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Arquivo para a ‘Método e Verdade Científica’ Categoria

Uma epistemologia e escatologia incompletas

22 nov

Aquilo que a fenomenologia e a filosofia ontológica procura está no centro da crise científica e do pensamento que vive o ocidente, e cujo epicentro é europeu, no dizer iluminado de Peter Sloterdijk a Europa se recente de não ser mais o centro como no período colonial (chama-a de Império do Centro) e procura outras formas de colonialismo para levar o idealismo avante, aquilo que na literatura tem-se chamado de epistemicídio.

Ao negar as culturas originárias de outros povos, pensa estar encontrando a própria difusa entre o barbarismo e a antiguidade clássica, tenta um novo renascentismo explorando de maneira difusa a cultura grega clássica.

No plano religioso o desastre é maior, Slavov Zizek escreveu recentemente sobre o conceito religioso em Hegel, e este último dos pensadores que tentar reavivar o marxismo clássico, reelaborou a religião hegeliana, mas que já era presente em Feuerbach e o próprio Marx criticou, no fundo é uma teologia atéia, uma escatologia morta.

Morta porque este é na verdade o grande equívoco da escatologia idealista, não há transcendente para ela sem a separação de sujeito e objeto, precisa negar a substancialidade para afirmar sua “subjetividade” onde o sujeito precisa sempre estar morto, nega o ser-para-a-morte mote de Heidegger, mas afirma a morte em vida (e isto não é o epoché fenomenológico).

Toda forma de cultura originária, é obvio que inclui aquelas culturas não-cristãs, tem uma origem (o próprio nome o diz), a vida e o fim escatológico, que não é para onde se caminha, e neste ponto esta teologia incompleta tergiversa sobre o que de fato é a morte, em tempos de pandemia poder-se-ia dizer que a doença que pode matar, e aqui é idêntica aos negacionistas.

Por isto mesmo que apele para a fenomenologia será incompleta, levará os que as incorporam a exaustão, ao desprezo pela vida, que até mesmo no sentido religioso é algo profundamente sagrado, sua “biós”, sua substancialidade, para ser claro para os idealistas, sua objetividade, caem no abstracionismo teórico.

A única substancialidade desta escatologia incompleta é negar a religião para torna-la idealista e pedir o que é desumano, aquilo que em termos bíblicos chama de “colocam fardos pesados nos ombros dos outros” e que eles próprios se recusam a carregar, em tempos de pandemia nem entram e nem deixam os outros entrarem.

O exame final será substancial: “eu tive fome e me destes de comer, eu tive sede e me deste de beber …” e não será questionado se elaborou uma boa epistemologia ou teologia, aquela que fez do colonialismo o terror das culturas originárias.

 

Crise civilizatória e morte

05 nov

Retomando o pensamento de Pablo Picasso que o pior perda da vida não é morrer, mas morrer enquanto vivemos é a que melhor explica o estado civilizatório, mesmo os que devem a fraternidade, o diálogo, o planeta como casa comum parecem sem esperança e por isso cansados, não aquele da Sociedade do Cansaço que é parte uma crise, mas aquele de quem deixou de encontrar o que une, o positivo e o verdadeiro na vida.

Dir-se da pós-verdade, o sofisma é pré-socrático, e a mentira pública também já foi veiculada por jornais e meios televisivos, conforme o lado político que tomam, no fundo todos acabam concordando que se não está do lado politicamente correto, não é verdade, então ficamos no relativismo e no dualismo, mesmo aos que pregam contra, Edgar Morin tem razão é uma crise do pensamento, e Peter Sloterdijk também “não é um tempo favorável ao pensamento”, é mais fácil tomar um lado, embora hajam erros e acertos em vários lados, porque não são apenas dois.

Vi no Instagram que dois vídeos muito populares são de uma jovem artista que faz fantoches com esqueletos, pássaros e figuras fúnebres e outro de uma menina cujo cabelo foi decorado como um cemitério (figura acima), é uma triste realidade os pós-góticos parecem dominar a fantasia juvenil.

