Arquivo para a ‘Método e Verdade Científica’ Categoria
O Ser, a interpretação e o diálogo
O conceito essencial da hermenêutica filosófica desenvolvida por Hans-Georg Gadamer critica o modelo do conhecimento tanto da interpretação histórica romântica, que visa apenas criticar ou aderir a uma reconstrução da intenção do autor (ela é feita principalmente relativa ao texto) e tem função tanto normativa quando teológica, quando olha-se para o Ser enquanto linguagem.
Assim corresponde à uma exigência de sentido do texto, aceita o vínculo com seu conteúdo, não visa explicitar o tema ou o conteúdo de um texto, aceita o caráter vinculativo do conteúdo, ou seja, tem uma orientação essencial ao modo humano de habitar o mundo, vinculante a cultura.
Compreender é nesta perspectiva aplicar, não de modo mecânico ou lógico (no sentido dual), e sim traduzir o texto para a própria linguagem da sua situação concreta, em sua totalidade.
Compreender é assim antes de tudo o ato compreendido, aplicado àquela situação ou aquele algo e assim nada tem a ver com um fazer e um saber técnico, ou seja, este última nada acrescenta ao modo de ser e á situação do intérprete, que é mera habilidade automática e causa-efeito.
Deve-se colocar em jogo então as regras dos preconceitos próprios, abrindo o diálogo que por eles são proporcionados, ocorre assim uma fusão de horizontes, depois em novo passo de ouvir o texto, e só então é possível aplicar um sentido ao texto e interrogar-se.
Neste contexto o diálogo é possível, senão há um fechamento dogmático sem a capacidade de ouvir o Outro além dos pré-conceitos e das intencionalidades dos leitores e/ou autores.
É preciso acentuar a necessidade de mediação que se faz através de ideários comuns que são transmitidos pela tradição histórica ou literária, para Gadamer, tal mediação é que faz pensar e transmitir práticas de relacionamento e de comunicação, e sem elas há dificuldade de diálogo.
A fenomenologia como método para o diálogo
A fenomenologia é essencial para um verdadeiro diálogo porque ela pressupõe um partir do zero, dito de forma filosófica, pressupõe um epoché (uma suspensão de juízo no sentido grego) porém a epoché fenomenológica é um colocar entre parêntesis, isto é, admite o diálogo com a tradição ou com o leitor ou interpretante do texto.
Ela surgiu como método em contraposição ao pensamento positivista, através dos estudos de Edmund Husserl (1859-1938), e como método de investigação filosófico vai captar a essência e o significado de determinada coisa, dito por Husserl: “não há consciência, apenas consciência de algo”, e isto vem de uma subcategoria que é a intencionalidade, Franz Brentano e Tomás de Aquino havia trabalho isto porém apenas com sentido psicológico ou mental.
Dito por Husserl ela é: “a descrição daquilo que aparece ou ciência que tem como objetivo ou projeto essa descrição”, assim parte da ideia que projetamos nossa intencionalidade ao descrever.
Heidegger vai colocá-la retomando a ontologia agora num plano diferente do psicológico e colocando-a como um método: “a expressão ‘fenomenologia’ significa, antes de tudo, um conceito de método”, neste sentido será também uma ruptura com o idealismo e o racionalismo tradicional.
“Uma das contribuições da fenomenologia para a filosofia está no modo de tratamento de juízos e significados. Martín Heidegger não separa a razão da emoção, nem o sujeito do objeto”.
A questão da existência do Ser volta-se para a preocupação com o modo de vivência humana, ou nossos pré-conceitos ou ainda nossas racionalizações, ela não pode isolar-se do relacionamento com o mundo e com os Outros, toda filosofia contemporânea busca um modo de Ser coisificado, isolado, seja objetivo ou subjetivo, pois também no campo da poética, da subjetividade e da religião este desvio é observado.
O Ser deve representar uma presença, um manifesto, ou uma relação com o Outro, e uma exigência é a simetria desta relação, onde cada um é capaz de fazer um “vazio” para conter o Outro, um epoché de seus pré-conceitos, sem o qual não há diálogo.
Uma primeira vista sobre este diálogo, está o círculo hermenêutico proposto na figura acima.
A paz dos pacíficos
Há diversos equívocos sobre a paz, alguns foram apontados por Kant tais como pactos que escondem futuros conflitos, a justa revolta contra regimes totalitários, porém não há como se construir a paz sem pacíficos, as ideias que se deseja a paz prepare-se para a guerra é um equivoco ou com os violentos haja como violento, etc. escondem pequenas e grandes guerras.
