim a alma, do grego anima, é o que Ele insere no homem para dar-lhe vida.
Assim seu poder é ontológico, Byung Chul Han chega a relacionar Heidegger com sua concepção de poder, e também de religião com poder, mas sua leitura é dualista neste ponto, ou religião ou ontologia, é verdade que existe uma teo-ontologia, porém há uma relação forte entre elas, desde Tomás de Aquino.
A relação que Chul Han estabelece está descrita assim: “Embora Deus seja a ´subjetividade´, esta não se esgota na identidade abstrata, sem conteúdo, do ´eu sou eu´. Ele não permanece em um silencio e hermetismo eternos´” (Han, 2019, p. 120), citações que ele retira de Lições de filosofia da religião de Hegel, e não é de estranhar que pense, ele é próximo ao budismo e a ascese é humana.
Já escrevemos no post anterior que Deus é poder na visão hegeliana, e Chul Han a descreve a partir da ideia idealista: “pois Ele é um poder de ser Ele mesmo” (Han, 2019, p. 121), e assim não há relação de criação (e não imanência) com tudo que existe, incluindo o homem e sua alma.
Diferente do Espirito desenvolvido por Hegel (Fenomenologia do Espírito), sem a relação com a alma não há um Deus trinitário, além do divino-humano Jesus, o Espírito Santo, terceira pessoa.
Através de uma verdadeira ascese o homem conhece um verdadeiro poder, que não é uma dominação sua descrição sociológica, mas uma relação ontológica com sua ascensão, por ela diz a leitura bíblica o homem se eleva verdadeiramente.
Diz uma passagem da leitura divina, na qual Mateus revela como uma lição de Jesus (Mt 4,25):
“Com efeito, de que adianta a um homem ganhar o mundo inteiro, se se perde e se destrói a si mesmo?”, ou seja, se destrói sua alma.
HAN, B.C. O que é poder?. Trad. Gabriel Salvi Philipson. RJ: Petrópolis, Vozes, 2019.
Poder e dominação
Escrevemos em nossos ensaios anteriores a diferença entre poder e dominação, e o poder pode ser exercido com sabedoria e discernimento, mas na maioria das vezes ele descamba para a mais pura forma de dominação: controle de opiniões e narrativas e exercício da força para isto, neste caso é muito mais fácil tornar-se pura dominação.
Byung Chul Han em seu livro “O enxame” que fala da dominação “psicopolítica” discorre sobre o uso das mídias e seu controle para isto, as tendências atuais de uso de IA torna isto mais perigoso, ali descreve que a única forma possível de simetria é o respeito.
Escrevemos em um post anterior aqui, muito antes desta tensão de guerra que para sobre a nossa civilização:
“A simetria, a reciprocidade, a compreensão da diversidade humana e o respeito a ela, quase sempre é ignorado nos modelos do início do século assado, voltar a eles não é senão um prenuncio de uma tragédia maior: a crise civilizatória de raízes mais profundas que as anteriores”, escrevemos isto bem antes do início da guerra no leste europeu.
Entendendo que isto parte de modelos de dominação política das opiniões e narrativas de poder, a análise de Byung Chul Han no seu livro: “O que é poder” mostra a eficiência do uso das novas mídias como uma forma de controle eficiente e direcionadora até mesmo de nossas “liberdades”.
Entre suas análises, encontramos entre várias discussões em torno da filosofia moderna e contemporânea e as práticas rotineiras da pós-modernidade uma que é particularmente importante e que foge de muitas análises: a gamificação.
O jogo que, em geral, motiva os participantes com seu sistema de recompensas produtor de sensações imediatas de êxito é também ferramenta de exploração na psicopolítica. A comunicação social se manifesta na carência gramatical do Twitter, no apelo afetivo do like e na alienação promovida pelos influencers.
Assim o querer que é administrável de acordo com nossas possibilidades e reações do Outro, é treinado nos jogos eletrônicos como um querer compulsivo, deseja-se “abater” o inimigo, e o ritmo cada vez mais compulsivo vai sendo ditado pelas batalhas e rapidez nas respostas.
Ainda que se possa encontrar vantagens na gamificação ou que se possa pensa-la em termos educacionais: construir uma casa, uma fazenda ou fazer jogos de conhecimento, há um forte predomínio por “batalhas” e domínios de territórios.
HAN, B.C. O que é poder. Trad. Gabriel Salvi Philipson. RJ: Petrópolis, Vozes, 2019.