Em reportagem a BBC do dia 31 de outubro, o banqueiro dos pobres Muhammad Yunus declarou: “Precisamos redesenhar o sistema garantindo uma nova economia de três zeros: zero pobreza, zero desemprego e zero emissões líquidas de carbono. E sabemos como fazer. O problema é que somos muito preguiçosos e estamos muito confortáveis ​​no sistema que temos, não queremos sair da nossa zona de conforto”, é um novo pensar pode não dar certo, mas sem dúvida as pessoas, os pobres e o planeta precisa de respostas, as velhas criam mais polarização e equívocos, além de pós-verdades, neste caso com um novo sentido, do ponto de vista ideológico elas foram verdades um dia, hoje são pós-verdadeiras.

Há situações e penso que o próprio planeta poderá reagir, uma reação aórgica, o inorgânico sobre o orgânico, afinal viemos do pó, de alguma reação química e com certeza se não mudarmos a rota iremos voltar ao pó, não aquela fatalidade da vida, a morte pessoal física, mas o morrer em vida.

A pergunta que fica é se esta reação do inorgânico planeta poderia mudar algo no orgânico humano, a sua mente, o seu ser, para algo melhor.

 

Aflição e angústia

29 out

Os que leram atentos O Ser e o tempo, sabem que uma das respostas importantes de Heidegger é o aquilo que deve ser lido em Kierkgaard e que está ligado a raiz filosófica de seu pensamento, e isto está ligado a angústia e discorremos aqui o que a diferencia da aflição que é a angústia pessoal e ligada ao problema do mal.

É, pois, o próprio Heidegger quem Kierkegaard separando-o em ensinamentos ditos “edificantes” que seriam mais importantes do que os “teóricos”, exceto em um caso que é o da angústia, em seu tratado O conceito de angústia, e que o filósofo da floresta faz questão de dizer que “do ponto de vista ontológico” permanece ainda “inteiramente tributário de Hegel e da filosofia antiga vista através deste”. (HEIDEGGER, 2012, p. 651, n. 6).

O que Heidegger viu neste livro de 1844, cuja autoria é atribuída a Vigilius Haufniensis, pseudônimo kierkegaardiano que se traduz como “Vigia de Copenhague”, já que Kierkegaard era dinamarquês e sua primeira intenção é retornar a sabedoria socrática, que para ele se conjugava entre o saber contemplativo (theoría) com o saber prático (phrónesis), a maneira da antiguidade grega.

Apesar dele ter chamado Sócrates de “filósofo prático, justamente queria centrar o penso da “angústia” na vivência do que era refletido pela alma e isto significou uma aproximação da psicologia, era “a doutrina do espírito subjetivo” (Kierkegaard, 2010, p. 25), era um dos ramos da Filosofia, e de uma filosofia realmente dialética no sentido grego-socrático já que a filosofia moderna se fixou no dualismo kantiano tese x antítese com uma improvável síntese

O filósofo usa a expressão “pecado hereditário”, usada pelo autor ao longo da obra, mas como aquela que correspondo o que os teólogos, por ele chamados de “dogmáticos”, denominam como de pecado original, nomenclatura a parte, é o aspecto que aproxima o seu tema da angústia daquela aflição “de alma”, que pode ter o contorno filosófico e psicológico, mas que é no fundo aquela aflição de quem se sente fora de um centro, de uma perspectiva clara de superação da angústia.

Nela não há o sentido portanto de pecado original, nem da noção de pecado, mas se confunde como tal como a sua possibilidade enquanto ideia, ou seja, uma categoria conceitual capaz de nos ajudar a pensar sobre algum mal praticado, e o que levaria a este “mal” é o conceito de liberdade para muitos pensadores.

