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Os críticos de Hegel
Considero a mais importante aquela surgida a partir de Husserl, que tem raízes em Franz Brentano, porque daí surgiu grande parte do existencialismo, e três dos mais importantes pensadores contemporâneos: Heidegger, Paul Ricouer e Emmanuel Lévinas, há ainda Karl Popper, uma crítica a parte, que ficará para o próximo post.
Os primeiros críticos ferozes de Hegel são Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzche, ambos tiveram uma importante influência do transcendentalismo americano de Ralph Waldo Emerson (1803-1882), e embora ambos tivessem também a influência de leituras orientais, é através desta influencia que pode-se explicar o subjetivismo transcendentalista de ambos, ou dito de outra forma, não tem rompido totalmente com o centro egóico da cultura ocidental onde o eu é de onde parte a filosofia, ambos farão discursos sobre a questão da “vontade”.
Karl Marx não é exatamente um opositor, parte do sistema Hegeliano de crença no Estado, e neste de certa forma em um tipo de “deus”, por exemplo, com a filosofia da história, ele faz o que ele próprio definia como um Hegel de cabeça para baixo, não um sistema do céu para a terra, mas da terra para o céu, mas qual foi paraíso celeste de Marx? Uma sociedade sem classes, o socialismo real revelou que acabamos construímos novas “castas” no poder.
Retornemos a Edmund Husserl (1859-1938), em trabalho da maturidade A crise das ciências europeias (1936), ele escreveu: “nossas reflexões críticas sobre Kant já nos tornou claro o perigo de conclusões impressionantes, mas ainda obscuras ou, se se quiser, a iluminação de conclusões puras na forma de vagas antecipações … e isso também tornou compreensível o modo como ele foi forçado em direção a uma construção conceitual mítica e uma metafísica perigosamente hostil a toda a ciência autêntica.”
Ele defendeu uma essencialismo, é famosa sua frase “voltar as coisas por elas mesmas”, mas é sua crença no modelo fenomenológico que cria bases para uma ciência autêntica, religada ao ser (o existencialismo viria com Heidegger, seu aluno que o sucedeu na academia) num novo transcendentalismo, assim explicado: “Nós mesmos seremos dirigidos a uma transformação interna pela qual ficaremos frente a frente – em experiência direta com – a dimensão há muito sentida mas constantemente ocultada do ´transcendental´. A base da experiência, revelada em sua infinidade, tornar-se-á então o solo fértil de uma filosofia de trabalho metódico, com a auto-evidência, além disso, de que todos os concebíveis problemas filosóficos e científicos do passado estão destinados a serem apresentados e resolvidos a partir desta base”, em sua obra magna “A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental” (1936).
Hegel: o ápice do idealismo
Georg Wilhelm Friedrich Hegel(1770-1831) pode ser considerado o ápice do idealismo mesmo para leitura divergentes, e para outros o máximo desenvolvimento da modernidade em seus três grandes projetos: o idealismo “puro”, o cientificismo e o estado democrático de direito.
Suas três grandes obras, os escritos de juventude e a formação cristão luterana também são importantes, Fenomenologia do espírito (ou da mente, já explico) de 1807), Ciência da lógica (1812-17) e Enciclopédia das ciências filosóficas (1817) (consideradas aqui como contíguas) e Princípios da filosofia do direito (1820), e é claro há vários outras obras.
Esclarecemos três equívocos o primeiro é sua filosofia do espírito, mas que pode ser considerada também da mente, a segunda é seu método que seria análise-síntese-antítese, o que foi escrito por um de seus comentaristas Heinrich Moritz Chalybäus (1762-1862), e no terceira é que sua historicidade é aquela da história numa dimensão temporal da existência humana, a da teoria da história que inclui fatos culturais e sócio-políticos.
Na filosofia do espírito a palavra em alemão Geistes (espírito) tem a raiz geist que indica mente, em inglês existem as duas versões, e alguns historiadores da filosofia (como Stephen Trombley) consideram que isto foi proposital de Hegel), pode-se explicar isto pelo fato que ao falar de espírito, dirá em Fenomenologia do Espírito: “A razão é o espírito quando a certeza de ser a realidade se eleva à verdade, e [quando] é consciente de si mesma como de seu mundo e do mundo como de si mesma”.
O tema da consciência é importante e será ele que guiará Hegel em suas obras sobre a lógica e as ciências filosóficas, não por acaso escreveu em Fenomenologia do Espírito sobre Ciência da experiência da consciência, assim como sua obra mais importante a filosofia do direito.
