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Arquivo para a ‘Real’ Categoria

Forma e ato

16 nov

Informação é uma palavra forte neste momento da história, porém o conceito de forma de in-formar parece estar separado do conceito de matéria, hylé para os gregos e se torna dados apenas.

A filosofia moderna separou a forma do conteúdo, assim como se separa um rótulo do ingrediente que existe num frasco, mas isto vem da compreensão reduzida do que é a matéria, o hylé dos gregos, cujo pensamento na terminologia aristotélica interliga-os no hilemorfismo (ὕλη, hýle = “matéria”; μορφή, morphé = “forma”).

Para que isto tenha um alcance antropológico, necessário ao discurso da diversidade cultural, é preciso ligar ato e potência, como o fez Tomás de Aquino, onde matéria não é aquilo que hoje designamos assim (como a substância por exemplo), mas sim aquilo que é como possibilidade ou em potência, escrito assim por Tomás: “matéria est id quod est in potentia” (matéria é aquilo que é em potência) (TOMÁS, ST I q.3 a.2 c), em termos atuais, enquanto se não é ato, é apenas um dado.

Assim o ato é a existência de fato, ou a atuação em si, ou seja, “forma est actus (forma é ato) (ST I q.50, a.2, obi.3).

Assim a articulação dos binômios potência x ato e matéria x forma deste modo, “matéria não é senão potência, já a forma é aquilo pelo qual algo é, pois é o ato” (TOMÁS, ScG II, c.43), estas categorias dão uma distinção da metafísica fundamental, e antropologicamente significam que uma coisa é a possibilidade de existir ou atuar: potência ou matéria, outra coisa é de fato existir ou atuar: ato ou forma.

Algumas teologias modernas querem separar corpo e alma, isto é sem fundamento escatológico e bíblico, senão a figura humana de Jesus seria dividida em duas: a divina e a humana, que estariam em oposição e lutariam uma contra a outra, e por isto que a antropologia cristã deve ser rigorosamente unitária, como o é em Tomás de Aquino.

A existência de um corpo na condição humana é a união entre a potência e o ato, entre a matéria e a forma (vista neste novo aspecto ligada ao conteúdo e essência), sem a sua existência de fato (forma) o corpo nem sequer existia, mas só a possibilidade de existir (em potência) o faz existir em ato, esta unidade é radical, já que a condição necessária para sua existência é o corpo. isto é fundamental para compreender a antropologia cristã escrita de forma clara por Tomás: “O ser humano não é apenas alma, mas algo composto de alma e corpo” (TOMÁS, ST I q. 75 a 4c), se por um lado todo materialismo (que não é hilemorfismo) nega a existência da alma, muita má teologia procura negar a existência do corpo, é a relação dualista moderna, cristalizada em objetividade e subjetividade, no qual ambas saem mutiladas.

Segundo Tomás de Aquino, os corpos vivos humanos e a existência de fato (forma, chamada também por ele de alma intelectiva) é imortal, ao contrário dos demais corpos vivos não humanos, cuja existência tem início e fim, não o fim escatológico, mas o fim finalista de uma interrupção, pois todos os humanos morrem, e para ele a morte é explicada como uma deficiência provisória pela qual passamos apara uma existência imortal e ultrapassamos a deficiência radical do corpo vivo através da morte.

Dito de maneira mais clara: “Que a alma permanece após o corpo, isto acontece por uma deficiência do corpo [per defectum corporis] que é a morte.

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica São Paulo: Loyola, 2001-2006. 8 v.

 

A paz e alguns conceitos

05 nov

A Paz é desejada, mas raramente cultivada, sempre que se quer prevalecer uma determinada visão de mundo, ou uma cosmovisão no sentido filosófico mais profundo, na verdade está se preparando um conflito onde pontos divergentes não podem encontrar um horizonte comum.

