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As vacinas estão na fase de testes
Todas as vacinas estão na fase de testes, apenas a vacina russa com seu mega imperador Putin aprovou vacinas, mas ninguém confia nelas.
O grupo americano de biotecnologia Moderna, um dos que estão conduzindo testes na fase 3 nos Estados Unidos prometendo resultados para dezembro foi solicitado em setembro dar mais transparência em seus relatórios, quase sempre entregues ao governo em caráter “confidencial” revela as pressões sobre o FDA (Agência americana de Medicamentos) pois a eleição está próxima e poderia favorecer o governo, mas a própria empresa não acredita em prazos curtos.
Outro laboratório a Pfizer, uma das vacinas mais promissoras rendeu polêmicas esta semana devido a infecção e morte de uma das pessoas recrutadas para testes, um voluntário brasileiro que faleceu, mas segundo o site Bloomberg o rapaz estava no grupo dos placebos dos testes e não recebeu a dose ativa da vacina.
Esclarecendo os testes são chamados de duplo cego, isto é nem os médicos nem os pacientes sabem que versão foi aplicada, é aplicado em alguns um placebo e em outros a própria vacina, sendo esta uma das formas mais confiáveis de testagem, somente em casos como este da morte de um voluntário a dose é revelada.
A polêmica da vacina chinesa, que ainda está sem aprovação e com prazo para outubro de 2021, teve uma crescente politização da vacina como já alertamos no post da semana passada, mais uma polarização social agora neste assunto, que deveria ser uma preocupação de todos independentemente da ideologia.
O problema da obrigatoriedade da vacina deve ser tratado de forma democrática, e a polêmica não ajuda o consenso público que neste caso já é improvável, é de se lamentar a politização do tema, a judicialização é ainda mais lamentável, lembro o caso dos drogados cuja internação involuntária não foi aprovada.
A fase de testes, segundo especialistas e a própria OMS, deve se prolongar ainda por 2021, qualquer antecipação prematura da vacina será tão grave quanto a própria pandemia, e o resultado pode ser desastroso e sujeito a processos judiciais.
Esperamos que a vacina venha, que seja um consenso mundial a sua validade, que a politização do tema diminua e que possamos sair menos polarizados da pandemia, é um tema altruísta, mas precisamos ter esperança de uma humanidade melhor, senão tanto sofrimento num ano desastroso de nada valeu.
O que faz o Amor ser amado
Hannah Arendt procurou em Agostinho de Hipona suas respostas para o Amor, trouxe grandes contribuições no campo filosófico para o tema, muito além da clássica divisão dos gregos: ágape, eros e filia; mas como observou a filosofa contemporânea Julia Kristeva não foi além do Agostinho filósofo, abordando também o teólogo.
Além da divisão inteligente da sua tese de doutorado: “O amor em Santo Agostinho”, a própria Arendt acentuou o caráter filosófico da obra do bispo de Hipona, ao ressaltar: “ele nunca perdeu completamente o impulso de questionamento filosófico” (Arendt, 1996), suas bases de Cícero, Platão e Plotino são perceptíveis em sua obra.
A escolha de Arendt por dividir sua dissertação em três partes se deve a uma vontade de fazer justiça a pensamentos e teorias agostinianas que correm em paralelo. Assim cada parte “servirá para mostrar três contextos conceituais nos quais o problema do amor tem papel decisivo.”
Também ela percebe a importância do Amor Caritas, mas como o vê não é teológico, mas apenas dentro das possibilidades humanas, Julia Kristeva ao falar do Amor vai além ao afirmar: “O amor é o tempo e o espaço em que ‘eu’ me dou o direito de ser extraordinário“, enquanto Arendt tem clareza que há diferença entre o Caritas e a Cupiditas, que ama o mundo, as coisas do mundo.
Mas a questão de Agostinho que deve ser respondida também pelos cristãos sé o que “amo quando amo o meu Deus?” (Confissões X, 7, 11 apud Arendt p. 25), a quinta essência do meu interior, é verdade como pensava Agostinho que encontro em mim o que me liga a eternidade, porém há além da quinta essência ou Outro fora, não apenas Deus, mas aquele Outro que passa ao meu lado, aquele cuja identidade está escondida no invólucro humano do Outro que tem Deus em si também.