Nesta obra Hegel definirá eticidade como: “…a ideia da liberdade enquanto vivente bem, que na consciência de si tem o seu saber e o seu querer e que, pela ação desta consciência, tem a sua realidade”, vinculando a vontade subjetiva individual e a realidade.
São categorias essenciais para entender Hegel em-si, de-si e para-si se pode compreender melhor o que é de fato o conceito da moral hegeliana e sua relação com a pessoa, aqui não apenas por acaso chamado de indivíduo e sujeito, conceitos caros a todo o construto idealista.
Idealismo na idade da razão
O empirismo não foi criado por David Hume, mas por John Locke, entretanto será Immanuel Kant que inspirado em Hume, que dirá “ousar saber”, buscando uma sabedoria, numa visão dos iluministas longe das crenças e superstições, dirá Kant:
“Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude!” (Kant, 1783)
O período compreendido entre fins do século XVII e fins do século XVIII, conhecido como século das luzes, caracterizou-se pela crítica a toda e qualquer crença, pela crítica aos próprios instrumentos utilizados para a obtenção de conhecimento, e por considerar o conhecimento como algo que tem a finalidade de tornar a vida dos seres humanos melhor, tanto no campo individual, como na vida em sociedade.
Kant tentou reduzir a moral ao campo pessoal, que embora critique na Crítica da Razão Prática os perigos de uma sociedade exacerbadamente egóica de seu tempo, por ele como uma “mania do eu”, uma “patologia social”, que transforma a noção de respeito em um equívoco fundado no sentimento interno de cada indivíduo, estabelecerá para conciliar racionalismo com empirismo, que “Age como se a máxima da tua ação fosse para ser transformada, através da tua vontade, em uma lei universal da natureza.”, na sua Fundamentação da metafísica dos costumes.
Deste modo, sua razão é uma tentativa de superação da razão “pura” de Descartes, mas ainda permanecerá preso a ela, a razão kantiana não é o jeito de pensar de cada um, é algo necessário e universal, ou seja, todos serem são regidos por ela.
Pode-se dizer grosso modo que na filosofia idealista o princípio básico é que Eu sou Eu, num sentido mais próprio do idealismo, o Eu é objeto para mim (Eu), para que sua dicotomia básica que é a oposição entre sujeito e objeto permaneça como incidente no interior do próprio eu, uma vez que o próprio Eu é o objeto para o sujeito (Eu).
O idealismo em sua complexidade é possível fazer uma divisão grosseira em três partes: (1749) ‘sistema filosófico que aproxima do pensamento toda existência’, (1828) ‘concepção estética na qual se deve buscar a expressão do ideal acima do real’, (1863) ‘atitude que consiste em subordinar o pensamento e a conduta a um ideal’, que encontrará seu ápice em Hegel.
KANT, Immanuel. (1783) Textos seletos. Petrópolis: Vozes, 2005
KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa, Ed. 70, 1995
Empirismo é racionalismo ?
Seguindo nosso autor-guia Peter Kreeft, em seu imaginário diálogo de Sócrates com Hume, agora Sócrates perguntará sobre o método e o que é verdade para Hume, tentando mostra-lo como racionalista, ao Hume afirma que não o é, Sócrates responde:
“SÓCRATES: Em sua teoria epistemológica, sim, mas não em seu método. O teu método, assim como o deles, consiste em reduzir ou dados à explicação, o complexo ao simples, a rica variedade da experiência às simples fórmulas universais.
HUME: Mas esse é simplesmente um dos elementos do método científico.
SÓCRATES: E isto significa que deva ser um dos elementos do método filosófico ?
HUME: Não há nada de absolutamente verdadeiro, ou falso, com relação a um método … um método é apenas uma ferramenta, um meio prático no fim de se encontrar a verdade. O que deveríamos debater é a verdade.
SÓCRATES: Concordo. Mas não pode ser a verdade que o método científico não é mais adequado para o filósofo que um método não científico para um cientista?
HUME: E que método usarias para comparar o método científico a qualquer outro método?
SÓCRATES: Eu usaria o método universal da lógica.
HUME: É justo.
SÓCRATES: E digo que o reducionismo viola as leis da lógica.” (Kreeft, 2014, p. 34)
O reducionismo é a base do racionalismo e também do empirismo, isto é a simplificação da realidade em fórmulas e processos aparentemente explicados, mas que são complexos.
O tema é anterior a modernidade, no final da idade média, o nominalista inglês William Ockham criou o método: “entre duas explicações escolha a mais simples”, e por causa dele isto ficou conhecido como Navalha de Ockham.
