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Arquivo para a ‘Virtual’ Categoria

O cosmos e a ira divina

05 mar

O modelo de universo racional/idealista era de um cosmos funcionando como um relógio, a realidade e o cosmos se mostraram além da ideia dos modernos (o eidos grego é outra coisa), se mostrou como um modelo quântico onde existe um terceiro incluído (modelo de Barsarab/Lupasco) e no qual o tempo e o espaço não são mais absolutos e matéria é energia.

Assim o antigo modelo de harmonia foi modificado pela física atual, chamada de Física do Modelo Padrão que a partir da física das partículas desenvolveu um modelo unificado para as forças que atuam sobre a matéria, e inclui as forças fundamentais forte, fraca e eletromagnética e gravitacional unificando-as a teoria quântica dos campos, a mecânica quântica e da relatividade especial.

A recente descoberta da Bóson de Higgs, incorretamente nomeada partícula de Deus supondo que ela seria responsável pela atribuição da matéria aos corpos, este modelo explicou a atração magnética dos planetas, a luz e os diversas formas e dividiu a matéria em muitas partículas.

Após a criação o universo e sua expansão determinadas leis desenvolveram corpos, planetas e sistemas planetários em formação e ocaso, estudos atuais mostram o desenvolvimento das estrelas vem de gás interestelar e poeira cósmica e hidrogênio que a baixas temperaturas entram em colapso e formam moléculas que dão origem a protoestrelas, estas sob pressão e rotação formam as estrelas.

Além do nosso conhecimento este universo em expansão age de forma muitas vezes surpreendente e hoje sabemos que não apenas aquilo que ocorre no planeta tem influência interiores como também exteriores, as explosões solares e a aproximação de corpos celestes por exemplo, enfim somos um minúsculo grão de areia num universo muito mais complexo e errante.

Todo este corpo celeste age com sua harmonia própria e não necessariamente como são pensadas as leis atuais que conhecemos então sempre é possível uma surpresa, por exemplo, hoje se procura o nono planeta (Plutão foi rebaixado para planeta anão) que teria uma órbita externa ao nosso sistema planetário e estaria agora em aproximação do sistema, afetando por exemplo o Cinturão de Kuiper, e teria uma orbita de translação de 14 mil anos e existiriam outros corpos externos do Sistema Solar.

Dentro desta nova lógica do universo, movimentos aorgicos (do inorgânico sobre a vida orgânica) não apenas é possível como facilmente explicável, o ambiente em torno da biosfera é um organismo vivo e este está dentro de um universo mais amplo e sujeito as suas leis.

Aquilo que acontece na esfera humana também tem seus equilíbrios instáveis e desequilíbrios, assim não se podem mais pensar em tudo como uma “harmonia”, no sentido cartesiano, e sim como aquilo que tende a favorecer ao funcionamento do universo como um todo e para o qual as forças tendem a empurrar perante suas próprias leis e determinações aos olhos humanos podem ser a ira divina, ou a “perfeita harmonia divina”, porém diferente daquela explicada como movimento preciso de relógio.

A carta de Paulo aos Corintios (Cor 1,1, 22-25) dizia que os gregos pediam sabedoria e os judeus sinais, mas que para Deus isto era insensatez humana, o universo esconde o amor e a ira divina.

 

Querer curar-se para um novo normal

12 fev

Começaria hoje o carnaval no Brasil, há quem lamente esta impossibilidade mesmo pensando em uma pandemia que não dá sinais de enfraquecimento, mesmo países que avançam com a vacina, caso de Portugal, Inglaterra e Estados Unidos os sinais que o vírus circula ainda está mais forte.

O livro de Morin nos alerta para lições que a pandemia deveria ter nos ensinado, porém não é o que de fato se observa, assim não só precisamos de outras “curas” como a própria fragilidade humana perante o vírus e outras patologias, incluindo as sociais, podem permanecer.

É preciso querer curar-se e descobrimos que esta cura é coletiva e codependente, precisamos que todos sejam sãos e uma sociedade que não olha os mais frágeis ou que os despreza e condena a vida da solidão e da morte não alcançou ainda uma cura duradoura que aponte para uma solidariedade duradoura.