Todo exercício de poder é assimétrico aponta Byung-Chull Han (O enxame), no livro que faz um ensaio exatamente sobre as novas mídias, e que diz que só há simetria se há respeito.
Então o respeito as culturas, a diversidade de opiniões e ideias, de liberdade religiosa, de opções pessoais de diversos tipos, claro que não impliquem no desrespeito ao Outro, é um ponto de partida para a paz, assim é preciso que haja pacíficos para se construir a paz.
A ideia de mais armas, de mais agressões que possam intimidar adversários escondem que não há princípio pacífico nestas atitudes, que não há respeito como pede Chul Han, e para aqueles povos, países e nações que tem princípios pacíficos, como Finlândia e Índia por exemplo, é preocupante ver atitudes belicistas evoluindo.
Por outro lado, a vitória de Makron na França é um alento principalmente devido a derrota de um pensamento totalitário no país que é fonte da democracia republicana moderna.
A paz deve ser também a base de qualquer pensamento religioso, admitir que há algo ou alguém superior deveria nos despir de orgulho de se julgar superior a alguém, a algum povo, raça ou gênero, mas a história mostra que não foi sempre assim, lembro aqui o Paz da Vestfália que foi um pacto para que as religiões não incentivassem o ódio entre os estados, com isto a ideia de estado laical.
Em várias passagens bíblicas Jesus faz a primeira saudação aos seus discípulos: “A paz esteja convosco”, claro fala da paz dos pacíficos, e no versículo das bem-aventuranças diz que serão chamados de “filhos de Deus” (Mt 5,9), ou seja, não são cristãos se não desejam a paz.
Também para seus discípulos Jesus que aparece ressuscitado em sua terceira aparição e pergunta insistentemente a Pedro (Jo 21, 15-17): “Depois de comerem, Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Jesus disse: “Apascenta os meus cordeiros”. E disse de novo a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas?” Pedro disse: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Jesus lhe disse: “Apascenta as minhas ovelhas”. Pela terceira vez, perguntou a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas?” e Pedro chega a ficar triste e diz “tu sabes tudo”.
Sim Jesus sabia que mesmo entre religiosos haveria dificuldade de entender a paz e a unidade.
O idealismo da Paz perpétua
A Paz Perpétua era a proposta política de Kant de certa forma ela está expressa na visão liberal do pensamento sobre a paz, com algumas nuances em países vindos do período soviético, porém via de regra o normal lá é a visão romana da pax romana que era a submissão dos inimigos.
Conforme vimos no post anterior, para Kant, esperto como as serpentes e falso como as pombas, também Maquiavel de um modo muito diferente em seu “Príncipe” falava em dividir para reinar, princípio que é analisado por Kant ( Divide et impera, p. 39), neste caso para como uma falsa liberdade de ideias opostas quando o chefe supremo “desune-as e isola-as do povo”.
A obra À paz perpétua foi escrita pelo filósofo alemão Immanuel Kant, em 1795. A singularidade da contribuição de Kant está na sua fé em uma paz perpétua que se constrói porque a razão tem mais força do que o poder, “ … visto que a razão, do trono do máximo poder legislativo moral, condena a guerra como via jurídica e faz, em contrapartida, do estado de paz um dever imediato, o qual não pode todavia estabelecer-se ou garantir-se sem um pacto entre os povos: – tem, pois, de existir uma federação de tipo especial, a que se pode dar o nome de federação da paz (foedus pacificum), que se distinguiria do pacto de paz (pactum pacis), uma vez que este tentaria acabar com uma guerra … “ (KANT, 2008, p. 17-18).
Mas quando seria então justo fazer a guerra? Qual seria o limite da razão? Kant fala primeiro da revolta no interior de uma nação submetida a um tirano: “Será a revolta o meio legítimo para que um povo rejeite o poder opressivo do chamado tirano [non titulo, sed exercitio talis (‘tirano no exercício do poder, não na sua denominação’)]? Os direitos do povo são conculcados e a ele (ao tirano) não se faz injustiça alguma por meio da destronização; a este respeito não há qualquer dúvida. No entanto, é sumamente injusto, por parte dos súbditos, reivindicar assim o seu direito, e não podem também queixar-se da injustiça se nesta luta forem vencidos e tiverem, depois, de suportar as mais duras penas” (Kant, 2008, p. 47).
