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Arquivo para a ‘SocioCibercultura’ Categoria

O que são as coisas

10 jan

Ao reler as “Não-coisas” de Byung Chul-Han, que relembra com propriedade que o termo vem de Vilém Flusser, que viveu no Brasil boa parte de sua vida, o autor retoma também os conceitos de Hanna Arendt e Heidegger, mas não penetra na essência da coisa, que não é só informação.

Os filósofos medievais já haviam desenvolvido a questão da quididade, que não é nem uma ideia nem um conceito, mas algo que buscava compreender a essência das coisas, do latim, “quidditas” significa “o que é isso” e estava relacionada à ideia de identidade e singularidade.

Assim ao transformá-la em informação, faz aquilo que Luhman fez com o conceito (lembre-se que este autor trata mais a questão da comunicação do que a coisa em-si), diz citado por Byung Chul-Han: “Sua cosmologia é uma cosmologia não do ser, mas da contingência”, ou seja, algo que não possui essência, não tem identidade ou singularidade e não pode “ser”.

Esclarecendo que é uma forma particular de ver a informação, como “coisa transmitida”, e nisto o autor tem razão: “As informações não se deixam possuir tão facilmente quanto as coisas. A posse determina o paradigma da coisa. O mundo da informação não é governado pela posse, mas pelo acesso” (Han, 2022), isto é tão verdadeiro, que o dicionário português no Brasil passou a ter uma nova palavra que é “logar”, do inglês, log “registro” no sentido de marcar um acesso à “informação”, no sentido de Chul-Han.

Citando Jeremy Rifkin, Han adverte que a transição da posse para o acesso é uma mudança de paradigma que leva a mudança drástica no mundo da vida, subtítulo do livro, ele prevê um novo tipo de ser humano: “acesso, logo, ´access´são termos-chave da era nascente (Han, 2022).

Jeremy Rifkin, a transição da posse para o acesso é uma profunda mudança de paradigma que leva a mudanças drásticas no mundo da vida. Ele prevê até mesmo o surgimento de um novo tipo de ser humano: “Acesso, ‘logon’, ‘access’ são os termos-chave da era nascente. […]

Sobre a identidade modificada do sentido medieval, diz o autor: “Nós nos produzimos nas mídias sociais. A expressão francesa se produire significa colocar-se em cena. Nós nos encenamos. Nós performamos nossa identidade” (Han, 2022), veja bem: produz nas mídias.

Mídias são meios, a confusão com a ideia das redes, não de propósito é claro, destrói a terceira característica da coisa que é sua singularidade, não neste ensaio, mas em outros, o autor lembra que tudo no mundo se caracteriza pela mesmice, tudo parece muito igual.

Este mundo da “não posse” é diferenciado pelo desfrutar mais que o viver, faz da “idealização das coisas” uma tarefa, não é raro ver em programas e nas mídias sociais um grande número de perguntas utópicas e bizarras, tais como, o que seria se você fosse um objeto, se morasse em outro planeta, etc. e isto diverte o público das não-coisas.

Não se assustem os revolucionários, mas citando Walter Benjamim, Chul-Han escreve: “a relação mais profunda que se pode ter com as coisas”, esta substancialidade não é materialista e sim uma relação racional e “informacional” com as coisas, informação aqui em outro sentido.

Han, Byung-Chul Não-coisas : reviravoltas do mundo da vida / Byung-Chul Han ; tradução de Rafael Rodrigues Garcia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 202

 

O ser, a clareira e as não-coisas

09 jan

Estudando a etimologia da Clareira, retirando-a da filosofia de Heidegger, ela vem da palavra alemã Lichtung, onde além do significado de clareira na floresta (ele próprio viveu alguns anos na floresta negra da Alemanha), enquanto Licht é a palavra para luz, significará coisas ocultas, ou entes cuja verdade deve vir à tona, assim alguns tradutores usam desvelar.

