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Arquivo para a ‘Real’ Categoria

Ser, clareira e desvelamento

08 jun

Toda questão material, humana e substancial desenvolvida no humanismo iluminista provocou um velamento do Ser, nele são as questões externas mais importantes e pensadas que as interiores, mesmo que e Kant a Hegel a questão do espírito tenha sido tratada, sempre resultou num dualismo entre a vida ativa (exterior) e a vida contemplativa (interior), esta traduzida como subjetividade (que é do sujeito) e aquela como objetividade.

Para Heidegger ela vai além, porque toca a questão profunda da verdade, é nela que foi decidido e desenvolvido o pensamento metafísico ocidental, para isto o pensador retomou a questão que os gregos chamavam “alétheia”, comumente traduzida apenas como verdade, mas o sufixo a-léthea, indica negação, assim, não-velada ou como Heidegger preferiu traduziu: desvelada.

O velamento está ligado a “presença” o [ón), que é a presença e a luz, sintetizada na questão que é motriz para o pensamento de Platão no mito da caverna, vir a luz, sair da caverna, em tempos de escuridão, significa encontrar a clareira e o desvelar.

A presença da luz, sintetizada na questão do Eidos, que foi traduzida no ocidente pela palavra ideia, não se pode esquecer que para os gregos a grande questão é o permanecer na luz, ou sair do dualismo objetivo/subjetivo que é ter a luz do Ser, não apenas interior, mas nos atos exteriores.

Ao questionar o fim da filosofia como tarefa do pensamento, o ato de questionar enquanto pensar torna-se pura interpretação de “dados”, não é mais a questão do “[on” (presença) e sim o que está presente apenas como coisa, que para Heidegger a partir da fenomenologia é adjetivo da “luz”, enquanto o pensar é um “livre aberto”, que nada possui de comum, nem do ponto de vista da linguagem, escreveu neste questionamento: “ claro, no sentido de livre aberto, não possui “nada” de comum, nem do ponto de vista linguístico, nem no atinente a coisa que é expressa com o adjetivo “luminoso”, que significa claro” (HEIDEGGER, 1979, p. 79).

Não se trata de abolir a tradição, ela teve um papel na história, mas desvela-la, trazer à luz.

Trata-se, portanto, do pensar livre sobre o mundo, em exercício permanente da visão de mundo.

HEIDEGGER, Martin. “O fim da filosofia e a tarefa do pensamento”. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 79.

 

Covid 19: responsabilidade e riscos

06 jun

Não é fácil dar notícias ruins, entretanto se tratando de doenças graves e problemas sanitários não se pode omitir nem deixar de dar diagnósticos e dados precisos das doenças e problemas sociais.

Há uma relativa tolerância aos dados da Covid 19, porém a observação de amigos e parentes em nossa volta não é difícil notar já um novo aumento de casos da Covid-19, a cepa atual, uma variante da ômicron é menos letal então o número de mortes (no Brasil) se mantém em torno de uma centena.

Os dados desta última semana, que vinha num crescente, revelam uma pequena queda, porém é preocupante que em 8 estados os dados não foram fornecidos, dois deles populosos que são os Estados de São Paulo e Bahia, segundo eles foram problemas nos dados do Ministério da Saúde.

O pico nestes dias de 29 a 31, se recuarmos os 10 dias da infecção do vírus cai justamente no Carnaval fora de época realizado, como defendemos no post, o monitoramento e os protocolos de saúde não poderiam baixar a guarda, o que foi dito por alguns infectologistas responsáveis.

Os órgãos públicos que controlam grandes aglomerações querem uma volta a normalidade, claro que todos queremos, em tempos de ameaça de guerra os esforços para manter a sociedade com uma economia e um abastecimento saudável torna-se imperativo, mas não pode custar vidas.

Uma aposta que não haverão novas variantes letais e que a Covid 19 está cedendo não tem dados reais para confirmar isto, se ouvirem os infectologistas e sanitaristas sérios, a precaução é certa.