Conforme vimos no post anterior, para Kant, esperto como as serpentes e falso como as pombas, também Maquiavel de um modo muito diferente em seu “Príncipe” falava em dividir para reinar, princípio que é analisado por Kant (. Divide et impera, p. 39, neste caso para como uma falsa liberdade de ideias opostas quando o chefe supremo “desune-as e isola-as do povo”.
Há pontos interessantes em sua proposta dividida em artigos: uma constituição civil republicana (hoje há povos com outras formas de governo e que nem sempre são tiranias), uma “federação de nações livres” como o princípio da hospitalidade (o problema dos migrantes hoje) e depois faz uma série de “suplementos” para a paz perpétua, mas basicamente é uma defesa da razão.
Toca também na interessante, já dissemos referentes isto às guerras mundiais, que a paz não deve se fundar em possibilidades que podem abrir novas guerras futuras.
Hoje deve-se analisar a luz da cultura originária dos povos, não apenas indígenas e diversas nações pré ou pós iluministas (onde impera certa forma de razão, lembre do Estado Grego e do direito Romano), e também o desequilíbrio econômico, bélico e agora também cibernético.
A paz perpétua não é uma paz eterne nem paz duradoura, esta deve atentar para uma civilização mais humana e fraterna, sem a qual qualquer argumento para a guerra é possível.
KANT, I. A paz perpétua. Trad. Artur Mourão. Portugal: Universidade da Beira Interior Covilhã, 2008
Razão, crença e a guerra 2
A relação da ciência e da crença na lição de Bourdieu: “O empreendimento paradoxal que consiste em usar de uma posição de autoridade para dizer com autoridade, para dar uma aula, mas uma aula de liberdade … seria simplesmente inconsequente, ou mesmo autodestrutivo, se a própria ambição de fazer uma ciência da crença não supusesse a crença na ciência” (Bourdieu, 1994, p. 62), pode ser melhor expresso pelo princípio da transdisciplinaridade.
Estabelece a Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida em um de seus princípios: “Considerando que a rutura [ruptura no Brasil] contemporânea entre um saber cada vez mais cumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências, no plano individual e social, são incalculáveis”. (Freitas, Nicolescu e Morin, 1994)
A ideia da ciência fundamentada num cálculo (incluindo o econômico) ou a físico que permite avançar no mistério do infinito universo, com wormholes (caminhos de minhoca), buracos negros e matéria escura, não podem prescindir do mistério que está além daquilo que o homem já conquistou.
Do lado político a crença no estado moderno que substituiria Deus e poderia estabelecer uma paz perpétua (o projeto filosófico de Kant) assim como a ciência como cume da “razão” já mostraram seus limites, também a fé fundamentalista, que já o era com os fariseus no tempo de vida terra de jesus, tem limites de ignorar a ciência, mesmo querendo uma ciência da crença, o paradoxo apresentado por Bourdieu.
Nem a paz perpétua de Kant nem os avançados estudos científicos permitiram evitar a guerra e o mundo está de novo a beira de uma nova catástrofe humanitária, e também é que que se ressalte também o fundamentalismo religioso não consegue aboli-la como o “Decálogo de Assis para a Paz” assinada em Assis em 4 de março de 2002, ainda que a defendam isto até hoje.
Os fariseus queriam o envolvimento de Jesus com a guerra contra Roma, que acontecerá nos anos 70 da era cristã, com a destruição de Jerusalém e de seu templo Santo como era previsto nas profecias, não porque Jesus o desejava, mas pela guerra que os homens desejavam.
Após a Pascoa judaica, e a Paixão e Ressurreição de Jesus que foi nossa Páscoa, Jesus aparece aos discípulos e o apóstolo que não acreditava Tomé estava com eles, a primeira saudação de Jesus é: “A paz esteja convosco” (Mt 20, 21), sopra o Espírito Santo sobre eles e diz a Tomé que queria provas materiais de sua ressurreição: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel” (Mt 20,27) e após dirá que s]ao felizes os que acreditam sem terem visto.
KANT, I. A paz perpétua: um projecto filosófico. Trad. Artur Mourão. Ed. Universidade da Beira Interior. Portugal: Covilhã, 2008.
FREITAS, L., Nicolescu, B. e Morin, E. Carta da Transdisciplinaridade. Portugal: Convento de Arrábida. 1994.
