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Clareira e estar-no-mundo
Uma leitura superficial da ontologia é aquela que imagina o ser como pura contemplação ou o que é pior como condição humana intransponível, a leitura da Condição Humana de Hannah Arendt diz outra coisa: diz respeito às condições que o homem impõe a si mesmo para sobreviver, aquilo que pode suprir a existência do homem e que não está ligado só a sua materialidade.
Seu tutor e do qual sofreu grande influência, Martin Heidegger afirma que o ser-no-mundo é um ser em determinada situação temporal (por isto Ser e Tempo), mas que deve sim sempre estar aberto a tornar-se algo novo, dando a vida uma característica existencial, mas como segundo traço, não como essência como na ontologia materialista ou nihilista.
Ao sistematizar a condição humana em três aspectos: labor, trabalho e ação, Arendt separa cada um de uma forma particular: labor é ligado ao processo biológico da vida humana, trabalho é a atividade de transformar as coisas naturais em artificiais, por exemplo, retiramos a madeira da árvore para construir camas, armários, mesas, etc. e finalmente ação sintetiza nossas atividades sociais e elas refletem em ultima instância como concebemos esta vida.
Assim Hannah Arendt vai dividir a vida humana em Vita Contemplativa e Vida Activa, tema também explorado e sintetizado do ponto de vista das ideias filosóficas por Byung-Chul Han.
Tanto labor, trabalho e ação estão fundidos naquilo que se torna nossa Vida Activa, tratamos no post anterior dos critérios de eficiência e produtividade que esta vida atingiu na Modernidade e seu questionamento, porém a vida contemplativa é complementar a esta, só no raciocínio da antiguidade clássica e que a modernidade explorou, é que relevamos a vida contemplativa como algo desnecessário ou até mesmo fantasioso.
No raciocínio de Sócrates se o homem é apenas para comer, dormir, fazer sexo então ele não é um homem, mas um animal, de onde se tira o raciocínio raso de Aristóteles: o homem é um animal político ou social, não é isto que caracteriza o Zoé de Aristóteles, é o fato de ser só animal.
A clareira de Heidegger portanto não é a possibilidade do homem apenas encontrar o seu Ser, aquilo que é no mundo do ponto de vista existencial, é também encontrar a clareira e nela o ser novo, que vive na luz e não na escuridão, é a caverna de Platão agora sobre o olhar de uma nuvem escura que abala a humanidade na modernidade.
Assim a glória, a luz e a verdade só resplandecem dentro da contemplação, não apenas a dos grandes místicos e sábios, mas daqueles que humildemente se abrem para o novo, para a luz.
Unitas multiplex, redes e as bem-aventuranças
Entre os principais conceitos desenvolvidos por Edgar Morin estão o dasein cósmico (parecido ao Dasein heideggeriano mas expandido ao cósmico e semelhante ao Cristo Cósmico de Teilhard Chardin), a hominização e a identidade humana, que também se liga a antropolítica, porém um conceito fundamental e novo é o Unitas Multiplex.
Segundo Jean Ladriére, Unitas Multiplex é “um sistema é um objeto complexo, formado de distintos componentes unidos entre si por um certo número de relações”, e isto tanto combina com o conceito de redes sociais (não mídias) como de complexidade de Morin, e aqui vamos estabelecer um conjunto de relações com as virtudes bíblicas das bem-aventuranças.
Num sistema complexo um certo número de relações pode estar rompido, aquilo que nas redes sociais são chamados “buracos estruturais” (Burt, 1992), os laços fracos (Granovetter, 1973) e os mundos pequenos de Watts (Watts, 1993).
Um sistema representado como uma rede social é uma estrutura que liga os nós (forma um grafo matemático), geralmente cada destes nós são pessoas, e ligações entre nós, representando relações entre essas pessoas (GRANOVETTER, 1973).
Para Granovetter pontes são os links que possibilitam laços fracos, aqueles que estão na periferia da rede ou que são alcançados apenas por alguns nós.