Cegueira e novos caminhos
A maior de todas as cegueiras pessoais é o ódio, e a maior social é a guerra, nela os homens perdem a razão e se tornam fanáticos.
É comum em tempos de crise e poucos conhecem e defendem de fato o caminho da serenidade e da sensatez nestes momentos, a polarização e a guerra eram indícios, recorrer ao autoritarismo e ao descaminho social é a consequência.
A limitação física visual me fez ter o exato sentimento do que significa isto, primeiro reconhecer a própria cegueira e depois saber como caminhar com ela e aceitar os limites recorrendo a cura.
Socialmente não é bem assim porque as narrativas fazem os homens crerem no que dizem e falam e naquilo que imaginam enxergar, já postamos aqui do ensaio de Saramago e de outras cegueiras, também o seu significado em torno da pandemia.
O rumo social de uma sociedade em desiquilíbrio e sob tensão é sempre preocupante, porque nem sempre a sensatez vence, lembremos das duas guerras e os seus desastres humanitários e de outras pandemias.
A liturgia cristão neste tempo natalino não fala apenas do advento do menino Jesus, fala também da Parusia, ou seja, de um novo advento, onde também diz que haverão cortes e mudanças (Mt 3,10): “O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo”, ou seja, a raiz de todos males e desavenças.
Em termos religiosos é pedida a conversão, a mudança de rota, em termos sociais é preciso reconhecer aquilo que não está no caminho da esperança e do amor, e cortar pela raiz pois é a única forma de mudar.
Nem tudo que reluz é ouro
Quem proclama ou ouve falar em mudanças, pensa em valores e situações imediatas que indicam benefícios terrenos e não caminhos retos e novos que levem a uma ascese superior, então não é este o tempo que virá, não é este um novo advento.
Mudanças estruturais implicam em mudança de mentalidade, em termos religiosos significam conversão, não para esta ou aquela determinada posição e sim para uma nova ascese moral e social.
As palavras muitas vezes são ditas para convencer os homens, mas não significam que se fato há coerência naquilo que se diz, em termos atuais significam construir narrativas para favorecer interesses pessoais.
Assim como nem tudo que é novo é revolucionário, e diz o adágio popular nem tudo que reluz é ouro, também para os que creem nem todo aquele que se diz religioso está de fato mudando de valores.
A leitura ao pé da letra é (Mt 7,21-24): “nem todo aquele que diz Senhor, Senhor entra no Reino dos Deus, mas o que põe em pratica a vontade do meu Pai que está nos céus. Portanto, quem não ouve estas minhas palavras e as põe em prática, é como um homem prudente que construiu sua casa sobre a Rocha”.
Quando de fato as mudanças começarem a acontecer, os tempos de crise sempre indicam isto, também as consciência serão iluminadas, entrarão numa “clareira”, porém por hora tudo é confuso e incerto, cada qual quer prevalecer seu ponto de vista, e assim se opõe de modo fanático ao que considera oposto aos seus interesses, porém um novo advento se anuncia.
Mais do que palavras proféticas ou apocalípticas são condições e estruturas necessárias a um novo tempo social,, moral e espiritual, tudo está imerso em conflitos de grupos de interesse e política imediatista.
Assim enquanto se arruma a casa, tudo parece revirado e incerto, e de fato o é, mas ao reorganizar se verá quanta sujeita e desarrumação havia por organizar, e não será como a “antiga” casa.
A sabedoria e o amor
Talvez o maior dos paradigmas e assim o mais suscetível a erros humanos é o Amor, pode-se falar da classificação grega: eros, philia e ágape, porém quero liga-lo aqui a sabedoria no sentido de uma felicidade plena, não aquela que produz frutos utilitários, mas espirituais.
Há um livro “A sombra do amor, sobre o conceito de amor em Heidegger” e outro que foi tese de Hannah Arendt, não parecem mas estão ligados, pois foi no período de tese que Heidegger e Arendt tiveram um romance e assim ela passou a ser orientada por Karl Jaspers.
O texto de Heidegger que é uma compilação de cartas só existe em francês, então retornemos ao conceito alemão do “Dasein” agora para ressignificá-lo e dar uma conotação ligada ao Amor:
“No significado costumeiro, porém, quer dizer, por exemplo: a cadeira “está aí”; o tio “está aí”, ele chegou e está presente; daí: presença” (Heidegger, 1994, p. 300).