Aprendemos a dureza do isolamento e da solidão, mesmo que em família, porém quantas são as pessoas que vivem assim na chamada normalidade, que o novo normal traga um maior agregamento humano a todos, que se trace a partir de uma nova política aquilo que Edgar Morin chama de uma nova humanidade mais humana.

Que a vacina nos imunize, mas que aprendamos a co-imunidade como defendia Peter Sloterdijk já antes da epidemia, e não se referia a imunidade da doença, mas num sentido mais amplo, aquela imunidade que nos faz uma humanidade capaz de defender-se das tiranias e das doenças sociais.

A passagem bíblica em que um leproso se aproxima de Jesus e pede de joelhos: “Se queres tens o poder de curar-se”, Jesus, cheio de compaixão estendeu a mão, tocou nele e disse: “eu quero fica curado!” (Marcos 1,40-41).

Há dois pontos essenciais o desejo ardente com fé do leproso de curar-se e a compaixão divina para que ele fique curado, a fé e a retidão humana atraem o poder divino, os que creem sabem disto. Mas só o nosso desejo de mudar de via (veja os posts anteriores) podem tocar a misericórdia de Deus.

O mundo hoje quer mudar ou viver a frivolidade da normalidade anterior.

 

Colaboração e ingratidão

21 jan

Termos aparentemente tão distantes estão profundamente conectados, a colaboração que quase sempre envolve uma dose de gratuidade (pode até ser remunerada, mas faz a faz com alguma generosidade) e a ingratidão, que é o não reconhecimento da grátis-dão, do que é feito com alguma dose de doação.

Isto sempre envolve os meios do poder, em tempos de psico-poder, a escolha de meios para certos fins é fundamental, aquilo que o indivíduo influencia ou desafia em benefício próprio, está explicado em Habermas usando o conceito de Hanna Arendt e polemizando com Max Weber: “é essa capacidade de disposição sobre meios que permitem influenciar a vontade de outrem que Max Weber chama de poder. H. Arendt reserva para tal caso o conceito de violência” (Habermas, 1980, p. 100).

Assim, pode-se teorizar que o que não leva a colaboração pode levar a uma forma de poder ou de violência, se admitimos que colaboração tem uma oposição essencial a ingratidão, ou para teorizar mesmo, este poder gera uma dose de ingratitude.

Ainda no campo da teorização, na vida fenomenológica penso que os “meios” aceleraram a ideia da colaboração, Habermas vai falar de um “individualismo metodológico” aplicando-o a formas de poder que não permitem o “entendimento mútuo” ou a superação do “egóico sentido de poder”, que leva a não-colaboração e ao não-reconhecimento do gratuito.

Penso que Hanna Arendt é mais direta porque seu modelo é “um modelo comunicativo” (interativo) onde o consenso seria alcançado por meios não-coercitivos, pelo “entendimento recíproco” que levaria a “vontade comum”, a meu ver, falta ainda a ideia da gratitude.

Em meios onde a colaboração e a reciprocidade, ações mútuas de co-laborar, ou seja trabalhar juntos, já é uma realidade, o poder se dispersa e o líder não aparece como poder coercitivo, do latim coercĭo, que significa retenção.

O que se propõe então, partindo de Hanna Arendt é que se pense na forma que permita a co- laboração como forma comunicativa de influenciar a vontade do outro, sem coagi-lo, isto leva a sistemas de ingratidão, incompreensão e luta pelo poder através da violência.  

Habermas, J. (1980). A crise de legitimação do capitalismo tardio. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.

 

