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Inverno pode ser terrível para a guerra
Em videoconferência com o G7 nesta segunda-feira (27/06) o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky pediu que a guerra cesse até o inverno, sempre um período mais duro para tropas e para regiões em guerra, isto indica duas preocupações: uma intensificação das batalhas no outono (no hemisfério sul é a primavera, de setembro a novembro) e possíveis dificuldades de fornecimento de gás e dos alimentos no período.
Do lado russo o corte no fornecimento de gás, que tem um sacrifício financeiro evidente, pode significar um colapso nos sistemas de aquecimento, uso doméstico e industrial na região.
A reunião do G7 começou domingo (26/06) com os países: EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália, Canadá, França e Japão, e a videoconferência foi realizada na 2ª. Feira (27/06), o presidente também denunciou o ataque russo a um shopping lotado na região de Cremenchuk, com mais de mil pessoas.
As batalhas seguem duras na região de Dombass embora haja avanço russo, o custo em tropas, armamentos e moral tem sido elevada para ambos lados, enfim é um ódio crescente e uma possibilidade de paz cada vez mais distante.
Num esforço político, o presidente da Rússia fará a primeira viagem ao exterior visitando dois ex-estados soviéticos: o Turcomenistão e o Tadjiquistão, e depois ainda se encontrará com o presidente indonésio Joko Widodo, não há declarações sobre o assunto das conversas, porém com certeza trata-se de assuntos geopolíticos (veja o mapa).
Porém por trás desta viagem há um objetivo mais preocupante, a preocupação de Putin com as fronteiras, neste caso com os países da Ásia, indica tanto o saudosismo da antiga União Soviética como uma preocupação bélica de longo prazo, isto tem um contorno sombrio para o futuro da humanidade.
É claro que não há um belicismo de um único lado, também a resposta da OTAN tem sido dura como a entrega oficial de pedido da Suécia e da Finlândia de entrada na OTAN, também a Moldávia prepara sua entrada, enquanto a Ucrânia vive a espera de uma entrada tardia.
O cenário é extremamente preocupante para o outono no leste europeu, que é a primavera no hemisfério sul, uma preocupação crescente com o abastecimento de alimentos e de petróleo agita todo o mundo, porém o pesadelo maior é a própria guerra e seus contornos.
Poucas e heroicas vozes (veja o post de 21/06) se unem pela paz, a preocupação com a polarização é agora mundial.
A alta da Covid 19 permanece
Não há grande consenso entre os especialistas sobre o atual aumento do número de internações, assim como alguns apontam que as estatísticas podem ser mais altas do que aquelas que aparecem nas pesquisas, quer pela omissão de dados em alguns estados quer por casos assintomáticos que não entram nas estatísticas ou são tratados em casa, sem estatísticas.
As diversas ondas tiveram acertos e falhas, se espera agora uma cautela maior das autoridades.
O infectologista Júlio Croda da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) afirmou que um fator foi a flexibilização em relação às medidas de proteção e outro foi o efeito sazonal de outono e inverno, que agora apenas estamos ingressando, assim concluímos deve-se prolongar até agosto.
Sobre a subnotificação, a infectologista Rosana Richtmann do Hospital Emílio Ribas de São Paulo, afirmou que o autoteste em farmácias ajudou em termos de facilidade de detectar-se o Covid, mas aumentou a subnotificação, com isso o número de casos, que é importante para o controle da pandemia, fica limitado e pode levar a medidas pouco satisfatórias de contenção do contágio.
Mesmo se considerando tudo isto, a 4ª. onda segue avançando e pelo nono dia consecutivo registra alta, entretanto as internações e mortes devem ser claramente notificadas e muitos órgãos de saúde as omitem, em especial os órgãos públicos que tem responsabilidade de divulgar.
Uma nova cepa XQ vem sendo monitorada no país desde março, casos isolados já foram detectados em Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais, no Rio Grande do Sul já foram identificados a transmissão local em diferentes cidades, até o início de junho eram 25 casos lá.
Também no exterior já existem casos no Reino Unido, Alemanha e Itália, a cepa XQ é uma combinação das variantes BA.1 e BA.2 é mais infecciosa (cerca de 10%), mas não há resultados conclusivos de sua letalidade.