O que amo quando amo a Deus, é assim extensível ao Amor a humanidade, concreto em cada Outro que me relaciono, e está além da quinta essência do meu “Eu”.
Caritas é assim o extraordinário em mim, tanto Arendt, Kristeva e o próprio Agostinho estão certos em parte, porém o Deus que amo está agora presente também no Outro, que é além do meu espelho e além da minha quinta-essência interior.
Talvez a maior cilada feita para Jesus pelos fariseus esteja na pergunta, depois que Jesus havia calado os saduceus, estava na pergunta (Mt 22,36) “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?”, e Jesus responderá (Mt 22,37-39): “Jesus respondeu: “‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’”, e conclui que esta é a síntese de toda Lei e dos profetas.
Hannah Arendt cita esta passagem, mas a sequência é clara amarás com todo coragem e toda alma, aspectos teológicos e depois com o entendimento, o filosófico.
Porém a pergunta atualizada é esta de Agostinho: “O que amo quando digo que amo a Deus?” e se na resposta é também “O próximo como a ti mesmo”, ou seja, com a sua quinta-essência interior dirigida ao Outro, significa que não posso dizer que amo de fato o Amor, que vem de Deus, se não é o Amor caritas.
ARENDT, Hannah. Love and Saint Augustine. Chicago: University of Chicago Press, 1996.
Figura: Texturas e acrílico sobre tela 100×120 cm | Janeiro, 2018. Galeria Eva-sas.
Ainda o amor em Santo Agostinho
O que fez Hannah Arendt chegar a conclusão que uma civilização do Amor não era possível, além de sua experiência pessoal como judia que não voltaria a sua “casa” em Israel, ainda tem que tivesse feito planos para isto, é a incompreensão do Caritas Agápico, o verdadeiro amor.
A filósofa Julia Kristeva divulgou um relatório reservado do orientador Karl Jaspers sobre sua orientanda Hannah Arendt, parecia-lhe que sua aluna que sua aluna na época “[…] estava apta a sublinhar o essencial, mas que ela, simplesmente, não reuniu tudo o que Agostinho disse sobre o amor. […] Alguns erros surgem nas citações. […] O método exerce alguma violência sobre o texto. […] A autora quer, através de um trabalho filosófico de ideias, justificar sua liberdade com relação às possibilidades cristãs, que, no entanto, a atraem. […] Não merece, infelizmente, a mais alta menção [cum laude]. Efetivamente, Arendt parece privilegiar, em Agostinho, o filósofo, em detrimento do teólogo.” (KRISTEVA, 2002, p. 41).
A filósofa Kristeva assinala o ponto essencial indo mais a fundo no pensamento de Agostinho, e questiona que tipo de amor o filósofo se referia e se existiria mais de um tipo de amor, além dos já conhecidos filia, ágape e Eros: “Numerosos termos declinam o conceito de amor em Agostinho: amor, desejo (com suas duas variantes, appetitus e libido), caridade, concupiscência, formando uma verdadeira ‘constelação do amor’ (…)”. (KRISTEVA, 2002, p. 42).
O que havia de revolucionário na forte mensagem cristã de Agostinho, além de sua capacidade intelectual e teológica, era a noção de libertação das leis antigas, o que alguns chamam incorretamente de legalismo (não se trata de leis “humanas”), centrando no amor a base da religião era possível superar a filiação anterior de Agostinho do dualismo maniqueísta, ao qual ainda boa parte da teologia e da filosofia estão presos, esta última porém mais ligada ao racional-idealismo atual.
Será impossível pensar em uma civilização que supere o ódio, a violência e a divisão dualista da sociedade sem haver caridade verdadeira, aquela que se estende a todos, aquela que admite a diversidade, e aquela que almeja a justiça, conforme pensava Agostinho: “onde não há caridade não pode haver justiça”, e assim o desejo maior de justiça deve ter como pressuposto a caridade, ainda que ela pareça altruísta demais, ou piegas, basta ver o que o ódio construiu senão guerras e violência.
O conjunto de volumes do “Gênio Feminino” de Julia Kristeva (1941- ) é analisar e prestar uma homenagem a três pensadoras do século XX, talvez a mais conhecida Hannah Arendt (1906-1975), Melanie Klein (1882-1960) e Colette (1873-1954).