Razão, crença e a guerra
A evidência de duas guerras mundiais, onde a racionalidade foi desafiada pelas barbáries dos campos de concentração, das atrocidades cometidas, e inclui-se também a bomba de Hiroshima, dão provas que é preciso examinar com profundidade aquilo que construiu o que chamou-se de razão passando pela crítica da razão pura de Kant e pelo seu desenvolvimento da razão prática.
Na abertura do livro “Desencantamento do Mundo”, Pierre Bourdieu introduz sua análise das estruturas econômicas e temporais assim: “Aqueles que colocam a pergunta ritual dos obstáculos culturais ao desenvolvimento econômico interessam-se de modo exclusivo (isto e, abstrato) pela “racionalização” das condutas , econômicas e descrevem como resistências, imputável somente a herança cultural (ou, pior ainda, a tal ou tal de seus aspectos, o Islã por exemplo), todas as omissões para com 0 modelo abstrato da “racionalidade” tal como a define a teoria econômica.” (BOURDIEU, 1979, p. 11).
A história recente de nosso processo civilizatório desenvolve o aspecto físico (e portanto apenas material) e o cálculo matemático, em especial as racionalizações das estruturas econômicas, ao citar Max Weber explica o autor: “o caráter próprio a época capitalista [escreve Max Weber] e – um na raiz da outra – a importância da teoria da utilidade marginal (assim como de toda a teoria do valor) para a compreensão desta época consistem em que. do mesmo modo como a história económica de um sem-número de épocas do passado) foi chamada acertadamente de «a história do não econômico”, nas condições presentes da vida, a aproximação desta teoria e da vida era, é, e pelo que se pede julgar, será cada vez maior e devera determinar 0 destino de camadas cada vez mais amplas da humanidade. E deste fato histórico-cultural que deriva 0 significado heurístico da teoria da utilidade marginal” (BOURDIEU, 1979, p. 17).
Sua análise é bastante extensa e quase completa (explico a frente) para ser sintetizada aqui, porém o aspecto que nos interessa da cosmovisão cultural “não-econômica” que é o da crença e pode ser explicitado numa frase sua sobre como vê a relação da ciência e da crença: “O empreendimento paradoxal que consiste em usar de uma posição de autoridade para dizer com autoridade, para dar uma aula, mas uma aula de liberdade … seria simplesmente inconse- quente, ou mesmo autodestrutivo, se a própria ambição de fazer uma ciência da crença não supusesse a crença na ciência” (Bourdieu, (1994, p. 62), que significa que é preciso conjugar razão e crença.
A guerra atual envolve estas crenças econômicas (e ideológicas, e incluem crenças religiosas), e não é assim nem uma razão prática, nem teórica, a paz é possível se limitarmos as crenças ao princípio comum de defender a paz para o processo civilizatório (já que o conceito de progresso é também uma crença em determinado sentido da “histórica econômica”).
BOURDIEU, P. O desencantamento do mundo: as estruturas econômicas e estruturas temporais. Trad. Silvia Mazza, São Paulo: Editora perspectiva, 1979.
BOURDIEU, Pierre. Lições da aula. São Paulo: Ática, 1994.
A narrativa do totalitarismo
Não se trata apenas da guerra que é o ápice da ação totalitária,a tentativa de submeter povos e governos a uma verdade unilateral, a uma forma de ver o mundo que despreza outras e mais do que fazer uma história do autoritarismo é preciso entender suas origens e sua narrativa.
Foi assim que Hannah Arendt encarou a questão ao escrever em 1951 “As origens do totalitarismo”, ela parecia convencida que após o final da segunda guerra o problema não acabava ali, ali fala do inferno, do pesadelo, da Metamorfose de Kafka, da cebola e até da feiura de um omelete entre tantas outras coisas, quando chegavam às suas mãos as histórias de Auschwitz.
Ao tentar descrever a experiência totalitária o dilema que se deparava Arendt era que essa experiência não podia ser explicada, não pela filosofia política ou pelos conceitos tradicionais, não é como a culminação de um processo do desenvolvimento de algo a partir de um passado.
Lembro uma frase impactante de Lygia Fagundes Telles, falecida estes dias quando completaria 99 em 16 de abril, escreveu: “Não há coerência ao mistério nem peça lógica ao absurdo”, os ditadores e suas narrativas só tem lógica numa propaganda sistemática, e numa claque que de outros fanáticos que o apoiam e com ele se identificam.
