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Arquivo para a ‘SocioCibercultura’ Categoria

Poder arbitrário e socialização

17 abr

Em seu livro “No enxame: uma perspectiva do digital” Byung Chul-Han esclarece que só uma relação é simétrica (os dois lados têm o mesmo poder ou a mesma potência) o respeito, se o respeito falta há sempre um exercício arbitrário do poder, mas olhemos outras definições.

Uma bastante utilizada é a de Norberto Bobbio: “ … toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistência, seja qual for o fundamento dessa probabilidade (Weber, 1994, p.33), nela há sempre a possibilidade de “manipulação”, uso da recompensa, ameaça da punição e outras formas de assimetria que favorece a força.

Generalizando a diversas formas de poder, e contrárias a de Foucault (veja o post anterior), Lebrun diz que poder e dominação caminham justo, uma pessoa tem podere quando o outro é despossuído deste, coloca no mesmo barco: m Marx, Nietzsche, Weber, Raymond Aron, Wright Mills e outros.

Esta concepção vem da sociologia norte-americana conhecida por “Teoria do Soma Zero”, teoria que vem desde Hobbes, que definia o poder do “soberano” ou do Estado, como sendo “um contra todos” e a “favor de todos ao mesmo tempo”, mas de cima para baixo.

Assim este poder pura e simplesmente aplicado como obrigação ou proibição aos dominados passando por eles e através deles, da mesma forma, os dominados também se utilizam dele e se apoiam nele, mas os dominados possuem subjetividade (na relação ontológica é o dasein), e produzem novos conhecimentos sobre as relações de poder e se empoderam também, neste sentido é importante relacionar poder com potência, ou capacidade de ação.

O conceito de ato e potência em Tomás de Aquino é entretanto mais completo, porque está relacionado também com a verdade, não a temporal, mas a ontológica, presente no Ser:

“[…]algumas coisas podem ser, embora elas não sejam, enquanto outras na verdade são. O que pode ser (illud quod potest esse) se denomina ser em potência; o que já é (illud quod iam est) se denomina ser em ato. Porém, duplo é o ser: o ser essencial ou substancial da coisa, como ser homem, é ser simplesmente; o outro é ser acidental, como o homem ser branco; e isso é ser outro”. (AQUINO, T, 1976, p. 39.)

Assim o poder é visto de outra forma, que é também matéria e ser completo, para o Aquinate todos são componentes básicos da substância, a noção de ser completo é atribuída assim tanto à forma que significa o ato primeiro, a atualidade, que a forma possui por si mesma e não por um mediador, quando este ato primeiro é atribuído à matéria haverá uma atualidade, aquilo que hoje é confundido com virtualidade (a potência ou possibilidade do ser), pois assim todo ser o é em potência, assim todos podem ter poder de forma a realiza sua potência plena.

Isto significa que é preciso potencializar o homem, a sociedade e recuperar os desapoderados, assim sempre é possível a reeducação, a ressocialização e até mesmo dos que são socializados.

O poder se exercido sem arbitrariedade e com a dimensão de todos pode e deve servir ao bem comum, a justiça e a liberdade.

AQUINO, T. De principiis naturae ad fratrem Sylvestrum, [ed. H.F. Dondaine]. Ed. Leon., t.XLIII, Opuscula, vol.IV. Roma [Santa Sabina]: Editori di san Tommaso, 1976,

LEBRUN, G. O que é poder. São Paulo: Brasiliense, 1999.

WEBER, M. Economia e Sociedade. Brasília – DF: Editora da Universidade de Brasília, 1994.

 

Poder em Foucault e Chul-han

16 abr

Michel Foucault rompeu com as concepções clássicas do termo poder e define como uma rede de relações onde todos os indivíduos estão envolvidos, e entendemos a rede aqui com o sentido moderno de rede embora fosse vago no seu tempo, os indivíduos são tanto geradores como destinatários do movimento destas relações, entretanto ele as identifica como biopoder, enquanto Chul-Han vai identificar como psicopoder, e de certa forma agrega as mídias a isto.

