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Fraternidade, cosmovisão e religião
Não sei qual a religião da capitã do Sea Watch, porém a cosmovisão fraterna da capitã Carola Rackete, presa injustamente e levada aos tribunais e só solta estes dias, é sem dúvida a única e verdadeira manifestação de mundialidade no mundo contemporâneo recente.
A imprensa pouco noticiou, as autoridades italianas esbravejaram contra a “rebeldia” da capitã de socorrer náufragos e atracar em Lampedusa na Itália, contra a determinação da polícia marítima local, porém esta é a verdadeira fraternidade e religião de ver todos povos como merecedores da mesma fraternidade e respeito.
A capitã Rackete foi acusada dos crimes de resistência ou violência contra a embarcação de guerra italiana e de tentativa de naufrágio por ter se chocado contra uma patrulha da Guarda de Finanças (polícia marítima das fronteiras italianas), e os jornais europeus que sempre fazem alarde de qualquer atitude na américa latina ou na África pouco noticiaram a prisão de Rackete.
Ainda a velha visão colonialista de olhar com desdém para o resto do mundo, que não é só a americana, permanece e pouco olham para seus crimes e barbaridades, em especial contra os outros povos e nações que tem uma cosmovisão diferente da europeia.
Não reconhecem a penumbra e a cegueira que vivem, nem mesmo a própria cosmovisão é muito clara, além dos interesses políticos e econômicos, pouco ou nada sobra de um respeito por outros povos e culturas, e pouco reconhece a própria decadência e crise de pensamento.
A arrogância de uma cosmovisão limitada, apesar de sua origem do cristianismo, vale para boa parte do pensamento europeu, é fato que existem resistência e grupos que protestam, vale para a cosmovisão aparentemente fraterna da Europa aquele dito bíblico sobre o farisaísmo no tempo de Jesus, Lc 10: 12: “eu vos digo que, naquele dia, Sodoma será tratada com menos rigor do que esta cidade”, referindo a povos que rejeitavam a mensagem fraterna cristã.
É claro que só se pode falar de um cristianismo com uma cosmovisão de respeito e verdadeira fraternidade com todos os povos e culturas, pois o restante é farisaísmo e orgulho cultural.
O olhar com desdém aos povos sofridos, explorados e colonizados ainda é estigma de nosso tempo, ainda é fruto de uma cultura de dominação e exploração dos povos e da natureza.
No video abaixo a capitã do Sea-Watch, Rackete, fala após o lançamento da prisão domiciliar (pode-se ativar legendas):
Uni-verso ou multi-verso
Não é uma brincadeira com versos e poesia, já vimos e postamos que o universo é feito de frequências que em ultima instância é música, que a primeira energia liberada pelo universo foram frequências que em última instância é luz, agora há um novo enigma e se houver mais que um universo, um multiverso.
Três aspectos podem levar a ideia do multiverso, duas já são amplamente estudadas: a ideia da cosmologia que vem dos gregos e hoje chega as mais profundas sutilezas da matéria e energia escura, chamada de buracos negros que foi ampliada com a ideia da inflação, a segunda a teoria das cordas que de simples hipótese passou a ser estudada e verificada, e, a terceira (ou a primeira no sentido histórico, começou com Hubble em 1929), a ideia que o universo (o multiverso que conhecemos) está se expandindo então um dia este unido, o Big-Bang.
A ideia de um universo em inflação e não em expansão levou ao segundo ponto que é a teoria das cordas, o modelo físico-matemático sugere que os blocos fundamentais não são pontos ou partículas, mas cordas que vibram numa espécie de sinfonia cósmica, emergindo da música que estas cordas podem tocar, entretanto com pequenas inconsistências matemáticas.
São essas inconsistências que criam a necessidade de uma quarta dimensão, não linear como as que conhecemos (a altura, largura e profundidade), mas uma micro-dimensão que delimitam como estas “cordas” podem vibrar, a analogia com a música é perfeita porque só ouvimos numa faixa delimitada de frequência, e estas vibram numa faixa delimitada.
É nesta faixa delimitada que está a energia negra, ela junto a matéria negra compõe 96% do universo, o que conhecemos como “matéria” é a matéria e energia bariônica, apenas 4%.
