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O conhecimento e o fazer
A sociedade que vivemos é uma sociedade do desempenho, assim a chama Byung Chul Han que fez seu doutorado em Heidegger, é uma sociedade do fazer, mas não do saber-fazer.
Recordar “velhos teóricos”, endeusar teorias antigas que tiveram um funcionamento temporal determinado constitui o ocaso e a crise da filosofia, do pensamento não, porque o homem enquanto Ser é capaz de desvelar e descobrir, mas há um esquecimento do Ser.
O conhecimento não fechado em lógicas, com abertura e possibilidade de novas descobertas é o movimento constitutivo do tempo, não há algo totalmente compreendido e acabado, ele é constitutivo daquilo que acontece no tempo, e ele é que está sujeito a história, é um saber prático e da vida, um Lebenswelt como o chamava Husserl.
Heidegger partiu daí com influência direta de Husserl, o significado de sua Fenomenologia, supõe esta abertura para que se vejam as coisas como se manifestam, princípio do saber.
Assim não há algo compreendido, acabado, o que há é uma compreensibilidade num constante devir, implicando num saber prático, um saber-fazer mais do que objetivo de ciência, deve ser o fundamento de todo ato compreensivo como aquele que busca o conhecer.
A abertura essencial não é para a consciência hermenêutica como vista por Heidegger um ato primeiramente racional, é uma disposição afetiva, uma das estruturais existências do ser-ai, se mostra que compreender é sempre um compreender afetivamente, no sentido de “afetar”.
Segue-se ao afeto a interpretação, mas o que é interpretar aqui senão revisões e elaborações de sentido, postas em movimento, assim interpretação é para Heidegger:
“A interpretação de algo como algo funda-se essencialmente por ter-prévio, ver-prévio e conceito-prévio. A interpretação nunca é uma apreensão sem-pressupostos de algo previamente dado […]” (HEIDEGGER, 2014, p.427).
Um dos problemas filosóficos centrais de Heidegger é a questão acerca das possibilidades da linguagem, é a partir dela que o Ser elabora sua visão de mundo, da qual não pode escapar, ela que nos possibilita compreender o mundo, ela que elabora o ser-no-mundo.
Ser no mundo que implicaria num saber-fazer depende da visão de mundo, empobrecida e obscurecida pelo desempenho, pela exigência de eficiência e pela má articulação com o tempo.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo Tradução, organização, nota prévia, anexos e notas de Fausto Castilho. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014.
O ser em sua autenticidade
A incursão de Heidegger sobre o que é a vida social, é que ela é regida por uma noção obscura do que seja convivência, onde não há sujeitos e sim um império do impessoal, do império que a tradução para o português fica muito boa, império do “a gente”, é uma sociabilidade truncada, não é apenas o individualismo, mas um lugar onde nem o eu nem o nós se distinguem.
Este espaço individual é aquele que tudo nivela por baixo, uma perda do Dasein no espaço aberto da “opinião pública” (Öffentlichkeit]), uma sociabilidade truncada, até o nós não inclui o Outro.
Neste estar aí do Dasein em que medida ele lida com outras pessoas do seu meio ambiente cotidiano, para isto Heidegger dá um passo na determinação da analítica existencial, que é responder como o mundo se abre para o Dasein, independente se seja o mundo de coisas ou de homens, isto pode ser compreendido por como ele vê a abertura para o mundo.
A vê como como uma abertura primeira e fundamental de modo triplo: a disposição, a compreensão e a interpretação, entendendo que isto o torna envolvido com o mundo.
Então primeiro o ser humano é tomado por estados da alma que abrem para ele irrefletidamente o mundo, geralmente por meio de um certo desvio, uma disposição, compreende o mundo não como uma teoria ou conceitos, mas como o próprio Dasein está com-preendido numa situação.
Assim a disposição torna-se compreensão, mas não é o homem que compreende o mundo e sim o mundo compreende o homem de modo totalizante, onde o ser humano inteiro é compreendido e isto o remete ao conceito de projeto (Entwurf) num sentido essencial: ele é projetado no mundo.
Este projeto dá ao homem possibilidade de interpretação, e só então consegue traduzir o mundo no discurso e na linguagem, tendo em vista que a proposição e o enunciado sempre implicam em um momento posterior na existência do Dasein.
