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As esperanças eternas
Quando os gregos pensaram a polis grega quase que simultaneamente o mundo judaico era revigorado e atualizado pelo mundo cristão, haviam centenas de falsos profetas, um era o esperado, veio não com um estrondo, como uma euforia e sim como uma brisa suave.
No limiar de uma nova civilização, Edgar Morin deixa 4 desafios para a humanidade: “
Sair da idade de ferro planetária, salvar a humanidade, co-pilotar a biosfera, civilizar a terra são quatro termos ligados em anel recursivo, cada um sendo necessário aos outros três” (Morin, 2003, p. 178).
Simplistas e falsos profetas insistem em soluções apocalípticas ou bélicas, ou ambas, porém alerta Edgar Morin: “Pois quanta cegueira, hoje, entre os tradicionalistas, os modernos, os pós-modernos! Quanta fragmentação do pensamento! Quanto desconhecimento do complexo planetário! Quanta inconsciência em toda parte dos problemas chaves! Quanta barbárie nas relações humanas! Quantas carências do espírito e da alma! Quantas incompreensões!” (Morin, 2003, p. 179).
Assim podemos ter duas atitudes conforme nosso olhar espiritual e conceitual sobre o futuro: “De qualquer modo, devemos reassumir o princípio de resistência. Além disso, dispomos de princípios de esperança na desesperança …” (Morin, 2003, p. 180).
Aponta seis possibilidades de atitudes diante disto: o primeiro é vital: “… princípio vital: assim como tudo o que vive se auto-regenera numa tensão incoercível voltada para seu futuro, assim também o que é humano regenera a esperança ao regene- rar seu viver; não é a esperança que faz viver, é o viver que faz a esperança, ou melhor: o viver faz a esperança que faz viver” (idem)
Enumera outros 5, mas queremos destacar o quinto: “O quinto é o princípio do salvamento por tomada de consciência do perigo. Segundo a frase de Hõlderlin: “Lá onde cresce o perigo, cresce também o que salva.” (ibidem).
Termina o livro de maneira desoladora: “A aventura continua desconhecida. A era planetária sucumbirá talvez antes de ter podido desabrochar. A agonia da humanidade talvez só venha a produzir morte e ruínas” (Morin, 2003, p. 181), de fato, isto parece cada vez mais provável.
Porém para os que creem Deus não permanecerá indiferente ao destino da humanidade, assim é preciso pensar além da resistência do espírito, ter esperança que as palavras de salvação não passarão e então todo o mundo poderá reconhecer o poder e a ação divina sobre nossas vidas.
Sociedade sem dor e a biblioteca da meia noite
Byung-Chul Han escreveu a Sociedade Paliativa, a propósito não apenas da Pandemia, mas também e sobretudo da busca de um mundo sem dor, somos capazes até de sofrimentos e grandes esforços em função do narcisismo e da estética pessoal, aquilo que Peter Sloterdijk chamou de “a sociedade de exercícios”, porém uma ascese desespiritualizada.
O romance do escritor inglês Matt Haig: A biblioteca da meia noite, fala de uma mulher de 35 anos cheia de talentos e poucas conquistas, arrependida de suas más escolhas na vida, ela se pergunta se poderia ter vivido de modo diferente, ao perder o emprego e seu gato ser atropelado decide tirar a própria vida, no estágio entre a vida e a morte encontra a Biblioteca da Meia Noite (figura ilustração da capa), com as possibilidades de vidas que podia ter vivido.
Com ajuda de uma velha amiga decide mudar para a Austrália e reatar antiga relações, assim descobre que é possível rever a vida e desfazer algo que nos arrependemos, ter esperança.
Entre os dramas iniciais de Nora destaco o trecho que ela diz: “Eu fico com dor de cabeça olhando para… celulares”, não é só ela, é muita gente, isto tira a capacidade de reflexão e do silêncio que Byung-Chul Han reivindica, aquela que pode fazer refletir sobre a vida e nossos atos.