As formas presentes na teoria das cordas (foto) podem ser inúmeras e até mesmo infinitas.
A questão que resta é se algum dia a observação poderia tornar possível a visão do multiverso, assim como em 1964 os cientistas Arno Penzias e Robert Wilson capturaram a radiação de fundo, que vindo de todas direções do cosmo foram a comprovação da Teoria do Big Bang.
O cientista Brian Greene explica que a teoria da inflação cósmica poderá de alguma forma um dia provar a existência do Multiverso e explica como as evidências desta teoria já estão presentes na teoria quântica, e na observação da energia escura.
Veja o vídeo Ted de Greene que já tem mais de cinco milhões de vistas:
A redução do meio divino ao humano
Pode-se negar a existência de Deus, o argumento da evidência é ingênuo, não sendo nem lógico como queriam alguns racionalistas modernos, nem humano como queriam alguns idealistas alemães e nem ontológico como apresentado por Santo Anselmo.
Há uma verdade que vem de Sócrates que diz que ela não está com os homens, mas entre os homens, isto significa que é ontológica e complexa ao mesmo tempo, e não se pode negar a existência histórica de Jesus, quer seja por seu nascimento histórico num período em que o senso foi obrigatório, por isto nasceu em Belém, e o registro de sua morte e crucificação que é contada por historiadores da época, incluindo Josefo e pela historiografia judaica.
Porém o que Nietzsche, nascido numa família de religiosos luteranos enxergou além do seu tempo, é uma evidencia filosófica e histórica da morte de Deus, através de sua epifania humana através da figura histórica de Jesus, ao menos para a cristandade, enquanto Deus pode ser pensado em inúmeras escatologias presentes em quase todas as culturas para não ser exaustivo, pois mesmo os povos ditos bárbaros, tinham alguma forma de divindade.
Porém o grito do louco de Nietzsche é a constatação da construção da filosofia idealista e positivista que desejou assumir como discurso único sobre a realidade, Tomás de Aquino e outros medievais eram realistas como corrente filosófica, tem agora um ocaso obscuro.
Desta filosofia isolacionista, individualista e separatista do mundo decorrem três formas de heresias coletivas: um Deus meramente humano, um Deus meramente divino e uma total ausência da terceira pessoa divina: o Espírito Santo, para o qual não há perdão.
Este pecado não é a mera negação de Deus, mas sua negação concreta a negação do Outro.
Teilhard Chardin diz sobre a inclusão do Outro que este é o “meio divino”, a mística típica do nosso tempo, que também pode ser expressa como “onde dois ou mais estão em meu nome” (Mt 18:20), que é um texto subsequente a pergunta “e vós, quem dizeis que eu sou” (Mt 16:15), do qual seguem várias passagens da relação com o Mundo e com Deus.
Pode-se dizer que há duas reduções: ao meramente humano e ao meramente divino, porém a principal redução é a ignorância de uma terceira redução que é a da ação do Espírito Santo.
Na redução do divino, Jesus nos milagres quase sempre pedia descrição ou fazia alusão a fé do curado, do agraciado ou apenas da maravilha do contato como o cego Bartimeu, a profetiza Ana, Simeão, os paralíticos, leprosos ou a mulher a quem dirige a palavra.
A verdadeira escatologia não vê apenas princípio ou fim, mas ambos em relação ao cotidiano da vida humana, Teilhard Chardin faz reflexão no livro O meio divino (1957): “a tensão lentamente acumulada entre a Humanidade e Deus atingirá os limites fixados pelas possibilidades do Mundo, e então será o fim … que devemos esperar não como uma catástrofe mas como uma ´saída´ para o mundo para a qual devemos colaborar com todas as nossas forças cristãs sem receio do mundo, porque os seus encantamentos já não poderiam prejudicar aqueles para quem ele se tornou, para além dele mesmo, o Corpo d´Aquele que é o d´Aquele que vem”
Assim como o evangelista Lucas (Lc 9,20), Mateus também repete a pergunta de Jesus aos discípulos Mt 16,15: “E vós, quem dizeis que eu sou?”.
CHARDIN, T. O meio Divino: Ensaio de vida interior. Lisboa: 1957.