Mas nem a teoria das redes e a do unitas multiplex estabelecem as virtudes que possibilitam maior contato entre este nós, e como todos estes nós podem ser alcançados, falar de empatia e laços de solidariedade é pouca coisa, as bem aventuranças bíblicas podem ajudar.
Jesus sobe a um monte e fala para uma multidão de pessoas, não só os discípulos mas todos que os que querem ouvi-lo (Mt 5,3-12):
“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. [os laços fracos]
Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. [os laços fortes]
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. [a empatia]
Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus!
Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim.
Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus” [manter a rede unida ao corpo místico ou ao “dasein cósmico”].
Parece heroico, ou utópico, mas se queremos uma Terra-Pátria de paz é uma boa receita.
BURT, R. S. The social structure of competition. In: NOHRIA, N.; ECCLES, R. G. Networks and organizations: structure, form and action. Boston: Harvard Business School, 1992.
GRANOVETTER, M. S. The strength of weak ties. American Journal of Sociology, Chicago, v. 78, n. 6, p. 1360-1380, May 1973.
WATTS, D. J.; Strogatz, S. H. “Collective dynamics of ‘small-world’ networks” (PDF), NATURE, Vol 393, 1998.
Missa sobre o mundo
O escrito de Teilhard Chardin completou 100 anos no dia 03 de setembro de 2023, finalizou no deserto de Ordos na Mongólia, iniciado o escrito em 1919 quando trabalhava de maqueiro na primeira guerra mundial, foi lembrado pelo papa que estava na Mongólia nesta data.
Durante anos os escritos de Teilhard Chardin estiveram proibidos, mas aos poucos foram removidos e foram sendo publicados revelando uma espiritualidade e uma visão de mundo atualizada e real, foi Chardin que popularizou a palavra Noosfera de Volodymyr Vernasky.
Lê-se nesta missa: “Senhor, já que uma vez ainda, não mais nas florestas da França, mas nas estepes da Ásia, não tenho pão, nem vinho, nem altar, eu me elevarei acima dos símbolos até à pura majestade do Real, e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, sobre o altar da terra inteira, o trabalho e o sofrimento do mundo”.
Chardin havia completado sua tese sobre paleontologia e estava na Mongólia para coletar fósseis quando finalizou a obra, já que estava ali sem condições de realizar uma missa convencional (na foto com Émile Licent, no deserto de Ordos, Mongólia).
Sua obra mais conhecida é “O fenômeno humano” polêmica porque desenvolve sua teologia dentro de uma concepção evolucionista o que enfureceu os teólogos da época e que ainda hoje é combatida em setores cristãos mais fundamentalistas, é bom lembrar que Jesus usou de parábolas para explicar coisas complexas e que as provas da existência do homem em períodos primitivos já é um fato e muitas alegorias bíblicas são claras, como as usadas no Apocalipse.
Na missa escrita por Chardin está o desejo de uma humanidade una, presa ao amor da encarnação e revisitada na Hóstia santa de cada missa: “Recebei, Senhor, esta Hóstia total que a Criação, movida pelo Vosso apelo, Vos apresenta na nova aurora. Este pão do nosso esforço não é, por si próprio, bem o sei, mais do que uma imensa desagregação. Este vinho da nossa dor não é ainda, por desgraça, mais do que uma bebida dissolvente. Mas, no fundo desta massa informe, Vós pusestes — tenho a certeza, porque o sinto — um desejo irresistível e santificador que nos faz gritar a todos, do ímpio ao fiel: «Senhor, fazei-nos um!» “.
O desejo de ver toda criação uma e ligada a vida e ao Amor é o desejo mais profundo do Criador.
CHARDIN, P.T. La Messe sur le Monde. (em português), 1923.
Mundos pequenos e círculos fechados
Pequenos grupos podem potencializar seus efeitos sobre uma rede, não apenas pela capacidade de influencia ou de coesão, mas pelo grau de conectividade entre os nós, que na linguagem técnica é chamada de clusterização, não tem nada a ver com círculos fechados, mas as poucas conexões são chamadas de Mundos Pequenos (Small Worlds).