A ideologia de Estado, nascida de Hegel é a base de toda história de poder contemporâneo, o autoritarismo e as guerras modernas nasceram de uma nova ideia de imperialismo e colonialismo, na qual estados mais fortes controlam o poder não apenas pelas armas, mas antes pelo biopoder e agora pelo psicopoder.

O biopoder de Foucault, o estado é o primeiro nível de poder (ele chama de setor), o mercado o segundo nível, e, o terceiro é a sociedade civil, a ideia de 4º. poder da imprensa vem daí.

Ele estudou o poder não para desenvolver uma teoria sobre ele, mas para identificar aspectos da subjetividade (na ontologia seria a questão do Ser), ou seja, sujeito sobre os outros sujeitos.

Isto é importante para diferencia-lo de Chul-Han, que parte das relações ontológicas entre os seres e identifica a ação de mídias e estruturas mídias que atuam sobre a psicologia do poder, assim sua ideia de poder (O que é poder) é como uma técnica de dominação que estabiliza e reproduz o sistema dominado por meio de uma programação e de um controle psicológicoc.

Foucault vê o biopoder, como no corpo como uma máquina de adestramento, já que a biopolítica, em meados do século XVIII, estava focada em controles reguladores da população, a ideia que era o aumento populacional que proporcionava a miséria e a fome.

Peter Sloterdijk que orientou a tese de doutorado de Chul-Han sobre Heidegger, defende que este processo de “adestramento” falhou e assim, o processo de controle desenvolve-se para o quarto poder, que Chul-Han focaliza excessivamente nas mídias, esquecendo do 4º. poder da imprensa, TVs e cinema que influenciaram enormemente.

Ele desenvolve patologias de autocentramento (narcisismo), instabilidade emocional (borderline) como respostas às demandas de uma sociedade intoxicada de exigências de eficiência, de aparência e de coerção disciplinar, escreveu o autor):

“É inerente à sociedade pré-moderna da soberania a violência da decapitação; seu medium é o sangue. A sociedade disciplinar moderna é, em grande medida, uma sociedade da negatividade, sendo regida e dominada pela coerção disciplinar, isto é, pela ‘ortopedia social’. Sua forma de violência é a deformação. Mas nem a decapitação e nem a deformação estão em condições de descrever a sociedade de desempenho pós-moderna. Ela é dominada por uma violência da positividade, que confunde liberdade e coerção. Sua manifestação patológica é a depressão” (Han 2018,  pp. 183-184).

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Âyiné, 2018. 

 

Perigo de guerra eminente e esperança de paz

08 abr

Um ataque de drones feito a usina de Zaporizhzhia na semana passada, ligou um alerta da Rússia que denunciou prontamente o perigo e as consequências de um desastre nuclear seria terrível.

Não ficou claro qual foi exatamente a arma usada contra a Usina nuclear (foto), apenas que eram drones e que um havia sido detonado no local, a Agencia Internacional de Energia Atômica (AIEA), que tem especialistas no local, disse apenas que as informações eram “consistentes” com as observações da entidade, ou seja, algum drone havia explodido próximo a Usina.

Analistas internacional ainda veem como improvável o conflito devido ao risco catastrófico devido a possibilidade de uso de armas nucleares, além de combates convencionais, uso de ataques cibernéticos e híbridos seriam colocados em movimento, inicialmente no Leste Europeu, mas com risco de expandir-se para a Europa e outros continentes.

A OTAN ainda que detenha vantagem significativa tanto na geopolítica, Finlândia e Suécia aderiram a OTAN e a Hungria que buscava uma posição de neutralidade, agora se fortalece com um acordo de tecnologia militar feito com a Suécia, que facilitou sua entrada na OTAN.