Mais tarde veio o racionalismo
No capítulo O ponto de partida (continuando o livro de Peter Kreeft), Sócrates começa a dialogar com Hume, parte da premissa que há uma ruptura com a vida no pensamento do empirista e que no fundo é racionalista.
Explicando, é Descartes que funda o pensamento racional moderno com a ideia de que tudo pode ser explicado pela razão, mas há nela uma relação essencial com a física e o logicismo matemático, Hume tenta consertar isto colocando junto a experiência, mas seu empirismo não é exatamente a “vida” e Kant tentará mais tarde ainda conciliar os dois com seu idealismo.
Voltando ao roteiro de Peter Kreeft, que faz um hipotético diálogo de Sócrates com Hume, no ponto de partida, afirma Sócrates a Hume: “A tua divisão de Descartes entre a mente e o corpo: é definida e clara e é mais racionalista que experimental. Quase nenhum filósofo jamais apresentou tamanha lacuna entre sua filosofia e sua vida.” (Kreeft, 2014, pag. 31).
E iniciam o diálogo dizendo que Hume é ”um Racionalista disfarçado de Empirista”:
“HUME: Então, já que ainda não pretendes julgar minha filosofia, não pretendo julgar o teu julgamento … (segue)
SÓCRATES: … minha suspeita que és um Racionalista, a qual advém do outro ponto principal da primeira seção do seu livro … nos dizes o que pretendes realizar com tua filosofia
Mas não nos será lícito esperar que a filosofia, cultivada com esmero […], possa […] revelar, pelo menos até certo ponto, os móveis e princípios ocultos que impulsionam a mente humana em suas ações? Os astrônomos por muito tempo se contentaram em deduzir dos fenômenos visíveis os verdadeiros movimento, a ordem e a magnitude dos corpos celestes, … (segue) … [citando David Hume Investigações sobre o Entendimento Humano].
Aqui, para explicar o que a tua ciência das ideias pretende alcançar, fazer uma analogia com Newton: assim como ele reduziu os fenômenos complexos do comportamento de toda a matéria a uns princípios exploratórios, também reduzes … os fenômenos complexos de toda consciência a uns poucos princípios exploratórios. E isso também se parece mais com um ideal Racionalista do que um Empirista” (Kreeft, 2014, pags. 31 e 32).
Gotas de Filosofia: no início era Sócrates
Conhecemos Sócrates por Platão, isto é aparece nos diálogos da Platão e como
boa filosofia, é uma conversa na qual um raciocínio vai sendo engendrado em uma lógica como afirmava Leibniz: na qual uma verdade leva a outra, e assim alguém se contradiz ou é refutado no meio da conversa, enfim são diálogos.
Diálogos não são aforismas, máximas que ditas de maneira quase dogmáticas podem parecer verdades, mas não são pela falta de diálogo, no dizer da filosofia de hoje, sem a presença do Outro, mas apenas a presença do Mesmo, monólogos por vezes autorreferentes ou sistêmicos, conforme o Paradoxo de Gödel: nenhuma teoria axiomática (lógica) é completa.
O debate entre Sócrates e Hume, embora um hipotético encontro na eternidade é importante, porque o empirismo foi a última grande corrente do pensamento científico, emprestada ao Círculo de Viena, que tentou reconceitualizar o empirismo e demonstrar as falsidades da metafísica.
Foi Peter Kreeft (2014) que escreveu “Sócrates encontra Hume: O pai da Filosofia interroga o pai do Ceticismo Moderno”, que humildemente escreve em sua introdução: “acredito não ter violado a integridade da filosofia de Hume” (Kreeft, 2014, p. 12) e depois: “Este não é um trabalho acadêmico” (idem), ao que diria: melhor assim.
Após uma apresentação inicial, em que Hume se diz como um cético e Sócrates não, mas se encontram como censurados pela academia, e fazem um diálogo sobre critica a ideias.
Destaco inicialmente, sobre esta questão da crítica que Sócrates diz ser importante ao ensino.
“SÓCRATES: Portanto, não reclamarás de estar sujeito ao mesmo tipo de crítica.
HUME: Não tenho nada a temer. Não sou um desses construtores de sistemas dogmáticos, como aqueles Racionalistas, Descartes, Espinoza e Leibniz.
SÓCRATES: Isso ainda veremos.” (Kreeft, 2014 pag. 17)
KREEFT, Peter. Sócrates encontra Hume: O pai da Filosofia interroga o pai do Ceticismo Moderno, Campinas: CEDET, 2014.