Não é preciso ser especialista para saber que enquanto não houver medidas preventivas sérias e aplicadas com rigor, o vírus continua a circular e tanto o contágio como novas variantes continuarão, espera-se atitudes mais incisivas dos órgãos de controle sanitário.
O ser e a ação
Ser não é inatividade, porque é o ser que determina sua ação, porém o puro projeto sobre a ação esvazia o ser, é o ativismo ou a “vita activa”, aquele que Husserl, Heidegger, Hannah Arendt, e mais recentemente Byung Chul Han questionam sobre a ausência de vita contemplativa, o interior.
Não se trata de subjetividade, porque é justamente a separação entre o ser objetivo e subjetivo o primeiro grande impulso para o esvaziamento do ser, não se trata também do ser social, ele é o que está projetado na consciência do homem, na intenção que se dirige ao objeto, à vida exterior.
A vita activa foi assim expressa por Hanna Arendt: “A expressão vita activa, compreendendo todas as atividades humanas e definida do ponto de vista da absoluta quietude da contemplação, corresponde, portanto, mais à askholia grega (ocupação, desassossego) com a qual Aristóteles [define] toda atividade, que ao bio politikos dos gregos. A expressão vita activa é perpassada e sobrecarregada de tradição. É tão velha quanto nossa tradição de pensamento político, mas não mais velha que ela. A própria expressão que, na filosofia medieval, é a tradução consagrada do bios politikos de Aristóteles, já ocorre em Agostinho onde, como vita negotiosa ou actuosa, reflete ainda o seu significado original: uma vida dedicada aos assuntos públicos e políticos” (Arendt, 2007, p.23), nesta explicação de Arendt está também uma completa tradução do animal político.
O que é a ação para Arendt, não é aquela do ativismo ou voluntarismo, mas a que ocorre “entre” os homens, depende da intersubjetividade (a relação de interioridades), dita por ela assim: “or fim, o último dos elementos da vita activa abordado por Arendt é a ação. A ação é o elemento da interpessoalidade e o ambiente da intersubjetividade, ou seja, ocorre entre os homens. Logo, em razão de ser desenvolvida entre pessoas, a ação é observada de forma destacada do labor e do trabalho, tais elementos não influenciam na mesma.
Então o que considera a condição humana da ação é a pluralidade, diz textualmente: “Considerando que a ação é uma atividade dos homens livres na esfera pública, ela é uma expressão da pluralidade humana. A sua concretização depende da convivência entre indivíduos diferentes. Todavia, visto que a ação exige uma diversidade interativa, ela particulariza os homens. Ela promove a aparição de individualidades e possibilita a construção de identidades. Ora, o homem jamais poderá manifestar a sua singularidade no isolamento. Ninguém mostra o que é na esfera pessoal da intimidade. Somente quando está com os outros o homem pode revelar o que é” (ARENDT, 2007, p.189).
Mas Hannah Arendt considera a modernidade em crise somente a partir do início do totalitarismo e os eventos das duas guerras mundiais, e ao nosso ver o problema surge já no pensamento racionalista/idealista.
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
Novo polo de tensão: Taiwan
Em meio a guerra na Ucrânia, a batalha de Severodonesk segue com avanço russo, que promete maior proteção a república separatista do Donbass, sem perspectivas de acordo, um novo polo de tensão mundial envolvendo o Ocidente e as republicas socialista se encaminha para a Taiwan.
Cada vez está mais próximo a tentativa de tensão entre a República Popular da China, que é Continental e a Taiwan que está na Ilha de Formosa, que se separou da China desde a derrota de Chiang Kai Shek pelos partidários socialistas de Moa Tse Tung.
Entendamos a história, fundada em 1912, a República da China agrangia grande parte da China Continental e da Mongólia, no fim da segunda guerra mundial com a rendição do Japão, o país anexou as ilhas de Formosa e Penghu (pescadores) a sua jurisdição, quando o Kuomintang (KMT) perdeu a guerra para o partido comunista liderado por Mao Tsé Rung em 1948, o governo de Chiang Kai-Shek se refugiou em Taipé, capital da Ilha Formosa e fundou a República em Taiwan.