Olhando os dados de nossos vizinhos, o Chile registros nos últimos dois meses um maior número de novos casos, chegando na última quinta-feira (26/05) a 7.550 novas infecções, no Uruguai há um aumento de 50% dos diagnósticos positivos (dados da rádio Jovem Pan) e as autoridades sanitárias do Paraguai já admitem a chegada da quarta onda da doença.

O fato que a variante é menos letal é confortante, mas não pode ser motivo para despreocupação.

Cabe às autoridades sanitárias serem responsáveis e indicarem os riscos e protocolos para a situação atual.

 

O espírito e a religião

03 jun

Um dos traços importantes como ponto de partida no pensamento hegeliano é o conceito de religião, e nela a etapa final da construção do pensamento subjetivo do idealismo, que depois de se deslocar do sujeito para o objeto, cria uma ideia de representação em si e para si.

Já dissemos que um fio condutor é a ideia da suprassunção, que representa a consciência do movimento daquilo que contrapõe o objeto e a necessidade de algo de si e para si “ideal”, lembrando do post anterior que a suprassunção é uma interação entre tese e antítese.

O conceito de si, que vai do sujeito ao objeto e o para si que faz a transcendência deste caminho não contem o “outro”, a alteridade, conforme pensou na ontologia cristã:

“A presença de um objeto, é presença de um outro, determinado como o ser não divino, o mundo finito, a consciência finita. Essa finitude do outro articula-se na natureza em si ou no espirito em si, ou então na consciência ou no espírito para um outro”. (AQUINO, 1989, p.242).

Portanto a contradição já se apresenta anterior a questão de um “espírito” divino, Santo como pressupõe o cristianismo, está na consciência de si, e a questão da representação do objeto.

O para-si não um para-além, mas um retorno ao em-si transcendente, um fechamento em si, por isto não contém o outro, assim a ideia de sujeito é o diferencia da religião é a questão do Ser, um Ser que é Outro, e não um para-si que volta-se ao em-si.

Assim tendo observado essa junção que se refere a presença de um objeto e de um outro, ambos estabelecem uma relação com a consciência, porém a consciência em si é só interioridade enquanto a para-si se admite um além, já que do grego este sufixo significa isto, como paralaxe (além da posição), paradoxo (além da opinião), etc.

Em termos de representação, a consciência está em relação tanto com o mundo, tanto quanto com outra consciência, ainda permanecem no mundo, porém um para-si significa além do mundo, além da realidade sensível e palpável, não apenas na ideia, mas enquanto Ser.

Um espírito assim pensado, transcende ao ser e ao ser-com-Outro, tornando outro-Ser, que para muito religiões é o mundo espiritual, no qual há um Ser por excelência.

A relação trinitária cristã é um para-si-Além-do-Ser, ou um Ser por excelência, por isto um Espírito Santo, o qual se relaciona com o Ser-no-Mundo que é consubstanciado com o puro-Ser divino.

Está então além da suprassunção, não há tese e antítese, mas cada Ser é no Outro, no raciocínio trinitário: Jesus é consubstanciado no Pai, gerado pelo Espírito Santo, que é relação com o Ser.

A relação trinitária cristão é pericorética, ou seja, cada um ser “interpenetra” o outro e há comunhão, não havendo contradição.

Jesus revela aos apóstolos esta relação pericorética Jo (20:21-22(: “Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo””, a realidade divina na alma humana.

AQUINO, M. F. O conceito de religião em Hegel. São Paulo: Loyola, 1989.

 

O Espírito e a ontologia dualista

01 jun

Desde o pensamento de Permênides e Heráclito, a filosofia ocidental oscila entre o Ser e o Devir, sem que hajam em ambos uma resposta a questão clara do espírito, ou caímos no subjetivismo da Alma que vem dos neoplatônicos como Plotino, que dizia que só a Alma é Una, ou caímos numa visão dialética moderna: tese, síntese e antítese, que é resultado do Devir.

Entre os autores que tentaram romper com este dualismo está Bergson, que introduz a questão do espírito em seu pensamento, tentando desconstruir a ontologia delineada a partir do séc. XVII atacando a velha teoria do conhecimento, que elabora conceitos e propriedades sustentados na negação do tempo e no conceito de duração ligado ao Ser.