O que conduz o existir a um modo singular, a um modo de agir de tal forma ? É aí que as noções de liberdade e de angústia emergem enquanto “conceitos” convergem para esta “angústia”, mas sem ter um locus, nem na Estética, nem na Metafísica e sequer na Psicologia, assim o autor não o diz, mas há algo de aflito e de trágico neste caminhar nesta “angústia”.

Paul Ricoeur refletindo sobre estas expressões de Kierkegaard, estabelece que o mal é “o que há de mais oposto ao sistema”, justamente porque é absurdo e escandaloso, irracional e incompreensível, situado à margem da moral e da razão, lembra Ricoeur (1996, p. 16), referindo-se às reflexões kierkegaardianas, o mal é “o que há de mais oposto ao sistema”, justamente porque é absurdo e escandaloso, irracional e incompreensível, situado à margem da moral e da razão.

Ricoeur diferencia assim o mal estrutural (já fizemos um post), ligado a angústia e o pecado e o livre-arbítrio ligado a decisões pessoais perante a angústia.

O ponto que considero essencial no pensamento de Kierkegaard sobre este aspecto existencial é que “só o que atravessou a angústia da possibilidade, só este está plenamente formado para não se angustiar, não porque se esquive dos horrores da vida, mas porque esses sempre ficam fracos em comparação com os da possibilidade” (Kierkegaard, 2010, p. 165-166), é aqui que a aflição pode encontrar o seu oposto e podemos entender que há uma fonte de consolo nela.

Assim angústia e aflição não são propriamente maldições ou estados pecaminosos ou doenças da “alma” ou dos pensamentos, são fases de ruptura ou transição para outras fases mais maduras quanto esta etapa envolve reflexão e superação.

 

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Campinas: Editora da Unicamp, 2012. (Multilíngues de Filosofia Unicamp). JOLIVET, Régis. As doutrinas existencialistas: de Kierkegaard a Sartre. Porto: Tavares Martins, 1957.

KIERKEGAARD, Sören. O conceito de angústia: uma simples reflexão psicológico-demonstrativa direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário de Vigilius Haufniensis. Tradução e notas Álvaro Luiz Montenegro Valls. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

 

As vacinas estão na fase de testes

26 out

Todas as vacinas estão na fase de testes, apenas a vacina russa com seu mega imperador Putin aprovou vacinas, mas ninguém confia nelas.

O grupo americano de biotecnologia Moderna, um dos que estão conduzindo testes na fase 3 nos Estados Unidos prometendo resultados para dezembro foi solicitado em setembro dar mais transparência em seus relatórios, quase sempre entregues ao governo em caráter “confidencial” revela as pressões sobre o FDA (Agência americana de Medicamentos) pois a eleição está próxima e poderia favorecer o governo, mas a própria empresa não acredita em prazos curtos.

Outro laboratório a Pfizer, uma das vacinas mais promissoras rendeu polêmicas esta semana devido a infecção e morte de uma das pessoas recrutadas para testes, um voluntário brasileiro que faleceu, mas segundo o site Bloomberg o rapaz estava no grupo dos placebos dos testes e não recebeu a dose ativa da vacina.

Esclarecendo os testes são chamados de duplo cego, isto é nem os médicos nem os pacientes sabem que versão foi aplicada, é aplicado em alguns um placebo e em outros a própria vacina, sendo esta uma das formas mais confiáveis de testagem, somente em casos como este da morte de um voluntário a dose é revelada.

A polêmica da vacina chinesa, que ainda está sem aprovação e com prazo para outubro de 2021, teve uma crescente politização da vacina como já alertamos no post da semana passada, mais uma polarização social agora neste assunto, que deveria ser uma preocupação de todos independentemente da ideologia.

O problema da obrigatoriedade da vacina deve ser tratado de forma democrática, e a polêmica não ajuda o consenso público que neste caso já é improvável, é de se lamentar a politização do tema, a judicialização é ainda mais lamentável, lembro o caso dos drogados cuja internação involuntária não foi aprovada.