A china nunca aceitou esta separação, mas os partidos políticos e políticos de Taiwan, como os ex-presidentes Lee Teng-hui e Chen Shui-bian consideraram que não havia necessidade de uma declaração formal de independência, entretanto isto ficou polêmico diante de países da ONU.
A resolução da ONU 2758 de 1971 expulsou a República da China (Taiwan) e deu o assento para a República Popular da China que perdeu sua participação em todas organizações intergovernamentais relacionadas às Nações Unidas, como como o Tribunal Internacional de Justiça, onde direitos internacionais são discutidos.
Mas a votação da resolução não foi unânime (foto) e muitos países querem reconhecer a República da China, que mantém sua independência, sendo um dos quatro tigres asiáticos com uma econômica forte em especial, na parte de componentes da microeletrônica.
A tensão é enorme e a ideia que a Republica Popular da China vai atacar Taiwan é quase certa.
Ser, clareira e desvelamento
Toda questão material, humana e substancial desenvolvida no humanismo iluminista provocou um velamento do Ser, nele são as questões externas mais importantes e pensadas que as interiores, mesmo que e Kant a Hegel a questão do espírito tenha sido tratada, sempre resultou num dualismo entre a vida ativa (exterior) e a vida contemplativa (interior), esta traduzida como subjetividade (que é do sujeito) e aquela como objetividade.
Para Heidegger ela vai além, porque toca a questão profunda da verdade, é nela que foi decidido e desenvolvido o pensamento metafísico ocidental, para isto o pensador retomou a questão que os gregos chamavam “alétheia”, comumente traduzida apenas como verdade, mas o sufixo a-léthea, indica negação, assim, não-velada ou como Heidegger preferiu traduziu: desvelada.
O velamento está ligado a “presença” o [ón), que é a presença e a luz, sintetizada na questão que é motriz para o pensamento de Platão no mito da caverna, vir a luz, sair da caverna, em tempos de escuridão, significa encontrar a clareira e o desvelar.
A presença da luz, sintetizada na questão do Eidos, que foi traduzida no ocidente pela palavra ideia, não se pode esquecer que para os gregos a grande questão é o permanecer na luz, ou sair do dualismo objetivo/subjetivo que é ter a luz do Ser, não apenas interior, mas nos atos exteriores.
Ao questionar o fim da filosofia como tarefa do pensamento, o ato de questionar enquanto pensar torna-se pura interpretação de “dados”, não é mais a questão do “[on” (presença) e sim o que está presente apenas como coisa, que para Heidegger a partir da fenomenologia é adjetivo da “luz”, enquanto o pensar é um “livre aberto”, que nada possui de comum, nem do ponto de vista da linguagem, escreveu neste questionamento: “ claro, no sentido de livre aberto, não possui “nada” de comum, nem do ponto de vista linguístico, nem no atinente a coisa que é expressa com o adjetivo “luminoso”, que significa claro” (HEIDEGGER, 1979, p. 79).
Não se trata de abolir a tradição, ela teve um papel na história, mas desvela-la, trazer à luz.
Trata-se, portanto, do pensar livre sobre o mundo, em exercício permanente da visão de mundo.
HEIDEGGER, Martin. “O fim da filosofia e a tarefa do pensamento”. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 79.
Covid 19: responsabilidade e riscos
Não é fácil dar notícias ruins, entretanto se tratando de doenças graves e problemas sanitários não se pode omitir nem deixar de dar diagnósticos e dados precisos das doenças e problemas sociais.
Há uma relativa tolerância aos dados da Covid 19, porém a observação de amigos e parentes em nossa volta não é difícil notar já um novo aumento de casos da Covid-19, a cepa atual, uma variante da ômicron é menos letal então o número de mortes (no Brasil) se mantém em torno de uma centena.
Os dados desta última semana, que vinha num crescente, revelam uma pequena queda, porém é preocupante que em 8 estados os dados não foram fornecidos, dois deles populosos que são os Estados de São Paulo e Bahia, segundo eles foram problemas nos dados do Ministério da Saúde.