Julia Kristeva é considerada uma estruturalista (ou pós), junto a Gérard Genette, Lévi Strauss, Jacques:Marie Lacan, Michel Foucault e Althusser, tem ainda um importante trabalho sobre semiótica Introdução à semanálise (2005), onde diz frases contundentes como: “todo texto se constrói como um mosaico de citações” (Kristeva, 2005, p. 68) e ainda: “O texto não denomina nem determina um exterior” (KRISTEVA, 2005, p. 12), afirmando assim que a literatura não dá conta do real.
KRISTEVA, Julia. O gênio feminino: a vida, a loucura e as palavras. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.
KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. Tradução de Lúcia Helena França Ferraz. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.
O que é política ?
A política tornou-se um imperativo absoluto, mesmo em tempos de pandemia em que a saúde e as questões sanitárias deveriam ocupar o topo das preocupações, elas não cedem, e a polarização já grave a alguns anos torna-se ainda mais dramática, polarizando até temas que deveriam ter unanimidade, como a saúde.
Hannah Arendt tem um ensaio instigante, publicado como obras póstumas, e organizadas e compiladas por Ursula Lutz, e datado de 1950, teve uma publicação no Brasil em 1998.
Preocupada com os dramas de seu tempo, duas guerras, parece apontar também para nosso cenário atual: “o sentido positivo da “coisa política” parte de duas experiências básicas de nosso século, que ofuscaram esse sentido e transformaram-no em seu oposto: o surgimento de sistemas totalitários na forma do nazismo e do comunismo, e o fato de que hoje em dia a política dispõe de meios técnicos, na forma da bomba atômica, para exterminar a Humanidade e, com ela, toda espécie de política”, descreveu o prefaciador Kurt Sontheimer, da versão alemã de 1992.
Arendt no Fragmento 1, elabora sete pressupostos e discorre sobre eles: 1. A política baseia-se na pluralidade dos homens, 2. A política trata da convivência entre diferentes, 3. Quando se vê na família mais do que a participação, ou seja, a participação ativa na pluralidade, começa-se a bancar Deus, ou seja, a agir como se se pudesse sair, de modo natural, do princípio da diversidade. Ao invés de se gerar um homem, tenta-se criar o homem na imagem de si mesmo (alonguei este de propósito), 4. O homem, tal como a filosofia e a teologia o conhecem, existe — ou se realiza — na política apenas no tocante aos direitos iguais que os mais diferentes garantem a si próprios.
Diria que estes são quase proto-princípios, porém são nos 3 seguintes que fundamenta seu pensamento sobre a filosofia.
O quinto terá subtópicos. A filosofia tem duas boas razões para não se limitar a apenas encontrar o lugar onde surge a política. A primeira é: a) Zoon politikon:* como se no homem houvesse algo político que pertencesse à sua essência, neste a autora contesta Aristóteles dizendo que a política é “entre os homens”, b) A concepção monoteísta de Deus, em cuja imagem o homem deve ter sido criado.
O sexto: torna-se difícil compreender que devemos ser livres de fato num campo, ou seja, nem movidos por nós mesmos nem dependentes do material dado. Só existe liberdade no âmbito particular do conceito intra da política. Nós nos salvamos dessa liberdade justo na “necessidade” da História. Um absurdo abominável.
O sétimo: Pode ser que a tarefa da política seja construir um mundo tão transparente para a verdade como a criação de Deus. No sentido do mito judaico-cristão, isso significaria: ao homem, criado à imagem de Deus, foi dada capacidade genética para organizar os homens à imagem da criação divina. Provavelmente, um absurdo — mas seria a única demonstração e justificativa possível à ideia da lei da Natureza.
É só a partir daí que a autora inicia sua introdução sobre a questão do que é política, em tempos de polarização o tema é urgente.
ARENDT, Hannah, “O que é política” (1950), obras póstumas 1992, compiladas por Ursula Ludz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
O banquete de Platão
Nos banquetes, as mesas e o compartilhamento de alimento se celebram muitas coisas, inclusive o diálogo sobre temas essenciais.
Ocorrido por volta de 380 a.C. é um diálogo, e há alguns que preferem a tradução do grego como Simpósio (no grego antigo sympotein significa “beber junto), e o tema central é o Amor, entre o eros e o ágape, e o personagem central como na maioria dos seus diálogos é Sócrates.