A fase de testes, segundo especialistas e a própria OMS, deve se prolongar ainda por 2021, qualquer antecipação prematura da vacina será tão grave quanto a própria pandemia, e o resultado pode ser desastroso e sujeito a processos judiciais.

Esperamos que a vacina venha, que seja um consenso mundial a sua validade, que a politização do tema diminua e que possamos sair menos polarizados da pandemia, é um tema altruísta, mas precisamos ter esperança de uma humanidade melhor, senão tanto sofrimento num ano desastroso de nada valeu.

 

O que faz o Amor ser amado

23 out

Hannah Arendt procurou em Agostinho de Hipona suas respostas para o Amor, trouxe grandes contribuições no campo filosófico para o tema, muito além da clássica divisão dos gregos: ágape, eros e filia; mas como observou a filosofa contemporânea Julia Kristeva não foi além do Agostinho filósofo, abordando também o teólogo.

Além da divisão inteligente da sua tese de doutorado: “O amor em Santo Agostinho”, a própria Arendt acentuou o caráter filosófico da obra do bispo de Hipona, ao ressaltar: “ele nunca perdeu completamente o impulso de questionamento filosófico” (Arendt, 1996), suas bases de Cícero, Platão e Plotino são perceptíveis em sua obra.

A escolha de Arendt por dividir sua dissertação em três partes se deve a uma vontade de fazer justiça a pensamentos e teorias agostinianas que correm em paralelo. Assim cada parte “servirá para mostrar três contextos conceituais nos quais o problema do amor tem papel decisivo.”

Também ela percebe a importância do Amor Caritas, mas como o vê não é teológico, mas apenas dentro das possibilidades humanas, Julia Kristeva ao falar do Amor vai além ao afirmar: “O amor é o tempo e o espaço em que ‘eu’ me dou o direito de ser extraordinário“, enquanto Arendt tem clareza que há diferença entre o Caritas e a Cupiditas, que ama o mundo, as coisas do mundo.

Mas a questão de Agostinho que deve ser respondida também pelos cristãos sé o que “amo quando amo o meu Deus?” (Confissões X, 7, 11 apud Arendt p. 25), a quinta essência do meu interior, é verdade como pensava Agostinho que encontro em mim o que me liga a eternidade, porém há além da quinta essência ou Outro fora, não apenas Deus, mas aquele Outro que passa ao meu lado, aquele cuja identidade está escondida no invólucro humano do Outro que tem Deus em si também. 

O que amo quando amo a Deus, é assim extensível ao Amor a humanidade, concreto em cada Outro que me relaciono, e está além da quinta essência do meu “Eu”.

Caritas é assim o extraordinário em mim, tanto Arendt, Kristeva e o próprio Agostinho estão certos em parte, porém o Deus que amo está agora presente também no Outro, que é além do meu espelho e além da minha quinta-essência interior.

Talvez a maior cilada feita para Jesus pelos fariseus esteja na pergunta, depois que Jesus havia calado os saduceus, estava na pergunta (Mt 22,36) “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?”, e Jesus responderá (Mt 22,37-39): Jesus respondeu: “‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’”, e conclui que esta é a síntese de toda Lei e dos profetas.

Hannah Arendt cita esta passagem, mas a sequência é clara amarás com todo coragem e toda alma, aspectos teológicos e depois com o entendimento, o filosófico.

Porém a pergunta atualizada é esta de Agostinho: “O que amo quando digo que amo a Deus?” e se na resposta é também “O próximo como a ti mesmo”, ou seja, com a sua quinta-essência interior dirigida ao Outro, significa que não posso dizer que amo de fato o Amor, que vem de Deus, se não é o Amor caritas.

ARENDT, Hannah. Love and Saint Augustine. Chicago: University of Chicago Press, 1996.

Figura: Texturas e acrílico sobre tela 100×120 cm | Janeiro, 2018. Galeria Eva-sas.