O pico nestes dias de 29 a 31, se recuarmos os 10 dias da infecção do vírus cai justamente no Carnaval fora de época realizado, como defendemos no post, o monitoramento e os protocolos de saúde não poderiam baixar a guarda, o que foi dito por alguns infectologistas responsáveis.
Os órgãos públicos que controlam grandes aglomerações querem uma volta a normalidade, claro que todos queremos, em tempos de ameaça de guerra os esforços para manter a sociedade com uma economia e um abastecimento saudável torna-se imperativo, mas não pode custar vidas.
Uma aposta que não haverão novas variantes letais e que a Covid 19 está cedendo não tem dados reais para confirmar isto, se ouvirem os infectologistas e sanitaristas sérios, a precaução é certa.
Olhando os dados de nossos vizinhos, o Chile registros nos últimos dois meses um maior número de novos casos, chegando na última quinta-feira (26/05) a 7.550 novas infecções, no Uruguai há um aumento de 50% dos diagnósticos positivos (dados da rádio Jovem Pan) e as autoridades sanitárias do Paraguai já admitem a chegada da quarta onda da doença.
O fato que a variante é menos letal é confortante, mas não pode ser motivo para despreocupação.
Cabe às autoridades sanitárias serem responsáveis e indicarem os riscos e protocolos para a situação atual.
O espírito e a religião
Um dos traços importantes como ponto de partida no pensamento hegeliano é o conceito de religião, e nela a etapa final da construção do pensamento subjetivo do idealismo, que depois de se deslocar do sujeito para o objeto, cria uma ideia de representação em si e para si.
Já dissemos que um fio condutor é a ideia da suprassunção, que representa a consciência do movimento daquilo que contrapõe o objeto e a necessidade de algo de si e para si “ideal”, lembrando do post anterior que a suprassunção é uma interação entre tese e antítese.
O conceito de si, que vai do sujeito ao objeto e o para si que faz a transcendência deste caminho não contem o “outro”, a alteridade, conforme pensou na ontologia cristã:
“A presença de um objeto, é presença de um outro, determinado como o ser não divino, o mundo finito, a consciência finita. Essa finitude do outro articula-se na natureza em si ou no espirito em si, ou então na consciência ou no espírito para um outro”. (AQUINO, 1989, p.242).
Portanto a contradição já se apresenta anterior a questão de um “espírito” divino, Santo como pressupõe o cristianismo, está na consciência de si, e a questão da representação do objeto.
O para-si não um para-além, mas um retorno ao em-si transcendente, um fechamento em si, por isto não contém o outro, assim a ideia de sujeito é o diferencia da religião é a questão do Ser, um Ser que é Outro, e não um para-si que volta-se ao em-si.
Assim tendo observado essa junção que se refere a presença de um objeto e de um outro, ambos estabelecem uma relação com a consciência, porém a consciência em si é só interioridade enquanto a para-si se admite um além, já que do grego este sufixo significa isto, como paralaxe (além da posição), paradoxo (além da opinião), etc.
Em termos de representação, a consciência está em relação tanto com o mundo, tanto quanto com outra consciência, ainda permanecem no mundo, porém um para-si significa além do mundo, além da realidade sensível e palpável, não apenas na ideia, mas enquanto Ser.
Um espírito assim pensado, transcende ao ser e ao ser-com-Outro, tornando outro-Ser, que para muito religiões é o mundo espiritual, no qual há um Ser por excelência.
A relação trinitária cristã é um para-si-Além-do-Ser, ou um Ser por excelência, por isto um Espírito Santo, o qual se relaciona com o Ser-no-Mundo que é consubstanciado com o puro-Ser divino.
Está então além da suprassunção, não há tese e antítese, mas cada Ser é no Outro, no raciocínio trinitário: Jesus é consubstanciado no Pai, gerado pelo Espírito Santo, que é relação com o Ser.
A relação trinitária cristão é pericorética, ou seja, cada um ser “interpenetra” o outro e há comunhão, não havendo contradição.
Jesus revela aos apóstolos esta relação pericorética Jo (20:21-22(: “Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo””, a realidade divina na alma humana.