A Rússia porem possui capacidade militares agregadas a recursos econômicos e modernização de seu aparato militar, além de um acordo de apoio com a China e a Coréia do Norte, assim a manutenção da paz e prevenção de conflitos devem ser feito por um diálogo constante, mas a diplomacia russa segue jogando duro e diz que o diálogo com a OTAN é “zero”.

Tanto o ministro do Exterior russo Sergey Lavrov como o porta-voz do Kremlin, Dimitry Peskov dão declarações que dão a entender que o conflito com a OTAN já está em curso, estratégia diplomática ou pura retórica, o fato que os níveis de tensões se elevam.

A OTAN responde com exercícios militares e movimentação de tropas nas fronteiras, em janeiro um exercício envolveu 90 mil soldados, um novo treinamento foi anunciado pelo general comandante da OTAN, Christopher Cavoli, a operação chamada de Defensor Firme 24 (Steadfast Defender 24) já havia sido realizada em outros anos, porém agora acontece em meio a uma intensificação dos bombardeios contra Kiev.

A esperança é que o equilíbrio é frágil e os dois lados sabem disto, e o risco de uma guerra seria catastrófico, ainda que analistas evitem dizer que haveriam limites de ações.

 

A luz e a verdade

27 mar

Há uma luz única e verdadeira, embora sabemos que a luz pode se desdobrar em várias cores que vemos do vermelho ao violenta, e que não vemos como o infravermelho e o ultravioleta.

Cada vez mais nos aproximamos da ideia que o início do universo havia algo como uma luz, hoje pela Teoria da Física Padrão, o fóton já era teorizado por Einstein como partículas ou pequenos “pacotes” que transportam a energia contida nas radiações eletromagnéticas, os fótons em repousam possuem massa zero.

Assim a luz que emana desde a origem do Universo embora não se confunda como sua intenção (a de irradiar luz) está na origem de toda irradiação eletromagnética do Big Bang.

Os neoplatônicos, como Plotino (205 – 270), acreditavam no monismo e nessa irradiação de luz, existe um uno ou um deus (não era o Deus cristão) de onde emana uma fonte divina que irradia por toda a criação, nesta luz una que Agostinho de Hipona vai se apoiar para negar o dualismo maniqueísta que acreditara antes e dali se dará sua virada para o cristianismo.

Os textos de Plotino foram compilador por seu discípulo Porfírio e escritos na obra as Seis Enéadas (na verdade nove partes, pois ennéa em grego é 9), nela se destaca a questão da união da alma e do intelecto, é fundamentada nesta ideia que a Verdade habita no homem.

Assim a alma do mundo procede de um poder criador (não do poder, pois ele não o define), contemplando o Nous e multiplicando-se em todos os entes particulares do mundo sensível, sem dividir-se (esta é a interpretação de Fritz-Peter Hager em seu livro de 1962).

A verdade assim habita na alma e no interior de cada homem, é esta interioridade que alguns críticos definem como idealismo ou intimismo dos neoplatônicos, porém já há hoje diversas obras sobre a questão da Vitta Contemplativa, Hannah Arendt e Byung Chul Han a lembram, mas outros autores já passaram a mencionar como O rumor da língua de Barthes citado no post anterior.

Para os cristãos esta manifestação da verdade se dá ontologicamente na Encarnação, Paixão e morte de Jesus, morte porque é parte da vida humana e deveria vive-la como “pascoa” passagem que abre a vida eterna para os homens, sem esta passagem a vida plena não se realiza e perecemos como matéria, também este aspecto é problematizado por Plotino.

Na foto a obra de  Peter Paul Rubens sobre o Anti-Mileranismo de Santo Agostinho que não aceitava a leitura literal de Apocalipse 20:1-10.

Plotino, Enéadas, tradução de José Seabra Filho e Juvino Alves Maia Junior, Editora Nova Acrópole (este ano foi publicado o tomo 6 completando a obra), 2021.