O pensamento de Bergson, grosso modo, é uma metafísica tradicional partindo das opções dos pré-socráticos entre Ser e Devir, e escolhe a substancialidade (permanência) e a ideia (fixidez) como pilares do seu pensamento, então “procurar a realidade das coisas cima do tempo, além do que se move” (BERGSON, 1959, p. 1259).

Pode-se dizer que o problema na reflexão de Bergson está na análise genética da representação, e esta por sua vez está vinculada ao embate do próprio dualismo na tradição filosófica, em especial a moderna, qual seja, a crítica da oposição entre “realismo x idealismo”.

Depois de discorrer sobre a questão da Memória e da Matéria, ponto alto de sua filosofia, cai na armadilha do pensamento ocidental definindo os termos do problema em termos de “imagens” (para alguns autores seria o meio do caminho entre a coisa e a sua percepção no “ente”), e pretende com isto incapaz dos excessos da “coisa material” a “representação espiritual” (o cone na figura).

Assim a imagem é uma presença nos sentidos permitindo a descrição ingênua e direta da experiência (ou da percepção) da matéria, pode-se dizer que o novo dualismo está preso ao significado da representação espiritual, e assim poder-se-ia romper com o dualismo corpo e alma (ou mente).

A questão da representação permeia seu pensamento, assim espírito é apenas um recurso para ela, em seu Ensaio isto fica claro pela divisão dos capítulos: se o primeiro trata da “Seleção” para a representação, o segundo e terceiro vão analisar o “reconhecimento” enquanto o quarto vai tratar da concepção metafísica da matéria, ao defini-la como totalidade e continuidade extensa (lembra a res-extensa cartesiana) e apresenta-a como solução do problema do dualismo a “delimitação e fixação das imagens”.

Assim a transcendência entre sujeito e objeto de Kant é apenas recolocada de outra forma, então a questão do Espírito é apenas um artifício engenhoso, porém não resolve o dualismo idealista.

BERGSON, H. Oeuvres Édition du Centenaire. Paris: PUF, 1959.

 

Serenidade e paz verdadeira

19 mai

Já postamos um histórico da paz: Pax dos romanos, paz da Vestfália acordo entre católicos e luteranos sobre a laicidade do estado e a Paz Perpétua de Kant, cada um que pensa em estruturas e acordos de paz que não demonstraram pela ineficácia de poder estabelecer a paz.

Entramos em aspectos ontológicos com a questão da Serenidade proposta por Heidegger, que inclui aspectos originários e de territorialidade dos povos, quase sempre são estes os fatores que são determinantes para povos entrarem em guerra, porém pouco pensados nos acordos de paz.

Se vivemos quase sempre sob alguma tensão é importante entender se é possível uma paz além das questões humanas, que é claro que devem ser resolvidas, pois elas precisam de homens que sejam verdadeiramente pacíficos e tenham ontologicamente esta questão resolvida interiormente e ajudar a humanidade os caminhos que levem a uma paz duradora.

A filosofia de Heidegger desenvolve o quanto o homem avançou em razão, técnica e ciência, mas perdeu a fundamentação própria de Ser reduzido ao Ente (a coisa sem alma), perde sua originariedade (diferencio de originaridade apenas por que ela trata mais de povos originários das américas), ele assim principia sua própria essência (a vê só como subjetividade) e perde a força de re-presentação que dela vem, perde uma essência que não é secundária, mas primordial.

Em sua conclusão de Serenidade, Heidegger contrapõe a imediatez e falta de meditação que temos na atualidade: “Existem, portanto, dois tipos de pensamento, sendo ambos à sua maneira, respectivamente, legítimos e necessários: o pensamento que calcula e a reflexão (das Nachdenken) que medita. […] um pensamento que medita surge tão pouco espontaneamente quanto o pensamento que calcula. O pensamento que medita exige, por vezes, um grande esforço. Requer um treino demorado. Carece de cuidados ainda mais delicados do que qualquer outro verdadeiro ofício. Contudo, tal como o lavrador, também tem que saber aguardar que a semente desponte e amadureça” (HEIDEGGER, 1955, p. 13-14).