A luz lembra o que seguiam os magos que foram seguidos por uma estrela que levaram até o nascimento de Jesus, provavelmente eram persas seguidores de Zoroastro, uma pintura de Ravenna (figura numa parede da igreja de São Apolinário de 526 d.C.) que é bem antiga revela pelos gorros que usavam e as calças que eram daquela região.
A clareira é no contexto da filosofia moderna, o que está oculto dentro de um todo, onde deve emergir o Ser, e isto parece mais apropriado a modernidade, visto que a fragmentação onde apenas emerge a parte, é na maioria das vezes oposta ao todo ao qual o ente pertence, assim a questão do Ser.

O ente que se descobre, enunciou o próprio Heidegger: “deixa-se ver em seu ser e estar descoberto. O ser-verdadeiro (verdade) do enunciado deve ser entendido no sentido de ser-descobridor” (Heidegger, 1986, 219).
Primeiro vemos esta verdade ontológica como Ser, e não mais como lógica, segundo vemos esta relação entre conhecer o objeto e a própria relação com o Ser, o que na filosofia moderna poderia ser chamada de subjetividade, mas não é porque não são instâncias separadas, porém separadas de sua materialidade de objeto podem se tornar algo além do que foi concebido até recentemente, o filósofo Byung Chul-Han fez um ensaio sobre não-coisas, o mundo dos objetos digitais onde as “a inflação das coisas nos ludibria a acreditar no oposto”.

O autor vai se referir ao mundo contemporâneo como “Como caçadores de informação, nos tornamos cegos a coisas silenciosas, discretas, até mesmo coisas ordinárias, trivialidades ou convencionalidades que carecem de estímulo, mas que percebemos em nossa vida diária”, e assim mergulhamos numa obscuridade do Ser em oposto a clareira.

A ordem digital está tornando o mundo não terreno, não substancial, diz o autor no prefácio: “Hoje, a ordem terrena está sendo substituída pela ordem digital. A ordem digital descoisifica o mundo ao informatizá-lo” capturando uma categoria de Vilem Flusser afirma: “As não-coisas estão atualmente invadindo nosso ambiente de todos os lados, e estão suplantando as coisas. Essas não-coisas são chamadas de informação”, citando a obra de Flusser: Dinge und Undinge – Phenomenological Sketches. Munique, 1993, vale lembrar que Flusser viveu no Brasil de 1940 a 1972.

Escapa nesta lógica o silêncio, a vita contemplativa (outro livro do autor), desmorona o Ser.

 

Han, Byung-Chul Não-coisas : reviravoltas do mundo da vida / Byung-Chul Han ; tradução de Rafael Rodrigues Garcia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 202

HEIDEGGER, M. Sein und Zeit. 17 ed. Tübingen, Niemeyer, 1986.

 

Humildade e poder

20 dez

Crescem as polarizações e as afirmações de poder, isto não leva a simetria, ao respeito e vai na direção oposta da humildade, não aquela piegas de textos próprios do poder, mas a daquela sabedoria de quem sabe o que é e de onde vem, do pó ou de húmus, de ondem vem a palavra.

Humus é a palavra grega que significa terra e que atualizada no português tornou-se terra fértil, deste mesmo vocábulo se originam às palavras “homem” e “humanidade”, e se pode ser oposto a uma ideia de poder, por outro lado não é oposta a ideia de fortaleza e sabedoria.

Para Hannah Arendt o poder é inerente a qualquer comunidade política, porém verdadeiros líderes resultam da capacidade humana para agir conjuntamente, sob o consenso de todos, e Byung Chul Han, que é um leitor de Hannah Arendt, estabelece que só a simetria onde o respeito existe, que é o alicerce da esfera pública, e onde ele desaparece, ela desmorona, escreve no seu livro “O enxame” que examina a cultura nas novas mídias sociais.

Fundamentado nestas receitas de poder exercito a favor e com a esfera pública, é possível pensar numa relação de poder com humildade, um verdadeiro empoderamento não é o exercício da força ou até mesmo da violência, mas sua supressão e o restabelecimento do equilíbrio, do diálogo e se possível, do consenso, verdadeiros líderes buscam isto.