Agostinho, Santo. A cidade de Deus, trad. Oscar Paes Leme. Petrópolis, Editora Vozes, 1999.

 

A verdade e as boas obras

22 mar

Não há verdade ontológica onde não ocorre o desvelamento do ser, e isto depende de sua realização mais profunda em contato com sua essência e deve produzir frutos para a vida, para o bem-estar pessoal e social e para os que creem para uma eternidade.

Os sofistas na antiguidade criavam verdades que podiam até ser lógicas, mas o objetivo era o do poder e de ter benesses junto aos que detinham fortuna e influencia, e isto não foi eliminado da vida cotidiana até os dias de hoje, grande parte da política é a negociação dos bens públicos, da fraude e para isto usam a não-verdade, e isto não é monopólio de um grupo.

Não há como manter esta lógica sem o autoritarismo, o cerceamento da liberdade e a calar a voz dos que sofrem com a ganância pelo poder e pela riqueza, grande parte da crise atual vem destes valores, ainda que culpem as mídias, elas estão também sob o controle destes poderes.

As mídias seguem a lógica ôntica na diferença ontólogica, desenvolvemos brevemente esta questão do modo como Heidegger e outros seguidores das diversas correntes ontológicas a veem, no âmbito da interpretação e do diálogo a lógica não podem ser ôntica, deve seguir a verdade ontológica que segue da fusão de horizontes no círculo hermenêutico (ver o post anterior).

O dualismo e a polarização seguem a verdade ôntica, culpar as mídias que nada fazem que não tenha sob controle de alguma forma, podendo ser até de algoritmos, o próprio homem, assim a lógica dual ôntica usada é instrumental e de certa forma sofismática porque visa o poder.

No domingo inicia-se para os cristãos a semana santa, a verdade ontológica que foi manifestada como ser na pessoa de Jesus tinha que ser destruída pelo discurso do poder, até mesmo o poder religioso da época que não podia acreditar que a verdade é lógica do Ser e do homem, quando ele manifestava suas boa obras, quase sempre confrontava o poder.

É preciso ser contra a corrente para inverter a lógica da facilidade, do dinheiro fácil através da corrupção, do poder pelo poder e do desserviço a sociedade.

 

Diferença ontológica e círculo hermenêutico

21 mar

Antes do conceito ser explicado por Hans George Gadamer, o diálogo no círculo hermenêutico de Heidegger parecia construído sobre bases idealistas, embora não fosse exatamente isto, pois o conhecimento na hermenêutica não se dá pela re-velação do objeto ao sujeito, como foi visto por Kant, nem é mera projeção do objeto sobre o objeto, é na verdade uma “aparição”.

Sujeito e objeto tem horizontes próprio, a diferença ontológica os explica, embora ambos sejam dotados de historicidade, a realidade ôntica conforme explica em posts anterior tem uma verdade lógica, nela há uma crítica e superação da fenomenologia subjetivista (objetivista) de transcendental de Husserl, assim ali já foi superado o idealismo de base dogmática.

Assim a ontologia fundamental de Heidegger ganhou destaque na questão do sentido do ser é colocada como uma questão privilegiada, assim o ser dos entes não “é” em si mesmo um outro ente (Heidegger, 2002, p. 32), assim o Dasein (ser-aí, pré-sença) é o ente privilegiado que compreende o ser e tem acesso aos entes, é parte e condição essencial do ser humano.

Dito por Heidegger: “esse ente que cada um de nós somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade de questionar, nós o designamos com o termo pre-senca.” (Heidegger, 2002, p. 33), mas não é subjetivo no sentido de ente (enti-dade), esta presença (ser-aí, dasein): “é um ente que, na compreensão de seu ser, com ele se relaciona e comporta.” (HEIDEGGER, 2002, p.90).

O círculo hermenêutico é explicitado e melhor desenvolvido por Hans-Georg Gadamer na obra Verdade e Método II (1959) que fala de manter um olha mais profundo para as coisas elas mesmas (fundamento da fenomenologia moderna), até o momento de superar as errâncias que atingem o processo de interpretação, quem quiser compreender um texto deve seguir este processo do círculo hermenêutico.

