Arquivo para a ‘SocioCibercultura’ Categoria
As sociociberculturas e o paraíso perdido
A ideia do paraíso perdido é nosso arquétipo adâmico, ao menos das religiões ocidentais, elas passaram a se relacionar com as religiões na relação dual da modernidade, proposta por Kant e consagrada e idolatra por Hegel ao estabelecer sua ética “do Estado” nas discussões sobre família, sociedade civil e do próprio estado, sendo este visto como totalidade maior.
É nesta tensão que se encaixa o dualismo comunicacional de Niklas Luhmann, por exemplo, para quem a comunicação interna (na sociocibercultura a individual), que a regulamenta e restringe, ao mesmo tempo com a comunicação ao seu ambiente (a ambiental da sociocibercultura), está no texto de Luhmann “Soziale Systeme” (1984).
Ela está, de certa forma na imunologia de Sloterdijk, ao afirmar que sistemas imunológicos se “baseiam na distinção entre o próprio e o estranho”, mas rejeita qualquer ideia de estranho presente nas religiões, que para ele “não existem”, então o mistério da vida e da verdade já não são mais condições de “transcendência’, de possibilidade de paraíso.
É feliz ao relacionar o biológico ao organismo social e neste sentido o organismo biológico é identificado como aquele que processos de defesa da vida “se defende”, e também identifica os círculos concêntricos cada vez maiores como tendo dimensão cooperativa e convivencional.
Entretanto ao reconhecer o plano simbólico intergeracional, no qual a morte individual ocorre, apesar de estabilizar a imagem de mundo em novas gerações, não é capaz de ver a solidez e a verdade presente numa vida além da vida, numa natureza além da natureza, a sobrenatureza.
Neste plano que coloco a noosfera, há uma comunicação além dos símbolos presentes no dia-a-dia da vida, no plano espiritual e nela se perpetua a vida “eterna”, não apenas entre gerações, mas na realização em uma esfera “noosférica”.
As gerações egoístas incapazes de pensar na geração futura não destroem apenas a natureza, destroem as condições ambientais para que o futuro se realize na forma de vida plena, torna o pessimismo de sua vida pessoal “para a morte” (pela idade), numa falsa morte social.
O paraíso perdido é a incapacidade de dar felicidade e paz as gerações futuras, é repetir como fazer as esferas doentias da sociedade “tudo será pior”, e aqueles que nasceram numa sociedade já em crise, feita pelas gerações passadas, se sentem “culpadas” do mundo atual.
O paraíso perdido é a impossibilidade de futuro, verdadeira para a vida individual dos adultos que tendem a final da vida, mas falsa para o organismo social que deve manter sua estabilidade, não no sentido conservador, mas com mudanças para uma vida melhor.
O futuro será sempre melhor que qualquer passado, mesmo que na crise ele pareça distante.
Sociocibercultura e noosfera
Surpreendi-me com um site de redes de pesquisadores (um destes researcher.algo) que era um pesquisador de sociocibercultura (em inglês, pois a tradução foi minha: ), e encontrei um artigo de sobre a relação entre autor-referencia e Sociocibercultura de Felix Geyer (apresentado como presidente honorário da sociedade de SocioCibercultura), lembrei das discussões de Norbert Wiener e seus sistemas cibernético, no neopositivismo do circulo de Viena e quase desisti de ir avante, mas depois percebi que há uma chave com a discussão da tecnologia hoje, minha perspectiva é a Noosfera dentro das Esferas de Sloterdijk, assim é outra.
Uma das definições de auto referencia (muitos sistemas “sociais” parecem imitir sistemas cibernéticos) dada por Geyer é interessante: “Os exemplos habituais de comportamento auto-referencial na ciência social consistem em profecias auto-realizáveis e autodestrutivas” (tradução minha para “The usual examples of self-referential behavior in social science consist of self-fullfiling and self-defeating prophecies”), e isto definitivamente me fez interessar pelo assunto.
O autor credenciado para o assunto, estabelece uma relação entre auto-referencia, alienação e crescimento da complexidade societária (nome do segundo tópico do seu artigo), onde afirma: “Assim como muitos outros fenômenos que fazem parte do loop de interação contínua do indivíduo com o meio ambiente, por exemplo a percepção, a auto-referência é, em última instância, orientada para a ação” (Tradução de “Just like many other phenomena that form part of the individual’s continuous interaction loop with the environment, e.g. perception, self-reference is ultimately action-oriented”), e já entendi a relação com a teoria dos sistemas de Luhman, a questão da alienação (ou para mim a consciência), e em especial, a relação com o construtivismo educacional.
O autor penetra nesta complexidade societária através das teorias de “da interação interpersonal não equacionada se aproxima do que Buber (1970) chamou de “relação Eu-Tu” ou o que Maslow (1962) chamou de “Ser(sendo)” reconhecimento “ao contrário de” De(eficiência necessidade) – cognição “, ou o que Berne (1964) definiu como uma interação” sem jogo “.
A lógica da auto referência explica o autor funciona como a Espiral das Perspectivas Recíprocas:( (Laing et al, 1966): “Eu acho que você acha que eu acho …”, etc. Isso também pode ser altamente envolvente, mas geralmente de maneira mais antagônica e alienada, como, por exemplo, o bem conhecido demonstração de dilema do prisioneiro”, eu traduzi do original I think como eu acho (e não Eu penso), por discordar do cogito cartesiano.