Da lógica ao Ser
O conceito de antropotécnica, inicialmente polêmico que chegou a sacudir a cultura alemã e gerou uma polêmica entre Junger Haberrmas e Peter Sloterdijk, chegando a ser comparado a forças conservadoras, na verdade pode estar relacionado tanto a “melhora do mundo” (em alemão Weltverbesserung) e “melhora de nós mesmos” (Selbstverbesserung).
Ultrapassa e ao mesmo tempo dialoga com o conceito foucaultiano da biopolítica, mostra ainda uma dificuldade na relação entre sujeito e poder, apesar de sua Microfísica do Poder, vê assim a relação com a técnica:
“Procurei, antes, produzir uma história dos diferentes modos de subjetivação do ser humano em nossa cultura: tratei, nessa ótica, dos três modos de objetivação que transformam os seres humanos em sujeitos. […]. Não é, pois, o poder, mas o sujeito que constitui o tema geral de minhas pesquisas.” (FOUCAULT, 2014, p. 118-119).
Embora a biopolítica pareça uma superação da “tecnologia do eu” (a estética da existência), ela não se desvinculou da polaridade objeto x sujeito, cuja essência é a lógica idealista.
Se a biopolítica é em última análise o governo da vida, a vida está além da relação com o poder, pois uma mudança radical aconteceu na Modernidade: a técnica.
A obra de 2009 de Sloterdijk “Voce deve mudar a sua vida” (Du musst dein Leven ändern) ele estabelece duas formas de produção artificial (não é virtual) do comportamento humano nas chamadas “grandes culturas” sob impacto da Idade Moderna.
A primeira é a produção do homem pelo homem, o que ele chama de técnicas de “deixar operar” (Sich-operieren-Lassen) e a segunda é a produção de homens, mas de si mesmos, que passaria então a técnicas de “auto-emprego” (Sloterdik, 2009, p. 589).
O que Sloterdijk quer nos apontar é que há uma forma nova de relação com o estado em andamento que ultrapassa a biopolítica, esclarece em sua obra fundante “Regras para o parque humano” que desde Platão, criador do estado-ideal e da ideia de cidadania politica, onde o filósofo-político era superior, vejamos:
“O que Platão pronuncia pela boca de seu estrangeiro é o programa de uma sociedade humanista incorporada na figura do único humanista completo: o dono da ciência do pastoreio real. A tarefa desse super-humanista [o filósofo político treinado para isto] não seria outra senão o planejamento de propriedades em uma elite [de políticos] que teria que ser levantada expressamente para o bem de todos.” (Sloterdijk 2001, p. 82-83).
Esta lógica foge do dualismo esquerda-direita, libertadores e opressores (eles estão dos dois lados), para uma lógica de redefinir o papel de estado e da política, é uma lógica paraconsistente, no sentido que exige nova linguagem, de diálogo amplo.
O filósofo peruano Francisco Miró Quesada, que cunhou a palavra Paraconsistente, diz que o pensamento latino americano nasce: “diante de todos, desnudado e fraco, como um órfão desvalido”, em meio a possibilidades ditatoriais um pensamento novo pode abrir-nos ao Ser.
SLOTERDIJK, P. Regras para o Parque Humano. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
FOUCAULT, M. O sujeito e o poder. In: FOUCAULT, M. Ditos e Escritos – IX. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014.
E vós quem dizeis que eu sou
As verdades dos fatos só revelam na verdade dos atos, é assim para a vida cotidiana, é assim para a política e para os discursos, se vivemos na pós-verdade, ela tem o limite dos atos.
Gostamos no dia a dia de criar narrativas mais favoráveis a nossa conveniência e ao nosso ideário, mas quase sempre o desvelar existe além da linguagem e do discurso.
A criação de uma inteligência lógica, em camadas mais profundas chamadas agora de Deep Mind ou Deep Learning, não é senão a resposta artificial ao mundo virtual, parte do real junto ao atual, a uma lógica consistente com a ação, enquanto na humana sempre haverá alguma dislexia.
A plena consciência está ligada a plena dialogia, onde os discursos podem interpenetrar no circulo hermenêutico, a diferença com a inteligência artificial é que a máquina aprende com humanos, mas lhe será difícil de escapar da lógica formal, enquanto a humana é ontológica.