Sim é contrário a tudo que estamos vendo e assistindo na esfera pública, a imposição de pessoas, estruturas e formas de oprimir uma parcela da população em resposta a outra que alega ser dona dos verdadeiros privilégios em função da violência sofrida, porém, isto é, um circulo vicioso onde a violência se justifica e se perpetua.

Não por acaso crescem as guerras com armas ou sem elas, porém considerar que é possível por este meio submeter o grupo oposto é um delírio, uma vez que aquele que é submetido a algum tipo de privação, sem a humildade que resulta da sabedoria e da fortaleza, responderá na mesma moeda e o princípio de toda guerra é exatamente isto.

Falamos no post anterior do matris in grêmio, gerador de divina sabedoria e fortaleza, no texto bíblico diz que o poderoso olhou para “a humildade de sua serva”, mas até mesmo líderes e correntes religiosas compreender este “poder” como aquele mundano que oprime o Outro, é daí a origem de tantas apostasias e más doutrinas, não por acaso acabam em abuso de poder.

O anjo que anuncia a divindade da concepção de Maria (o nome Conceição vem daí), é Gabriel que significa fortaleza de Deus, numa sociedade que predomina o poder prepotente, arrogante e que se transforma em ditatorial é compreensível que o poder de uma virgem frágil e dócil a vontade divina seja incompreensível, nada mais contrário ao falso “poder” opressor.

 

Realismo moderado e a contemplação

06 dez

Já foi postado que a ruptura da vita contemplativa se deu devido ao homo laborans, ou seja, na modernidade quando o trabalho se torna um imperativo econômico, principalmente para as camadas mais pobres da sociedade, no início da revolução industrial sequer havia limite de horário aos trabalhadores e muitas indústrias desrespeitavam até sábado e domingo.

Porém a questão surgiu já na idade média, o trabalho organizado nos mosteiros, e muitos dos primeiros monges beneditinos vinham da nobreza, era realizado pela primeira vez por homens livres, e inclusive a palavra “tripalium” de onde vem trabalho significava tortura (estripar).

Enquanto pensamento neste período medieval surge a querela dos universais, há várias versões para sua origem, mas uma bastante aceita é um fragmento encontrado dos escritos de Boécio (480-525 d.C.), anterior a Tomás de Aquino, ele traduziu para o latim e comentou Aristóteles, embora parcialmente, e fez uma introdução às “Categorias” de Aristóteles.

A querela tratava de questionar se estas categorias eram coisas reais que existiam ou apenas nomes que se davam às coisas, daí as correntes realistas e nominalistas medievais, que chegaram até os nossos dias com a questão da viragem linguística retomada recentemente.

O fato destas coisas existirem ou não significa que devemos ver o Ser como ser de linguagem, conforme defende Heidegger ou simplesmente um fruto do meio material e suas variações, não é apenas o materialismo corrente derivada do objetivismo, mas de uma visão do subjetivo, afinal aquilo que é próprio do ser (subjetivo vem de sujeito).

O realismo moderado na idade média se aproximava, mas colocava limites no realismo, por exemplo de Tomás de Aquino, que como Boécio vai reler a obra de Aristóteles, em sua Suma Teológica, vai caracteriza como razão e esta é uma raís esquecida do racionalismo moderno.

Boécio bem anterior na leitura de Aristóteles faz a escolha entre um realismo “transcendente” ou extremo, mais de caráter platônico, e um realismo “imanentista” ou moderado, com influência de Aristóteles, é importante frisar que Boécio era leitor de Porfírio de forte influência.