São estas aberturas ao mundo no discurso e na linguagem, porém que devem levar em conta a proposição e enunciado como implicando um momento, sempre posterior, na existência do Dasein, porém a tendência de encobrimento no Dasein é sempre forte para que se torne livre.
Este traço fundamental de encobrimento e de fuga de si mesmo se fazer valer e determinar o ser-no-mundo do ser-aí (Heidegger, 1989) põe a questão sobre a possibilidade do ser-aí sair de sua inautenticidade.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1989
Metáfora-enunciado e outras figuras de linguagem
Paul Ricoeur faz uma profunda análise do que ele chama de “Rhétorique generale” como aquela que reserva apenas aos metalogismos aquela que incorpora os discursos, existe para além dela os metasememas, que é um tipo de figura de linguagem que modifica o significado de uma palavra.
Só para dar um exemplo dentro da filosofia de metasemema, a palavra eidos da cultura grega traduzida como ideia, tornou-se na modernidade outra coisa que era para os gregos.
A importância dessa metáfora-enunciado é dita pelo próprio Ricoeur: “a mais apta para mostrar o parentesco profundo, no plano dos enunciados, entre metáfora, alegoria, parábola e fábula e, por essa mesma razão, permite abrir, para todo este conjunto de figuras – metasememas e metalogismos” (Ricoeur, 205, p. 265), enquanto uma boa parte dos discursos (Ricoeur cita Retórique Generale) se reservam apenas aos metalogismos.
O metalogismos são as lógicas que estão além das figuras de linguagens por exemplo uma alegoria, assim Ricoeur cria para a primeira o conceito de um tropo, onde apenas muda o sentido das palavras enquanto a segunda entra em conflito com a própria realidade.
Usa para isto a figura do “barco ébrio” de Rimbaud, que usou a expressão “o barco ébrio juntou-se ao grande veleiro solitário” (p. 264), que “são alegorias de Malraux e de Gaulle, pois estes não são nem barcos nem veleiros”, explica Ricoeur: “a tensão não está na proposição, mas no contexto”.
O impacto desta análise, como aponta o próprio Ricoeur é que o “desvio” realizado da palavra pelo metassemema, o enunciado metafórico “restabelece o sentido” (p. 265).
Este impacto semântico “que concerne ao enunciado inteiro, então é necessário denominar metáfora o enunciado inteiro com seu novo sentido, e não somente o desvio paradigmático que focaliza sobre um apalavra a mutação de sentido de todo o enunciado” (p. 265), eis a explicação mais clara de sua metáfora-enunciado.
A longa análise feita por Ricoeur, por autores conhecidos como os clássicos (Aristóteles e Platão), Kant, Hegel e Heidegger, e razoavelmente conhecidos como J. Dubois, F. Edeline, e outros pouco conhecidos como Le Guern e Jean Cohen, torna sua obra complexa, mas muito importante.
O grande mérito e a importância da análise profunda e hermenêutica da metáfora como centro da questão sobre as narrativas atuais, que envolvem o uso linguístico de diversas figuras de linguagens como alegorias, parábolas e metonímias, faz um quadro na página 275, ilustrado acima, e para além deste discurso estabelecer uma meta alta como aquela que penetra o “inefável”.
RICOEUR, P. Metáfora Viva. São Paulo, trad. Dion Davi Macedo. 2ª ed, Ed. Loyola. 2005
Metáfora viva e narrativa
Ambos são temas de Paul Ricoeur, porém estabelecer a ligação clara entre estes dois conceitos não é tarefa simples, o próprio autor não vai dizer entre a metáfora e a narrativa, há tal conceito.
Isto porque conforme já fundamos em um post anterior, é quase uma refundação do eidos (aquilo que era ideia para os gregos), dando a ela (a metáfora) uma “ideologia do inefável”, que é no entanto atingível posto que está na consciência como um não dito.
Também neste post frisamos que a metáfora viva começa onde a linguística termina, e a narrativa está em estreita ligação com a linguística, mas seria ousado dizer que a narrativa não é também uma forma de metáfora, então nesta intersecção inesperada entre narrativa onde a metáfora vive.