Isto significa que estamos na era do Ser, manifestação mais profunda do que somos, e ao contrário do que supõe o discurso anti-tecnologia, é justamente ela que pode ajudar o discurso humano nos aspectos essenciais da lógica, que as vezes falseamos para ter razão.
Historicamente a tecnologia não está deslocada das necessidades humanas, é muitas vezes a má adaptação ou uso da relação humana com a tecnologia que causa alguns transtornos e má compreensão do seu verdadeiro papel, que é o de auxiliar o ofício, a arte e a técnica, diz a origem grega da palavra techné.
Na passagem bíblica que Jesus testa seus apóstolos ele pergunta: “e vós quem dizeis que eu sou” (Mt, 16,15) , para uns foi um grande profeta, para outros um retorno de Elias ou até de Moisés, e só para alguns era o Messias, ou seja, a sabedoria Divina entre nós.
O uso condenável da mensagem evangélica em política, não é pelo fato que devam ser fora dos interesses do bem comum e da sociedade em geral, mas é a possibilidade de instrumentalizar e usar a favor de determinado discurso, nem sempre coerente ao evangelho.
Então o caminho é o método
Além da verdade histórica, oposta a hermenêutica (Shcleimacher) e do historicismo românticos (Dilthey), Gadamer trata a questão da verdade ligada tanto a religião quanto a arte, uma antecipação transdisciplinar, e quem sabe talvez seu “método” (veja nosso post anterior a questão de Ricoeur), dito desta forma:
“Uma sociedade culta que se afastou de suas tradições religiosas espera mais da arte da consciência estética e do ‘ponto de vista da arte’ do que podem produzir. O desejo romântico por uma nova mitologia … dá ao artista e à sua tarefa no mundo a consciência de uma nova consagração. Ele é algo como um “salvador secular”, pois espera-se que suas criações alcancem em pequena escala a propiciação do desastre para o qual um mundo não salvo espera” (Gadamer, 1997), é claro que a salvação aqui é a terrena (secular) e não a celeste.
Na verdade, é o que compreendemos por história que nos faz patinar em patamares da tradição, diz Gadamer sobre a história: “Na verdade, a história não nos pertence, mas sim nós a ela”, e se é ontológica, haverá um Ser que a faz cumprir.
Explica Gadamer as dificuldades não só histórica, mas principalmente dos preconceitos ligados a tradição: “É a tirania dos preconceitos ocultos que nos faz surdos ao que nos fala na tradição.” (Gadamer, 1997)
E acrescenta sobre esta dificuldade dialógica: “Não podemos entender sem querer entender, isto é, sem querer deixar que algo seja dito … O entendimento não ocorre quando tentamos interceptar o que alguém quer nos dizer alegando que já o sabemos.”, em geral não fazemos um vazio conceitual para ouvir o outro.” (Gadamer, 1996)
Indica como colocar isto em planos práticos e reais: “o que o homem precisa não é apenas o posicionamento persistente de questões fundamentais, mas o sentido do que é viável, o que é possível, o que é correto, aqui e agora. O filósofo, deve ser aquele que dentre todas as pessoas, deve, penso eu, estar ciente desta tensão entre o que ele alega alcançar e a realidade em que se encontra.” (Gadamer, 1997)
É preciso antever (virtualmente) possibilidades, mas ser capaz de adaptá-las dentro das possibilidades reais, assim não há hermenêutica ou historicismo românticos, ambos devem ter presente as realidades e interpretá-las.
GADAMER, H.G. Verdade e Método, trad. Flavio Paulo Meurer. Rio de Janeiro, Petrobolis: 1997.
A metáfora, o imaginário e o velamento
Já postamos que o velamento é parte essencial da verdade e do belo, em Paul Ricoeur isto está mais claro em sua “Metáfora Viva” (1975), porque parte de sua hermenêutica fenomenológica está em relação essencial com a obra de arte, em que faz a passagem do momento arqueológico da hermenêutica para o teleológico, isto é, a lógica dos fins, além da lógica proposicional.