A questão deixada por Boécio era “se” os universais (categorias) existiam, só para exemplificar a ideia de animais que são cavalos genérica ou os cavalos reais com raça, cor e sua espécie, e que pode ser compreendido em dois comentários:

“visto que seja necessário, Crisaório, saber, pela útil contemplação destas coisas, o que é o gênero e o que é a diferença, o que é a espécie e o que é o próprio e o que é o acidente, tanto quanto ao que em Aristóteles … Em seguida, certamente me recusarei a falar,  sobre  os  gêneros  e  as  espécies,  o  seguinte:  subsistem  ou  são  postos  em  intelecções  isoladas e nuas? Subsistentes, são corporais ou incorporais?” (Boécio, 1906, p. 147).

A questão merece ser aprofundada visto que os “nomes” das coisas significam uma linguagem.

BOÉCIO. In Isagogen Porphyrii Commenta. Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum, vol. 48. Vindo-bonae: F. Tempsky/ Lipsiae: G. Freytag 1906.

 

Entre a imortalidade e a eternidade

05 dez

Não é apenas um tema espiritual como parece, o Vita Activa de Hannah Arendt cita por Byung-Chul é uma correção de rota, de nos retirar da simples temporalidade mortal, para o “tempo que é próprio aos deuses, que não morrem e não envelhecem, e do cosmos imortal” (Han, 2023, p. 145), onde diferencia imortalidade de eternidade.

A busca da imortalidade é, novamente Han citando Arendt, “a fonte e o centro da vita activa”. Segundo o autor, o “ser humano conquista sua imortalidade no palco do político.  Em contrapartida, o objetivo da vita contemplativa não é, segundo Arendt, o persistir e durar no tempo, mas a experiência do eterno, que transcende tanto o tempo como também o mundo circundante” (Han, 2023, p. 145), em outras palavras, imortalidade é a busca insensata do palco político, enquanto eternidade é a busca da experiência de eternidade já aqui e agora.

Mas alerta o autor que o ser humano não consegue demorar-se na experiência do eterno, “ele precisa retornar ao seu mundo circundante” (idem), ao compará-la com o pensador, ele logo que começa a escrever abandona a experiência do eterno, assim se entrega a vida activa, e é nela que espera alcançar a imortalidade, Arendt admira Sócrates que não escreve, embora a própria Arendt pensou e registrou seus pensamentos com a intenção da imortalidade (Han, 2023, p. 146), mas a escrita pode ser uma contemplação diz o autor.

Na visão de Byung-Chul a maneira que Arendt vê o mito da caverna de Platão, na verdade é uma história completamente diferente, ela é de um filósofo que liberta da corrente os seus companheiros às sombras que oscilam diante deles, as quais eles consideram a única realidade (pag. 147-8), Platão pede a Glauco imaginar: o que aconteceria com os filósofos se depois de ter visto a verdade voltasse a ela e tentasse libertar os preços das ilusões?  (pag. 148).

A “parrehesia” (abertura da verdade) é uma situação de risco, “o filósofo age, quando apesar do perigo de morte, retorna a caverna” a fim de convencê-los da verdade, assim a ação antecede o conhecimento da verdade, enquanto a contemplação é o caminho do conhecimento para a verdade, que precede a ação (pag. 149).

Afinal a própria polis grega e o pensamento de Platão tiveram origem nos diálogos de Sócrates escritos pelo próprio Platão, este sim uma verdade contemplativa e discursiva (diria dialogal, mas o termo pode ter interpretações dúbias), assim a ação precede o pensamento em Platão.

Segundo a crítica de Hans, a ideia de que a perda da capacidade contemplativa levou a vitória do “animal laborans” que submete tudo ao trabalho com a consequente perda da capacidade contemplativa e sua reintegração a natureza e ao planeta.

Han cita Santo Gregório, um mestre da Vita Contemplativa: “quando um bom programa de vida exige que se passe da vida ativa à contemplativa, é frequentemente útil que a alma retorne da vida contemplativa à ativa, de tal modo que a chama da contemplação desperta no coração entregue toda sua plenitude de atividade” (pag. 151), assim se vive a eternidade terrena.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brasil, RJ: Petropolis, 2023.