O autor ainda focaliza, entre outras, a tese fundamental da teoria sistêmica de Luhmann: “o aumento percebido da complexidade ambiental só pode ser reduzido e tornado gerenciável por um aumento da complexidade interna, que é o resultado de uma cadeia de processos auto-referenciais”, eis o âmago desta teoria dos sistemas, mas Geyer informa que isto só é possível aumentando a complexidade ambiental.
É nesta linha que Geyer usa a Lei de Ashby da Variedade dos Requisitos (1952, 1956) onde a maior complexidade ambiental (objetiva) significa que cada um constrói seu ambiente com mais objetos , com mais atributos e especialmente com mais interações entre eles.
A sociocibercultura que parece inicialmente só mais um sistema com explicações da cultura atual de relações com objetos, parece penetrar até mesmo num futuro próximo da Internet das Coisas, onde os próprios objetos interagem sobre si, desde o plano ambiental ao individual.
GEYER, F. The march of self-reference, 3rd International Conference on Sociocybernetics, Leon, Mexico, June 25-29, 2001.
Imunologia e a verdadeira ascese
“Sistemas imunológicos são expectativas de danificação e violação, somatizados ou institucionalizados, que se baseiam na distinção entre o próprio e o estranho” (Sloterdijk, 2009, p. 709).
É fácil e possível reconhecer um sistema imunológico por uma metáfora do organismo biológico individual, este é o passo novo de Sloterdijk, ele vê em suas “Esferas” o indivíduo em círculos concêntricos cada vez maiores, criando dois sistemas imunológicos, e depois expandem na perspectiva cooperativa e convivencional.
A existência humana é um sistema imunológico social, e segundo o filósofo alemão quando funciona, segurança jurídica, prevenção social e sentimentos de pertencimento além do pequeno círculo da própria família, ele pode expandir-se.
O terceiro, por isto postamos sobre o mal simbólico-ontologico, entramos num plano no qual a validação das normas intergeracionais, compensa (e recompensa) a certeza da morte individual e estabiliza a imagem do mundo, parece um plano ainda individual mas não é, é uma ascese na qual “expurgamos” o mal ontológico.
Assim como o sistema imunológico biológico, tanto o sistema solidário como o simbólico podem passar por crises e superá-las (claro que podem fracassar também), o que significa esta morte individual ? no caso dos dois sistemas imunológicos sociais, é a morte e ressurreição coletiva.
Na passagem bíblica dos 40 dias de deserto de Jesus, se admitimos este humano como Deus não precisaria fazer isto, ele faz sua morte individual, é significativa a passagem em Marcos 1,12-13 “ … o Espírito levou Jesus para o deserto. E ele ficou no deserto durante quarenta dias, e aí foi tentado por Satanás. Vivia entre os animais selvagens, e os anjos o serviam”, depois começou sua vida pública, diria “coletiva”.
A antropotécnica e a ascese desespiritualizada
Para definir sua antropotécnica, Sloterdijk vai estabelecer a relação das relações dentro das religiões atuais como os mais puros procedimentos antropotécnicos:
“Se reduzimos essas “religiões” às suas características essenciais, surgem três complexos básicos dos quais cada um tem uma relação clara com a dimensão antropotécnica. Primeiro, do lado dogmático: um clube de exercícios ilusionistas, rigidamente organizado, cujos membros no decorrer do tempo estão sendo impregnados com as concepções do milieu. Em seguida, do lado psicotécnico: um roteiro de treinamento para a exploração de todas as chances na luta de sobrevivência. Observamos, por fim, o topo do movimento; podemos ver tudo, mas nenhum “fundador de religião”: na nossa frente está um inescrupuloso, radicalmente irônico, flexível para todos os lados, business-trainer” (Sloterdijk, 2009, p. 168).
Vendo também a Scientologia e o movimento olímpico como religiões, ele usa o conceito de habitus, mas sem deixar de criticar o desenvolvimento feito tanto por Pierre Bourdieu como por Marx, resolvendo o problema de como a base ou a “infraestrutura” social se refletiria na “superestrutura” ou como a concepção geral da sociedade consegue penetrar o indivíduo de forma duradoura, eis o seu habitus feito como um procedimento antropotécnico.
Para atualizar e historicisar seu conceito ele recorre ao conceito de habitus em Tomás de Aquino e de hexis em Aristóteles, que “…descreve um processo aparentemente mecânico sob os aspectos da inércia da superação para explicar a encarnação do espiritual. Eles identificam o homem como aquele animal que pode o que deve, se alguém se importou em tempo com suas habilidades.” (idem, p. 289).
Segundo o autor ao apresentar sua própria teoria do desenvolvimento cultural, a própria humanidade, apesar do fato de encontrarmos costumes e tradições diferentes em cada momento da sua história, não seguiu o roteiro conservador da identidade, por isto esta questão é falsa, embora seja referencia para muitos autores contemporâneos.
A conclusão sobre esta ascese desespiritualizada é treinamento, deixar-se operar: deixar-se-informar, deixar-se-divertir, deixar-se-servir, deixar-se-curar, deixar-se-transportar, e se este é, para o autor, o ser-aí, sua contraposição não é a negatividade geral, mas deveria ser o epoché geral, o deixar-se esvaziar, pode haver o ser-aí-não-ser que poderia se complementar como onto-antropotécnica, a luz do habitus social, fazendo uma releitura das condições antropotécnicas atuais e capaz de criticá-las, seria um ser esvaziado total, um não-ser-aí que é também ser.
SLOTERDIJK, P. Du musst Dein Leben ändern. Über Antropotechnik. Frankfurt, Suhrkamp, 2009.