Este modelo de Redes Sociais (vista como um modelo matemático de grafos e não apenas como mídias) observa um fenômeno curioso chamado Mundos Pequenos que foi proposto pela primeira vez por Duncan J. Watts e Steven Strogatz em artigo publicado na revista Nature de 1998, o modelo estabelece que numa rede há um grau de separação entre os pontos (nós da rede) chamado de seis graus de separação.
O livro de Albert L. Barabasi “A nova ciência dos networks”, que expandiu e corrigiu este modelo para escalas maiores chamado por isso de scale-free, está assim descrito na pg. 47 do livro:
““A surpreendente descoberta de Watts e Strogatz é que poucos links extras já são suficientes para reduzir drasticamente a separação média entre os nós … graças a extensas pontes … conectam nós no lado oposto do círculo …”.(Barabasi, 2009).
Assim isto não é o mesmo que círculos fechados, já que apesar de poucas ligações, é preciso que hajam pontes com nós no lado oposto ao do círculos, portanto é necessário esta “abertura”, conforme está citado para nós no lado oposto do círculo.
Isto explica como muitas culturas e informações se expandem ou se fecham de acordo com os tipos de conectividade que tem (a questão da clusterização, no gráfico p=0 até p=1) e devido a possibilidade mais ampla de informações hoje devido a tecnologia, os fatores se tornam mais psicopolíticos que geopolíticos.
Mas também é possível explicar as expansões de períodos anteriores que dependiam da mobilidade e da “abertura” dos círculos a outras culturas diferentes, o cristianismo por exemplo, o livro do Barabasi cita, dependeu da estratégia de Paulo de Tarso que foi falar aos “gentios” e aos povos que não tinham a cultura judaica, e de lá se expandiu em rede.
Mas eram um pequeno grupo (12 apóstolos e depois 72) porém que viajaram pelo mundo ocidental da época, também esta ideia de pequenos mundos continua presente no cristianismo até hoje, embora numerosos, os preceitos de Amor e Solidariedade nem sempre são observados, e isto o reduz a círculos fechados.
Sobre o futuro também está assim expresso na cultura cristã (Lc 12,31): “Não tenhais medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino”, logo em seguida é contada a parábola do administrador que os empregados não sabem a hora que vai chegar e devem agir sempre esperando o senhor chegar e os encontrar atentos, neste caso refere-se a tesouros verdadeiros que já tratamos em postagens anteriores.
O Ser, a Dor e a Páscoa
Este é um tempo que não aboliu a Dor, porque conforme desenvolvemos em posts anteriores ela é inerente a existência, porém a condenamos a opô-la ao Ser e a Felicidade, o filósofo Byung Chul Han escreveu: “Justo na sociedade paliativa hostil á dor, multiplicam-se dores silenciosas, apinhadas nas margens, que persistem em sua ausência de sentido, fala e imagem”. (HAN, 2021, p. 57).
Nada é mais paradoxal na pós-modernidade do que a Dor, imagina-se então a Cruz como símbolo de liberação e de vida, alguém poderia até dizer: o absurdo, porém Paulo Apóstolo adverte: “Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos procuram sabedoria; nós, entretanto, proclamamos a Cristo crucificado, que é motivo de escândalo para os judeus e loucura para os gentios.” (Coríntios, 1:23).
É nesta perspectiva que se explicam violências raciais, de diversas formas de exploração e daquilo que Byung Chul Han chama de “auto exploração”, não precisamos mais que outros nos explorem, nós o fazemos voluntariamente, incita-se a um cotidiano com a marca da contagem e não do Ser.
A Pandemia poderia ser ocasião para a dor solidária, mas foi mais um impulso para a exclusão, para o isolamento, para o fortalecimento das barreiras e das angústias individuais, que explodiram em crise de ansiedade, de diversas formas de ignorar a dor alheia, a ponto de negá-la totalmente.