A metáfora na leitura dos gregos, na poética e de retórica de Aristóteles a palavra ou o nome são unidades básica entre a poética e a retórica, enquanto a segunda é mais voltada a mimese.
A ideia que a linguagem tem uma outra função além da convencional, foi defendida por Heidegger dizendo que ela tem esta outra função é a poética, e ela nos remete tanto à metáfora como outras figuras de linguagem que estão além da chamada “licença poética”, pois tem uma função retórica.
Encontra-se na definição corrente de metáfora como aquela figura de linguagem em que se verifica uma comparação implícita, porém qual a relação entre uma comparação e a metáfora?
Ricoeur esclarece que no núcleo desta relação, há “um pequeno enigma” no discurso aristotélico, na origem desta questão, “porque esse tratado (da Retórica), que declara nada acrescentar à definição de metáfora dada pela Poética, empreende no capítulo IV um paralelo sem correspondente neste último tratado, entre metáfora e comparação?” (Ricoeur, 2005, p. 42).
A primeira resposta de Ricoeur é que ela é depende “no interior do corpus aristotélico” (p. 42), mas vai objetar o propósito que não é explícito, “Aristóteles assinala a subordinação da comparação à metáfora”, assim “não é explicar aqui a metáfora pela comparação, mas antes a comparação pela metáfora” (pag. 43).
Este enigma torna-se na teoria da metáfora-enunciado em Paul Ricoeur, mais que uma rica figura de linguagem, ela é desmembrada em duas partes: “sob o nome de ´parabole’, é ligada à teoria da ´prova´(Livro I da Retórica), que consiste na ilustração pelo exemplo, que subdivide, por sua vez, em exemplo histórico ou fictício,; a outra sob o nome de eikon, é vinculada a teoria da léxis e posta no domínio da metáfora” (p. 44).
Os recursos e argumentos de metáfora viva permitem não só compreender as narrativas, mas penetrar em seus elementos constitutivos como recursos de linguagem e de conhecimento.
RICOEUR, P. Metáfora Viva. São Paulo, trad. Dion Davi Macedo. 2ª ed, Ed. Loyola. 2005
Favor fechar os olhos
Poderia ser o contrário, mas a realidade é tão assustadora que apenas será possível enxergar aqueles que tiverem a coragem em fazer aquilo que parece insano neste momento, olhar para dentro e ver até que ponto colabora com esta realidade tão dura.
O diagnóstico veio para mim de forma inesperada enquanto perguntava o que é a eternidade e para onde quero que a humanidade caminhe, tinha a intuição que tudo deveria mudar começando por mim, e ao conhecer o livro novo de Byung Chul Han algumas respostas estavam ali, recebi o livro em dois dias e já posso comentá-lo.
A intuição estava fundamentada no que muitos já sabem: as grandes utopias e os grandes discursos desmoronaram e a pergunta óbvia era então para onde iremos.
As pistas de Chul Han são inspiradoras, já no subtítulo do livro: “Favor fechas os olhos: em busca de um outro tempo”, edição agora de 2021 pela editora vozes, o ensaio é de 2013.
Pode-se pensar que vivemos um tempo de aceleração, mas Chul Han chama atenção que as “narrativas não se deixam acelerar arbitrariamente, a aceleração destrói as suas estruturas próprias de sentido e tempo, o inquietante na experiência do tempo atual não é a aceleração como tal, mas sim a conclusão do tempo faltante”, ou seja, a falta do ritmo e do compasso.
A conclusão das coisas da prática de novas vidas, os ritos que fazem com as coisas sejam feitos com ritmo e compasso para fazer as coisas bem-feitas e chegar a sua conclusão.
A aceleração tem a sua causa na incapacidade universal de encerrar, o tempo continua se lançando para frente, pois ele não chega em lugar nenhuma ao encerramento.” (p. 20)
Foi assim que inverti meu diagnóstico, do fim das utopias e dos grandes ideais (no sentido de eidos e não do idealismo), não aconteceram não por falta de discurso ou de “boas intenções” e sim por falta de conclusão.