AQUINO, M. F. O conceito de religião em Hegel. São Paulo: Loyola, 1989.
O Espírito e a ontologia dualista
Desde o pensamento de Permênides e Heráclito, a filosofia ocidental oscila entre o Ser e o Devir, sem que hajam em ambos uma resposta a questão clara do espírito, ou caímos no subjetivismo da Alma que vem dos neoplatônicos como Plotino, que dizia que só a Alma é Una, ou caímos numa visão dialética moderna: tese, síntese e antítese, que é resultado do Devir.
Entre os autores que tentaram romper com este dualismo está Bergson, que introduz a questão do espírito em seu pensamento, tentando desconstruir a ontologia delineada a partir do séc. XVII atacando a velha teoria do conhecimento, que elabora conceitos e propriedades sustentados na negação do tempo e no conceito de duração ligado ao Ser.
O pensamento de Bergson, grosso modo, é uma metafísica tradicional partindo das opções dos pré-socráticos entre Ser e Devir, e escolhe a substancialidade (permanência) e a ideia (fixidez) como pilares do seu pensamento, então “procurar a realidade das coisas cima do tempo, além do que se move” (BERGSON, 1959, p. 1259).
Pode-se dizer que o problema na reflexão de Bergson está na análise genética da representação, e esta por sua vez está vinculada ao embate do próprio dualismo na tradição filosófica, em especial a moderna, qual seja, a crítica da oposição entre “realismo x idealismo”.
Depois de discorrer sobre a questão da Memória e da Matéria, ponto alto de sua filosofia, cai na armadilha do pensamento ocidental definindo os termos do problema em termos de “imagens” (para alguns autores seria o meio do caminho entre a coisa e a sua percepção no “ente”), e pretende com isto incapaz dos excessos da “coisa material” a “representação espiritual” (o cone na figura).
Assim a imagem é uma presença nos sentidos permitindo a descrição ingênua e direta da experiência (ou da percepção) da matéria, pode-se dizer que o novo dualismo está preso ao significado da representação espiritual, e assim poder-se-ia romper com o dualismo corpo e alma (ou mente).
A questão da representação permeia seu pensamento, assim espírito é apenas um recurso para ela, em seu Ensaio isto fica claro pela divisão dos capítulos: se o primeiro trata da “Seleção” para a representação, o segundo e terceiro vão analisar o “reconhecimento” enquanto o quarto vai tratar da concepção metafísica da matéria, ao defini-la como totalidade e continuidade extensa (lembra a res-extensa cartesiana) e apresenta-a como solução do problema do dualismo a “delimitação e fixação das imagens”.
Assim a transcendência entre sujeito e objeto de Kant é apenas recolocada de outra forma, então a questão do Espírito é apenas um artifício engenhoso, porém não resolve o dualismo idealista.
BERGSON, H. Oeuvres Édition du Centenaire. Paris: PUF, 1959.
Serenidade e paz verdadeira
Já postamos um histórico da paz: Pax dos romanos, paz da Vestfália acordo entre católicos e luteranos sobre a laicidade do estado e a Paz Perpétua de Kant, cada um que pensa em estruturas e acordos de paz que não demonstraram pela ineficácia de poder estabelecer a paz.
Entramos em aspectos ontológicos com a questão da Serenidade proposta por Heidegger, que inclui aspectos originários e de territorialidade dos povos, quase sempre são estes os fatores que são determinantes para povos entrarem em guerra, porém pouco pensados nos acordos de paz.
Se vivemos quase sempre sob alguma tensão é importante entender se é possível uma paz além das questões humanas, que é claro que devem ser resolvidas, pois elas precisam de homens que sejam verdadeiramente pacíficos e tenham ontologicamente esta questão resolvida interiormente e ajudar a humanidade os caminhos que levem a uma paz duradora.
A filosofia de Heidegger desenvolve o quanto o homem avançou em razão, técnica e ciência, mas perdeu a fundamentação própria de Ser reduzido ao Ente (a coisa sem alma), perde sua originariedade (diferencio de originaridade apenas por que ela trata mais de povos originários das américas), ele assim principia sua própria essência (a vê só como subjetividade) e perde a força de re-presentação que dela vem, perde uma essência que não é secundária, mas primordial.