Demorou, mas na batalha final contra a Pandemia cedemos a fatalidade, ao delírio de festas públicas fora do tempo, o desejo de extravasar e tentar ignorar a dor pelo êxtase das alegrias passageiras, segue um ciclo euforia e depressão.
O que aparece no horizonte deste delírio são guerras ainda mais infernais, desejos de dominação e de mais poder, ignoram-se vidas com justificativas quase sempre absurdas: era inevitável, não há como detê-los sem armas, etc. mais guerras, mais mortes, mais sofrimentos e quebra de mercados.
Ao que parece ignorando a Paixão divina, caminhamos a largos passos para uma “paixão” (de sofrimentos) civilizatória, humanitária e um abismo maior do que aquele que seria conviver e gerenciar as dores de uma civilização e uma pós-modernidade doentes e com horizonte sombrio.
Resta a esperança dos que creem na superação solidária de uma humanidade adormecida, de um centro civilizatório equilibrado que recupere não só o processo de hominização como também a sua solidariedade com a natureza e o universo que vivemos.
Esta é uma leitura possível para a Paixão Divina daquele que por amor suportou as dores humanas, só uma “passagem” pela Dor pode nos fazer entender uma nova humanidade possível.
HAN, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.
A complexidade e sua gênese
Ao penetrarmos na relação cada vez mais estudada homem-máquina, é preciso entender o que se teorizou até hoje sobre a natureza, o que significa formar um modelo para a natureza, e por sua vez, tornar coletivas e indivíduos humanos e não-humanos, compostos em uma cultura, ou em uma tradição, ou num âmbito mais geral o que está articulado e o que está só configurado.
Ou seja, o modelo pode estar sujeito ao erro ou fracasso conforme as áreas implantadas e podem ser determinados por eles, mas ao rearticulá-lo dentro de sua própria história de criação, não se fazendo a naturalização e sim a culturalização dos conceitos entendemos o modelo que temos a priri, e que nem sempre é a própria natureza.
Quem penetrou mais fundo nesta ideia, foi Edgar Morin e a partir daí concebeu o seu método e desenvolveu a complexidade, conceber a natureza se requer preservar, em última análise, a rede da qual ele emergiu conceitualmente e corrigir onde os conceitos estiveram separados, identificando uma rede.
Então trata-se de identificar a cultura que se desenvolveu em torno da natureza, Morin a coloca em minúscula para diferenciá-la da própria Natureza em maiúscula que é tudo aqui que foi dito e assim desenvolve-se o complexo, que significa aquilo que foi “tecido junto”.
O que então dizemos sobre a natureza é a cultura que foi se desenvolvendo em torno da ideia que poderíamos dominá-la, mas uma das máximas de Francis Bacon é que “não podemos dominá-la se não entendemos”, a moderna física quântica, a astrofísica moderna, mostraram o quão ingênuos eram os modelos de Newton, Galileu e Copérnico, mas eles foram tecidos juntos para chegar aos novos modelos hoje propostos.
Edgar Morin explica a “desordem da ordem” iniciando com duas citações para dizer que a ordem: “leis simplificadas inventadas pelos sábios” (Brillouin, 1959, p. 190), abstrações tomadas pelo concreto (Whitehead, 1926)” (MORIN, 1977, p. 76).
Ela agora segundo Morin está comprimida “entre o caos microfísico e a diáspora”, e importa saber como ela nasceu: “Como se desenvolveu a partir do zero? Como concebê-la apesar da, com a e na desordem? Como pode parecer-nos como única soberana do universo se agora é tão dificil de justificar a sua existência ? (idem).
Qual a gênese? “o conceito de ordem, na física clássica, era ptolemaico. Tal como no sistema de Ptolomeu, onde sóis e planetas giravam em torno da Terra, tudo girava em torno de uma ordem”. (MORIN, 1977, p. 82).