A sociedade paliativa, conforme Byung-Chul Han, nada tem a ver com a medicina paliativa, explica o filósofo coreano-alemão: “Assim, cada crítica da sociedade tem de levar a cabo uma hermenêutica da dor. Caso se deixe a dor apenas a carga da medicina, deixamos escapar o seu caráter de signo” (Han, 2011).
Lembra um ditado de Ernest Jünger: “Dize tua relação com a dor, e te direi quem és!”, assim cada sofrimento social ou social deve preceder e anteceder a momentos de reflexão, ou como gosta Byung-Chul, de uma “Vida Contemplativa” outro ensaio do autor.
“A sociedade da sobrevivência perde inteiramente o sentido para a boa vida. Também o desfrute é sacrificado à saúde elevada a um fim em si mesmo” (Han, 2021, p. 34), ou seja, a própria ausência de uma “hermenêutica” da dor pode levar ao fim do sentido da vida.
Esclarece também o sentido de homo sacer e via nua de Agamben: “Sem resistência sujeitamo-nos ao o estado de exceção que reduz a vida à vida nua” (Han, 2021, p. 34).
As angústias, as solidões e as depressões não tem apenas causas sociais, mas aquilo do que alimentamos nossas almas, na passagem bíblia que o profeta Isaías vai visitar Ezequiel que está acometido de uma doença mortal (Is 1,1-6) após as súplicas de Ezequias, através da palavra de Isaías Deus liberta-o não só da doença dando-lhe mais 15 anos de vida, mas também “vou libertar-te das mãos do Rei Assíria, junto com esta cidade, que ponho sob minha proteção” (Is 1,6).
Claro a solução social não é passe de mágica, mas encaramos melhor se nossa dor é entendida.
Haig, M. A biblioteca da meia noite. Tradução: Adriana Fidalgo, RJ: Editora Record, 2020.
Han, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.
Poder em Foucault e Chul-han
Michel Foucault rompeu com as concepções clássicas do termo poder e define como uma rede de relações onde todos os indivíduos estão envolvidos, e entendemos a rede aqui com o sentido moderno de rede embora fosse vago no seu tempo, os indivíduos são tanto geradores como destinatários do movimento destas relações, entretanto ele as identifica como biopoder, enquanto Chul-Han vai identificar como psicopoder, e de certa forma agrega as mídias a isto.
A ideologia de Estado, nascida de Hegel é a base de toda história de poder contemporâneo, o autoritarismo e as guerras modernas nasceram de uma nova ideia de imperialismo e colonialismo, na qual estados mais fortes controlam o poder não apenas pelas armas, mas antes pelo biopoder e agora pelo psicopoder.
O biopoder de Foucault, o estado é o primeiro nível de poder (ele chama de setor), o mercado o segundo nível, e, o terceiro é a sociedade civil, a ideia de 4º. poder da imprensa vem daí.
Ele estudou o poder não para desenvolver uma teoria sobre ele, mas para identificar aspectos da subjetividade (na ontologia seria a questão do Ser), ou seja, sujeito sobre os outros sujeitos.
Isto é importante para diferencia-lo de Chul-Han, que parte das relações ontológicas entre os seres e identifica a ação de mídias e estruturas mídias que atuam sobre a psicologia do poder, assim sua ideia de poder (O que é poder) é como uma técnica de dominação que estabiliza e reproduz o sistema dominado por meio de uma programação e de um controle psicológicoc.
Foucault vê o biopoder, como no corpo como uma máquina de adestramento, já que a biopolítica, em meados do século XVIII, estava focada em controles reguladores da população, a ideia que era o aumento populacional que proporcionava a miséria e a fome.
Peter Sloterdijk que orientou a tese de doutorado de Chul-Han sobre Heidegger, defende que este processo de “adestramento” falhou e assim, o processo de controle desenvolve-se para o quarto poder, que Chul-Han focaliza excessivamente nas mídias, esquecendo do 4º. poder da imprensa, TVs e cinema que influenciaram enormemente.