A paz desejada e não construída

19 jan

Sabemos que a “pax romana” era a rendição ao império que dominou boa face do mundo civilizado de então, é hoje certo que já haviam povos em diversas partes do planeta, mas seus registros paleontológicos não deixam muitas marcas de suas culturas, e, talvez como pensou Rousseau “o bom selvagem” vivia em paz, porem no conflito natural com a natureza.
A “paz eterna” elaborada pelos idealistas e idolatrada pelos adoradores do “estado moderno”, pouco é aprofundada porquê de fato para muitos será este o estado, desculpem a ironia, final da humanidade, devendo apenas ser aperfeiçoado.
Kant publicou no ano de 1798, numa revi ta de Berlim, o ensaio “Anúncio da próxima assinatura de um tratado para a paz perpétua em filosofia”, que foi uma retomada de seu ensaio feito dois anos antes: “Para a paz perpétua”, que ficou confinada na sua filosofia.
Isto porque o objetivo era resolver a paz no interior de um só Estado, ou no plano das relações entre diferentes Estados, que podemos ver mesmo com o surgimento da ONU e com o aumento de nações democráticas, que em essência a ideia de Estado permanece iluminista.
Deste ensaio pode-se supor que o que o filósofo entendia por filosofia significa que se os sistemas da filosofia encontrassem uma solução para seus conflitos eles poderiam auxiliar os sistemas políticos a resolverem seus conflitos, por isso permanece no campo idealista.
O conflito entre objeto e sujeito, que faz supor que é no objeto que se encontra o conflito e não no sujeito é a hipótese do sistema idealista/iluminista, mas é na facticidade dos sujeitos históricos que estão os conflitos, entendo estes não como a historicidade romântica, pois facticidade é o conceito heideggeriano do sujeito lançado no mundo com seus fatos.
Assim o que se entende por paz além do idealismo é aquela passível de ser construída na facticidade do dia-a-dia, em cada conflito encontrado em cada fato, sem estar confinado aos pressupostos teóricos ou filosóficos, mas ali onde está o “ser lançado no mundo”.
A paz, portanto, é construída e não um acordo entre estados ou no seu interior, o tratado de paz da 1ª. guerra mundial levou a segunda, dizem alguns leitores da história mundial, o fato é que houveram duas guerras e os estados “modernos” não só não evitaram, como são autores.
“Se deseja a paz, constrói a paz”, dizia um político italiano, bem poucos entendem isto.

Um pós-pandemia será problemático, pode inclusive caminhar para uma crise civilizatória, onde muitas providencias deveriam ser tomadas já a partir de agora.

 

Por uma ascese espiritualizada

14 jan

O que assistimos além da crise e noite cultural, além de uma profunda crise social sem um pensamento que catalise as forças reais da sociedade que apontam para o futuro, é um também uma noite de Deus, o educador Martin Buber a descreve como Eclipse de Deus.
Escreveu Buber em seu livro: “Mais tarde construí para mim mesmo o sentido da palavra ”desencontro”, através da qual estava descrito, aproximadamente, o fracasso de um verdadeiro encontro entre seres humanos. Quando, após outros 20 anos, revi minha mãe, que viera de longe visitar a mim, minha mulher e meus filhos, eu não conseguia olhar nos seus olhos, ainda espantosamente bonitos, sem ouvir de algum lugar a palavra ”desencontro” como se fosse dita a mim. Suponho que tudo o que experimentei, no decorrer da minha vida, sobre o autêntico encontro, tenha a sua primeira origem naquela hora na galeria.” (BUBER, 1991, p. 8).
Revela assim a verdadeira face do “silêncio de Deus” do judaísmo no qual tem raízes, será em outro livro o “Eu-Tu” onde ele revelará um aspecto de sua ascese que é “o encontro com o Outro”, que para Buber mais do que uma pessoa, seu Tu tem uma essência divina, Deus habita o outro.
Nos dias atuais o que se observa são duas tendências fortes e em ambas as asceses não há de fato uma espiritualidade além da transcendência, ou o ativismo que Byung Chul condena como a “vita activa” que leva ao cansaço, ou o subjetivismo idealista que pode parecer religião mas não o é, o que ele desperta não é outra coisa senão o sentimentalismo, podendo levar “fieis” as lágrimas, não necessariamente a Deus, se O descobrem de fato devem buscar outra ascese verdadeira.
Assim é possível que por um caminho ou outro também encontrem a Deus, porém não há outro modo de permanecer na fé, não dos cegos mas dos que encontraram uma clareira, se de fato quiserem permanecer a meditação e a oração são imprescindíveis.
Aos que não tem fé, uma boa leitura, separar trechos e pensamentos, vivendo o momento como escrevemos no post anterior, é fundamental, ou seja, também para a leitura pode-se seguir a regra de fazê-la sem “gula”, tentar colocar a alma em silêncio, fazendo um verdadeiro “epoché”.
Aos que creem reflito sempre que Jesus rezava, e pedia aos seus discípulos que rezassem com ele, e que não perdessem esta prática, Jesus vai contar a parábola do mau juiz que não quer atender a viúva, mas por sua insistência e para que ela não o xingasse, ele a atende, diz o trecho inicial: “Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre, e nunca desistir…”, que está em em Lc 18,1.
BUBER, Martin. Eclipse de Dios. México: Fondo de Cultura Económica, 1995.