A revolução copernicana no entanto não foi a palavra final: “Hubble retirou-lhe todo o centro astral ou galáctico. E aqui está a grande revolução meta-copernicana e metanewtoniana, que caminhava subterraneamente de Carnot e Boltzmann a Planck, Bohr, Einstein e Hubble. Já não existe um centro do mundo, quer seja a Terra, o sol, a galáxia ou um grupo de galáxias” (idem)
E continua: .”Já não existe mais um eixo não equívoco do tempo, mas um duplo processo antagónico saído do mesmo e único processo. O universo é, portanto, simultaneamente policêntrico, acentrado, descentrado, disseminado, diasporizantes …” (ibidem).
MORIN, E. A natureza da NATUREZA. Lisboa PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA., 1977.
O platô da pandemia se mantém
Os dados observados na última semana de mortes pelo corona vírus, que são os dados confiáveis, já que a curva de infectados depende da testagem, que é feita por empresas e ainda é baixa, indicam que o platô se mantém e a pandemia se interioriza no Brasil (veja gráfico), já salientamos a importância de fazer o logaritmo para visualizar melhor a inclinação da curva que é exponencial.
Qual seria a política para este momento é continuar mantendo o isolamento social, higiene e hábitos de distanciamento social, além das precauções em relação as políticas municipais.
Qualquer perspectiva de um pico, aos menos os dados indicam, parece sem sentido, o número de infecções se mantém em torno de mil mortes diárias, e um #lockdown não é mais viável, pois o vírus já se espalhou e um isolamento regional não significa o controle da pandemia.
Vamos navegar por incertezas, já cansados de um longo período de isolamento e com uma política de abre e fecha que não tem muito resultado efetivo, a não ser o de conter um contágio maior, sem significar qualquer resultado efetivo de controle da pandemia no plano nacional.
Os custos econômicos que seriam grandes no caso de um período de #lockdown, agora serão maiores porque tanto o comércio como os serviços que precisam efetivamente de contato presencial não se justificaria mantê-los desativados, e poucos serviços são não essenciais.
O plano é continuar por prazo indeterminado o chamado “isolamento social”, cujo nome mais certo no caso brasileiro já dissemos, é “distanciamento social” que é compatível com alguns serviços abertos.
O essencial é, portanto, manter os cuidados pessoais e torcer para que a curva caia “naturalmente”.
Não é uma crise só do pensamento
A crise pode parecer algo intelectual demais, o pensamento estaria distante da realidade concreta da ciência, e assim da vida comum, porém sua extensão atinge a ciência cotidiana da estatística à medicina, da bibliometria à biologia e isto pode afetar a confiança na ciência e no campo espiritual há uma abertura imensa ao charlatanismo e a manipulação da boa fé.
Essa crítica questionou, por exemplo, a dicotomia fatos-valores, enfatizando a construção social dos fatos, e pode ser rastreada voltando às obras de filósofos como Friedrich Nietzsche e Edmund Husserl, com sua rejeição à ciência como substituto metafísica. Stephen Toulmin foi bastante articulado em sua crítica à ideia cartesiana de racionalidade (2001), enquanto a essência do método científico tem sido objeto de escritos (e disputas) de autores como Karl Popper, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Imre Lakatos.
A essência do método científico tem sido objeto de escritos (e disputas) de autores como Karl Popper, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Imre Lakatos, o eco destas disputas chegam ao mundo da física como o debate sobre a teorias das cordas e sua realidade física.
Uma literatura interessante sobre a crise atual foi o trabalho de Derek de Solla Price “Little Science, Big Science” de 1963, ele afirma que há um ponto de saturação e senilidade, que foi resultado do próprio crescimento exponencial que experimentou no século XX.
Outro trabalho mais também interessante é o livro de Jerome Ravetz “Conhecimento científico e seus problemas sociais”, que oferece uma crítica aos mitos da objetividade (é nosso principal objeto deste blog), e que se pergunta sobre a solução de problemas práticos, ou seja, sociais.
Em um trabalho recente ele argumentou recentemente Ravetz (2016) que “Aplicar uma metodologia” científica” às tarefas de governança da ciência leva diretamente à corrupção, pois qualquer sistema pode estar em jogo “, em outro artigo, Ravetz (2011) define a questão em termos do “amadurecimento das contradições estruturais da sociedade europeia moderna”.