Também estão no diálogo Aristófanes e Ágaton (ou Agatão), na casa dele ocorrera um banquete anterior em comemoração ao prêmio literário que ele havia ganhado, neste banquete Sócrates e outros participantes discursaram sobre o “amor”, estavam nele Apolodoro e Glaucon, Aristodemo e o próprio Ágaton.
Glaucon considera Apolodoro como doido porque despreza o material, Ágaton significa “bom” em grego, coisas boas e o amor levam à prática do bem e do belo, e se soubéssemos a prática do amor o bem que faz, os homens fariam um exército de amantes, lembrando o exército de banos, cuja frente estava Pelópidas e Epaminondas em 371 a.C.
O discurso de Fedro é que o amor cultuado pelos homens revela-os mais virtuosos e felizes durante a vida e após a morte, mas é na cosmogonia que os discursos vão se contrapor, enquanto Fedro vê a origem de Eros como um deus muito antigo, sem menção de progenitores, teve seu nascimento junto a Geia (terra) após o Caos.
Pausânias o segundo a discursar, contrariando Fedro, existem vários Eros, era filho de Afrodite, e duas Afrodites, uma filha de Urano e outra de Zeus, a de Zeus gera um eros vulgar e a de Urano um Eros celeste.
Eriximaco aprova a distinção de Pausânias sobre a duplicidade do Amor e, universalista, o amplia a todo cosmo: “grande e admirável, e a tudo se estende ele, tanto na ordem das coisas humanas como entre as divinas”, sendo médico afirma que o amor e a concórdia provem a harmonia, combinando opostos (o sadio e o mórbido) que se estendo por todo universo: “deve-se conservar um e outro amor …”.
Aristófanes insistirá no poder que o amor possui sobre a natureza histórica, com o uso do mito dos andróginos, legimitima a homoafetividade e a desenfreada busca pelo que hoje chamamos de “almas gêmeas”, que é uma busca pelo perfeccionismo e de certa forma pelo narcisismo.
Sócrates elogia o fato de Ágaton ter principiado a mostrar a natureza e quais são as obras do Amor, mas depois segue seu clássico método da Pergunta: “é de tal natureza o Amor que é Amor de algo ou de nada?”, Ágaton confirma que o Amor é Amor de algo. De qual “algo” é o Amor e segue com a indagação: “Será que o Amor, aquilo de que é amor, ele o deseja ou não ?” e segue o banquete a moda dos clássicos gregos.
O banquete, a mesa a qual todos sentam é o importante deste diálogo, parece tão clássico e tão presente, mas acrescentaríamos uma questão e Francisco de Assis, lembrado estes dias, afirmava ele com convicção: “O Amor não é amado”, assim antes de ser instrumento como afirma Agaton é ele próprio algo a ser usado como instrumento, em momento de tanta dor na humanidade, ou então a maneira socrática perguntar: “É o Amor amado ?”.
Platão, O Banquete, ou, Do Amor – trad. José Cavalcante de Souza, Rio de Janeiro: DIFEL, 2008.
A importância dos elos fracos
Em teoria de redes os elos fracos são importantes, não são nas mídias de redes como facebook, Instagram ou outra mídia, as redes são formas de relações interpessoais vinculadas a determinados interesses e grupos (hubs) que são importantes e poderiam ser mais se fossem intendidas sujas funcionalidades e modos operacionais.
O laço fraco de uma rede, alguém que está na periferia dela e com pouco contato com o grupo central (os hubs) são na verdade os grandes potencializadores destas redes, na vida social, na ciência e até mesmo na política foram pessoas com pouca ligação com os grupos de poder que fizeram a diferença.
Li de Alan Turing, criador do modelo do computador digital moderno, que são “as vezes das pessoas que ninguém espera nada que fazem coisas que ninguém pode imaginar”, ele participou de um projeto secreto na Bell Laboratories que desvendou o segredo da máquina Enigma, de codificação de mensagens dos nazistas durante a 2ª. guerra mundial.
Einstein passou por várias escolas, e não é verdade que foi mal aluno, ele detestou todas elas. seus pais e professores achavam que tinha limitação mental, quando na verdade a escola não o inspirava nada, considerava-as fracas.