A serenidade, a meditação sobre a necessidade dela para entender a originariedade de cada Ser, de sua presença em determinada Região, requer mais que um exercício momentâneo é preciso que ele seja durador e mire a eternidade.

Na leitura bíblica encontra-se a mais profunda lição de Jesus aos seus discípulos sobre a paz (Jo 14: 27): “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou: mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração”, é uma lição também para os pacíficos e para os amantes da paz.

 

HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Tradução de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, versão original é de 1955.

 

Razão, crença e a guerra 2

22 abr

A relação da ciência e da crença na lição de Bourdieu: “O empreendimento paradoxal que consiste em usar de uma posição de autoridade para dizer com autoridade, para dar uma aula, mas uma aula de liberdade … seria simplesmente inconsequente, ou mesmo autodestrutivo, se a própria ambição de fazer uma ciência da crença não supusesse a crença na ciência” (Bourdieu, 1994, p. 62), pode ser melhor expresso pelo princípio da transdisciplinaridade.

Estabelece a Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida em um de seus princípios: “Considerando que a rutura [ruptura no Brasil] contemporânea entre um saber cada vez mais cumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências, no plano individual e social, são incalculáveis”. (Freitas, Nicolescu e Morin, 1994)

A ideia da ciência fundamentada num cálculo (incluindo o econômico) ou a físico que permite avançar no mistério do infinito universo, com wormholes (caminhos de minhoca), buracos negros e matéria escura, não podem prescindir do mistério que está além daquilo que o homem já conquistou.

Do lado político a crença no estado moderno que substituiria Deus e poderia estabelecer uma paz perpétua (o projeto filosófico de Kant) assim como a ciência como cume da “razão” já mostraram seus limites, também a fé fundamentalista, que já o era com os fariseus no tempo de vida terra de jesus, tem limites de ignorar a ciência, mesmo querendo uma ciência da crença, o paradoxo apresentado por Bourdieu.

Nem a paz perpétua de Kant nem os avançados estudos científicos permitiram evitar a guerra e o mundo está de novo a beira de uma nova catástrofe humanitária, e também é que que se ressalte também o fundamentalismo religioso não consegue aboli-la como o “Decálogo de Assis para a Paz” assinada em Assis em 4 de março de 2002, ainda que a defendam isto até hoje.

Os fariseus queriam o envolvimento de Jesus com a guerra contra Roma, que acontecerá nos anos 70 da era cristã, com a destruição de Jerusalém e de seu templo Santo como era previsto nas profecias, não porque Jesus o desejava, mas pela guerra que os homens desejavam.

Após a Pascoa judaica, e a Paixão e Ressurreição de Jesus que foi nossa Páscoa, Jesus aparece aos discípulos e o apóstolo que não acreditava Tomé estava com eles, a primeira saudação de Jesus é: “A paz esteja convosco” (Mt 20, 21), sopra o Espírito Santo sobre eles e diz a Tomé que queria provas materiais de sua ressurreição: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel” (Mt 20,27) e após dirá que s]ao felizes os que acreditam sem terem visto.

KANT, I. A paz perpétua: um projecto filosófico. Trad. Artur Mourão. Ed. Universidade da Beira Interior. Portugal: Covilhã, 2008.

FREITAS, L., Nicolescu, B. e Morin, E.  Carta da Transdisciplinaridade. Portugal: Convento de Arrábida. 1994.

 

Covid: fim do estado de emergência no Brasil

18 abr

O estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) no brasil foi decretado pelo então ministro da Saúde Henrique Mandetta, em fevereiro de 2020, neste final de semana o ministro o ministro Marcelo Queiroga declarou o fim da Emergência Pública, o ESPIN iniciou um ciclo que permitia verbas especiais para compra de insumos e vacinas para combate da pandemia.

O Primeiro caso oficial foi registrado em 26 de fevereiro de 2020, fazendo portanto mais de 2 anos, dali para a frente foi um conjunto de passos incertos, abre e fecha de estabelecimentos, proibições de concentrações públicas, incluindo eventos culturais e religiosos.

Não há declaração de pandemia, nem uma liberação expressa de protocolos de segurança, como sempre os critérios ficam vagos, como o uso de máscaras por exemplo, que seria recomendável.