A pax eterna romana, foi a submissão dos territórios ao império romano, a paz da Vestfália (1648) foi um acordo político para que as cosmovisões cristãs em conflito (romana e luterana) não provocassem guerras entre os reinos monárquicos na época, mas foi o tratado dos Pirineus (1659) que decretou paz entre França e Espanha, a etapa final do conflito e por isto é também parte da paz da Vestfália  (na foto a divisão Europa deste período).

Este tratado foi uma noção embrionária para o conceito de paz eterna, vindo do idealismo, que vai se aprofundar no Congresso de Viena (1815) e o tratado de Versailhes (1919).

O conceito de Paz Eterna foi elaborado por Immanuel Kant, como um dos ideais da Revolução Francesa, o estado de paz mundial criava na verdade o conceito de uma “república” única, capaz de representar as aspirações naturalmente pacíficas de povos e indivíduos, este conceito além de neocolonizado (e assim incorpora conceitos da pax romana) está fundamentado numa cosmovisão ocidental e não engloba os conceitos do mundo árabe e oriental, além de desconhecer os conceitos dos povos originários.

A paz numa cosmovisão mais ampla implica aceitar as diferentes visões de relação com a natureza e com os outros povos, diz Caio Fernando de Abreu em Pequenas epifanias: “exigimos o eterno do perecível, loucos”, porque só num modelo de cosmovisão ampla que englobe a paz poderíamos caminhar para uma nova realidade humana e natural.

Numa correspondência trocada entre Freud e Einstein, intitulada “Porque a Guerra?” de 1933 e que foi proibida pelo Terceiro Reich, no texto Freud a questão da interioridade, isto porque muitos que falam de paz querem e provocam a guerra, insistem em suas cosmovisões e querem submeter as outras, assim não colocam a questão da anterioridade, a qual se constitui em entender, considerar a guerra como um conceito quase universal e trans-histórico, mas que se origina na interioridade humana: ambição e poder.

A leitura freudiana, também Lacan fará isto mais tarde , é inscrever a paz de uma maneira inversa da perspectiva kantiana, abordando a questão do infinito, e também escapa de qualquer forma de consideração moral, a reflexão psicanalítica é a possibilidade do poder continuar a se confrontar, para desenvolver uma abordagem nova da coisa “política”.

Há trata-se do bem comum, também mas não só, uma segunda leitura das cartas de Freud e Einstein, acrescenta-se “porque a escolha da guerra”, assim a prévia da existência da guerra em si, fenômeno, processo ou fato que não é possível erradicar ou substituir, pode tornar-se uma busca olhando a ambição humana menos ou mais claramente anunciada, descobrindo a natureza, a essência e a razão de ser, é assim portanto uma questão ontológica de “escolha” da guerra e não da paz, muitas vezes difícil de ser encontrada, mas que deveria ser um desejo primário.

 

FREUD, S. (1995) “Pourquoi la guerre? Lettre d’Einstein à Freud”, in OCP, v.XIX. Paris: PUF.

 

A natureza, o homem e o divino

29 out

É o desenvolvimento da cultura humana que pode desenvolver estas potencialidades, assim diz Morin: “É certamente a cultura que permite o desenvolvimento das potencialidades do espírito humano” (Morin, 1977, p. 110), depende, portanto, do desenvolvimento de uma cultura de paz, de solidariedade e de preservação da vida dentro do espírito humano.

Somos parte da natureza e o conceito antropocêntrico precisa ser modificado, porém é “só ao nível de indivíduos que dispõem de possibilidades de escolha, de decisão e de desenvolvimento complexo que as imposições podem ser destrutivas de liberdade, isto é, tornar-se opressivas” (idem), mas esta depende do desenvolvimento da cultura, ou da esfera do pensamento (Noosfera de Teilhard de Chardin), sobre isto Morin dirá: “É certamente a cultura que permite o desenvolvimento das potencialidades do espírito humano” (idem), depende, portanto, do desenvolvimento de uma cultura de paz, de solidariedade e de preservação da vida que não pode excluir a Natureza.