Ele desenvolve patologias de autocentramento (narcisismo), instabilidade emocional (borderline) como respostas às demandas de uma sociedade intoxicada de exigências de eficiência, de aparência e de coerção disciplinar, escreveu o autor):
“É inerente à sociedade pré-moderna da soberania a violência da decapitação; seu medium é o sangue. A sociedade disciplinar moderna é, em grande medida, uma sociedade da negatividade, sendo regida e dominada pela coerção disciplinar, isto é, pela ‘ortopedia social’. Sua forma de violência é a deformação. Mas nem a decapitação e nem a deformação estão em condições de descrever a sociedade de desempenho pós-moderna. Ela é dominada por uma violência da positividade, que confunde liberdade e coerção. Sua manifestação patológica é a depressão” (Han 2018, pp. 183-184).
HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Âyiné, 2018.
O próximo e a amizade social
O texto de Paul Ricoeur “Le socius et le prochain” (o sócio e o próximo) já foi explorado neste blog, salientando a diferença entre uma relação temporal limitada de sócio e uma relação de filia e amizade que pode se estender por toda vida: o próximo.
Queremos agora reler o comentário feito por Henri Bergson sobre este texto, no qual ele articula que o “eu” parte de um “nós” que construímos como um “eu”, mas que não é addeste, então cabe a pergunta que “nós” é esse?
Designa essas outras pessoas que encontramos todos os dias nos nossos ambientes familiares e profissionais, ou esta presença difusa dos outros, de “todos” que, por exemplo, alegamos quando tentamos fazer alguém compreender?
Significa que agimos de modo compatível ou incompatível com a vida em sociedade: “o que aconteceria se todos gostassem de você?” na verdade, existe, para dizer o mínimo, duas relações muito distintas com os outros: outros como estrutura e outros como práxis.
Pelo primeiro termo, entende-se esta base como eficiência das leis, das instituições, e mais ainda, a consciência que temos da nossa incessante visibilidade aos olhos da sociedade: o que se faz é feito com base na possível existência de outros, mesmo quando ninguém está fisicamente “lá”, pela noção de outro como práxis, devemos entender as ações através das quais outro de alguém, no entanto, esta distinção corresponde exatamente àquela que Paul Ricoeur escreveu em seu livro “História e Verdade”, escrito para diferenciar entre “sócio e o próximo”, porque não só no mundo dos negócios, mas também na política e nos grupos sociais o que é verdade pode estar relacionado a alguma narrativa da “sociedade” pertencente.
Podemos falar da presença o Outro como estrutura no sentido de que o socius designa este lugar, esta ponderação simultaneamente implícita e legal de um outro invisível, anônimo, quase abstrato, mas ao mesmo tempo omnipresente, um pouco como condicional, que nunca deixaria de se manifestar para nós no Presente, de se tornar presente, mas nunca fisicamente (e sim mentalmente, constitucionalmente).
Por “próximo”, Paul Ricoeur designa a presença física imediata, pontual, de outra pessoa que conheço, temos boas experiências de estar próximos nas grandes cidades, pois ali vivenciamos muitas situações promíscuas (metrô, filas, etc.), mas, ao mesmo tempo, essa multidão com a qual sou obrigado a compor não é composta de “próximos”, já que não os conhecemos.
Se ativamos a práxis com o próximo sempre passando pela estrutura do “socius”, a relação supõe uma margem de escolha, de eleição, de desejo de aproximação ou rejeição, como se o nosso salário bruto e o nosso salário líquido, aquilo que é retirado do nosso salário pago, através de uma supervisão de uma autoridade administrativa, a “organização”, o Estado, a segurança social, etc.
Assim o sócio está vinculado a uma “práxis” social, enquanto o próximo depende só de uma escolha de relação humana independente da relação estrutural a qual está sujeito.