O intérprete tem de antemão um sentido do todo, tão logo se mostre um primeiro sentido no texto, o primeiro sentido somente se mostra porque lemos o texto já sempre com certas expectativas, na perspectiva de um certo sentido. A compreensão do que está no texto consiste na elaboração desse projeto prévio, o qual sofre uma constante revisão à medida que aprofunda e amplia o sentido do texto (GADAMER, 2002, p. 75).

A abertura do ser-aí, ou seja, o ser deste ser-aí é a preocupação (cura, sorge), é uma luz que dá claridade da pre-sença, isto é, aquilo que torna “aberto” e também “claro” para si mesmo.

É a cura que funda toda abertura do pré e da temporalidade que o ilumina originariamente, Heidegger afirma que somente partindo do enraizamento da pré-sença na temporalidade que se consegue penetrar na possibilidade existencial do fenômeno, ser-no-mundo, que, no começo da analítica da pré-sença, fez-se conhecer como constituição fundamental (HEIDEGGER, 2002, p. 150).

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: Complementos e Índice. Tradução Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2002.

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo: Parte I, Tradução Marcia Sá Cavalcante Schuback. 12ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

 

O que a ontologia contemporânea não é

20 mar

Fundamentada nos trabalhos de psicologia social, onde Franz Brentano trabalhou duas sub-categorias do tomismo: consciência e intenção, a fenomenologia moderna foi se derivando em Husserl e depois em Heidegger, desvio para uma ontologia chamada continental, em Nicolai Hartmann e junto dela surge uma doutrina conhecida como realismo estrutural ôntico (OSR).

Aquilo que parecia um desvelar, termo apropriado usado por Heidegger para inferir sua clareira, vai ficando novamente confuso, porque a OSR não só ganhou destaque como se subdividiu em três doutrinas: OSR1, que é a visão de que as relações são ontologicamente primitivas, mas os objetos e propriedades não o são; OSR2, que é a visão de que objetos e relações são ontologicamente primitivos, mas propriedades não; OSR3, que é a visão de que propriedades e relações são ontologicamente primitivas, mas os objetos não (Ladyman, 1998).

Central para a ontologia de Heidegger, como dissemos no post anterior é a noção de diferença ontológica: a diferença entre ser como tal e entidades específicas, o erro da filosofia atual é além do esquecimento do ser, entender o ser como tal como uma espécie de entidade última, por exemplo, como “ideia, energia, substância, mônada ou vontade de poder”, as primeiras ligadas a filosofia “natural” contemporânea e as duas últimas a visão social e de poder.

Este erro teve que até mesmo ser retificado em sua “ontologia fundamental”, concentrando-se no sentido de ser, um projeto semelhante à meta-ontologia contemporânea, leia-se os trabalhos de Michael Inwood (ontologia fundamental) e Peter Van Inwagen, (meta-ontologia).

E tudo isto parece essencialmente teórico, mas não é, estamos discutindo as coisas e não-coisas ônticas (Byung Chul Han tem um ensaio) e estratégias e lógicas de poder, que esquecem o ser.

Nicolai Hartmann é um filósofo do século XX, embora sua perspectiva seja a “continental”, ele esclarece que as modalidades relativas dos sentidos dependem das modalidades absolutas e propõe esta realidade em quatro níveis: inanimado, biológica, psicológico e espiritual, que formam uma hierarquia, ainda que seu desenvolvimento seja excessivamente esquemático, há a questão do ser, da qual o homem contemporâneo escapa e não coloca apenas estes níveis em cheque, mas a própria civilização.

O esquecimento do ser é fundamental para compreender o destempero e a crise de sentido da vida que está em todas esferas humanas, da política, educacional até a espiritual.