Dirá Morin no capítulo de sua conclusão sobre a “complexidade da Natureza”, que no universo dito “animista”, ou mitológico no caso dos gregos, “os seres humanos eram concebidos de modo cosmomórfico, isto é, feitos do mesmo tecido que o universo.” (Morin, 1977, p. 333), e neste ponto Teilhard de Chardin desenvolve o conceito de um universo deificado, ou dito dentro da cosmologia cristã: “cristocêntrico”, razão pela qual foi durante algum tempo acusado de panteísmo (muitos deuses).

A ciência penetra mais e mais num universo cheio de surpresas, do bóson de Higgs à constante de Hubble que estabelece tanto o tamanho como a idade do universo, mas será que isto é a consolidação da unidade da física, chamada hoje de Teoria da Física padrão, porém esta constante já foi modificada.

Em termos astronômicos existe a medida megaparsec, que equivalente a 3,26 milhões de anos-luz de distância, Hubble mediu pela primeira fez 500 km por segundo por megaparsec (km/s/Mpc) o diametro da Terra, mas esta medida hoje varia entre 67 e 74 km/s/Mpc.

Também a natureza do interior do planeta varia e há muitas incertezas, devido a exposição do vulcão Cumbre Vieja nas Ilhas Canárias, muitos cientistas e pesquisadores sérios, há muitos fake News sobre o assunto, percebe-se que não há ainda teorizações claras sobre a natureza destes organismos planetários, sempre presentes nas história do planeta.

O diálogo entre diversas cosmovisões longe de simplificar ou reduzir o pensamento de sua cultura, amplia e auxilia o desenvolvemos das outras, mas é preciso ter clareza que cada uma tem uma contribuição a dar, e cada uma pode permanecer em suas identidades culturais, na maioria delas há sempre uma precedência do divino ao amor humano.

Para muitas cosmovisões o meio divino para poder dialogar com o humano, penetra nos mistérios do universo e pensamento (a noosfera), na cosmovisão cristã isto está explicado em dois passos: Amar a Deus e amar ao próximo, assim diz a passagem bíblica (Mc 12, 29-31) sobre o questionamento feito pelo farisaísmo a Jesus sobre quais eram os mandamentos: “Jesus respondeu: “O primeiro é este: Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força! O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes”.

Assim o farisaísmo irá relativizar o primeiro “mandamento” para priorizar o segundo, só o amor ao próximo importa e define o cristão, em geral reduzem ao seu grupo e não dialogam com outras culturas, o segundo (amar a Deus sobre todas as coisas), nega a inclusão do segundo mandamento e caminha para o fundamentalismo e a negação da ciência como cultura, além de negar também outras cosmovisões não cristãs.

O diálogo entre diversas cosmovisões longe de simplificar ou reduzir o pensamento de sua cultura, amplia e auxilia o desenvolvemos das outras, mas é preciso ter clareza que cada uma tem uma contribuição a dar, e cada uma pode permanecer em suas identidades culturais.

CHARDIN, T. O lugar do homem na natureza, trad. Armando Pereira da Silva, Ed. Instituto Piaget, Lisboa: 1997.

MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.

 

A noite da cultura e o humanismo

19 out

Edgar Morin considera a cultura contemporânea algo mais amplo do que é considerado e foi teorizado como cultura de massa, para ele ela ultrapassa a cultura da mídia, esta sim em plena decadência, apesar de reações do mundo da arte em alguns segmentos, em geral trata a morte, o escuro e o desprezo aos símbolos, valores, mitos e imagens relacionados a vida cotidiana e ao imaginário coletivo, porém as culturas regionais, religiosas e humanistas persistem em ato de resistência.

O processo industrial e o êxito da performance e dos valores produtivistas escondem o que se processa no espírito, algo que Morin chama de “industrialização do espírito”, esta segunda colonização não se processa no sentido horizontal conquistando territórios, mas vertical penetrando na alma humana e obscurecendo-a.

A Industria cultural pôs em movimento uma terceira cultura (além da clássica e do natural, chamaria de originária), porém há uma resistência humana que vem da cultura originária de cada povo e de cada cultura específica, mas a ideia de colonizar está viva.