 

Ainda o amor em Santo Agostinho

22 out

O que fez Hannah Arendt chegar a conclusão que uma civilização do Amor não era possível, além de sua experiência pessoal como judia que não voltaria a sua “casa” em Israel, ainda tem que tivesse feito planos para isto, é a incompreensão do Caritas Agápico, o verdadeiro amor.

A filósofa Julia Kristeva divulgou um relatório reservado do orientador Karl Jaspers sobre sua orientanda Hannah Arendt, parecia-lhe que sua aluna que sua aluna na época “[…] estava apta a sublinhar o essencial, mas que ela, simplesmente, não reuniu tudo o que Agostinho disse sobre o amor. […] Alguns erros surgem nas citações. […] O método exerce alguma violência sobre o texto. […] A autora quer, através de um trabalho filosófico de ideias, justificar sua liberdade com relação às possibilidades cristãs, que, no entanto, a atraem. […] Não merece, infelizmente, a mais alta menção [cum laude]. Efetivamente, Arendt parece privilegiar, em Agostinho, o filósofo, em detrimento do teólogo.” (KRISTEVA, 2002, p. 41).

A filósofa Kristeva assinala o ponto essencial indo mais a fundo no pensamento de Agostinho, e questiona que tipo de amor o filósofo se referia e se existiria mais de um tipo de amor, além dos já conhecidos filia, ágape e Eros: “Numerosos termos declinam o conceito de amor em Agostinho: amor, desejo (com suas duas variantes, appetitus e libido), caridade, concupiscência, formando uma verdadeira ‘constelação do amor’ (…)”. (KRISTEVA, 2002, p. 42).

O que havia de revolucionário na forte mensagem cristã de Agostinho, além de sua capacidade intelectual e teológica, era a noção de libertação das leis antigas, o que alguns chamam incorretamente de legalismo (não se trata de leis “humanas”), centrando no amor a base da religião era possível superar a filiação anterior de Agostinho do dualismo maniqueísta, ao qual ainda boa parte da teologia e da filosofia estão presos, esta última porém mais ligada ao racional-idealismo atual.

Será impossível pensar em uma civilização que supere o ódio, a violência e a divisão dualista da sociedade sem haver caridade verdadeira, aquela que se estende a todos, aquela que admite a diversidade, e aquela que almeja a justiça, conforme pensava Agostinho: “onde não há caridade não pode haver justiça”, e assim o desejo maior de justiça deve ter como pressuposto a caridade, ainda que ela pareça altruísta demais, ou piegas, basta ver o que o ódio construiu senão guerras e violência.

O conjunto de volumes do “Gênio Feminino” de Julia Kristeva (1941- ) é analisar e prestar uma homenagem a três pensadoras do século XX, talvez a mais conhecida Hannah Arendt (1906-1975), Melanie Klein (1882-1960) e Colette (1873-1954).

Julia Kristeva é considerada uma estruturalista (ou pós), junto a Gérard Genette, Lévi Strauss, Jacques:Marie Lacan, Michel Foucault e Althusser, tem ainda um importante trabalho sobre semiótica Introdução à semanálise (2005), onde diz frases contundentes como: “todo texto se constrói como um mosaico de citações” (Kristeva, 2005, p. 68) e ainda: “O texto não denomina nem determina um exterior” (KRISTEVA, 2005, p. 12), afirmando assim que a literatura não dá conta do real.

 

KRISTEVA, Julia. O gênio feminino: a vida, a loucura e as palavras. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. Tradução de Lúcia Helena França Ferraz. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.

 

O que é política ?

13 out

A política tornou-se um imperativo absoluto, mesmo em tempos de pandemia em que a saúde e as questões sanitárias deveriam ocupar o topo das preocupações, elas não cedem, e a polarização já grave a alguns anos torna-se ainda mais dramática, polarizando até temas que deveriam ter unanimidade, como a saúde.

Hannah Arendt tem um ensaio instigante, publicado como obras póstumas, e organizadas e compiladas por Ursula Lutz, e datado de 1950, teve uma publicação no Brasil em 1998.