Inwood, Michael. «Ontology and fundamental ontology»  A Heidegger Dictionary. [S.l.]: Wiley-Blackwell, 1999.

Inwagen, Peter Van. «Meta-Ontology». Erkenntnis. 48 (2–3): 233-50, 1998.

Ladyman, J. What is structural realism? Studies in the History and Philosophy of Science 1998.

 

A verdade ontológica

19 mar

Existe diferença entre a lógica que é fundamentada na razão puramente humana, e a ontológica fundamentada na realidade do Ser e sua existência, assim não é uma verdade final, mas escatológica, isto é, realiza tendo um início e um fim onde a existência se explica.

De modo meramente filosófico, a verdade ôntica e a ontológica sempre se referem de maneira diferente, ao ente em seu ser e ao ser do ente, e a relação entre elas é chamada diferença ontológica, pouco explorada na filosofia está embutida em qualquer teoria que trate do Ser.

A relação de latência entre ser e ente e entre presença e ser torna evidente que o fundamento da diferença ontológica é a presença, segundo Heidegger (pg. 102):

Desvelamento do ser é, porém, sempre verdade do ser do ente, seja este efetivamente real ou não. E vice-versa, no desvelamento do ente já sempre reside um desvelamento de seu ser. Verdade ôntica e verdade ontológica sempre se referem, de maneira diferente, ao ente em seu ser e ao ser do ente. Elas fazem essencialmente parte uma da outra em razão de sua relação com a diferença de ser e ente (diferença ontológica).

Trata-se de desvelamento porque re-velar é tirar uma camada do véu, porém encontrando outra que igualmente cobre a verdade, a razão humana e a própria ciência caminha assim, a princípio da falseabilidade de Karl Popper, ele alega que o fato de uma asserção poder ser mostrada falsa é um dos princípios para o estabelecimento de uma ciência segura.

Há uma relação circular entre verdade ôntica e verdade ontológica decorrente desta facticidade circular da presença [que é uma das traduções do Dasein de Heidegger] e esta relaciona-se com os entes compreendendo o ser, e relaciona-se com o ser compreendendo os entes.

“Com a diferenciação, que é em si mesma clara, entre ôntico e ontológico – verdade ôntica e verdade ontológica, temos efetivamente os elementos diferentes de uma diferença, mas não a própria diferença”, dito de maneira explicita a relação das coisas com os seres, é diferente da relação dos seres entre si, há uma verdade ontológica que deve ser desvelada para a relação.

Assim, como a verdade ontológica e ôntica, assim como a diferença ontológica, contribuem para mostrar o caráter relacional do eu? Conflitos e relacionamentos envolvem este Ser que é relacional, mas sua compreensão vista como instrumental, coisificada ou de interesse nada é.

HEIDEGGER, M. Sobre a essência do fundamento. In: Heidegger: conferências e escritos filosóficos. Trad. de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Os Pensadores).

 

Serenidade e luz

08 mar

Somente há luz quando há serenidade, embora o texto de Heidegger não esteja diretamente ligado ao seu conceito de “clareira”, ele está indiretamente ligado, pois pede a reflexão, o puro pensamento, aquele que “medita” e não apenas age.

Heidegger esclarece que: “o enraizamento (die Bodentändigkeit) do Homem actual está ameaçado na sua mais íntima essência. Mais: a perda do enraizamento não é provocada somente por circunstâncias externas e fatalidades do destino, nem é o efeito da negligência e do modo superficial dos Homens. A perda do enraizamento provém do espírito da época no qual todos nós nascemos” (p. 17), é assim portanto a ausência desta clareira.

A dominação por modelos ideais e que “calculam” levam a um compromisso maior com as engrenagens da razão, do que as engrenagens do ser e da dignidade humana, vão além da ética que é profundamente ligada ao “ethos” do modo de ser e do caráter.