Também Stevie Jobs pouco se interessou pelos estudos e era um aluno displicente em sala de aula, numa sala de aula do primário quando uma professora perguntou se eles entendiam o universo, ouviu a resposta dele que não entendia “é porque estávamos tão falidos”.
Muitos são as pessoas simples que apontam para um período de grande dificuldades, apenas pensadores midiáticos, de redes de interesses com públicos que querem ouvir determinadas respostas a conjuntura atual é que fazem sucesso, em geral dizem que a pandemia não é nada, que quando passar vamos estar felizes, sendo assim não são apenas políticos a olharem para uma realidade complexa com respostas simplistas e pouco elaboradas.
No final da semana que passou falamos que os “últimos serão os primeiros”, agora dizemos algo além disto, são eles que podem fazer a diferença, em especial no quadro de gravidade social e sanitária que podemos aqui olhar os elos fracos, na “teoria das redes sociais”.
Mark Granovetter que estudou o assunto explica que por estarem distantes, são estes laços fracos que são capazes de levar a mensagem para ser “compartilhada” com pessoas e grupos de outros círculos, expandindo a rede.
GRANOVETTER, M. The strength of weak ties. In: American Journal of Sociology, University, 1973.
Pressupostos da intenção
O filósofo e psicólogo Franz Brentano (1838-1917), professor de
Husserl e Freud em Viena, a partir de uma subcategoria da consciência, a intencionalidade, desenvolveu-a em relação aos atos psicológicos.
Na sua compreensão o fenômeno mental contém uma característica exclusivamente sua que é a de dar aos objetos uma Intentio, ou seja algo do objeto de si mesmo, e exemplificava, o ódio é sempre algo que é odiado, assim como o amor, é algo que é amado, em termos científicos significa, a consciência é iluminada como tendo sentido na relação ao objeto.
Porém será Husserl que vai explicitar esta relação da intencionalidade como sendo algo inerente ao ato de conhecer, situando-a como tendo a característica destes atos de sempre se referirem a algo, implicando um objeto de conhecimento, e assim pode-se redefinir a objetividade idealista:
“Pertence à essência das vivências de conhecimento (Erkentniserlebnisse) ter uma intentio, significar alguma coisa, referir-se a uma objetividade”. (Husserl, 1950, p.55)
Ao conceber a fenomenologia como algo novo na relação com o objeto, reconhece também a existência do Outro ego que existe independente de minha consciência, assim o mundo físico “objetivo” (já dissemos fora da dicotomia sujeito/objeto) está aí, antes de mim e de minha consciência e independente dela, e assim também estará em outro sujeito, o que parece sugerir uma intersubjetividade, porém esta existência diferente da minha também tem como objeto o “algo” que conhece.
Mas só sei do outro, só conheço o outro, a outra consciência, se a reconheço a partir de minha consciência intencional, o Outro aparece através da mediação, como presença imediata, assim como o objeto, é também a consciência intencional que me dá consciência do Outro.
Assim a experiência de um sujeito não deve ser remetida, enquanto condição constituinte, senão de um mundo vivido em comum, compartilhado com outros, porém não era para Husserl a intersubjetividade, o que aparece em seus escritos é a relação com outro, como tendo outro ego, outra intencionalidade.
A experiência vivida, o Lebenswelt que aparece como um dos fundamentos do pensamento de Husserl, é que sugere uma nova solução para a questão, através do que ficou chamada de fenomenologia genética (e não estática) dirigida ao tema da constituição desta experiência vivida, no mundo da vida, fortalecida com a publicação de alguns textos inéditos de Husserl.
Assim a subjetividade passa à esfera da intersubjetividade, através de uma experiência co-constituinte, que pertence a todos e a ninguém em particular, foi o que abriu caminha a vários trabalhos posteriores da fenomenologia, chegando ao círculo hermenêutico de Heidegger e aos “novos horizontes” de Gadamer.
O importante é entender que a experiência e a interpretação do outro do mundo vivido, não o isola em um mundo particular, a consciência como afirmou Merleau-Ponty não nem “externa” nem “estrangeira” ao Outro, assim há um mundo vivido comum a todos e nele é possível um diálogo hermenêutico.