A média do número de mortes no país estão em torno de 100 agora, tendo registrado um número bem baixo no final de semana em torno de 30 (os órgãos que divulgam variaram os números), mas deve-se lembrar que o funcionamento das secretarias de saúde nos finais de semana é deficitário.

É difícil prever com dados científicos o futuro da doença, alertam os especialistas, em geral traçam dois cenários, sendo um mais otimista que prevê a extinção do vírus e suas variantes, e outro que prevê a convivência com a Covid-19 por muito tempo, que é considerado mais realista, embora em níveis menores, e somente neste caso poderia ser considerada uma endemia.

O que se espera é um monitoramento sério e o controle efetivo da circulação do vírus no país.

 

O Ser, a Dor e a Páscoa

15 abr

Este é um tempo que não aboliu a Dor, porque conforme desenvolvemos em posts anteriores ela é inerente a existência, porém a condenamos a opô-la ao Ser e a Felicidade, o filósofo Byung Chul Han escreveu: “Justo na sociedade paliativa hostil á dor, multiplicam-se dores silenciosas, apinhadas nas margens, que persistem em sua ausência de sentido, fala e imagem”. (HAN, 2021, p. 57).

Nada é mais paradoxal na pós-modernidade do que a Dor, imagina-se então a Cruz como símbolo de liberação e de vida, alguém poderia até dizer: o absurdo, porém Paulo Apóstolo adverte: “Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos procuram sabedoria; nós, entretanto, proclamamos a Cristo crucificado, que é motivo de escândalo para os judeus e loucura para os gentios.” (Coríntios, 1:23).

É nesta perspectiva que se explicam violências raciais, de diversas formas de exploração e daquilo que Byung Chul Han chama de “auto exploração”, não precisamos mais que outros nos explorem, nós o fazemos voluntariamente, incita-se a um cotidiano com a marca da contagem e não do Ser.

A Pandemia poderia ser ocasião para a dor solidária, mas foi mais um impulso para a exclusão, para o isolamento, para o fortalecimento das barreiras e das angústias individuais, que explodiram em crise de ansiedade, de diversas formas de ignorar a dor alheia, a ponto de negá-la totalmente.

Demorou, mas na batalha final contra a Pandemia cedemos a fatalidade, ao delírio de festas públicas fora do tempo, o desejo de extravasar e tentar ignorar a dor pelo êxtase das alegrias passageiras, segue um ciclo euforia e depressão.

O que aparece no horizonte deste delírio são guerras ainda mais infernais, desejos de dominação e de mais poder, ignoram-se vidas com justificativas quase sempre absurdas: era inevitável, não há como detê-los sem armas, etc. mais guerras, mais mortes, mais sofrimentos e quebra de mercados.

Ao que parece ignorando a Paixão divina, caminhamos a largos passos para uma “paixão” (de sofrimentos) civilizatória, humanitária e um abismo maior do que aquele que seria conviver e gerenciar as dores de uma civilização e uma pós-modernidade doentes e com horizonte sombrio.

Resta a esperança dos que creem na superação solidária de uma humanidade adormecida, de um centro civilizatório equilibrado que recupere não só o processo de hominização como também a sua solidariedade com a natureza e o universo que vivemos.

Esta é uma leitura possível para a Paixão Divina daquele que por amor suportou as dores humanas, só uma “passagem” pela Dor pode nos fazer entender uma nova humanidade possível.

HAN, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.

 

A dor, o Ser e o Outro

08 abr

A dor é essencial na existência, o filósofo Byung Chul Han no ensaio “A sociedade paliativa a dor hoje” escreve falando sobre a pandemia e a redescoberta do Ser: “Sinto dor, logo existo. Também devemos a sensação de existência a dor. Se ela desaparece inteiramente, busca-se por substitutos” (Han, Vozes, 2011, p. 65).

Porém a dor do Outro nos é estranha, escreve Han: “A nudez da alma, o ser exposto, a dor com o outro, estão inteiramente perdidos para nós” (Han, p. 104), não há com-paixão.