Mas é importante coerente com o discurso de Chul Han, rever o impacto dentro das pessoas, na sua integridade interna de fazer uma experiência até o fim, e Chul Han vai tocar em outro termo
Vai tocar num tema tabú da morte, presente agora durante a pandemia, “e em um mundo no qual a conclusão e encerramento dão lugar a um avanço sem fim e sem direção, não é possível morrer pois também morrer significa pressupõe a capacidade de encerrar a vida” (p. 29-30), entender que a vida é um ciclo.
Ele fala também do sujeito do desempenho, aquele que busca o máximo “o sujeito do desempenho é incapaz de chegar a uma conclusão”, e isto leva a se cobrarem demais e não concluir.
Entender que estamos no fim de um ciclo e é preciso conclusões próprias ou se “tem que a-cabar [ver-ender] em uma hora inoportuna [Unzeit]” (p. 30), para isto não ocorra é preciso fechar os olhos e se examinar.
Han, Byung-Chul. Favor fechar os olhos: em busca de um outro tempo. trad. Lucas Machado, RJ, ed. Vozes, 2021.
O todo e a parte
A parte e o todo se separaram na filosofia ocidental, o método racional consagrou esta divisão.
“O mundo torna-se cada vez mais um todo. Cada parte do mundo faz, mais e mais, parte do mundo e o mundo, como um todo, está cada vez mais presente em cada uma de suas partes. Isto s verifica não apenas para as nações e povos, mas para os indivíduos. Assim como cada ponto do holograma contém a informação do todo do qual faz parte, também, doravante, cada indivíduo recebe ou consome informações e substâncias oriundas de todo o universo” (MORIN, 2006, p. 67).
Isto é para entender aquilo que no pensamento complexo de Edgar Morin chama de princípio hologramático, isto foi também o ponto de partida do pensamento de Werner Heisenberg para dar início ao pensamento quântico e que tem um livro com este nome ao contrário, “A parte e o todo”.
Também Gregório de Matos Guerra (1639-1696), um dos representantes do Barroco brasileiro, escreveu um Poema chamada “Eucaristia”, no qual diz: “Deus está todo em todo sacramento”, e como seria importante para os que creem entender isto, para entender o que viver a palavra.
A moderna física atômica lançou nova luz sobre problemas desde éticos e políticos até filosóficos e religiosos, no livro de Heisenberg logo no prefácio que é quase uma biografia escrita de forma sui generis, ele fala de diálogos com Einstein, Plank, Bohr, Dirac, Fermi, Pauli, Sommerfeld, Rutherford e vários outros colegal.
A parte e o todo têm como subtítulo: “encontros e conversas sobre física, filosofia religião e política”, o que o torna também iniciador de um “pensamento complexo e hologramático” como propôs muitos anos mais tarde Edgar Morin.
Compreender a complexa situação civilizatória que vivemos não é possível sem esta compreensão.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2006
Só é trinitário se são três pessoas
No século III os cristãos começaram a usar a palavra prósopon que significa o uno em três pessoas, o primeiro concílio cristão de Nicéia (325) foi discutido a divindade de Jesus, porque era ainda mais fácil, devido ao dualismo Ser e não-Ser, acreditar em dois do que em três.
Para subsistir a ideia dualista, alguns pseudo-teólogos lançaram mão da ideia que Deus-Pai é fonte e origem de toda divindade, assim as outras duas pessoas foram geradas pelo Pai, criando uma nova forma de negar a pericorese trinitária, ou se preferir “a dança” na relação divina interna.
Foram os padres capadócios, Gregório Magno, Gregório de Nissa e Basilio de Nissa que viram esta contradição, que vem revestida de nova roupagem, da troca da palavra prósopon (persona) por hipóstasis e esta por sua vez confundida com ousía.
Basílio usou da fórmula de Mt 28,19 que afirma que a comunicação dos Três no batismo manifesta o Espírito Santo na união do Pai com o filho, na mesma dignidade, e manifesta ao homem no batismo, por isto o batismo válido é em nome das Três pessoas.
Basílio classificou a expressão da fé, sobre o mistério trinitário, transformando e codificando a ideia confusa na seguinte fórmula: “Mia Ousía” e treis hipóstasis”, apresentando uma distinção entre ousia e hipostasis na Trindade.