Já na mímesis grega, a produção artística e o novo tinham significado como instrumentos que dão sentido a realidade, porém a ultrapassa e pode-se dizer havia também algo teleológico.
Isto é inteiramente valido, pois ao ler a Metáfora Viva percebe-se que é uma releitura da Poética de Aristóteles, mas ele próprio esclarece a diferença ao expor que a metáfora vai além (meta) e transpõe (pher) para uma coisa que designa outro objeto, enquanto mimesis é a ideia de imitar.
Mas além da metáfora a questão importante em Ricoeur é a da imaginação, deve-se separá-la do virtual, as palestras inéditas de Paul Ricoeur nos Estados Unidos, foram documentadas e comentadas, isto já uma tradução, por George H. Taylor, onde aparece o conceito de “imaginação produtora” em 4 categorias: utópica, epistemológica, poética e sacro simbólica (Taylor, 2006), que me parecem mais ligadas ao virtual.
O próprio Aristóteles afirma que esta figura de linguagem (metonímia – substituição da palavra, sinédoque – substituem a parte pelo todo, etc.) é tangente a quem deseja expressas questões na oralidade e deve fazê-la na escrita.
Façamos uma passagem, usando recursos do virtual, da sintaxe (a estrutura da frase) ao sentido (sua semântica) chegando a lógica do discurso (a hermenêutica), isto sai de uma teoria da substituição do sentido (a falsa semântica em muitos discursos) para uma teoria do sentido, uma lógica subjacente ao hermenêutico, não mais como verdade dogmática, mas dialógica.
A questão da classificação cara ao enciclopedismo e iluminismo, resultará na questão de Gadamer se em toda ela não há uma metáfora subjacente, enquanto Derridá pergunta se não está nela toda a capacidade racionalista de classificar conceitualmente todos objetos.
Byung-Chul Han responde de maneira não dualista, a verdade e o belo estão “velados” e só que é capaz de ver através deste véu chega a “clareira” desejada, então a metáfora é um recurso e a hermenêutica dialógica um caminho, este caminho oscila entre o real e o virtual.
O virtual é assim o visível além do véu, e o real é o desvelado no atual, o represente, cuja memória no momento seguinte só poderá ser re-presentada ou atualizada.
Chul Han também fala do recurso da metáfora na Bíblia, como um recurso proposital para “para as tornar objeto de desejo”, penso que é mais que isto, é que alcançar a verdade se faz em passos e que grande parte da vida ainda é mistério.
RICOEUR, P. La Métaphore Vive, Paris, Éditions du Seuil, 1975.
TAYLOR, G. H., Ricœur’s Philosophy of Imagination. Journal of French Philosophy, Vol. 16, p. 93, 2006; U. of Pittsburgh Legal Studies Research.
Verdades, tautologias e crenças
Li atônito que Noam Chomsky afirmou: “as pessoas não acreditam mais nem em fatos”, as crises (não é única, pois há crises políticas, ideológicas e até humanitárias) embora todas com contorno econômico, a raiz profunda delas é para uma rejeição a própria cultura.
Alguns dirão identidade, embora não deva ser deixado de lado, os discursos que vejo nesta linha beiram o psicologismo, o conceito filosófico correto deve ser visto com a questão de relação, enquanto a psicologia vê como problemas de personalidade, comportamentos e funções mentais, então para mim é outra coisa.
No caso sociológico tem na ideia de auto-concepção, aspectos de representação social como uma pessoa única, ou em termos quantitativos o que a difere das outras em aspectos culturais, de gênero, de nacionalidade, agora identidade online ou algo que seja formativo da própria identidade.
Embora cultura entre como um aspecto sociológico, ela é redutiva porque cultura é mais abrangente que aspectos de identidade e nacionalidades, Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn encontraram, pelo menos, 167 definições diferentes para o termo “cultura”, o que mostra a abrangência do termo.
Ficamos com uma definição reduzida, porém que incorpora elementos essenciais: todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade” de Edward B. Tylor, para nosso tema pois envolve conhecimento, crenças e verdade.
Sistemas que ignoram as crenças não são verdadeiros, mas tautológicos, mesmo admitindo uma intersecção entre crenças e conhecimento, pois ignoram que há conhecimento ligado ás crenças (figura inferior).