RICOEUR, Paul “O socius e o próximo”, in História e Verdade, trand. F. A. Ribeiro. Companhia Editora Forense: Rio de Janeiro.
Procrastinar e fazer bem bem-feito
A procrastinação significa o adiamento de tarefas que são normais do dia a dia e outras excepcionais que são inadiáveis, a mesma Sociedade do cansaço (Byung Chul-Han escreveu um livro) é também a sociedade da procrastinação.
Adiar tarefas é contraprodutivo, quando se quer otimizar o tempo e ter tempo para descansar, fazer o lazer ou meditar é preciso não procrastinar e fazer as tarefas necessárias para que haja o tempo disponíveis para sentir o Aroma do Tempo (outro livro de Byung Chul-Han).
Entretanto podemos estar em atividades desnecessárias, em pequenos e grandes vícios, que além de nos roubar o tempo, roubam também o nosso tempo de parar, descansar e Ser.
É um problema humano de todos os tempos, para aqueles que acreditam que isto acontece por causa das novas mídias e celulares, que podem ser vícios também como outros, já o poeta da antiguidade Hesíodo (800 a.C.) escreveu: “deixar seu trabalho até amanhã e no dia seguinte” é um problema humano.
A pesquisadora de Harvard Caroline Webb em artigo na revista da universidade escreveu: “isso porque é mais fácil para nossos cérebros processarem coisas concretas em vez de abstratas, e o incômodo imediato é muito tangível em comparação com aqueles irreconhecíveis e incertos dos benefícios futuros”, por isto atividades que nos tiram da rotina e nos colocam em uma dimensão social, isto é, com o Outro, movimentam nosso cérebro para regiões “incomodas”.
Acreditar que você deve esperar estar com bom humor para fazer algo é uma armadilha que pode levar à procrastinação. Joseph Ferrari, um professor de psicologia na Universidade DePaul, nos Estados Unidos, descobriu que o pensamento “não estou com humor para cumprir X tarefa” pode levar a um ciclo vicioso.
Realizar pequenas tarefas, aquilo que o professor e pesquisador Tim Pychyl testou e confirmou a eficácia: “uma que os alunos começaram, eles avaliaram as tarefas como menos difíceis e menos estressantes, e ainda mais agradáveis do que pensavam”, assim isto devolve a rotina.
Tarefas como arrumar a cama, preparar o café da manhã, retirar as louças e lavá-las, e outras podem também trazer uma recompensa, tiram do stress e devolvem harmonia ao seu redor.
Se feita para fazer um bem, e sendo bem-feitas trazem também uma recompensa espiritual e não raro sentem um alívio “inexplicável” que é resultado de fazer um bem de modo bem feito.
Referência:
Webb, Caroline. How to beat procrastinantion, Harvard Business Review, 2016 Acesso em: fevereiro 2024, Disponível em: https://hbr.org/2016/07/how-to-beat-procrastination
Fragilidade humana diante do Infinito
Uma das obras importantes para entender a viragem linguística do ponto de vista da ontologia é a obra de Emmanuel Levinas, destacando aqui uma obra que toda a questão da impossibilidade de objetivação do Outro e da limitação humana diante de debilidades como os vícios, as dificuldades éticas e a guerra.
Levinas tira parte de sua experiência do que viveu na segunda guerra mundial, onde foi mantido preso pelo regime nazista, além de ter seus pais e irmãos executados, viu as atrocidades da então dita “razão esclarecida” que se mostrou violenta e totalitária, estas experiências estão em tensão em seu pensamento, e são importantes num contexto de ameaça de uma nova guerra mundial.
A ontologia tem seu papel dentro da metafísica segundo o autor, mas não seu primado como o de filosofia primeira, a transcendência do âmbito do “si” e do “ser”, uma vez que este movimento desvelou-se (as categorias de re-velar é um novo velamento) retornando o movimento ao si mesmo, ao idêntico, ao ser e e sua preservação, não ao reconhecimento do Outro.