Esta forma de narrativa que Arendt escreveu encontrou oposição em contemporâneo como Voegelin sobre o qual ela respondeu: “eu não escrevi uma história do totalitarismo, mas uma análise em termos históricos dos elementos que se cristalizaram no totalitarismo” (ARENDT, 2007, p. 403).
Escreveu também na “Crise da República”, que a primeira diferença fundamental entre o totalitarismo e as demais categorias presentes na história está no fato de que o terror totalitário “se volta não só contra os seus inimigos, mas também contra os seus amigos e defensores”; uma segunda diferença seria sua radicalidade, que o torna capaz de eliminar não somente a liberdade de ação dos indivíduos como faziam as tiranias através do isolamento político., eliminando não só opositores como também aliados pouco confiáveis, há um claro paralelo na guerra atual.
Em sua nota de número 81, Arendt escreveu: “O total de russos mortos durante os quatro anos de guerra é calculado entre 12 e 21 milhões. Num só ano, Stálin exterminou cerca de 8 milhões de pessoas somente na Ucrânia. Ver Communism in action, U. S. Government, Washington, 1946, House Document n o 754, pp. 140-1”, novamente a semelhança com a Guerra atual não é por acaso, e depois de Butcha estes dias Mariupol (foto) poderá ter drama semelhante.
O último tópico do livro de Arendt é: “Ideologia e terror: uma nova forma de governo”, quem tem interesse em evitar totalitarismo é só ler, é provável que alguém tome consciência deste terror.
ARENDT, H. Origens do Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Sobre a Guerra e a cegueira
É sempre cego ou apenas egocêntrico aquela incapacidade de olhar o Outro, querem sua atenção apenas para exigir seus dotes e seus feitos, assim são egocêntricos, porém a cegueira social e cultural é mais ampla, nela está a incapacidade de aceitar culturas e povos diferentes, dizem eles não constituem um grupo relevante ou não tem uma cultura avançada, onde a questão do avanço depende apenas do referencial, o mais comum em ambos casos é reclamar o olhar do outro sobre si, sem que haja o recíproco.
O ensaio sobre a cegueira de José Saramago, já postamos aqui fala desta cegueira social vista como um vírus que se espalha e começa cegar a todos, e que foi transformado em filme pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles, com roteiro de Don McKellar, e chamamos o nosso post-ensaio de Intermitências da Morte, outro ensaio de Saramago.
Camus também descreveu em seu romance A peste, sobre uma doença que atingiu seu país natal (era argelino) e que via que chega-se uma hora em que a verdade parece ofender a todos, até mesmo os outrora sensatos: “mas chega uma hora na história em que aquele que ousa dizer que dois e dois são quatro é punido com a morte” pois é “uma ideia que talvez faça rir, mas a única maneira de lutar contra a peste é a honestidade”, esta virtude esquecida e até ironizada nos dias de hoje.
Diz Camus que ultrapassar o medo e a dor “compreendi que toda a desgraça dos homens provinha de eles não terem uma linguagem clara. Decidi então falar e agir claramente, para me colocar num bom caminho”, isto implica não apenas em sabedoria e coragem, mas também ultrapassar a cegueira humana.
Numa passagem mais contundente dirá o autor: “Os homens são mais bons do que maus, e na verdade a questão não é essa. Mas ignoram mais ou menos, e é isso que se chama virtude ou vício, sendo o vício mais desesperado o da ignorância, que julga saber tudo e se autoriza, então, a matar”, mas então se faz o ódio e a guerra.
Este parece ser um caminho sem volta pelo qual trilhamos, não apenas no pavio aceso na Ucrânia e na Rússia, mas em toda humanidade, a cegueira do tempo das guerras parece ter voltado a toda e todos estão apontando o dedo uns para os outros, e Karl Klaus avisava aos jornalistas (antes da 1a. guerra mundial) que também embarcavam na onda: “A guerra, a princípio, é a esperança de que a gente vai se dar bem; em seguida, é a expectativa de que o outro vai se ferrar; depois, a satisfação de ver que o outro não se deu bem; e finalmente, a surpresa de ver que todo mundo se ferrou.
Também na Bíblia não falta esta metáfora: o cego Bartimeu que implora a visão, a cura do cego de nascença (incrível porque não tinha um sistema cognitivo para enxergar) e foi lavar-se no tanque de Siloé e os dois cegos da Galileia, é claro para a maioria dos teólogos que esta cura é para ver a verdade que os homens se recusam a ver: o Amor e a Paz.
As polarizações regionais e nacionais aos poucos se tornam mundiais e a sensação de que o outro é que vai “se ferrar” é a crescente e pura cegueira, todos nos ferraremos.