 

Palestina, General de Inverno e Essequibo

04 dez

A trégua infelizmente acabou porque o Hamas cometeu um atentando no último dia de trégua, matando um rabino e duas mulheres, segundo a imprensa israelense, e a milícia Al-Qassan, braço armado do Hamas, reivindicou o atentado.

Segundo o FDI (Forças de Defesa de Israel) 200 alvos do Hamas já foram atingidos, um deles um suntuoso prédio que funcionava a Suprema Corte do Hamas, a escala da guerra retorna.

General de Inverno é o nome dado ao inverno russo durante as guerras porque tanto na invasão napoleônica (1812) quando o exército de um conjunto de alianças (é importante lembrar que algumas nações europeias apoiavam) perde a guerra devido o inverno, também na segunda guerra mundial o inverno foi decisivo para a Alemanha perder a guerra.

O que pensar agora do inverno na Ucrânia, onde a Rússia teve avanços em vários fronts, no entanto ela tem problemas na Criméia onde há grande parte da munição russa, o inverno lá prolonga até março e a Ucrânia dá sinais de fraquezas e perde parte dos apoios, agora países como a Finlândia e a Polônia já se mobilizam em defesa própria sobre uma possível invasão.

Por último, um front pode aparecer na fronteira do Brasil, o exército já enviou tropas para a região devido a possibilidade de invasão do território brasileiro que seria estratégico para uma invasão da Venezuela contra a frágil força militar da Guyana (antiga Guiana Inglesa).

Um referendo feito na Venezuela nestes dias, é bom lembrar que Maduro controla todo o aparato do Estado, deu parecer favorável a 5 questões sobre uma possível invasão da Guiana de Essequibo como é chamada a região que hoje pertence a Guyana, uma das questões desafia o Corte Internacional de Justiça que proibia a Venezuela de qualquer invasão.

Enfim um cenário desastroso de crise civilizatória vai se agravando, mas acreditamos na paz.

 

A sociedade que vem

01 dez

Este é o título do último capítulo do livro de Chul Han “Vita contemplativa”, nele analise a crise religiosa e suas consequências para a cultura, o ser e a sociedade atual.

Inicia afirmando: “a atual crise da religião não se pode deixar reduzir simplesmente a que perdemos a fé em Deus ou que nos tornamos desconfiados de certos dogmas” (pg. 153), ela reside no fato que perdemos a capacidade contemplativa, uma crescente coação tanto da comunicação como da produção dificulta o “demorar contemplativo”, não há como “parar”.

Cita Malebranche (1638- 1715) que dizia que a atenção é como uma “prece natural da alma”, a nossa hiperatividade pode ser responsabilizada pela religiosa, “a crise da religião é uma crise da atenção” (pg. 154), e o pior que o autor não aponta, o fanatismo dominou a “atenção”.

Diz o autor “escutar é o verbo para religião”, mas também é para meditação, estudo, contemplação e reflexão, seja qual for o princípio do limiar de um pensamento ele requer uma parada, uma inatividade. 

No pensamento atual do romantismo, “a liberdade é desacoplada do si mesmo”, a ação dá lugar ao escutar: “somente a tendência a intuição, quando direcionada ao infinito, põe em mente a liberdade ilimitada” (pag. 159) diz o autor agora citando Schleiermacher.

Ainda citando Schleiermacher, escreve que as lágrimas interrompem o “feitiço que o sujeito coloca na natureza” (pag. 160), dissolvido em lágrimas, o sujeito se entrega à Terra.

Agora citando Agamben em “A comunidade que vem” afirma sobre o reino vindouro do Messias que Walter Benjamim teria contado a Ernest Block e está citando em Han:

“um rabino, um verdadeiro cabalista, disse uma vez: para instaurar o reino da paz, não é necessário destruir tudo e dar início a um mundo completamente novo; bastaria deslocar um pouquinho essa taça ou esse arbusto ou aquela pedra, e do mesmo modo todas as coisas. Mas esse pouquinho é tão difícil de realizar e a sua medida tão difícil de encontrar que, no que diz respeito ao mundo, os homens não o conseguem e é necessário que chegue o messias” (Aganbem apud Han, 2023, pg. 171).