 

Advento, mas o que advirá?

11 dez

Esta é a pergunta que ganha contornos diferentes em épocas natalinas, haverá uma nova normalidade, os líderes mundiais faram de “grande reset” (palavra usada no fórum mundial), porém parece que a preocupação central é a economia, ainda que falem em “Novo Acordo Verde” ou os apelos dos socialistas Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez a um novo equilíbrio.

Ao que parece não se dão conta de uma crise mais profunda, do pensamento e da cultura, chegando até mesmo a se poder dizer uma grande noite de “Deus”, religião sinônimo de falta de bom senso e separatismo social, embora os próprios líderes religiosos digam buscar o contrário.

Aqueles que estão preocupados com a falência do humanismo, com um colapso civilizatório seriam apenas apocalípticos, então as análises de que estamos andando como “sonâmbulos no escuro” (Edgar Morin), que “não é um tempo próprio para o pensamento” (Peter Sloterdijk) e que vivemos o inferno do igual (Byung Chul Han), não são poucos os pensadores que veem esta crise.

É um quadro sem aparente solução, onde os gritos ideológicos renascem e as tendências de uma mudança diferente do pensado até hoje é quase desapercebida, como diz uma frase famosa de Albert Einstein: “loucura é querer resultados diferentes, fazendo tudo exatamente igual”.

Quem seriam os profetas e oráculos deste tempo que anunciariam grandes mudanças ? que proporções elas terão ? a própria natureza se rebelará com seu desiquilíbrio ? serão tempos de uma nova terra e de um novo céu ?

Sócrates anunciou o período da Grécia antiga que precedeu a sociedade moderna, a vinda de Jesus foi precedida pelo último e maior dos profetas João Batista, que serão eles hoje ?

O Evangelho de Jo 1,22-23, após várias perguntas dos fariseus a João Batista ele respondeu: “Perguntaram então: ‘Quem és, afinal? Temos que levar uma resposta para aqueles que nos enviaram. O que dizes de ti mesmo?’ João declarou: ‘Eu sou a voz que grita no deserto: Aplainai o caminho do Senhor’” — conforme disse o profeta Isaías.

Aos que tem juízo é tempo de aplainar os caminhos aos que não tem resta o descuido.

 

Escatologia apenas humana

08 dez

Dois equívocos sobre o Natal é que se trata apenas do nascimento de Jesus, ao menos o Jesus histórico deve ser admitido como homem que existe pois houve um recenseamento quando ele nasceu, a segunda é o que veio e o que virá, o advento é assim aquilo (ou aquele) que vem e virá.

Relendo a obra Homo sapiens de Yuval Noah Harari apresenta uma perspectiva evolucionista darwiniana colocando como o homem impôs sua vida no planeta, contemplando três fases: a coletora, a agrícola (e sedentária), a fase industrial e a moderna de informação intensiva, e busca alinhar os elementos estruturais que conectam com a ordem cultural e com os seus alicerces.

No plano da cultura desta as crenças gerais compartilhadas em cada fases, que chama de mitos ficcionais, aos quais atribui a indispensável coesão social e os empreendimentos de cada período.

Mesmo sendo judeu, que possui uma escatologia forte abramica, recusa a existência da alma, da consciência e da individualidade, tendo como perspectiva que a ciência não detectou isto, e que as notáveis conquistas da ciência contemporânea dispensam estas existências.

O seu longo e elaborado trabalho que ao negar estes fatos existenciais metafísicos, envereda pelo mesmo caminho dos neologicistas, de algoritmos que regulariam a vida inclusive biológica, porém é a consciência algo assim desconectado da inteligência e será que organismos são só algoritmos.