As realidades multiculturais presentes na cultura de massa não são autônomas, por isto a ideia é demolir (ou apagar) as instituições que podem fazer resistência a esta nova “colonização”, e a resistência só pode surgir a partir das culturas dos povos, de seu desenvolvimento originário cultura e de suas religiões e crenças.

Embora se possa fazer uma crítica da cultura midiática atual, as redes sociais são uma laços entre atores que podem ser feitos através delas, ela não encontra uma sociedade destituída de cultura para ser onipresente, nela estão os valores e símbolos sociais, as crenças e ideologias, e nelas os fatores transcendentais continuam impregnados, não é uma cultura a parte.

Na visão de Morin a cultura de massa integra e se desintegra ao mesmo temo numa realidade policultural, faz conter, controlar, censurar (também em muitos casos pelo estado e pelas igrejas) tendendo a corroer e desagregar as outras culturas.

Trata-se agora de uma cultura cosmopolita e planetária, e ela se constituirá na primeira cultura realmente universal na história da humanidade, enquanto o pensamento conservador considera-a um barbarismo plebeu, a crítica de esquerda a considera como um ópio do povo e mistificação deliberada, e assim a única perspectiva parece ser a autoritária.

Na autoritária o estado deve controlar a produção e distribuição dos “bens culturais”, enquanto no caso democrático os grandes grupos culturais devem ditar a mídia controlando a produção e distribuição de conteúdo, aqui a mídia digital está presente.

Ambas as correntes concordam na crítica à cultura de massa classificando-a como produto cultural pobre, de baixa qualidade estética e sem originalidade (kitsch).

A grande solução apontada por Morin está na estrutura do imaginário: o uso de arquétipos que ordenam os sonhos, sem a padronização de temas míticos e romanescos, a arte é uma grande reação neste campo, a indústria cultural se reduziu a arquétipos e estereótipos, quem está fora destes não tem “inserção” cultural, e a prisão dela são produtos individualizados.

Não se trata de aceitação da diversidade, mas incremento do consumo, assim como fez com a cultura pop dos anos 60, os filmes, programas de rádio ou TV (agora as lives e histories) visam unicamente maximizar o lucro e o público (os likes e fanpages).

Em termos religiosos, o sincretismo é a palavra mais apta para traduzir a tendência de homogeneizar a cultura e ditar valores e a comicidade empregada a estes temas faz o papel de destruição de sua essência e originalidade, tudo fica parecido ou igual.

Conteúdos infantis de cultura são invadidos por temas de consumo de adultos: são apresentados numa simplificação que os toma (aos espectadores adultos também) como crianças.

Até o lazer não é apenas um modo de permitir um equilíbrio da vida, mas é invadido pela cultura de massa, os chamados “resorts”, as praias e locais de lazer são invadidos pela “indústria cultural”, tudo ao alcance da mão, bastando um aplicativo.

Esta crise não é temporária nem passageira, pode emergir dela uma grande crise civilizatória, mas é preciso ter esperança apesar da cegueira pública.

MORIN, Edgar. Cultura de massas do século XX. trad. Maura Ribeiro Sardinha. 9ª. edição. Rio de Janeiro, Forense, 1997.

 

Simetria e diversidade

13 out

Toda relação de poder é assimétrica, discorrendo sobre o poder das [mídias] de redes sociais, no seu livro-ensaio “No Enxame” escreve o coreano-alemão Byung Chul Han: “o poder é uma relação assimétrica. Ele fundamenta uma relação hierárquica. O poder de comunicação não é dialógico. Diferentemente do poder, o respeito não é necessariamente uma relação assimétrica” (p. 18), então fica a pergunta como o poder poderia ser simétrico e como a comunicação dialógica.

Sociedades coletivas, comunais e originárias sempre tiveram alguma forma de hierarquia e a maioria delas desenvolveram formas de comunicação dialógica, a modernidade talvez seja o momento histórico de maior hierarquia e onde a comunicação tornou-se mais problemático, sendo necessário voltar a conceitos básicos sobre quem é o outro e que forma de poder é lícita”?