Quadro de Covid-19 é indefinido no Brasil
Enquanto seguem as apostas numa queda da Covid-19, enfatizamos que seria mais seguro pensar num segundo semestre em relação aos protocolos em especial de distanciamento, o quadro de mortes mostra uma indefinição neste mês (veja o gráfico), e o estudos sobre a nova variante ômicron BA.2 ainda estão no início, e a OMS investiga outras subvariantes, embora a BA.2 tenha apontado com a principal no aumento de novos casos, no estado de São Paulo já foram detectados 3 casos.
Ela está sendo chamada de “ômicron furtivo” (stealth) por conseguir escapar das vacinas, com gravidade menor, porém as subvariantes ainda estão sendo estudadas, tanto a gravidade (que por enquanto é menor, mas não deixa de ser letal), enquanto se observa neste mês de fevereiro a ômicron é dominante e um aumento dos da subvariante BA.2.
Enquanto a maioria dos estudos aponta para menor gravidade, cientistas do Japão das Universidade de Tóquio, Kumamoto, Hokkaido e Kyoto apontam que a subvariatne pode ser mais agressiva que a original, porque afeta mais gravemente os pulmões, e já sabemos que este tem sido o fator mais grave, e por isto chamado de SARS-Covid (SARS, Síndrome Respiratória Agude Grave).
Em nossos círculos de relacionamentos todos os dias recebemos notícias de funcionários em trabalho presencial, professores e alunos infectados, como há pouca testagem muitos casos nem são contabilizados, pois há muitos casos assintomáticos.
Kei Sato, pesquisador da Universidade de Tóquio que conduziu o estudo, argumentou que o mais importante neste momento seria monitorar mais de perto e “estabelecer um método para detectar a BA.2 especificamente seria o primeiro passo” em muitos países, conforme já havíamos postado ter uma política de testagem neste caso “nova”.
Se olharmos os dados da Dinamarca onde os casos de BA.2 são muitos altos (dados do Our World in Data
Continuamos pedindo um protocolo mais claro, com distanciamento e política de evitar aglomerações, porém parece que por razões políticas isto foi abandonado.
Avançar para uma verdadeiro pensamento
Nenhum pensamento é completo se não possui uma espiritualidade, aquilo que a modernidade chama de subjetividade porém que está separada da objetividade como é próprio do dualismo, cria duas realidades e nenhuma delas é parte do todo.
Contemplar o todo significa considerar a profundidade do nosso Ser e entender que fazemos parte de um imenso universo cheio de mistérios, e que nossa alma anseia pelo infinito e é para lá que caminha uma verdadeira espiritualidade, que não está separada da substancialidade da vida (o que é chamado na modernidade de objetividade, que é só a parte) e que sem ela não contemplamos e vivemos o todo, vivemos uma vida segmentada.
Substituí-la por uma pequena parte, pequenos vícios e prazeres, é caminhar na frivolidade, na superficialidade, nenhuma ascese verdadeira prescinde de uma espiritualidade, e não há espiritualidade sem contemplar a alma humana como parte do todo de nosso Ser, assim ultrapassar a antropotécnica e chegar uma onto-antropotécnica que olha para as coisas e também para a alma.
Muitos exercícios, do físico ao espiritual, são feitos buscando esta ascese, neste ponto Sloterdijk tem razão quase todas elas são “desespiritualizadas” porém sua explicação é incompleta porque não há em suas esferas uma escatologia, este raciocínio é feito especialmente em Esferas II, qual é o todo para o qual caminhamos, é possível ir até Ele.
Sim é possível se avançamos para águas mais profundas, buscar a completitude de nossa substancialidade superando o antropocentrismo e entendendo a Terra e o Universo como nossa casa, nossa morada, mas principalmente caminhando e lançando as redes para pensamentos e espiritualidades mais profundas, há em alto mar, ainda que revolto, aquilo que nossa alma anseia: o eterno.
Diz a passagem bíblica Lc 5,4-5, logo após Jesus ensinar as multidões e Pedro (Simão) reclamar que não haviam pescado nada, Jesus lhe responde: “quando acabou de falar, disse a Simão: “avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”, Simão responde que trabalhou a noite inteira e não pescou nada, mas obedeceu e lançou as redes.
O resultado foi uma grande pescaria, vale aqui a substancialidade dos alimentos e também a espiritualidade de avançar “pra águas mais profundas”.