A pandemia mostrou a ineficiência tanto da área médica onde “especialistas” defendem medicamentos que não tem eficácia comprovado e geram problemas colaterais, como a hidroxicloroquina e outros (segundo o caderno Saúde da veja são testados 69 medicamentos: 18 são anticâncer, 14 imunossupressores, 13 anti-hipertensivos, 12 antiparasitários e 12 anti-inflamatórios) e também o tratamento estatístico escondem os verdadeiros resultados, como são as análises da evolução da pandemia no Brasil.
Referências:
DE SOLLA PRICE, D. J. Little science big science. Columbia University Press, 1963.
RAVETZ, J. R. Scientific knowledge and its social problems. Oxford University Press, 1971.
RAVETZ, J. Faith and reason in the mathematics of the credit crunch. The Oxford Magazine. Eight Week, Michaelmas term 14–16, Disponível em: http://www. pantaneto.co.uk/issue35/ravetz.htm, 2008, Acesso: 2020.
RAVETZ, J. R. Postnormal Science and the maturing of the structural contradictions of modern European science. Futures, 43, 142–148, 2011.
RAVETZ, J. R. How should we treat science’s growing pains? The Guardian 8 June 2016.
TOULMIN, S. Os usos do argumento. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
O desenvolvimento da ciência e a crise epistêmica
Diversas ideias e notícias se espalham entre os povos e se tornam dogmas e lendas desde a origem da humanidade, porém foi a organização do conhecimento que organizou a episteme, o mundo da doxa, a mera opinião continuou.
A primeira grande questão cientifica levantada por Boécio no século VII, era se existem ou não categorias universais ou apenas particulares, esta questão deu origem a uma disputa entre nominalistas como Duns Scotto e William Ockham que defendiam que os “nomes” eram universais, e realistas como Tomás de Aquino, que diziam o real sê=lo.
Roger Bacon (1220-1292) defendeu a experimentação como fonte de conhecimento, e junto a Duns Scotto e William de Ockham criam a base empirista do pensamento, e assim o conhecimento não depende apenas da fé, mas também os nossos sentidos.
Com sua operação filosófica denominada “dúvida metódica”, René Descartes acabou instituindo um paradigma filosófico que foi identificado como pragmatismo conceitual, e John Locke, representante da corrente empirista, e René Descartes, fundador do método cartesiano, convergiam em suas teorias ao afirmarem que o conhecimento válido provém da experiência e dos sentidos, pois são inatos à alma.
O idealismo de Kant vai criar 12 categorias separados em 4 grupos, o da Quantidade (Unidade, Pluralidade e totalidade), a Qualidade (Realidade, Negação e Limitação), a relação (Substância, Causalidade e Comunidade), a Modalidade (Possibilidade, Existência e Necessidade), e nelas os fenômenos preenchem as formas vazias.
Assim os fenômenos só podem ser pensados dentro das categorias, diferentemente da fenomenologia que dirige a consciência a coisa em si, ou seja, retorna-se aos entes, e isto abrirá uma nova possibilidade para a metafísica.
Apesar de fortes sinais de uma crise no pensamento, a matemática se modifica com o surgimento das geometrias não euclidianas, a quarta dimensão, a física com o princípio da incerteza de onde vieram a teoria da relatividade e a física quântica, os paradoxos lógicos apresentados no Círculo de Viena e principalmente uma crise no pensamento humanista, mostraram um início de século XX em crise, mas não evitou-se duas guerras e a guerra fria.
A queda do muro de Berlim um aparente fim da luta ideológica deu origem a novas crises agora no mundo da cultura, a guerra do Irã, do Afeganistão e a permanente em muitos países árabes mostraram agora uma tensão oriente x ocidente.
A pandemia deveria solidarizar os povos, na verdade criou uma polarização ideológica mais grave, o perigo de regimes totalitários emergirem com maior força, é preciso ter esperança e lutar por um mundo mais solidário e um humanismo digno do nome.