Não se trata de um maniqueísmo puro, porque este também levou e leva ao dualismo social e político, mas aquele que exclui o outro, o diferente e esquece de sua dignidade humana, lembramos o discurso de Eduardo Galeano sobre a guerra e o mal que ela encerra (post).

O puro raciocínio da engrenagem calculista leva a cálculos precisos de negócios, gestões de empresas e até mesmo certa lógica educacional, mas esquecem os fundamentos da ética humana: o respeito a vida, a sociabilidade entre todos e o cuidado com o planeta.

O mal é assim visto como ausência de luz, impossibilidade de uma clareira que dignifique e mostre a verdade aos homens, e isto independe de qualquer lógica racional porque está na difusa lógica humana que une desiguais e iguala os diferentes.

Para os cristãos é fundamental lembra o princípio da luz que apaga toda escuridão, como uma pequena vela acesa num breu, a clareira cristã, assim afasta-se do erro e da discórdia (Jo 3,21): “Mas, quem age conforme a verdade, aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” e não há nada mais divino que a verdade.

Se o enraizamento de Heidegger refere-se a sua perda no “espírito da época”, o enraizamento mais profundo é aquele que vem da origem humana, seja ela antropológica ou ontológica.

 

O não-pensamento na atualidade

07 mar

O texto de Heidegger sobre a Serenidade, feito em 1949 em cerimônia de comemoração do centenário de morte de Conradin Kreutzer, em sua cidade natal   Meßkirch,, que por ser também a cidade Natal de Martin Heidegger, este foi chamado a falar no evento, livro é parte desta seu discurso.

O texto da serenidade revela o quanto nós somos induzimos a um pensamento calcula que corre de oportunidade em oportunidade, é fundamental para se entender que isto que é atribuído ao mundo digital, já ocorria muito antes deste, e não está restrito ao universo digital: “este pensamento continua a ser um cálculo, mesmo que não opere com números, nem recorra á máquina de calcular, nem a um dispositivos para grandes cálculos” (pg. 13), mesmo muito anterior ao universo digital, fala dele e diz que não é dele que está falando.

A dinâmica, que muitos atribuem ao universo digital já era a muito presente no homem moderno: “o pensamento que calcula (rechnend Denken) nunca para, nunca chega a meditar. O pensamento que calcula não é um pensamento que medita (ein besinnliches Denken), não é um pensamento que reflecte (nachdenkt), não é o sentido que reina em tudo o que existe” (idem, pg. 13), isto é, do final da década de 40 e anterior aos computadores modernos.

Convém traduzir as palavras alemãs: ein besinnliches Denken (um pensamento contemplativo) e nachdenkt (pensar sobre) e das rechnend Denken (pensamento calculista).

Assim para o filósofo existem duas formas de pensamento: o que calcula e o que medita, e pode-se pensar que o segundo não se apercebe da realidade, “não contribui em nada para levar a cabo a práxis” (pg. 14), pode levar a pura reflexão, a meditação persistente ser “demasiada “elevada” para o entendimento comum” (idem).

O autor diz que a única coisa correta é que a verdade de um pensamento que medita surge tão pouco espontaneamente quanto o pensamento que calcula, ambos requerem esforços.

O fato que o homem contemporâneo está vinculado a uma forma de pensar é porque é esta a forma atual em que o pensamento foi elaborado e treinado, ligado a logos racional e ideal.

Porém pondera que cada um pode seguir os caminhos da reflexão dentro de seus limites e a sua maneira: “Não precisamos, portanto, de modo algum, de nos elevarmos às “regiões superiores” quando refletimos. Basta demorarmo-nos (verweilen) junto do que está perto e meditarmos sobre o que está mais próximo: aquilo que diz respeito a cada um de nós, aqui e agora; aqui, neste pedaço de terra natal; agora, na presente hora universal” (pg. 14).

Claro Heidegger refletia sobre a comemoração em sua cidade Natal, mas isto vale para todos os eventos que vivemos em nossas vidas.

Heidegger, M. Serenidade. Trad. de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.