O pior dos cenários tornou-se realidade, este é o ponto que Byung Chul Han tem razão: o enxame, porém é preciso compreender o processo de desenvolvimento que vem do racionalismo-idealismo cartesiano-kantiano, onde o centro é a verdade objetiva, sem espaço para a subjetividade, não por acaso os conceitos éticos e morais perderam valor, dizia o imperativo categórico kantiano: age de tal forma que sua conduta seja modelo universal, mas quem é este ser “ideal”, “racional”?

Sabemos que na natureza sempre há alguma assimétria, por exemplo, os lados do corpo humano.

A resposta não é tão difícil se entendermos a diversidade, não há modelo “individual” que seja um padrão para todos, nem há uma forma objetiva de expressar o poder, senão aquela que induza toda uma coletividade ao amor solidário, a proteção dos mais frágeis e a negociação em disputas.

Levamos dois mil anos, se considerarmos o modelo cristão de fraternidade, para entender que o único modelo possível de dialogia é o respeito ao Outro (no conceito de Chul Han o respeito é simétrico, porém não pode anular a diversidade, a simetria perfeita não é natural).

Estamos de tal forma treinados e condicionados a um modelo padrão que o chamamos de “reto”, numa analogia a uma linha ideal, já que qualquer objeto presente na natureza que seja reto terá alguma imperfeição, e assim o imperativo categórico de Kant só é possível no imaginário idealista.

A sociedade, em suas diversas formas de “bolhas”, não instituiu e desenvolveu a confiança, mas o controle, forma de poder para que todos se moldem ao modelo ideal de determinado grupo ideal.

 

Em queda, mas é preciso cuidado

04 out

Após uma queda lenta no Brasil, sábado a curva ficou abaixo das 500 mortes nas últimas 24 horas, os óbitos chegando a quase 600 mil desde o início da pandemia, indicam que ainda há perigo e a flexibilização que já está acontecendo para eventos públicos massivos é preocupante.

É importante lembrar que em 13 de setembro a média móvel chegou a 465, e depois subiu.

Já explicamos a semana passada que é preciso um “rescaldo” e que a proximidade das festas e do final de ano pode nos preocupar, lembro o caso de Portugal no ano passado que relaxou nestas datas e teve um aumento no mês de janeiro, os países que estão em início de flexibilização tem taxas de infecção e mortalidade realmente baixas e as regiões de contágio são observadas.

A vacinação da primeira dose já dos 40% (93.271.450 imunizados e 147 milhões primeiras doses), a taxa de atraso vacinal no total do Brasil é de 11%, segundo o boletim VigiVac da Fundação Oswaldo Cruz.

O Boletim aponta os estados com maior atraso o do Ceará com 33% e o menor o Rio Grande do Norte com 5,4%, também observam a ausência para a segunda dose, em número absolutos, São Paulo 1,25 milhões, no Rio de Janeiro 956,9 mil pessoas não compareceram para segunda dose e na Bahia 907,5 mil pessoas, o Estado com maior vacinação é São Paulo com 79,20 % na primeira dose quando não é única e o menor é o Pará com 50,91% tomaram uma dose.

As vacinas também tiveram atrasos na entrega, a Coronavac 33%, a AstraZeneca 15% e a Pfizer com menor índice 1%, por isto tem sido a mais aplicada em muitos casos na terceira dose.

A Pfizer entrou mais de 1 milhão de doses neste sábado no aeroporto de Viracopos e promete entregar até 10 milhões em quatro voos fretados que chegarão nos próximos dias.

A flexibilização deveria avançar em números confiáveis, tomando medidas de controle sérias, por exemplo, o isolamento em eventos esportivos, nos shoppings e nos meios de transporte.

 

A sabedoria de pensamentos puros

01 out

O simplismo é o pensamento ingênuo, enquanto a simplicidade é o pensamento puro, a noesis pura.