Sistemas que admitem que em toda cultura há crenças, podem diferenciar o conhecimento presentes em culturas diferentes e que possuem um núcleo de conhecimento distinto, mas em ambos podem haver verdade, é um conhecimento dialógico e relacional.
A arte, a moral e os costumes que estão dentro destas culturas podem não ter relação com a verdade, mas cada uma tem um núcleo diferente de conhecimento (x e y na figura) que tem relação com a verdade, os fatos e atitudes ajudam a manter esta verdade relacional.
Cinismo e verdade nua
Disse Sloterdijk sobre a forma de violência contemporânea que usa o corpo, referindo-se a tentativa de emudecer Theodor Adorno; “Não foi a violência nua que emudeceu o filósofo, mas a violência da nudez”, e isto lhe impulsionou a escrever a Critica da razão cínica.
Os comentários posteriores ao livro, Sloterdijk discorreu sobre a transformação social e o porque ela lhe estimulou ao livro, em entrevistas ao Fronteiras do Pensamento, a verdade, em uma sociedade cuja cultura é grande parte por muitas formas de encobrimentos, surge um desnudamento agressivo e involuntário.
Há nela um rastro de considerações exageradas que levam a tentativa (ele diz que é afirmativa) na fundamentação que ela possa ser totalmente verdade, a expressão usada como tentativa de salvar o “esclarecimento” e os argumentos da Teoria Crítica, os paradoxos do método salvador cuidam para que não permaneça com uma primeira impressão.
A ideia que me parecia ir do Esclarecimento ao cínico, o próprio autor afirma que a própria investigação do cinismo se transforma na fundamentação de uma ausência de ilusões, seu comentário me esclarece as inúmeras paradas e retomadas de um livro denso e instigante.
O esclarecimento diz o autor, sempre significou a desilusão no sentido positivo e, na medida que progride, tanto se torna mais próximo a um instante no qual a razão é uma afirmação.
Segundo o autor a neurose europeia concebe a felicidade como uma meta e o empenho racional como um caminho até ela, é preciso quebrar sua compulsão, é preciso dissolver o vício crítico do aprimoramento, e isso em favor do bem, do qual desviamos tão facilmente em longas marchas.
A síntese do autor sobre a atmosfera cultural de nosso tempo é uma mistura de cinismo, sexismo, “objetividade” e psicologismo formada na superestrutura do Ocidente: uma atmosfera de crepúsculo, boa para corujas e para a filosofia.
O estomago, a mente e o coração
O caminho dentro do corpo humano mais longo a percorrer é o que vai da cabeça ao coração, ou do coração ao estomago, diria que é o segundo porque passa pelo bolso.
Não pode comer quem não tem dinheiro, então os pobres descobrem que devem passar pelo bolso dos ricos para ter alguma coisa, mesmo que seja de esmola, e possam satisfazer o estomago para depois poder pensar em questões de pensamento e vida.
Mas Jesus é duro quando diz aos milhares de seguidores que o procuravam: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos” (Jo 6, 26) ficam presos a dogmas materiais e humanos, e esquecem que o espiritual é parte do problema humano, é por falta de alma e humanidade que há fome.
A prisão a dogmas da mente humana, desconhecendo tanto os sentimentos, simbolizados pelo coração, como os problemas humanos, econômicos e espirituais, negligenciam parte do homem e acabam por reduzi-lo a categorias da utilidade ou da ideia.
O complexo humano deve sere pensado e respeitado como um todo, reduzi-lo a um fragmento não só tornam os problemas insolúveis, como na maioria das vezes acabam por agravá-lo.
Lê-se na carta de Arrábida sobre a transdisciplinaridade, no preâmbulo: “a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo” (Carta de Arrábida, Portugal, 1994).
O obscurantismo é a ausência de diálogos e “liturgias” cada vez mais restritas no âmbito universitário levando ao problema do obscurantismo ao olhar o homem num ou noutro aspecto somente, negando-o como um todo complexo.
Nem só de pão o homem viverá, ainda que a pobreza perdure no globo, e muitos povos vivem até mesmo sem um pedaço de chão que possam chamar de pátria.