Pode parecer uma simples manobra literária, mas não é, também outros autores (Fernandes, 2011) faz esta alusão inclusive a compara com a “parousia” e “adventus”, que adquire uma conotação mais religiosa, aqui não é necessária.
Assim é uma presença de uma ausência, porém o amor passa também pela linguagem e pelo pensar, assim “o pensar é, pois, fundar, no humano o “médium” para dar-se da verdade do ser. É, por conseguinte, cofundar o humano como presença: ser o aí-do-ser. Neste sentido a ontologia fundamental é uma arrancada para a passagem, para embalar-se para o salto, um primeiro movimento em favor da fundação da verdade do ser no humano como presença. Isso comporta uma transformação do humano de senhor do ente em pastor do Ser”.
E esta é a principal contestação de Sloterdijk em Heidegger o fracasso desta domesticação humana, ou aquilo que em Heidegger é “cuidado” e que a modernidade não conseguiu resolver.
A principal ideia de Heidegger sobre o Amor é a sua presença em uma Ausência, a ela pode-se acrescentar aquilo que desenvolvemos em tópicos anteriores: o trabalho com a incerteza e os erros, ou seja, saber viver e trabalhar diante das dificuldades naturais da vida.
Referências:
HEIDEGGER, M. Beiträge zur Philosophie (Vom Ereignis). Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann. 1994.
FERNANDES, M. A. O cuidado como amor em Heidegger. Rev. Abordagem Gestalt. Vol. 1, n. 2, Brasil, Goiânia, dez. 2011.
Sabedoria e formação
A mais bela imagem que Platão fez de Sócrates sobre a filosofia não foi a ordenação do conhecimento, a epsiteme que também é necessária, através dela se combateu os sofistas, mas sim a imagem que existe no seu livro Banquete, aquela com a qual se tem acesso à filosofia e o conhecimento do Sumo Bem e nela “a” sabedoria.
Aquela que diz que um filósofo não é movido só por um “saber-fazer” como quer o mundo utilitário, a presença de Sócrates pelo “testemunho” de Alcebíades, com uma aparência sem nenhuma compatibilidade com o Belo da Grécia clássica, e que impunha a quem o interrogava uma mudança de atitude, não um receptor passivo de ideias.
As perguntas e o interrogatório não são menos importantes que o colocar-se ativamente diante de si mesmo e do mundo, há um desejo de protagonismo e de resposta a questões realmente importantes.
Conforme se lê em Teeteto, Sócrates é definido como àtopos, com “sem-lugar”, ou mesmo “esquisito”, como aquele que cria aporias, ou seja, não resolve as coisas apenas levanta questões, não ajuda então a harmonia da “pólis” ou do cosmos.
Que tipo de sabedoria é esta então, o “não saber” é para Sócrates de muita significação, ele é uma crítica contundente à pretensão dos sabidos, afinal o saber destes não é resultado da conversação, do diálogo, não toma consciência das questões contraditórias do seu saber.
Todo edifício Socrático-Platônico-Aristotélico não resistiu a força bruta do império romano, e entra em ruína diante do poderoso exército romano, como a guerra venceu a sabedoria grega, adquirindo-a e fazendo servir aos seus propósitos, os deuses romanos não eram outros senão os correspondentes aos deuses gregos, porém a filosofia decaiu.
Esta é o possível paralelo atual, há um sentimento quase generalizado que pesar não é mais útil nem razoável, e a filosofia não seria outra coisa além e mera especulação, diz Sloterdijk “não é um tempo favorável ao pensamento”, ou vamos para o pragmatismo da ação ou para o deletério.
Há pouco espaço para a parição do novo, para a Paidéia com seu efeito de educação e formação, tudo vai em direção ao imediato e ao mercado.
Até mesmo em ambientes onde a cultura está presente parece que os ideais da sabedoria estão sobe suspeita e a vulgaridade se promove até com certo “status”, a saída é chamar os homens a consciência e ao bom senso.
Platão. O Banquete (pdf)
A escalada da guerra
Alertamos na semana passada que o risco de um avanço ucraniano provocaria a ira russa e é de fato o que está acontecendo, o governo convocou 300 mil reservistas, e o órgão OVD da ONU, informou que houveram protestos em 38 cidades e 1,4 mil pessoas foram detidas (Fonte RTP Portugal).
A guerra no leste da Ucrânia começa a inverter a tendência, as vésperas de um plebiscito feito pelo governo russo, as tropas ucranianas avanço na região de Donetsk, estratégica porque possui estradas e ferrovias para da Rússia se alcançar as regiões ao leste, incluindo Mariupol e Kherton.