Não está na capacidade de elaboração teórica, na cultura livresca que resiste a sabedoria, ela une simplicidade (que não é simplista) e complexidade no sentido de colocar tudo sob o manto da natureza e do universo, e entender que há saberes originários que não são simplistas, mas foram elaborados num contato real com a natureza, por isto rejeito a ideia de naturalização.

A culturalização é aquela que se apoderou do natural e o perverteu, disse o filósofo, escritor e líder indigenista Ailton Krenak sobre a atual crise pandêmica: “A Terra está falando para a humanidade: ‘silêncio’. Esse é também o significado do recolhimento”.

Grande parte da cultura ocidental está em crise, porque apoderou-se da natureza de maneira brutal e não quer entendê-la e tem dificuldade de ler nos sinais visíveis e claros, esta crise vem de antes da atual revolução tecnológica, muitos filósofos no início do século XX apontaram para ela, e o silêncio pedido por Krenak pode ser também aquilo que Theodor Adorno identifica como verdadeira contemplação: “A bem-aventurança da contemplação consiste no encanto desencantado.” Theodor Adorno, lembro que este filósofo não é místico, nem religioso.

Ailton Krenak escreveu “Ideias para adiar o fim do mundo” (Cia. da Letras, s/a), dentro de uma cosmovisão indígena, mas com consciência de que se trata de um problema planetário, disse numa entrevista ao Jornal Estado de Minas (03/04/2020): “Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza”, denunciando que o modo que vivemos é artificial e não condiz com a natureza humana”.

Interpretando o livro de Davi Kapenawa, outro líder indígena, Viveiro de Castro e Danowski veem também que o nosso pensamento “culto” e ocidental está concentrado no mundo da mercadoria, e diz Kapenawa: “os brancos sonham muito, mas só sonham consigo mesmo”, ou seja, com sua própria cultura sem conseguir contemplar um mundo mais amplo, onde todos estão presentes.

Estas cosmovisões podem parecer ingênuas, mas significam que devemos sempre pensar além de nossa cultura, também a cosmovisão cristã pede este esforço, e depois dos ensinamentos aos seus apóstolos daquilo que o próprio mestre deveria passar, e eles ainda não entendem, Jesus vai fazer uso de uma nova metáfora para que eles pensem de modo mais puro e menos culturalizado (e não naturalizado).

No capítulo 10 do evangelho de Marcos, vendo que queriam afastar as crianças dele, Ele diz (Mc 10,14-15): “Deixai vir a mim as crianças. Não as proibais, porque o Reino de Deus é dos que são como elas. Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele”.

O mundo que há de vir, em diferentes cosmovisões, ainda que pareçam infantis, mostra a crise e o esgotamento do pensamento cultural de nosso tempo, e o esgotamento dos meios naturais.

 

Vulcões, entre a ciência e as superstições

28 set

O vulcão nas ilhas Canárias que arde a mais de uma semana, e por enquanto apenas aumento o volume e a quantidade de lavas incandescentes despertaram perguntas e medos, nem tudo é realmente certo, os vulcanólogos e geólogos não tem previsão para o esfriamento do vulcão e nem todas as superstições vieram apenas de profecias e apocalípticos.

A possibilidade de um megatsunami, partindo do meio do Oceano Atlântico, o Oceano pacífico tem mais vulcões e terremotos no chamado círculo de fogo (foto) que o Atlântico foi estudado após o maremoto da Indonésia que ganhou notoriedade, porém foi o do Japão, que afetou a Usina de Fukushima o mais assombroso.

O alerta não partiu de supersticiosos, mas de pesquisadores britânicos em artigo de 2001 (Ward & Day, 2002), o artigo ganhou notoriedade por citar diretamente as Ilhas Canárias (veja foto acima), e foi publicado na revista científica Yearbook of Science and Technology, fez outros estudos em casos já acontecidos, como o de 1º. de abril 1946 nas ilhas Aleutas onde houve um deslizamento de terra semelhante ao da costa de Papua Nova Guiné.