Preocupada com os dramas de seu tempo, duas guerras, parece apontar também para nosso cenário atual: “o sentido positivo da “coisa política” parte de duas experiências básicas de nosso século, que ofuscaram esse sentido e transformaram-no em seu oposto: o surgimento de sistemas totalitários na forma do nazismo e do comunismo, e o fato de que hoje em dia a política dispõe de meios técnicos, na forma da bomba atômica, para exterminar a Humanidade e, com ela, toda espécie de política”, descreveu o prefaciador Kurt Sontheimer,  da versão alemã de 1992.

Arendt no Fragmento 1, elabora sete pressupostos e discorre sobre eles: 1. A política baseia-se na pluralidade dos homens, 2. A política trata da convivência entre diferentes, 3. Quando se vê na família mais do que a participação, ou seja, a participação ativa na pluralidade, começa-se a bancar Deus, ou seja, a agir como se se pudesse sair, de modo natural, do princípio da diversidade. Ao invés de se gerar um homem, tenta-se criar o homem na imagem de si mesmo (alonguei este de propósito), 4. O homem, tal como a filosofia e a teologia o conhecem, existe — ou se realiza — na política apenas no tocante aos direitos iguais que os mais diferentes garantem a si próprios.

Diria que estes são quase proto-princípios, porém são nos 3 seguintes que fundamenta seu pensamento sobre a filosofia.

O quinto terá subtópicos. A filosofia tem duas boas razões para não se limitar a apenas encontrar o lugar onde surge a política. A primeira é: a) Zoon politikon:* como se no homem houvesse algo político que pertencesse à sua essência, neste a autora contesta Aristóteles dizendo que a política é “entre os homens”, b) A concepção monoteísta de Deus, em cuja imagem o homem deve ter sido criado.

O sexto: torna-se difícil compreender que devemos ser livres de fato num campo, ou seja, nem movidos por nós mesmos nem dependentes do material dado. Só existe liberdade no âmbito particular do conceito intra da política. Nós nos salvamos dessa liberdade justo na “necessidade” da História. Um absurdo abominável.

O sétimo: Pode ser que a tarefa da política seja construir um mundo tão transparente para a verdade como a criação de Deus. No sentido do mito judaico-cristão, isso significaria: ao homem, criado à imagem de Deus, foi dada capacidade genética para organizar os homens à imagem da criação divina. Provavelmente, um absurdo — mas seria a única demonstração e justificativa possível à ideia da lei da Natureza.

É só a partir daí que a autora inicia sua introdução sobre a questão do que é política, em tempos de polarização o tema é urgente.

ARENDT, Hannah, “O que é política” (1950), obras póstumas 1992, compiladas por Ursula Ludz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

 

 

O banquete de Platão

06 out

Nos banquetes, as mesas e o compartilhamento de alimento se celebram muitas coisas, inclusive o diálogo sobre temas essenciais.

Ocorrido por volta de 380 a.C. é um diálogo, e há alguns que preferem a tradução do grego como Simpósio (no grego antigo sympotein significa “beber junto), e o tema central é o Amor, entre o eros e o ágape, e o personagem central como na maioria dos seus diálogos é Sócrates.

Também estão no diálogo Aristófanes e Ágaton (ou Agatão), na casa dele ocorrera um banquete anterior em comemoração ao prêmio literário que ele havia ganhado, neste banquete Sócrates e outros participantes discursaram sobre o “amor”, estavam nele Apolodoro e Glaucon, Aristodemo e o próprio Ágaton.

Glaucon considera Apolodoro como doido porque despreza o material, Ágaton significa “bom” em grego, coisas boas e o amor levam à prática do bem e do belo, e se soubéssemos a prática do amor o bem que faz, os homens fariam um exército de amantes, lembrando o exército de banos, cuja frente estava Pelópidas e Epaminondas em 371 a.C.