Quais serão os próximos passos dependerá da gravidade do avanço ucraniano, a princípio estes jovens e pais de famílias que estão sendo convocados irão para o fronte então a ideia de esperar o inverno e tentar conter o avanço das tropas da Ucrânia parece uma primeira estratégia, mas as provocações de uso de armas nucleares prosseguem e os canais de imprensa dos EUA noticiam que o governo Biden teria feito uma ligação reservada ao governo russo.
O governo chinês pediu neste final de semana que não haja “transbordamento” da guerra.
Putin manteve até agora os protestos e oposição a guerra sob controle, a custa de prisões e certo cerceamento de liberdades de imprensa, também a maioria das regiões é governada por autoridades pró-Kremlin, porém é possível que a situação interna se agrave (foto de protesto).
Um agravamento que é incomodo para o governo russo, são as disputas fronteiriças entre Armenia e Azerbaijão, e, também Tadjiquistão e Quirquistão e a própria Rússia tem uma disputa de território com a Georgia, além dos vários conflitos fronteiriços (Finlândia, Moldávia, etc.), na prática a Rússia gostaria de voltar a ser a grande federação soviética, mas o cenário já é outro.
A questão russa é que a OTAN se aproveite destes conflitos para ter novos aliados, além da expansão territorial que teve no pós-guerra, sendo esta a principal razão alegada para a guerra com a Ucrânia.
O cerco de Leningrado, hoje São Petersburgo, foi não permitir que os comboios russos chegassem até a cidade e havia um cartão de racionamento da comida, quando uma pessoa morria a primeira coisa que faziam era roubar-lhe o cartão, também se alguém transportava comida na cidade era roubada, a cidade tinha cerca de 3 milhões de habitantes e a única passagem para a Rússia era o lago Ladoga.
Veio o inverno e o lago tornou-se congelado e possível de ser usado como rota, enquanto a situação do exército alemão é que enfrentava dificuldades de abastecimento e condições de suportar o frio.
A situação atual da Ucrânia é que há todo o outono para retomar as regiões do Dombass, e evitar a batalha do inverno, enquanto os russos querem sufocar a retomada, primeiro através de um referendo que garanta o apoio a anexação russa e depois com o envio de mais tropas.
Novas derrotas russas poderão agravar a questão nuclear e a própria Ucrânia pode sofrer com o frio se for obrigada a desligar sua usina Zaporijia.
Enquanto isto a Europa depende do gás russo para passar o inverno, já voltou a usar combustível fóssil e várias usinas nucleares foram desligadas em acordos feitos para evitar o uso de energia nuclear, estrategicamente nem a Otan nem a Rússia vão esperar o inverno para suas investigadas.
Há possibilidades de acordo de paz, mas falta uma pauta razoável para eles, a polarização minou as possibilidades.
O Anel de Einstein e as esferas
Foi o filósofo Sloterdijk o primeiro a criar a relação do homem com suas esferas, do ventre materno ao planeta, ele tem grande parte de razão, também ao criticar a razão cínica, aquela que justifica a realidade esférica está em grande parte correto, é uma metáfora, mas muito boa.
Pensemos no feto, que fica dentro da esfera do útero até sair e olhar a sua ex-esfera a mãe, sentirá por um período longo ainda a dependência dela, acontece que esta realidade sociológica, antropológica, semiótica tem propriedades topológicas próprias que estão encobertas na razão cínica.
Uma delas é entender que há uma relação imunológica que tem como finalidade primordial proteger, nutrir, capacitar e imunizar o homo de um exterior sapiens desconhecido, como o bebê que ao nascer depende da mãe, ele precisa de sua proteção imunológica.
A busca de outros espaços, habitar a lua (a nova missão a ela encontra dificuldades) e a marte (os astronautas pensam que seria horroroso viver lá) não resolve a relação esférica planetária, em crise, é preciso abrir-se ao outro e sair da cabana, alguns psicólogos especulam sobre a síndrome da cabana, que a pandemia acelerou, não querer sair de um ambiente protegido, esférico.
O super telescópio James Webb fotografo o anel de Einstein em um lugar bem distante e fisicamente inalcançável pelo homem (imagem), ao menos nas condições tecnológicas atuais, e a previsão do físico foi “fotografada” (na verdade os instrumentos são de frequências e não de “fotos”) com uma precisão formidável, dá para estender a metáfora de Sloterdijk.