Cita que o maior deslocamento de terra, que provocou megatsunami, foi o deslizamento de terra em 1929 devido a um terremoto, no parque Nacional de Terra Nova, Canadá, na península de Burin, que chegou até a costa da Escócia e Holanda, mas só foi percebido por causa de fragmentos que foram depositados nas costas destes países.

O artigo fez experimentos por simulação em computador, que mostra que a eficiência de geração de tsunami aumenta com a velocidade e o volume do deslizamento de terra, e fez uma simulação justamente com o vulcão Cumbre Vieja (fig. 3 acima), na ilha de La Palma (uma das ilhas da Gran Canarias), e escreveram textualmente: “movimentos contínuo e recentes dos flancos de uma série de vulcões de ilhas oceânicas incluindo o Kilauea no Havaí e o Cumbre Vieja em La Palma, nas Ilhas Canárias, são possibilidades que estes podem romper [os flancos] durante uma erupção num futuro não muito distante” (Ward & Day, 2001).

O volume tem aumentado desde o domingo passado (19/09) e um dos flancos se abriu, mas não desmoronou e as lavas ainda não tinham chegado ao mar até a presente o dia de ontem.

Tivemos no ano outros vulcões em erupção, na Itália o Etna, na Rússia o vulcão Ebeko nas ilhas Curilas e na Islândia o Fagradalsfjall, mas estes não oferecem perigo, no caso da Islândia houve um período de interrupção do tráfego aéreo na região.

Outros vulcões no mundo se manifestaram este ano, na África o Nyiragongo no início de junho, na Indonésia o Sinabung no início de março, na Guatemala o Vulcão de Fogo, mas que já cessou a erupção, há outros pelo mundo, os vulcões ativos (mas não em erupção) são ao todo mais de mil, o Brasil está longe das placas tectônicas que além de vulcões provocam terremotos.

Por algumas horas o Vulcão Cumbre Vieja cessou de jorrar lava, mas voltou, se a duração e volume de material será suficiente para um tsunami, depende da intensidade e duração, nem vulcanólogos e nem os geólogos que acompanham o vulcão sabem dizer com certeza.

Ward, N. and Day, Simon. Suboceanic Landslides. Steven Yearbook of Science and Technology, McGraw-Hill, 2001. Disponível em: ward&day.pdf (ucsc.edu)

 

O fim dos seres e das máquinas

23 set

Edgar Morin diz que “estamos pois na pré-história da finalidade”, usando o discurso hegeliano dirá “todo o ´si´ torna-se já quase um parasi” (Morin, 1977, p. 242), e assim a máquina viva (para diferenciar das artificias) desde as células molecadas, até os organismos vivos mais complexos “são quase especializados em função das refas quase programadas que visam realizar fins, e todos estes fins se unem no fim global: viver” (idem).

Pode-se dizer então, expressão do autor, que “este ser vivo que se autofinaliza é o produto é o produto finalizado do acto reprodutor que o originou” (ibidem), e “remontando” isto até a origem da vida, fica a pergunta “como é que a finalidade nasce da não finalidade?” (MORIN, 1977, P. 243).

Vai perguntar então que tipo de “informação” capaz de reproduzir e controlar proteínas com as quais não estavam ainda associadas? A idéia de informação, e portanto de programa, e portanto de finalidade, não podem ser anteriores à constituição dum primeiro anelamento protocelular” (idem), vai concluir a partir daí que deve-se afastar “a ideia de processo finalitário antes do aparecimento da vida”, talvez aqui separamos máquinas artificiais dos seres vivos, seu início.

Dirá de modo categórico e essencial que “a finalidade biológica, e evidentemente antropossociológica, está mergulhada num processo recorrente de geração-de-si de que faz parte. É o rosto emerso e informacional desta geração-de-si” (ibidem), para aqueles que creem, digo que este é o que penso ser “imagem e semelhança de Deus”, estar num processo originário vital.

As máquinas vivas e as artificiais terão em comum, segundo o autor, “finalidades das origens da vida repercute-se e reflecte-se nos fins globais das máquinas vivas, e até das máquinas artificiais” (MORIN, 1977, p. 243).