É esta chegada, chamada parusia (uma nova vinda para os cristãos) que também se celebra no Natal (na segunda semana do advento).

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brazil, RJ: Petropolis, 2023.

 

A contemplação e a polis

30 nov

O título do quinto capítulo do livro Vita Comtemplativa de Byung-Chul Han é O phatos da ação, começa descrevendo os dois conceitos sagrados da tradição judaica: Deus e Sabá, para a cultura judaica Deus é Sabá, ou seja, é redenção, o imortal (pag. 107), ontem o tempo é suspenso, ou seja, comparando com o conceito de Han é a inatividade.

A criação do ser humano não é o último ato da Criação, só o repouso do Sabá a consuma, o mundo é similar a câmara nupcial: “falta-lhe porém a noiva. Só com o sabá chega a noiva” (Han, 2023, p. 108), que é uma citação de “Der sabbat” de Heschel.

A analogia com a noiva será usada também nas parábolas das noivas, a chegada “daquele dia” em que o noivo vem busca-la e deve encontrar as lâmpadas acesas (desenvolvendo em torno do tema da prudência), Arendt vai modificar a ideia do repouso divino complementando-a com a liberdade princípio para um novo começo (ou recomeço, necessário em muitas etapas da vida), diz a citação de Han:

“com a criação do ser humano, o princípio do começo (que na criação do mundo estava nas mãos de Deus e, portanto, fora do mundo) aparece no próprio mundo e permanecerá imanente a ele enquanto houver seres humanos; o que, naturalmente, naturalmente, em última instância, não quer dizer outra coisa senão que a criação do ser humano como um ´alguém´ coincide com a criação da liberdade” (apud Arendt, Han, 2023, p. 109).

“O “sentimento de realidade” que se deve apenas a ação; ou seja, ao atuar e produzir um efeito, reprime completamente o sentimento de ser. O sentimento de festividade, no qual é possível experienciar uma realidade superior, é estranho a Arendt” (Han, 2023, p. 112).

Este conceito é o temenos da polis grega, que significa o espaço sagrado recortado do espaço público que é reservado às divindades; um peribolos (literalmente um cercadinho ou um cercado), ou seja, um espaço cercado, uma área do templo delimitado por muros. Temenos é um templum, um lugar consagrado e sagrado, a palavra contemplação remonta ao templum.

Assim o templum é parte da polis, na sua viagem à Grécia, Heidegger tem em mente a acrópole quando escreve sobre a polis: “ … essa polis não conhecia, assim, a subjetividade como medida de toda objetividade. Ela se submetia ao jugo dos deuses, que, por sua vez, estavam submetidos ao destino, à Moirá” (apud Heidegger, Han, 2023, p. 113-4) (na foto a Acrópole grega).

Ao apresenta-la apenas como liberdade e ação, Han critica Arendt, a dimensão cultural das festas, rituais e jogos não tem lugar em seu pensamento e elas eram integrantes da polis.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brasil, RJ: Petropolis, 2023.

 

Contemplação e o Ser

29 nov

O terceiro capítulo sobre a “Vita Contemplativa” de Byung-Chul começa com um texto de Walter Benjamim sobre a pintura Angelus Novus em nanquim, giz pastel e aquarela sobre papel de Paul Klee de 1920, que atualmente está no Museu de Israel, em Jerusalém, no acervo cristão.

Descreve a citação de Benjamim: “é representado aí um anjo que parece como se estivesse a afastar de algo que ele encara. Seus olhos estão arregalados, sua boca aberta e suas asas estendidas. O anjo da história deve parecer assim.  Ele virou o rosto para o passado. Onde uma cadeia de acontecimentos aparece para nós, lá ele vê uma catástrofe que empilha incessante- mente escombro após escombro, escorregando diante de seus pés.  Ele bem gostaria de se demorar, despertar os mortos e juntas os abatidos” (apud Han, 2023, p. 57) e continua.