A teoria Gerald a Gravidade de 1916 revolucionava a física criando uma física que afirmava que a gravidade é uma curvatura do contínuo espaço-tempo causada pela massa dos objetos, quase dois objetos massivos estivessem perfeitamente alinhados com a Terra este espaço-tempo desviaria os fótons formando anéis em todo do alinhamento destes dois objetos.
Um físico inglês chamado Sir Oliver Lodge sugeriu que este fenômeno de um campo gravitacional massivo não só desviaria a luz de um objeto atrás dele, como também a ampliaria formando uma lente gravitacional e a foto recente do James Webb confirma este fenômeno.
Qual é a metáfora, esferas massivas imunológicas, culturas, religiões ou ideologias cujo objetivo é proteger-se quando próximas (ou em rota de colisão que torna a metáfora mais complicada) não só formam um campo gravitacional forte que atrai os corpos a volta, não só distorcem o espaço-tempo, mas são também lentes que se observadas com cuidado permitem ver o que está atrás.
Assim é tempo de enxergar além das diferenças, das imperfeições dos modelos esferológicos e possibilitam uma atração gravitacional que ajude a entender melhor o processo civilizatório.
Os tempos de ira e as virtudes
Tempos sombrios de política, de ameaças de guerra e de pandemia não ocultam totalmente as veredas da clareira, ainda que seu verdadeiro significado seja discutível, nem o renascimento e nem o iluminismo foram de fato “clareiras” e Sloterdijk tenha revisto a clareira de Heidegger, é possível em tempos de ira enxergar virtudes que levam a clareira.
Sloterdijk em seu livro/ensaio “Tempo e Ira”, aponta a exaustão dos modelos tradicionais dos processos políticos, argumento a partir de uma revisão histórica dos grandes impactos políticos mundiais, invertendo a biopolítica preconizada por Foucault para uma psico-política social.
Aponta afetos que chama de “timóticos”, em especial a ira, assim como seus derivados degenerados, o ressentimento e a vontade de vingança, por exemplo (mas podem haver outros como a incitação ao ódio), tornam-se a força motriz fundamental da história e da política, assim se trata de mobilizar estas forças, e os populistas o fazem bem, para mobilizar a população.
A virtude, as boas propostas e o apelo ao diálogo parecem perder força, entretanto, o próprio autor aponta que os ecossistemas psíquicos (entre eles o moral) podem produzir estes “afetos”.
Escrito em 2006, o autor já mostrava que a ira cujo capital é justamente a ira mundial dispersa e passível de mundialização, produz uma onipresença cultural que chama de “metafísicas da desforra”, mas não desenvolve que os tipos de “afetos” morais podem ser uma força oposta.
Não foi sem esta força que os gregos desenvolveram os conceitos de cidadão da pólis, não foi sem o encontro com o humano (excessivamente antropocêntrico é verdade) que o renascimento fez um reencontro com o humanismo, depois do seu desenvolvimento moderno, agora me cheque.
As virtudes parecem heroicas, impossíveis e quase desprezíveis, o roubo da coisa pública, o diálogo e o respeito de fato a democracia (a polarização favorece os ditadores), parecem não dar outra saída porem as virtudes existem e elas são passíveis de nossa humanidade (Na pintura de Giotto: A alegria das virtudes, 1303-5).
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Não se trata apenas da figura feminina, das forças raciais e dos inúmeros esquecidos da política, o importante é destacar que uma virada social, precisa ser composta de virtudes morais e sociais.
A figura da mãe, foi desenvolvida até pelo escritor Máximo Gorki em seu histórico livro “A mãe”, que não significa outra coisa senão a geração das boas virtudes, também daquelas que geram as justiças sociais e a paz entre os homens, a Maiêutica grega, Sloterdijk talvez faz alusão a “matris in grêmio” (no colo da mãe) em suas esferas.
Em termos bíblicos, a figura de Maria, esquecida por alguns e até desprezada por parte dos cristãos, não é outra coisa senão a lembrança que de seu “parto” vem uma redenção, uma salvação e não por acaso ela é vista como toda virtuosa.
O trecho bíblico em que Maria conta a prima Isabel que estava grávida de Jesus é claro na saudação da prima (Mt 1, 42-43): “Com um grande grito, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? , sendo ela humana (e divina por participação na parição) está ao nosso alcance.
SLOTERDIJK, P. O tempo e a ira. São Paulo: Estação Liberdade, 2006.
SLOTERDIJK, P. Esferas I: bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016