Diferenciará mais a frente a máquina artificial da viva, citando Paul Valéry: “Artificial quer dizer que tende para um fim definido e, por isso, se opõe ao vivo”, assim por exemplo, o fim “duma fabricar é fabricar carros, cujo fim é a deslocação, a qual serve para actividades construtivas da vida do indivíduo na sociedade e da sociedade no indivíduo” (Morin, 1977, p. 244).

Assim enquanto a máquina tem uma finalidade extrínseca da vida, e esta finalidade deveria ter o fim intrínseco da vida biológica, estes “fins complementares podem tornar-se concorrentes e antagônicos, como acontece com os fins da existência individual e a reprodução…” (Morin, 1977, p. 245), se tornarem-se antagônicos podem conduzir da exclusão de uma finalidade pela outra.

E assim, conclui este tópico Edgar Morin> “no Homo sapiens, os prazeres gastronômicos e os gozos eróticos tornam-se fins em detrimento das finalidades alimentares e reprodutoras; o conhecimento, meio para sobreviver num ambiente, torna-se, no pensante tornado pensador, à qual subordina a sua própria existência” (MORIN, 1977, pags. 245-246).

Assim as finalidades deslocam-se, degeneram e tornam-se incertas, como o futuro da civilização.

MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.

 

Reificação, objetos e sujeitos

22 set

Se por um lado é verdadeiro que há na mentalidade idealista/iluminista dominante uma completa reificação da vida (a vida que se projeta sobre a coisa, res-coisa), por outro lado a separação sujeito e objetos, cria um dualismo no qual a natureza e os objetos que fazem parte da vida são ignorados.

O assim chamado dualismo sujeito objeto é explicitado por Edgar Morin da seguinte forma: “o conceito de sistema só pode ser construído na e pala transacção objeto/sujeito, e não na eliminação de um pelo outro.” (MORIN, 1977, p. 136).

Morin vai explicar que tanto o “realismo ingênuo” como o “nominalismo ingênuo” (correntes antagônicas desde o período medieval) eliminam o sujeito, no nominalismo o sistema ideal é aquele que não tem o sujeito, e no realismo o objeto ideal é o sistema.

Mas o objeto “quer seja ´real´ ou ideal, é também um objeto que depende dum sujeito” (Morin, idem), e pela via sistêmica “o observador, excluído da ciência clássica, o sujeito, despido e lançado para as latas do lixo da metafísica, regressam ao fulcro da physis” (MORIN, ibidem).

Morin observa que observador e a physis (a Natureza, com N) ficam confinados em termos de um sistema, e propõe uma nova totalidade sistêmica “se constitui associando o sistema-observador e i observador-sistema pode, a partir daí, tornar-se um metassistema em relação a um e outro, se for possível encontrar o metaponto de vista, que permita observar o conjunto constituído pelo observador e sua observação” (MORIN, 1977, p. 137).

Explica que pode-se numa visão simplificadora máxima, reduzir tanto a importância do observador como a da physis, “criando um suprassistema, cuja teoria revela os sistemas fenomênicos autônomos”, é bom esclarecere aqui que não se trata da fenomenologia e sim de um “suprassistema” que tem característica de um fenômeno autônomo, não é a redução eidética.

O segundo sentido do metaponto de vista, “acentua-se o caráter ideológico, cultural e social do sistema teórico (a teoria dos sistemas) onde se inscrever a concepção dum sistema físico” (idem).

Não podemos fugir nesta elaboração do problema epistemológico-chave: “a articulação sistêmica que se estabelece entre o universo antropossocial e o universo físico, via conceito de sistema, sugere-nos que um carácter organizacional é fundamentalmente comum a todos sistemas” (MORIN, 1977, p. 137).

Embora se fale da vida vinculada aos objetos, em filosofia da reificação (ou coisificação) da vida, a mentalidade dualista de separação entre sujeitos e objetos cristaliza e vivificada isto no dia-a-dia.

MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977