Perdão, utopias e mudança
Não só pessoalmente, mas principalmente socialmente o perdão pode mover a história no caminho inverso do ódio, da guerra e da opressão, isto não é diferente em muitas religiões, afinal a “regra de ouro”, não faz ao outro aqui que não gostaria que fosse feito a si, está presente nas grandes religiões e culturas contemporâneas.
Há vários textos e discursos sobre o perdão que não estão conexos com a realidade, por exemplo, quem perdoa nem sempre esquece, o perdão deve reparar o dano, porém não significa que isto seja proporcional, muitas vezes não é.
Cada ofensa se repetida não deve ser perdoada, lembremos do ensinamento de Jesus: “setenta vezes sete” (Mt 18, 21), apenas para dizer muitas vezes, e se entendemos que o erro é mais comum do que imaginamos (veja os vários posts desta semana) pode-se entender melhor a oração dada pelo próprio Jesus: “perdoai nossas ofensas, assim como perdoamos o quem nos tenha ofendido”, este é o caminho possível do Amor em muitas dimensões.
Lembro que este trecho vem logo depois da passagem que Jesus pede a unidade das pessoas (não precisam ser cristãos, mas estarem “em seu nome”), “onde estiverem dois ou três em meu nome, aí estou no meio deles” (Mt 18,20), assim não há proprietários desta “presença”, inclusive ela pode não estão entre pessoas que são religiosas.
Karl Jaspers (1883, 1969), que influenciou muitos dos pensadores modernos como Hannah Arendt e Heidegger, em seu livro Introdução ao Pensamento filosófico indagava sobre o caminho que já trilhávamos muitos anos atrás:
“Irritamo-nos mutuamente. A psicologia profunda surge como refúgio que tudo obscurece. A superstição científica leva a recorrer, para busca de salvação, às pseudociências. E nos dizem: quando tiverem desaparecido todas as ficções e ideologias, o homem, até agora doente e alienado (em sentido etimológico), recuperará saúde. E a saúde é a felicidade, o fim supremo” (Jaspers, 1965, p. 30).
É claro que existe ciência verdadeira que não é pseudociência, e que a felicidade que não tem bula nem fórmula, pode e deve ser almejada, porém a recuperação da saúde emocional depende de rever a história e daí caminhar para frente.
JASPERS, K. Introdução ao pensamento filosófico. SP: Cultrix, 1965.
Erro, cólera e thymós
Assim como o erro científico é assumido como parte da investigação científica, os erros nas relações humanas e sociais não devem levar a ruptura e o retorno a ligação entre pessoas ou grupos envolverá fatalmente algum tipo de perdão.
Muitas vezes é possível que o erro não seja assumido, mas subentendido, isto porque, ficamos justificando o caminho que tomamos e fazendo considerações sobre a nossa falta e acabamos por não assumi-la, mas o retorno deve ser sempre tentado, uma vez que o perdão sana e permite o diálogo avançar.
Peter Sloterdijk escreveu sobre a situação “timótica” de nosso tempo, Thymós está na base da teoria de Platão para designar os “órgãos” de onde nascem os impulsos, as excitações, as afecções mais inflamadas, parece algo muito presente em nosso tempo e assim delineou o seu livro Ira e Tempo (Cólera e Tempo, na tradução portuguesa da editora Relógio d´Água).
O assunto preferencial não podia ser outro que não a política, é sem dúvida o polo de catalização de ódios e rancores, onde o perdão e o diálogo parecem ser cada vez mais um ponto distante ao qual jamais se chegará, e o inverso disto é …
Estes impulsos atravessam não só as redes sociais, passam pelo jornalismo política e polarizam entre partidos, pessoas e grupos sociais, o que Sloterdijk faz na forma de “análise” é que existe um estado de proliferação (atenção, não é aquilo que Byung Chul Han vai chamar de psicopolítica, ou a antiga “política de massas”), já chamamos a atenção para Karl Kraus, que em seu tempo entre guerras, chamava a atenção para o discurso da imprensa e dos intelectuais.
Em uma de suas comédias, “A terceira Noite de Walpurgis”, dizia que “sobre Hitler não me vem nada à cabeça”, é lógico que ele não ignorava o perigo daquele discurso, porém alerta os jornalistas e escritores que insistiam em apenas ironizar e dizia que os media pareciam gostar do cidadão indignado, mas impotente, assim tem o efeito inverso do desejado.