O discurso de Fedro é que o amor cultuado pelos homens revela-os mais virtuosos e felizes durante a vida e após a morte, mas é na cosmogonia que os discursos vão se contrapor, enquanto Fedro vê a origem de Eros como um deus muito antigo, sem menção de progenitores, teve seu nascimento junto a Geia (terra) após o Caos.

Pausânias o segundo a discursar, contrariando Fedro, existem vários Eros, era filho de Afrodite, e duas Afrodites, uma filha de Urano e outra de Zeus, a de Zeus gera um eros vulgar e a de Urano um Eros celeste.

Eriximaco aprova a distinção de Pausânias sobre a duplicidade do Amor e, universalista, o amplia a todo cosmo: “grande e admirável, e a tudo se estende  ele, tanto na ordem das coisas humanas como entre as divinas”, sendo médico afirma que o amor e a concórdia provem a harmonia, combinando opostos (o sadio e o mórbido) que se estendo por todo universo: “deve-se conservar um e outro amor …”.

Aristófanes insistirá no poder que o amor possui sobre a natureza histórica, com o uso do mito dos andróginos, legimitima a homoafetividade e a desenfreada busca pelo que hoje chamamos de “almas gêmeas”, que é uma busca pelo perfeccionismo e de certa forma pelo narcisismo.

Sócrates elogia o fato de Ágaton ter principiado a mostrar a natureza e quais são as obras do Amor, mas depois segue seu clássico método da Pergunta: “é de tal natureza o Amor que é Amor de algo ou de nada?”, Ágaton confirma que o Amor é Amor de algo. De qual “algo” é o Amor e segue com a indagação: “Será que o Amor, aquilo de que é amor, ele o deseja ou não ?” e segue o banquete a moda dos clássicos gregos.

O banquete, a mesa a qual todos sentam é o importante deste diálogo, parece tão clássico e tão presente, mas acrescentaríamos uma questão e Francisco de Assis, lembrado estes dias, afirmava ele com convicção: “O Amor não é amado”, assim antes de ser instrumento como afirma Agaton é ele próprio algo a ser usado como instrumento, em momento de tanta dor na humanidade, ou então a maneira socrática perguntar: “É o Amor amado ?”.

Platão, O Banquete, ou, Do Amor – trad. José Cavalcante de Souza, Rio de Janeiro: DIFEL, 2008.

 

A importância dos elos fracos

29 set

Em teoria de redes os elos fracos são importantes, não são nas mídias de redes como facebook, Instagram ou outra mídia, as redes são formas de relações interpessoais vinculadas a determinados interesses e grupos (hubs) que são importantes e poderiam ser mais se fossem intendidas sujas funcionalidades e modos operacionais.

O laço fraco de uma rede, alguém que está na periferia dela e com pouco contato com o grupo central (os hubs) são na verdade os grandes potencializadores destas redes, na vida social, na ciência e até mesmo na política foram pessoas com pouca ligação com os grupos de poder que fizeram a diferença.

Li de Alan Turing, criador do modelo do computador digital moderno, que são “as vezes das pessoas que ninguém espera nada que fazem coisas que ninguém pode imaginar”, ele participou de um projeto secreto na Bell Laboratories que desvendou o segredo da máquina Enigma, de codificação de mensagens dos nazistas durante a 2ª. guerra mundial.

Einstein passou por várias escolas, e não é verdade que foi mal aluno, ele detestou todas elas. seus pais e professores achavam que tinha limitação mental, quando na verdade a escola não o inspirava nada, considerava-as fracas.

Também Stevie Jobs pouco se interessou pelos estudos e era um aluno displicente em sala de aula, numa sala de aula do primário quando uma professora perguntou se eles entendiam o universo, ouviu a resposta dele que não entendia “é porque estávamos tão falidos”.