Por isso a crueldade da guerra, os líderes totalitários que expõe este tipo de desprezo pelo Outro, por sua dor, no caso da Pandemia pelo número de mortos estão tão anestesiados, não dói em nós então não existe, o que é uma falsificação do ser, pois é Ser somente com-o-Outro.

A megalotimia, a supervalorização do si mesmo, ou do grupo social ao qual pertende, é tanto para Chul Han como para Fukuyama (que escreveu “O fim da história”, mal lido e interpretado), inspirados por Nietzsche que este é o “último ser humano”, que desvenda esse tipo de anestesia: “um pouco de veneno de vez em quando: isso dá sonhos agradáveis” (Han, p. 105).

É importante para compreender porque admitimos a morte, mesmo que injustas (dos inocentes e dos contaminados pelo vírus) porque não a imaginamos como não vida, não dói em nós, e a dor do outro não é sentida, pode até ser denunciada por aspectos grupais, porém não como ser e como Outro.

Porém não foi Nietzsche que “matou Deus”, nem mesmo o divino em nós, a paixão da cruz é a dor-com-o-Outro, não faz sentido senão um divino Ser que se entrega pelo Outro, e aí é puro Ser, é divino Ser.

Ao julgar Jesus e mesmo não encontrando crime algum entrega-o a crucificação, e mesmo condenado o divino Ser que será submetido a uma crueldade de espinho, açoites e finalmente crucificação, ainda olha para a humanidade de seus algozes e diz: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lucas 23:34).

Quem matou Jesus foram o poder do Império Romano, uma face do poder totalitário, e os fariseus: má religião e má interpretação daquilo que deveria ser nossa re-ligação ao divino.A dor é essencial na existência, o filósofo Byung Chul Han no ensaio “A sociedade paliativa a dor hoje” escreve falando sobre a pandemia e a redescoberta do Ser: “Sinto dor, logo existo. Também devemos a sensação de existência a dor. Se ela desaparece inteiramente, busca-se por substitutos” (Han, Vozes, 2021, p. 65).

HAN, B.C. Sociedade paliativa: a dor hoje. trad. Lucas Machado. Petrópolis: Ed. Vozes, 2021.

 

 

 

Covid 2.0: flexibilização e cuidados

04 abr

Exceto a China, que ainda faz lock-downs rigorosos, mesmo países que praticavam confinamentos, como Austrália, Nova Zelândia e Coreia do Sul, ao flexibilizarem as medidas de proteção tiveram nas últimas semanas significativo aumento de casos por covid, mesmo assim reabriram.

Chamo de Covid 2.0, porque a Web 2.0 significou a chegada da Web para todos, sim a maioria dos casos são poucos graves e há muitos casos assintomáticos, porém o vírus circula, e o número de mortes em torno de 200, que é o caso do Brasil, significa 1.400 por semana, isto não é pouco.

Na Europa muitos países, como Reino Unido, Dinamarca, França e Espanha, já tinham relaxado as medidas de políticas públicas de saúde, e lá já se verificam aumentos dos casos da Covid 2.0.

No mundo todo o número de casos vem caindo, e a própria OMS acena já com um cenário pós-Covid, o que preocupa é que não há uma política para casos de surtos em determinadas regiões e uma política clara de flexibilização, e o número de mortes pequeno, 1643 nas últimas horas, é contrastante com o número de infecções: 777 mil.

Aposta-se que as novas variantes serão menos graves (a China já descobriu nova variante), embora não menos infecciosas pois a BA.2 já é mais infecciosa que a ômicron original, que explica o número alto de infecções.

Seria recomendável verificar e isolar regiões com surtos e não deixar de ter alguma proteção social, por exemplo, distanciamento e máscaras que é possível mesmo com a flexibilização.

A esperança que as novas variantes sejam menos agressivas e que o número continue caindo é boa, mas não deixar de tomar cuidados é perigoso e agora depende só de atitudes individuais e dando apoio a regiões carentes que tem ainda baixo índice de vacinação.

A Irlanda flexibilizou os protocolos, agora o HSE (Health Service Executive) — serviço de saúde pública irlandês informou estes dias que o número de casos de internações por covid voltou a crescer e estuda aplicar a 4a. dose.