Um olhar analítico sobre a psicopolítica que Chul Han faz não é dispensável, ainda que estejamos munidos de pouco saber sobre esta matéria, verificasse que o estado de alta tensão timótica, instaurado pelos meios de comunicação para garantir o sucesso de indivíduos que estejam carregados de “thymós”, nos leva a uma guerra civil sem fim (aparente).
É como se toda ira só encontrasse sua “economia política” naquilo que Sloterdijk chama de cinismo “racional”, uma espécie de “banco mundial da ira” que catalisa não por acaso, lados opostos da polarização atual.
Basta olhar os políticos de diversas tendências para ver o quanto estão agarrados a esta tendência, assim o ressentimento e a legitimação de crimes tornam a indignação popular impotente, reclamar apete e torna-se tábula rasa para qualquer início de conversa, mesmo que venha de um sentimento libertador que deveria apontar para o novo.
A ausência de perdão ou ao menos de tolerância, torna a violência e o falso radicalismo visíveis e esconde a impotência.
SLOTERDIJK, Peter. Ira e Tempo – ensaio político-psicológico. Trad. Marco Casanova. SP: Estação Liberdade, 2012.
Sobre o erro e o mundo melhor
Karl Popper estava preocupado com a ciência, com a natureza mas principalmente com a ética e sobre o erro, e estabeleceu doze princípios para serem observados no seu livro “Em busca de um mundo melhor” (Fragmentos, 1989), comenta-se aqui apenas alguns:
O primeiro é entender que nosso saber é conjectural, ou seja “vai sempre mais além daquilo que um indivíduo consegue dominar, não existem pois autoridade. Isto é igualmente válido no que se refere as especializações”, como alertam autores sobre a Transdisciplinaridade, o saber especializado pode-se se tornar um novo tipo de obscurantismo, afirmam Edgar Morin, Barsarab Nicolescu e Lima de Freitas na Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida.
Um segundo princípio que destacamos é que é ‘impossível evitar todos os erros ou sequer todos erros em si mesmo evitáveis”, o idealismo e perfeccionismo levam as pessoas a decepção porque não consideram este aspecto essencial sobre a natureza humana.
O terceiro princípio estabelece que deve-se tentar evitar os erros, assim mesmo cientistas criativos que seguem a intuição, podem e devem evitar o erro, mas é quase inevitável que o cometam.
Mesmo a teorias mais confirmadas aquelas que podem parecer perfeitas ocultam erros, isto deveria ser pensado para aqueles que vivem em “bolhas”.
Isto deve levar-nos ao que Popper propõe como uma reforma “ético-prática” que leva a uma forma de pensar que é impossível evitar todos os erros, o que muda a antiga noção de que é possível evitar erros por “critérios científicos”.
O sexto princípio é que o “novo princípio básico é o de que para aprendermos a evitar tanto quanto possível os erros, temos que aprender precisamente com eles”.
Assim é mais saudável procurar os erros, e a atitude de autocrítica e sinceridade são consequências deste dever.
Assim aceitar compreender e aceitar os erros, até mesmo agradecer que outros nos alertem sobre eles, Popper lembra que os maiores cientistas cometeram erros, e ter sempre presente que cometemos erros, isto é, não negligenciar a nossa vigilância, propor o autor.
Temos que compreender que precisamos dos outros (e os outros de nós) para conseguir entender nossos erros, em particular daqueles que tenham acrescido com ideias diferentes, mas em ambientes distintos, o que significa ampliar a tolerância.
A autocrítica é a melhor crítica, porém é a crítica através dos outros a mais necessária, segundo Popper, tão útil quanto a autocrítica.
Aqui entra o ponto final crucial da ética-prática popperiana, a crítica racional deve ser sempre específica, deve indicar as razões específicas porque determinadas afirmações, determinadas hipóteses parecem ser falsas e determinados argumentos não podem parecer válidos, a critica racional propicia uma aproximação à verdade objetiva, neste sentido é impessoal, e embora Popper não diga, deve estar acima de crenças e ideologias para ser base de alguma verdade ética.
POPPER, K. Em busca de um mundo melhor. Lisboa: Editorial Fragmentos, 1986.