A ousia indica o que é comum e único ás três pessoas, natureza e substância. A hipóstasis constitui a particularidade que constituem cada pessoa da Trindade, não havendo prevalência entre Elas.
Gregório de Nazianzeno foi o primeiro a aplicar o termo pericórese na relação entre as duas naturezas de Cristo (Perichoresis cristológica).
Gregório de Nissa afirma que na Trindade Santa não há diferença de honra e que a estrutura que diferencia o criado não pode se aplicar às pessoas divinas, já que a natureza divina é incognoscível e eterna.
Foi João Damasceno no século VII (+749) que fez além e uma síntese da doutrina dos padres capadócios, uma nova abertura desenvolvendo a pericorese, empregando-a como termo técnico designando, tanto a compenetração das duas naturezas em Cristo como a compenetração entre si da Três Pessoas Divinas, vão definir o que é a cossubstancialidade.
A chave de leitura entender o trinitário, que passa por Deus-filho (Jesus) que se abandona nas mãos do Pai, a ponto de chamá-lo como qualquer homem o chamaria de Deus e não mais de Pai, é ponto crucial para uma teologia contemporânea, ali onde mora a divisão, a dor, a injustiça, o mal que o homem causa a si próprio e a humanidade, ali está um rosto deste “Jesus Abandonado” (a figura acima foi encontrada por acaso numa mesa).
Unidos a Ele encontramos o diálogo, superamos os radicalismos, as incompreensões e os erros
A trindade e os filósofos contemporâneos cristãos
Obras sobre a trindade na patrística cristã destacam-se a obra De Trinitate de Agostinho, os padres capadócios: São Basílio e São Gregório de Nazianzeno (imagem), João Damasceno e Tomás de Aquino, estes da Antiguidade até a Idade Média, que trabalharam a pericorese na Trindade.
Começo por uma referência que considero importante pela adoção do pensamento fenomenológico e hermenêutico, a obra L´Idole et la distance (1977) de Jean Luc Marion, ele como outros partem de Santo Agostinho, mas como bom hermenêutica deseja apenas fazer “o jogo trinitário [i.e., a pericorese trinitária]” que ela assuma as desolações incluindo a metafísica, e nos levem a paciência, o trabalho e a humildade.
Refere-se a pericorese com uma “dança” e as desolações são as críticas filosóficas que surgiram a partir do século XIX, em particular Nietzsche, fez a religião, especialmente à ideia de Deus, vai identificar que a ideia de que a morte de Deus traria ao homem a luz, se olharmos a realidade, veremos que não aconteceu, vemos um homem sem humanismo, agora nos horrores de uma pandemia que não cede e o perigo de uma crise civilizatória.
A hermenêutica por sua estrutura interpretativa, a transmissão e a mediação “não se referem apenas à anunciação, à comunicação de Deus com o homem, definem a vida íntima do próprio Deus, que, por essa razão, se não pode pensar nos termos de uma plenitude metafísica imutável” (na obra de Gianni Vattimo: Etica de la interpretación, 1991).
Longe do idealismo absoluto de Hegel, e avançando a ideia da ontologia trinitária, que tem início nos primórdios do século XX, autores como Pavel Florenskij, Sergei Boulgarov, mais recentemente John Zizioulas e vários italianos como Massimo Cacciari, Bruno Forte, Piero Coda e na Alemanha Joseph Ratzinger e Klaus Hemmerle, na França já citamos Jean-Luc Marion e Michel Henry.
Piero Coda utiliza uma categoria da fundadora do Movimento dos Focolares, iniciado por Chiara Lubich, que é a figura de Jesus Abandonado para tornar sua “dança trinitária” uma relação cotidiana com todos os seres e assim recria a ontologia trinitária, que é capaz de estabelecer uma relação entre o Logos expresso em Jesus, e plenamente realizado na sua figura quando já desfalecido e entregue as dores e sofrimentos da cruz, não chama mais Deus de Pai, mas apenas de Deus: “Meu Deus, meu Deus porque me Abandonastes” diz o relato bíblico, parece parodoxo, uma pericorese com o homem.