Muitos são as pessoas simples que apontam para um período de grande dificuldades, apenas pensadores midiáticos, de redes de interesses com públicos que querem ouvir determinadas respostas a conjuntura atual é que fazem sucesso, em geral dizem que a pandemia não é nada, que quando passar vamos estar felizes, sendo assim não são apenas políticos a olharem para uma realidade complexa com respostas simplistas e pouco elaboradas.

No final da semana que passou falamos que os “últimos serão os primeiros”, agora dizemos algo além disto, são eles que podem fazer a diferença, em especial no quadro de gravidade social e sanitária que podemos aqui olhar os elos fracos, na “teoria das redes sociais”.

Mark Granovetter que estudou o assunto explica que por estarem distantes, são estes laços fracos que são capazes de levar a mensagem para ser “compartilhada” com pessoas e grupos de outros círculos, expandindo a rede.

GRANOVETTER, M. The strength of weak ties. In: American Journal of Sociology, University, 1973.

 

Pressupostos da intenção

22 set

O filósofo e psicólogo Franz Brentano (1838-1917), professor de

Toda consciência é consciência de algo. Intencionalidade. Objeto é sempre objeto para a consciência. Captar a vivência dos objetos como se apresentam á consciência do homem.

Husserl e Freud em Viena, a partir de uma subcategoria da consciência, a intencionalidade, desenvolveu-a em relação aos atos psicológicos.

Na sua compreensão o fenômeno mental contém uma característica exclusivamente sua que é a de dar aos objetos uma Intentio, ou seja algo do objeto de si mesmo, e exemplificava, o ódio é sempre algo que é odiado, assim como o amor, é algo que é amado, em termos científicos significa, a consciência é iluminada como tendo sentido na relação ao objeto.

Porém será Husserl que vai explicitar esta relação da intencionalidade como sendo algo inerente ao ato de conhecer, situando-a como tendo a característica destes atos de sempre se referirem a algo, implicando um objeto de conhecimento, e assim pode-se redefinir a objetividade idealista:

“Pertence à essência das vivências de conhecimento (Erkentniserlebnisse) ter uma intentio, significar alguma coisa, referir-se a uma objetividade”. (Husserl, 1950, p.55)

Ao conceber a fenomenologia como algo novo na relação com o objeto, reconhece também a existência do Outro ego que existe independente de minha consciência, assim o mundo físico “objetivo” (já dissemos fora da dicotomia sujeito/objeto) está aí, antes de mim e de minha consciência e independente dela, e assim também estará em outro sujeito, o que parece sugerir uma intersubjetividade, porém esta existência diferente da minha também tem como objeto o “algo” que conhece.

Mas só sei do outro, só conheço o outro, a outra consciência, se a reconheço a partir de minha consciência intencional, o Outro aparece através da mediação, como presença imediata, assim como o objeto, é também a consciência intencional que me dá consciência do Outro.

Assim a experiência de um sujeito não deve ser remetida, enquanto condição constituinte, senão de um mundo vivido em comum, compartilhado com outros, porém não era para Husserl a intersubjetividade, o que aparece em seus escritos é a relação com outro, como tendo outro ego, outra intencionalidade.

A experiência vivida, o Lebenswelt que aparece como um dos fundamentos do pensamento de Husserl, é que sugere uma nova solução para a questão, através do que ficou chamada de fenomenologia genética (e não estática) dirigida ao tema da constituição desta experiência vivida, no mundo da vida, fortalecida com a publicação de alguns textos inéditos de Husserl.

Assim a subjetividade passa à esfera da intersubjetividade, através de uma experiência co-constituinte, que pertence a todos e a ninguém em particular, foi o que abriu caminha a vários trabalhos posteriores da fenomenologia, chegando ao círculo hermenêutico de Heidegger e aos “novos horizontes” de Gadamer.

O importante é entender que a experiência e a interpretação do outro do mundo vivido, não o isola em um mundo particular, a consciência como afirmou Merleau-Ponty não nem “externa” nem “estrangeira” ao Outro, assim há um mundo vivido comum a todos e nele é possível um diálogo hermenêutico.