Ainda coalizão: o diálogo como cinismo
Quando se esperava um governo de “notáveis” que pudesse redirecionar a política nacional, assistimos a uma continuidade onde até mesmo alguns ministros que ontem eram do governo anterior, e agora serão ministro de Temer.
Um dos grandes nomes da filosofia contemporânea, Peter Sloterdijk (1947) divide em duas cenas a filosofia do ocidente, aplicáveis aos fatos do Brasil de hoje: cinismo descrito em seu profundo e de difícil leitura Crítica da Razão Cínica (1983) e ira em um livro mais recente Ira e Tempo (2006), lançado recentemente no brasil pela Estação Liberdade, e já está no prelo na mesma editora três volumes de Esferas, considerada já sua obra magna.
O cinismo onde recupera o seu sentido antigo (kynismos) e sua troca para um sentido moderno, que significa uma “troca de lado”, que aplicável ao momento atual no cenário brasileiro significa uma lógica “dos senhores”, que ele divide em 4 seções: fisionômica, fenomenológica, lógica e história, que desvela como construiu-se o pensamento moderno.
Usando a literatura que vai de Fausto a Heidegger, sua análise fenomenológica fecha com a anatomia do República de Weimar, raiz para ele dos “totalitarismo” ao menos do ocidente.
O cinismo é uma “divisão de consciência”, que confunde autonomia e alienação, em três formas bastante claras: a mentira, a ilusão e a ideologia. Foi assim, para o filósofo, que ideal do Esclarecimento estagnou-se numa crítica ideológica da sociedade, e com a qual fez seu pacto silencioso.
Com o problema universal, uma espécie de bolha do cinismo a única arma que nos teria restado seria a Ira, mas não é, há também um herói entre o inimigo e uma substância sutil fora do mundo (vale aqui lembrar o conceito de substância em Espinosa e Leibniz), fazendo uma curiosa transcendência da ira, para ele Deus, para nós um deus hegeliano.
Como esse deus-ira pode fazer uma interface divino-humana ? ele cria um conceito chamado thymos, uma espécie de conflito interior da consciência heroica que leva a violência.
Esta “revolução timótica”, leva-nos a investir em auto-estima, guerras coletivas de reconhecimento, e ideologia e pseudo-políticas sociais podem mobilizar estas iras.
PLT – Tecnologia para Literacia de Pessoas
Ao pé da letra, seria Tecnologia para “iniciação” de Pessoas (People-Literacy Technology, em inglês), o que daria em português TAP, mas não sei se vão adotar exatamente isto.
O certo é que pela primeira vez isto apareceu no famoso hipociclo de Gartner, iniciando a curva de expectativas.
Uma das coisas importantes de saber o ponto que uma determinada tecnologia está numa curva de hipoclico é entender o que significa exatamente “literacia” (ou aprendizagem) em determinada época conforme expectativa e a maturidade dentro daquela curva, por exemplo, até o início dos anos 1990 não significava nada a Web, os celulares eram grandes demais para o bolso, o Google só apareceu em 1998 e justamente neste período um sistema de metadados chamado Dublin Core estava aparecendo, até 2003 não havia o MySpace e o Youtube foi lançado somente dois anos depois disto.
Assim, ferramentas são criadas, desenvolvidas e trabalhadas conforme a época, em 1995 era básico trabalhar com processamento de texto e folhas de cálculo, mas hoje há ferramentas mais sofisticadas e planilhas já elaboradas onde basta você saber quais são os campos a serem preenchidos, os processadores de textos tem ferramentas de correção, de comentários personalizadas e até mesmo vocabulários próprios para determinados contextos.
Definir “literacia” ou aprendizagem digital significa agora, uma vez que entrou na curva de hipociclo de Gartner (no ano de 2015) algo designado como PLT (People-Literate Tecnology), o que significa uma definição mais rica e complexa sobre literacia, por exemplo, a Universidade do Colorado definiu colocando diversos tópicos a serem considerados nesta complexidade: Comunicar, Resolver problemas, Acessar, gerenciar, integrar, avaliar, projetar e criar informações para melhorar a aprendizagem em todas as áreas, e, finalmente, adquirir conhecimentos ao longo da vida e as habilidades do século 21.
Note-se que dois itens referem-se a Comunicação e Informação, um outro a resolver problemas e um quarto ao que significa adquirir conhecimentos no século 21.
Claro que “literacia” já é um termo recorrente no meio da cultura digital, mas agora trata-se de “tecnologia” de auxilio a literacia.