Afirma Coda: “de alguma forma a circulação eterna do amor dos Três é comunicada a nós na história … sua abertura para a história dos homens” (Dio uno e trino, Edizione San Paolo, 1993, p. 141).
Houve uma compreensão desta realidade, porém a interpretação hermenêutica ainda não houve.
O habitar e a clareira
Tanto o habitar como a clareira, precedem a ideia de Ser, desde a filosofia antiga o Ser é também “morada”, porém a filosofia moderna recuperou a linguagem, evento chamado reviravolta linguística, e vale a frase de Heidegger: “A linguagem é a casa do ser” significa uma identificação ontológica entre ser e linguagem.
O que é esta “morada” significa aquilo que é o ser enquanto ser, significa retirar do ser seus adjetivos para ser o que é, por exemplo, o homem enquanto homem sem sua cor, religião, sexo, nacionalidade, idade, cultura, nada que o particularize e os separe uns dos outros, é nisto que encontramos o ser.
Por isto a definição de Heidegger de linguagem, mas num sentido amplo qualquer forma de comunicação desde um simples olhar até um longo discurso, e mesmo o uso de algum aparato para enriquecer (ou empobrecer é claro) a linguagem.
Habitar a clareira portanto exige primeiro que desvelamos o que é este Ser, e depois o ente que é o que vale para o ser, enquanto o “ser-aí” (Dasein) é aquilo que está no ser.
Isto esteve velado na história, e ainda mais na modernidade que projetou todo o ser sobre o ente, ou seja, sob sua caracterização e determinação, mas aquilo que ele é foi velado.
Górgias (485-380 a.C.) foi o primeiro na história da filosofia a negar a existência do ser, para isto teve também que negar a razão, e a existência em absoluto, “nada existe de absoluto”, assim não existem verdade, é o princípio que hoje chamamos de relativismo.
A existência e a realidade do Ser, embora velada, é a possibilidade da clareira, dela dependerá uma abertura para a transformação, para a mudança tanto na relação humana, já que está é linguagem fundamento do ser, quanto na relação com a natureza, que determina também o ser-aí.
Tudo pode tornar-se desvelado se retiramos o véu que cobre o ser, e descobrimos também a sua interioridade, que o filósofo Byung Chul Han chama de negatividade, que é sua reflexão sob aquilo que é, vendo-se como num espelho, e assim conseguir ver-se como Ser.
Que queremos dizer com moral hoje
Quase toda base racional e elaborada sobre a moral está fundamentada em uma teoria idealista, que pertence quanto ao pensamento racional tanto a Hegel quanto a Kant, porém em ambos há já uma crítica ao racionalismo puro como ao empírico, então que tipo de moral é esta proclamada socialmente.
Não pode dizer que é positivista, nem comunitária, nem na outra extremidade algo meramente platônica, o fato que ambos insistiram em distinguir a abordagem da filosofia prática tanto em Kant como em Hegel, onde se distinguem então.
Ambos se propuseram a minar as dúvidas do cético sobre a possibilidade de julgamentos e requisitos práticos objetivos; ambos, além disso, rejeitam as derivações positivistas da lei, descrições exclusivamente empiristas do comportamento humano e formas intuicionistas de justificação
Mais ainda, os dois filósofos parecem compartilhar a mesma concepção das condições da liberdade humana. Tanto para Hegel quanto para Kant, uma teoria da moralidade e dos direitos políticos devotada a promover a causa da liberdade deve exigir mais do que apenas a ausência de obstáculos que impeçam a satisfação de nossas paixões animais, deve-se dotá-la de certa racionalidade.
Então para Hegel como para Kant, a liberdade requer, além disso, o respeito pelos fins que temos como naturezas racionais e a elas estão vinculadas, ou seja, ao idealismo racional.
Alcançamos esse tipo de liberdade quando nossas ações são motivadas pela legislação da razão e quando as normas sociais que nos restringem são normas que podemos endossar racionalmente.
A diferença do sistema de Hegel é que supera certa subjetividade do modelo “individual” de Kant, mas submete a moral a alguma norma, em geral, aquela que é estabelecida pelo Estado, o problema de ambos é a relativização da questão moral, ora presa ao indivíduo, ora presa ao Estado, ignorando o Ser.