Em contraposição a Heidegger, para quem a relação do ser com outrem é subordinada a uma relação com o ser em geral e nada interfere no surgimento do eu, Levinas entende que o eu não se deve ao Ser, mas ao Outro, e assim esta relação é fundamental como em Paul Ricoeur.
O autor propõe em Totalidade e Infinito uma nova escolha para a compreensão do ser em que a exterioridade não seja sacrificada, assim a relação com o Outro e com o “mundo” exterior é reflexo e caminho para a interioridade, nela encontra uma relação com o todo e infinito.
Esta relação do eu com o rosto do Outro que apresenta uma resistência ética, para o autor, é pela sua epifania, pela sua “aparição” (categoria fundamental na fenomenologia), que a exterioridade do ser infinito pode se manifestar como resistência.
O seu pensamento é mais complexo, mas podemos entender que a debilidade e limitação do eu, se mantida em tensão com a exterioridade e com o Outro, desvela o infinito e nossa relação com ele, que não pode ser outra que o reconhecimento de sua “transcendência”.
Levinas, E. Totalidade e infinito. Lisboa : 70, 1988.
Existe um Ser interior
A filósofa Hannah Arendt já havia desenvolvido o tema de Vita Contemplativa, e o ensaísta coreano-alemão Byung Chul-Han amplia este tema em seu livro com o mesmo nome, porém vamos apontar apenas as novidades ali, entre elas aquilo que retoma de Heidegger que é a disposição.
No Ser e o Tempo, Heidegger trabalha o verbo stimmen, usando a conjugação stimmung (que é traduzida por disposição) e usa também Gestiment-Sein (ser disposto), mas que no alemão é algo como estar afinado, estar em sintonia com algo e isto modifica o conceito de intenção.
Ao pé da letra disposição, um estado de espírito precede qualquer intencionalidade referida a objetos: “A disposição já abriu, porém, o ser-no-mundo como todo, e torna principalmente possível um dirigir a [algo]” (Heidegger apud Han, 2023, p. 66).
Assim a relação com o mundo exterior, com os objetos, com os entes e com tudo que vem de fora ao Ser, significa que estamos dispostos a, diz o texto: “A disposição nos abre o espaço unicamente no qual nos confrontamos com um ente. Ela desvela o Ser” (Han, idem).
Esta visão transforma o que somos e pensamos, em termos espirituais aquilo que a alma esta disposta e para o que se dirige a partir da interioridade, diz o texto: “A dimensão contemplativa que nele habita o transforma em um corresponder. Ele corresponde àquilo que “se dirige a nós como voz [Stimme] do ser”, ao se deixar de-finir por ela” (Han, 2023, p. 67).
Assim o pensar torna-se outra coisa do que articulação lógica ou discurso narrativo: “Pensar significa “abrir nossos ouvidos”; ou seja, escutar e ouvir atentamente. Falar pressupõe escutar e corresponder. “Philosophia é o corresponder verdadeiramente consumando que fala atenta ao chamado do ser do ente. O corresponde ouve a voz do chamado […]” (Han, 2023, pgs. 67-68).
Tudo isto parece excessivamente filosófico e o é de fato, porém significa conforme afirma o autor que há algo de-finido, e temos muitas definições pré-dispostas, é algo que está condensado em nossa mente e nossos pensamentos “no âmbito pré-reflexivo”, quer dizer dentro de nós.
Assim é o que temos dentro, em nossa interioridade que nos ajuda ou limita, diz o autor citando novamente Heidegger: “Se a disposição fundamental fica de fora, então tudo é um aglomerado forçado de conceitos e cascas de palavras” (Heiddeger apud Han, p. 68).
Assim não é o exterior e aquilo que tomamos fora de nós que nos define, mas o que temos dentro e por isso a interioridade é fundamental para qualquer análise.