O Brasil redescoberto Grandes sertões: Veredas
O ano de 1956 o Brasil começa a se redemocratizar, e o mais importantes na literatura é um olhar inédito e inovador para o interior do país, 600 páginas de Guimarães Rosa, além de um experimentalismo linguístico do início do modernismo (voltaremos a ele),
O livro Grande Sertão: Veredas, tem algo de filosofia e mistério pois chega a “anunciar” a própria morte, fala da travessia simbólica do rio e do sertão de Riobaldo, um amor curioso e inexplicável por Diadorim, onde se confunde beleza e medo, há um ser e um não-ser, a convivência de verdade e mentira, parece haver um pacto entre linguagem e poesia.
Um ex-jagunço é o personagem narrador do livro, aqui já uma novidade porque deixa o personagem falar, Riobaldo conhecido pelas alcunhas Tatarana ou Urutu-Branco, e ele vai falando quase num discurso oral, sobre coisas populares, tais como:
– o diabo existe ou não … e vai dizendo (…) Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens, até nas crianças – eu digo. (…) E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento… Estrumes… O diabo na rua, no meio do redemunho… (Rosa, 2001, p. 26).
– vai fazendo um enredo sobre pessoas boas também: “O senhor ache e não ache. Tudo é e não é… Quase todo mais grave criminoso feroz, sempre é muito bom marido, bom filho, bom pai, e é bom amigo-de-seus-amigos! Sei desses. Só que tem os depois – e Deus, junto. Vi muitas nuvens” (Rosa, 2001, p. 27).
– mas vê pouca distância em tudo: “De sorte que carece de se escolher: ou a gente se tece de viver no safado comum, ou cuida de só religião só. Eu podia ser: padre sacerdote, se não chefe de jagunços; para outras coisas não fui parido.” (Rosa, 2001, p. 31).
– Mostra os paradoxos entre bem e mal: ”Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses homens! Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo.” (Rosa, 2001, p. 33).
– sua amizade e relação com Diadorim: “Diadorim e eu, nós dois. A gente dava passeios.Com assim, a gente se diferenciava dos outros – porque jagunço não é muito de conversa continuada nem de amizades estreitas: a bem eles se misturam e desmisturam, de acaso, mas cada um é feito um por si.” (Rosa, 2001, p. 45)
Atravessar o rio, ser e não-ser e estar sempre num amor desapegado, dia 18 de abril de 2016.
Estética imposta e ser no Brasil
A análise de Martim Vasques da Cunha é importante até que resolve abrir um discurso Kierkegaardiano em torno de três princípios, que não é exatamente o discurso do pensador dinamarquês, mas faz sentido: o belo, o bom e o verdadeiro.
Kierkegaard junto a Niestzche e Schopenhauer são sem dúvida uma ruptura com o discurso do “monismo da razão” termo usado por Cunha, mas que provavelmente de propósito quer colocar Espinoza e Leibniz de quem se pode falar de monismo, com Descartes e Kant estes sim elaboradores do racionalismo.
O importante é que Cunha ao afirmar que “no Brasil, a vida por meio de um ponto de vista meramente estético é o que caracteriza o comportamento de seu cidadão” (Cunha, 2015, p. 96) e mais a frente vai indicar “que o Belo não precisa do Bom nem muito menos do verdadeiro, e lhe interessa é a aparência, o disfarce, a dissimulação …” (idem).
Retoma um discurso de Viera de Mello, este sim correto: “na verdade é a compreensão do mundo como um palco que leva o brasileiro a uma exteriorização excessiva dos seus sentimentos, exteriorização que, muitas vezes, não é possível levar a efeito sem uma certa insinceridade. ” (apud Cunha, 2015, p. 77).
É verdade, mas devemos reconhecer que tomamos isto de certa forma “emprestado” dos negros e não dos europeus que vieram aqui, portanto o restante do discurso de Kieerkegaard vale para o europeu, próprio do discurso de Cunha e não da mistura brasileira.
A mistura de raças que fazem a mistura do brasileiro somada aos índios, contribuíram para uma dificuldade de identidade que exige do brasileiro esta exposição de exterioridade, desejo de dialogia, ao mesmo tempo em que mergulha na busca do bom e do justo (no sentido social mais amplo que se possa pensar), algo que fez Policarpo Quaresma escrever um requerimento “à Câmara dos Deputados do Governo Federal ao pedir que a língua oficial da nação fosse o tupi-guarani e não o português …” (apud Cunha, 2015, p. 85).
É preciso espaço e diálogo para que a expressão da brasilidade se desenvolva, ainda não sabemos quem somos, quando soubermos veremos que é uma bela e boa diversidade, cada qual com suas verdades culturais.