Termina o texto de Benjamim com uma sentença: “Aquilo que chamamos de progresso é uma tempestade” e assim começa o capítulo “Da ação ao ser”.

Hannah Arendt foi a primeira a compreender o século XX como época da ação, diz o autor, mais para frente no texto o autor lembrará que o antropoceno foi o resultado (eu diria a tentativa, já que a natureza se rebela) da submissão da natureza à ação humana, perdendo sua autonomia e dignidade, “fazemos” história ao agir afirma.

O que podemos fazer sobre esta ação catastrófica sobre a natureza, Arendt confessa que não pode oferecer nenhuma solução, citada por Han: “abordar a essência e as possibilidades da ação, que nunca tinham se mostrado de modo tão aberto e se desvelado em sua grandeza e em seu perigo” (apud Han, 2023, p. 59).

Ela aponta um caminho no pensamento que seria um tipo de “filosofia da política” que traria uma reflexão sobre a problemática da ação humana, em “Vita activa” ela expõe (eu penso recupera) a ação humana em sua grandeza e dignidade (pag. 60).

Refletindo ainda sobre a figura do Angelus novus (acima), “seus olhos arregalados refletem sua impotência, seu horror. A história humana é um apocalipse em avanço. Trata-se, aí, de um apocalipse sem acontecimento”, a relação com a atualidade de acontecimentos é notável.

Anos antes de Arendt publicar Vita Activa, Heidegger havia dado uma palestra Ciência e Reflexão onde dizia que em oposição â ação que impulsiona adiante, a reflexão nos traz de volta apara onde sempre já estamos. Ela nos abre um ser-aí (Da-Sein) que precede todo fazer, todo agir e que se demora (Han, 2023, pg. 62).

O mesmo Heidegger vai escrever em Cadernos negros: “O que aconteceria se o pressentimento do poder silencioso da reflexão inativa desvanecesse?” e reflete Han: “o pressentimento não é um saber deficiente. Antes, ele nos abre o ser, o aí, que se furta ao saber proporcional.  Só por meio do pressentimento temos acesso àquele lugar no qual o ser humano já sempre se encontra …” (pag. 63).

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brazil, RJ: Petropolis, 2023.

 

Doença, sistemas de saúde e abandono

23 nov

A doença faz parte da experiência humana, não é específica desta ou daquela classe, raça ou etnia, entretanto o modo como tratamos diferentes tipos humanos é muitas vezes um desrespeito e um sintoma de que algo vai mal na estrutura social.

Primeiro é claro deve haver um sistema que permita o acesso aos tratamentos de modo mais amplo possível e seguro, depois vem a questão da proximidade de familiares, amigos e em especial do próprio sistema que deve tratar do doente e não só da doença.

A experiência da fragilidade humana em diversas situações, e também numa doença grave, é a que deve despertar maior solidariedade e harmonia entre as pessoas que estão próximas e aos sistemas de saúde, a pandemia revelou uma grande fragilidade, embora os sistemas tenham funcionado, o grau de solidariedade e responsabilidade permaneceu em patamares sórdidos.

Não melhoramos humanamente com um flagelo tão grande que abalou todo o planeta, a expectativa que sairíamos mais solidários desta experiência não se confirmou.

O filósofo coreano-alemão expressou em uma palestra na universidade …., expressou assim seu sentimento do pós pandemia: “dramático que não sejamos capazes de tocar em outra pessoa, pois isso transmite uma energia incrível”, “não nos tocamos mais, nem contamos histórias entre nós” (referência ao seu último livro “A crise da narração”), e sentenciou: “estamos mais sós do que nunca”.

No livro “A sociedade paliativa” Byung-Chul citando Ernest Jünger escreve: “Dize tua relação com a dor, e te direi quem és!”, nossa relação com a dor na sociedade mostra como vivemos hoje, os que falam de paz, muitas vezes torcem e até desejam a guerra, não todos claro.

HAN, B.C. Sociedade Paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2021.