HAN, Byung-Chul. Vita contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.
Desgaste na Ucrânia e crise humanitária em Gaza
Enquanto a guerra entra numa etapa de desgaste no leste europeu, os governos europeus já querem algum tipo de acordo de paz e a etapa é de desgaste para forças russas e ucranianas, na faixa de Gaza o avanço terrestre das tropas de Israel agravam a crise humanitária.
A ONU, os países árabes e diversos países ocidentais tentam costurar algum tipo de acordo que possa levar um cessar fogo e permitir uma ajuda humanitária mais efetiva, a situação é de crise humanitária, faltam alimentos, remédios e água, a situação dos hospitais também é precária, e os palestino denunciam bombardeio em áreas próximas.
O número de mortos na faixa de Gaza está próximo aos 10 mil, desde 7 de outubro, e portanto amanhã completará um mês, Israel diz que agora entrou numa segunda fase e não há o menor desejo de alguma proposta de cessar fogo, mas a pressão ocidental cresce, enquanto o Hamas busca aliados árabes, além dos tradicionais grupos da Cisjordânia e a base do Hezbollah no sul do Líbano.
Por todo o mundo há manifestações de palestinos, uma feita em Portugal marcou a presença do presidente de Portugal, Marcelo foi interpelado por um grupo pró-palestina ou dar sua posição com a frase: “Contra o terrorismo, mas a favor de um Estado palestiniano”, porque os grupos pró-palestina não veem o Hamas como “terrorista”.
O papa ligou para o líder da Mahmoud Abbas que falou sobre a urgência de se criar corredores humanitárias, e em contrapartida os rabinos marcaram uma audiência com o papa, que apenas entrou seu discurso pois não estava passando bem.
Segundo o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni: “O Papa expressou pesar pelo que está acontecendo e recordou a posição da Santa Sé, esperando que possamos chegar a uma solução de dois Estados e a um estatuto especial para Jerusalém”. (ali as 3 religiões abramicas tem como sagrada: judeus, islâmicos e cristãos)
O fato que a Europa tenha entrado num caminho de paz, até mesmo pelo desgaste e imenso esforço que faz para apoiar a Ucrânia, também na faixa de Gaza a pressão internacional é forte e o único problema é a irredutibilidade de Israel.
Nesta manhã (06/11) foi publicado que o papa ontem falou com o presidente do Irã, Ibrahim Raisi sobre a crise na faixa de Gaza, ontem 5/11 após a oração do Angelus (meio dia local).
Missa sobre o mundo
O escrito de Teilhard Chardin completou 100 anos no dia 03 de setembro de 2023, finalizou no deserto de Ordos na Mongólia, iniciado o escrito em 1919 quando trabalhava de maqueiro na primeira guerra mundial, foi lembrado pelo papa que estava na Mongólia nesta data.
Durante anos os escritos de Teilhard Chardin estiveram proibidos, mas aos poucos foram removidos e foram sendo publicados revelando uma espiritualidade e uma visão de mundo atualizada e real, foi Chardin que popularizou a palavra Noosfera de Volodymyr Vernasky.
Lê-se nesta missa: “Senhor, já que uma vez ainda, não mais nas florestas da França, mas nas estepes da Ásia, não tenho pão, nem vinho, nem altar, eu me elevarei acima dos símbolos até à pura majestade do Real, e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, sobre o altar da terra inteira, o trabalho e o sofrimento do mundo”.
Chardin havia completado sua tese sobre paleontologia e estava na Mongólia para coletar fósseis quando finalizou a obra, já que estava ali sem condições de realizar uma missa convencional (na foto com Émile Licent, no deserto de Ordos, Mongólia).
Sua obra mais conhecida é “O fenômeno humano” polêmica porque desenvolve sua teologia dentro de uma concepção evolucionista o que enfureceu os teólogos da época e que ainda hoje é combatida em setores cristãos mais fundamentalistas, é bom lembrar que Jesus usou de parábolas para explicar coisas complexas e que as provas da existência do homem em períodos primitivos já é um fato e muitas alegorias bíblicas são claras, como as usadas no Apocalipse.