O sentido clássico de cosmos, explorado desde Platão, a energia requerida para acionar um algoritmo da criação, a energia sem a qual a própria ideia de algoritmo não se sustenta, é algo que já pré-existia antes da hominização do cosmos (a natureza tornou-se homem) e o que será o futuro deste processo sobre o qual o próprio Harari indaga, sem alma e consciência deste fim.

Estas perguntas apontam para uma escatologia, princípio e fim, e não temos uma aposta num fim longínquo ou próximo se não tivermos respostas sobre um princípio, o escato-lógico do Ser.

Ainda que a escatologia de Harari não seja completa, não há transcendência, ele percebe que estamos próximos de um limiar civilizatório bastante perigoso, tanto no aspecto humano quanto do equilíbrio da natureza, e que o homem poderá realizar esta tarefa sozinho sem algo superior.

 

O deserto e o futuro

03 dez

Não é apenas a pandemia, de fato ela pode passar, mas seus problemas não só não passaram como estão se agravando, o futuro ali na frente pode ser de uma crise séria, não só pelas dificuldades econômicas e sociais, na raiz há uma crise do pensamento.

O número de problemas de ordem emocional e psíquica de um longo período de isolamento já é visível, e os ciclos seguintes de euforia e exageros podem ser piores, parte da segunda onda no Brasil revelam os dados são festas e aglomerações inexplicáveis em meio a uma pandemia.

O romance de Augusto Cury falando do Futuro da Humanidade, parece apontado apenas para o foco de pessoas com problemas psíquicos podem ter solução e que a relação com estes pacientes que são marginalizados e tratados como sem identidade, deixa indignado um jovem estudante com nome de Marco Polo, o aventureiro navegador veneziano do século XIII, cujo nome o pai deu em sua homenagem.

O desafio deste jovem é que além de remédios, o tratamento com diálogo e psicologia podem levar a uma verdadeira revolução no tratamento de pessoas assim

O mundo já mudou, a nova normalidade poderá apresentar graves problemas tanto de origem social quanto psíquica, mas a consciência de que tudo isto pode e deve ser tratado com diálogo e sem mecanismos de fugas, como bebidas, drogas e festas, pode ajudar a uma outra cura além da pandemia, claro não é este o assunto do livro.

O livro As viagens de Marco Polo inspirou certamente as navegações e as explorações do Oriente na passagem do Renascimento para a Modernidade, escrito entre 1271 e 1295, conta as experiências deste jovem na corta de Kublai Khan, porém a viagem é feita de lutas e desafios (veja ilustração da obra original acima) e as viagens de grandes navegadores vieram nos anos seguintes, há uma travessia a ser feita hoje.

Lembro também a frase de Augusto Cury na qual diz que só é digno do oásis aquele que consegue atravessar o próprio deserto.

 

A escatologia e o Natal

27 nov

Como síntese ontológica da escatologia que desenvolvemos esta semana neste blog, retomamos Heidegger em seus três conceitos ditos aqui escatológicos.

Cuidado, Heidegger se apropriou da fábula grega na qual Júpiter e Cuidado que está dando forma a argila brigam pelo nome que será dado a figura criada, e chamado Saturno como juiz ele diz que a Júpiter pertencerá o espírito pois foi ele que o deu a forma, enquanto Cuidado terá a terra, já que a formou, e ao Cuidado pertencerá a forma da argila que ele criou, assim cuidar no momento presente.

Impessoalidade é aquela na qual ela rompe a relação com o mundo, e torna o indivíduo isolado, “fora das relações de familiaridade com o mundo” e assim quase sempre na ausência do outro. ela rompe esta relação, e faz o indivíduo isolado “cair fora das relações de familiaridade com o mundo” diz Heidegger.

Silêncio é aspecto final desta escatologia, é invocado quando o indivíduo já descobriu o si-mesmo, e volta ao mundo agora senhor de si próprio, assim é o retorno da paz e da relação harmoniosa com mundo, ainda que ele esteja em conflito, ou em uma de suas mortes.

O Natal não só não é comemorado por muitos cristãos de diversas seitas, embora curiosamente espera a nova vinda, que é a parusia e também ela é comemorada nas primeiras semanas do Natal, o tempo do advento, porém esta é a separação de que falamos do Ser da vida e o ser-para-a-morte.