Em sua conclusão de Serenidade, Heidegger contrapõe a imediatez e falta de meditação que temos na atualidade: “Existem, portanto, dois tipos de pensamento, sendo ambos à sua maneira, respectivamente, legítimos e necessários: o pensamento que calcula e a reflexão (das Nachdenken) que medita. […] um pensamento que medita surge tão pouco espontaneamente quanto o pensamento que calcula. O pensamento que medita exige, por vezes, um grande esforço. Requer um treino demorado. Carece de cuidados ainda mais delicados do que qualquer outro verdadeiro ofício. Contudo, tal como o lavrador, também tem que saber aguardar que a semente desponte e amadureça” (HEIDEGGER, 1955, p. 13-14).
A serenidade, a meditação sobre a necessidade dela para entender a originariedade de cada Ser, de sua presença em determinada Região, requer mais que um exercício momentâneo é preciso que ele seja durador e mire a eternidade.
Na leitura bíblica encontra-se a mais profunda lição de Jesus aos seus discípulos sobre a paz (Jo 14: 27): “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou: mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração”, é uma lição também para os pacíficos e para os amantes da paz.
HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Tradução de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, versão original é de 1955.
Razão, crença e a guerra 2
A relação da ciência e da crença na lição de Bourdieu: “O empreendimento paradoxal que consiste em usar de uma posição de autoridade para dizer com autoridade, para dar uma aula, mas uma aula de liberdade … seria simplesmente inconsequente, ou mesmo autodestrutivo, se a própria ambição de fazer uma ciência da crença não supusesse a crença na ciência” (Bourdieu, 1994, p. 62), pode ser melhor expresso pelo princípio da transdisciplinaridade.
Estabelece a Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida em um de seus princípios: “Considerando que a rutura [ruptura no Brasil] contemporânea entre um saber cada vez mais cumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências, no plano individual e social, são incalculáveis”. (Freitas, Nicolescu e Morin, 1994)
A ideia da ciência fundamentada num cálculo (incluindo o econômico) ou a físico que permite avançar no mistério do infinito universo, com wormholes (caminhos de minhoca), buracos negros e matéria escura, não podem prescindir do mistério que está além daquilo que o homem já conquistou.
Do lado político a crença no estado moderno que substituiria Deus e poderia estabelecer uma paz perpétua (o projeto filosófico de Kant) assim como a ciência como cume da “razão” já mostraram seus limites, também a fé fundamentalista, que já o era com os fariseus no tempo de vida terra de jesus, tem limites de ignorar a ciência, mesmo querendo uma ciência da crença, o paradoxo apresentado por Bourdieu.
Nem a paz perpétua de Kant nem os avançados estudos científicos permitiram evitar a guerra e o mundo está de novo a beira de uma nova catástrofe humanitária, e também é que que se ressalte também o fundamentalismo religioso não consegue aboli-la como o “Decálogo de Assis para a Paz” assinada em Assis em 4 de março de 2002, ainda que a defendam isto até hoje.
Os fariseus queriam o envolvimento de Jesus com a guerra contra Roma, que acontecerá nos anos 70 da era cristã, com a destruição de Jerusalém e de seu templo Santo como era previsto nas profecias, não porque Jesus o desejava, mas pela guerra que os homens desejavam.
Após a Pascoa judaica, e a Paixão e Ressurreição de Jesus que foi nossa Páscoa, Jesus aparece aos discípulos e o apóstolo que não acreditava Tomé estava com eles, a primeira saudação de Jesus é: “A paz esteja convosco” (Mt 20, 21), sopra o Espírito Santo sobre eles e diz a Tomé que queria provas materiais de sua ressurreição: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel” (Mt 20,27) e após dirá que s]ao felizes os que acreditam sem terem visto.
KANT, I. A paz perpétua: um projecto filosófico. Trad. Artur Mourão. Ed. Universidade da Beira Interior. Portugal: Covilhã, 2008.
FREITAS, L., Nicolescu, B. e Morin, E. Carta da Transdisciplinaridade. Portugal: Convento de Arrábida. 1994.