Na missa escrita por Chardin está o desejo de uma humanidade una, presa ao amor da encarnação e revisitada na Hóstia santa de cada missa: “Recebei, Senhor, esta Hóstia total que a Criação, movida pelo Vosso apelo, Vos apresenta na nova aurora. Este pão do nosso esforço não é, por si próprio, bem o sei, mais do que uma imensa desagregação. Este vinho da nossa dor não é ainda, por desgraça, mais do que uma bebida dissolvente. Mas, no fundo desta massa informe, Vós pusestes — tenho a certeza, porque o sinto — um desejo irresistível e santificador que nos faz gritar a todos, do ímpio ao fiel: «Senhor, fazei-nos um!» “.
O desejo de ver toda criação uma e ligada a vida e ao Amor é o desejo mais profundo do Criador.
CHARDIN, P.T. La Messe sur le Monde. (em português), 1923.
A lógica da narrativa bíblica
A narrativa histórica quase sempre mostra a mudança de mentalidade e da lógica da guerra, do poder e da conquista de bens e imposição de uma cultura sobre a outra, a narrativa mística, na maioria das vezes procura avançar a mentalidade do processo civilizatório tanto pela ação humana como pela intervenção divina.
Sempre que um povo promove a opressão humana, material e espiritual tende a decadência e a ruptura civilizatória, assim aconteceu com a cultura semítica, a cultura egípcia nos primórdios da civilização humana.
A narrativa mística e espiritual dos povos analisa estes ciclos de outro ponto de vista, há uma promessa divina não apenas no plano divino, mas também humana, assim para Abraão era a terra prometida e o nascimento de seu filho, onde acontece uma teofania, uma manifestação (ou aparição) divina e finalmente uma aliança.
A promessa a Abraão era não apenas o nascimento de seu filho, mas após nascer Isaac a teofania acontece com a promessa de ele herdar tantos filhos quanto as estrelas do céu e a aliança se cumpre pois Abraão é considerado de pai da fé para três grandes religiões monoteístas: cristãos, judeus e cristãos de hoje.
De Isaac nascem as doze tribos de Israel através de seu filho Isaac, porém por inveja os irmãos vendem José ao Egito, que tinha dons e em sonhos lhe é revelada a promessa que ele seria líder das tribos, mas de inveja os irmãos o vendem ao Egito e a promessa divina se cumpre com o período de escassez em que os irmãos vão ao Egito comprar alimentos.
Não há uma Teofania explícita devido a maldade que fizeram com José, mas Jacó depois de lugar com o anjo consegue o perdão divino e depois o perdão do irmão Esaú.
O Êxodo os hebreus recebem a promessa do retorno a sua terra Canaã, porém a Teofania não se realiza nem na sarça ardente quando ocorre a promessa, nem na Tábua da Lei (os dez mandamentos) e sim quando Moisés realiza uma sala de reunião para o contato divino.
Na narrativa de Êxodo podemos ler que Moisés havia armado uma tenda ao longe (Ex. 33:7) “ fora do acampamento, e deu-lhe o nome de Tenda da Reunião. Assim, todo aquele que quisesse consultar o Senhor, saía pra a Tenda da Reunião, que estava fora do acampamento” e será após esta Teofania e ter recebido as Tábuas da Lei, que será constituída a “arca da Aliança” onde serão colocados o cajado de Arão, um vaso com o Maná que alimentou o povo no deserto e as tábuas da Lei.
Há sempre nas narrativas uma teofania ou uma teogonia (Hesíodo, por exemplo), como no caso da filosofia grega, que é um deus antropomorfo e diverso, entretanto, a teogonia pela sua característica é só a manifestação de crenças e desejos humanos.