Não estão desligados é nele que se desenvolve a morte, a ressurreição da vida e a nova vinda, ou um novo tempo, ou aquilo que acontece depois de uma pequena ou grande tragédia, penso que é verdade que vivemos um tempo assim, porém a escatologia que pretende negar a morte é ela própria a morte.

A necessidade urgente de mudanças na vida humana do planeta, no respeito ao próprio planeta, ao Outro que não é nosso espelho, não é da “nossa turma” é cada vez mais uma exigência de mudança, de morte de um sistema velho e o renascer numa nova perspectiva civilizatória.

E se esse tempo vier, esse fim escatológico qual é a recomendação bíblica para os que creem, é aquela que está em Marcos (Mc 13,33-34): “33“Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento. 34É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando”, assim mesmo que este tempo venha ou não “vigiai”.

Enquanto para o cristão deve significar uma eterna parusia, ou seja espera de um nova vinda, para os não cristãos deve ser estar atento a um novo tempo, a uma retomada de valores sociais, ecológicos e humanos que estão abandonados, em crise ou quase sucumbidos numa civilização em crise.  

Um Natal sem grandes festas e consumismos deverá ser um Natal mais próximo de seu sentido, o Natal do Cuidado, da Impessoalidade (o respeito ao Outro) e do Silêncio, é uma escatologia quase perfeita, pois ela seria se de fato pudéssemos sentir a volta de um verdadeiro tempo de salvação.

 

O infinito escatológico

26 nov

A transcendência como ideia do Infinito (não é a idealista) pode ser compreendida na filosofia de Lévinas como “A presença de um ser que não entra na esfera do Mesmo, presença que a excede, fixa seu ‘estatuto’de infinito, é assim que surgirá em Lévinas a ideia de Estrangeiro e ali ele numa escatologia própria.

O termo Estrangeiro é próprio da tradição bíblica da qual se alimenta Emmanuel Lévinas, tal como muitos se alimentam da mitologia grega, ela é presente na quatríade do profeta Isaías, profeta como no modo dos celebrados poetas gregos Homero e Hesíodo, é curioso porque pode-se a parte de Lévinas ver uma convergência entre a cultura helênica e semita, ao contrário de toda fúria contra a cultura judaico-cristã.

A quatríade é a seguinte: o pobre (que não tem recursos econômicos), a viúva (que não tem marido que a sustente), o órfão (que não tem abrigo que o recolha), o estrangeiro (que não tem pátria onde pisar). eles são a síntese do que hoje chamamos e excluídos no tempo bíblico, e podemos ver numa nova escatologia “filosófica” de Lévinas a ideia de um “fim” escatológico não como final dos tempos, mas o fim da pobreza, do desamparo feminino (hoje é mais grave o feminicídio), os órgãos das guerras e os estrangeiros que andam pelo mundo e que Bauman chega a ironizar (pasmem) e então um apocalipse novo.

É assim que o infinito e o ser-para-a-morte podem também ter uma interpretação escatológica, sem qualquer preconceito ou presunção ao sentido religioso que poderá sim em algum momento ocorrer, e do qual o planeta não está isento, afinal um fim escatológico presente em muitas religiões não cristãs é o que a própria terra (a mãe-terra) se rebela, novamente uma convergência com as profecias bíblicas.

A grande razão pela qual esta ideia foi quase abolida na modernidade, já Leibniz a reclamava está dita por Lévinas: “Minha vida e a história não formam totalidade. O comum que permite falar de sociedade objetivada, e pelo qual o homem se assemelha a coisa e se individualiza como coisa, não é primeiro” (em Ética e Infinito), e Lévinas vai definir este processo como “infinição” (talvez melhor tradução seria infinitação, mas não traduziram assim), uma inversão da subjetividade moderna, porque o sujeito subjetiva-se se sujeitando a Outrem, e assim vive sua escatologia “em processo” pessoal, sujeita ao Infinito.

Na escala social é o estrangeiro, o pobre e o que sofre algum tipo de preconceito (o racista, por exemplo, mas há outros inclusive os religiosos) e com isto é que caminhamos para uma autentico fim escatológico, um apocalipse do mundo atual já sem freio e sem uma direção segura para toda a humanidade.