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O terceiro incluído da física e o pensamento
O fato que estamos presos ao dualismo, A e não-A, o Ser é e o Não Ser não é, e agora transformado em pensamento político como se a natureza e a sociedade houvesse apenas sempre duas opções em conflito não havendo uma terceira (ou mesmo quarta e quinta opções) é um pensamento desatualizado se olhamos o paradoxo lógico desenvolvido pelo físico Barsarab Nicolescu que encontra paralelo não só na física quântica (foto), mas também no pensamento social e ontológico: a terceira opção (figura).
Tanto que isto é verdade que o próprio texto de Barsarab que pede uma reforma da Educação e do Pensamento (Barsarab, 1999) indica que pode-se ver nesta mudança uma saída do centro de uma crise maior que as questões físicas ou lógicas, afirma Barsarab: “Uma coisa é certa: uma grande defasagem entre a mentalidade dos atores e as necessidades internas de desenvolvimento de um tipo de sociedade acompanha invariavelmente a queda de uma civilização”, ou dita de outra forma, mais ontológica, ente o Ser e o não-Ser há um estado Não-Ser-sendo que rompe dualismos e paradoxos.
Tanto a carta de Barsarab que pede uma reforma da educação, como outros pensadores como Edgar Morin e outros perceberam uma crise na modernidade com raiz no pensamento e na educação, o teórico do Terceiro Incluído T, dá uma sentença preocupante: “O risco é enorme, porque a contínua expansão da civilização ocidental, em escala mundial, faria com que a queda dessa civilização fosse equivalente ao incêndio de todo o planeta, em nada comparável às duas primeiras guerras mundiais”.
Existe ainda um pensamento linear e monodirecional onde a intencionalidade é sempre polarizada e criar um caminho “único” e monocromático, com o eterno perigo de autoritarismo e desvios de poder, para distensionar será necessário um mundo mais aberto e onde todos fossem incluídos e não apenas o que é conveniente ao poder.
A educação deve caminhar e auxiliar este contexto, Barsarab diz em sua carta: “A harmonia entre mentalidades e saberes pressupõe que tais saberes sejam inteligíveis, compreensíveis. Mas será que essa compreensão pode ainda existir, na era do big bang disciplinar e da extrema especialização?”
A dura realidade da pandemia mostra que oscilamos entre uma verdadeira solidariedade e uma distensão para enfrentar a crise, e a polarização oportunista que quer tirar vantagem sobre as mortes e os desvios de uma crise sanitária mal gerenciada, em alguns países mais, mas em quase todos.
A sentença de Barsarab que parece dura não o é: “Existe alguma coisa entre e através das disciplinas e além de toda e qualquer disciplina? Do ponto de vista do pensamento clássico não existe nada, absolutamente nada. O espaço em questão é vazio, completamente vazio, como o vácuo da física clássica”, neste epoché (a visão grega do vazio) pode florescer uma verdadeira filosofia, também ela quando não é (a suspensão de juízo, os novos horizontes além dos pré-conceitos, etc.) é que ela é.
NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. Trad. Lúcia Pereira de Souza. São Paulo: Trion, 1999.
O mau gosto está se tornando comum
A palavra não é minha, e sim nada mais nada menos do que o escritor nordestino Ariano Suassuna, em uma palestra que alguém teve a feliz ideia de transformar em um short post do youtube, ele complementa: “a capacidade de se indignar com o que é feio, disse, eu vejo novela, acho que a novela coisa importante que a gente tem que ver, estava passando uma novela era até boa, mas na música de entrada tem um verso repare que coisa, minha pedra é ametista, minha cor é o amarelo, mas sou sincero preciso ir com urgência ao cientista” … o publico riu … e ele complementou: “tenha paciência isso é ruim demais” (trecho de palestra de Ariano Suassuna).
Theodore Dalrymple, é o pseudônimo do psicanalista inglês Anthony Daniels, que resolveu escrever ensaios e transformou 26 ensaios em um livro Nossa Cultura ou o que restou dela, e agora trabalhando como voluntário em uma obra que reeduca adictos e entendi mais a fundo o que o autor queria dizer, não se trata de sentimentalismo ou simplesmente dar a receita: “a sociedade fez isto com ele”, em parte é verdade, mas por decisão própria estas pessoas podem mudar suas vidas (entrevista com Danilo Gentili).
A decisão é individual e pode mudar vidas e realidades, é possível devolver esperança a pessoas que a vida o colocou a margem, sem fazer demagogia ou tratar com preconceito estas pessoas, ajuda-los a enfrentar de frente a realidade própria, e depois a social, mas a decisão é um primeiro passo pessoal (entrevista com Danilo Gentili).
O gosto pelo feio, antiético e imoral não é opção final, pode ser reversível, mas a receita do sucesso é enfrentar a realidade pessoal e social, sem fugir das responsabilidades dela e disposto a ver alternativas de educação, respeito e ética que nem sempre são as tomadas.
Dar uma esmola, um prato de comida pode ser uma medida imediata, mas a preventiva exige uma mudança de perspectiva de vida, de uma metanóia muitas vezes complexa que desmonta valores antissociais adotados, e o psicanalista Anthony Daniels fala com propriedade, porque tratou de muitos destes casos extremos em presídios e no seu consultório.
Adotou o pseudônimo provavelmente para demonstrar que não se tratam apenas de casos e distúrbios psíquicos, mas de vícios e atitudes antissociais que se transformam em pensamentos e ações destrutivas e negativas.
O livro na primeira parte trata de artes e letras e a segunda parte de sociedade e política, mas o autor não deixa de tratar do futuro nas duas partes, para onde estávamos indo e já estamos quase chegando: a ladeira abaixo na qual entramos e se é possível reverter este processo.
Além de críticas ao modo de pensar eurocêntrico, idealista e da cobrança pela eficácia, ele que é europeu mostra caminhos parecidos aos que buscam tirar pessoas do caminho da degradação.
Quem assiste estes influencers que oferecem recompensa por aí, perguntas básicas, como a primeira capital do Brasil, a capital de algum Estado que não seja São Paulo ou Rio Grande do Sul, os outros parecem desconhecidos, perguntas de matemática então beiram a ignorância.
Perguntas como quanto é 10 elevado a 0 de matemática, frutas que começam com P (Pera, Pitanga, Ponkan, etc.), enfim perguntas muito simples e que poucas pessoas respondem.
Theodore Dalrymple: “Nossa Cultura ou o que restou dela”. E Realizações. São Paulo. 2015.
Não coisas e a subjetividade, o eidos deturpado
A subjetividade vem do idealismo que julga o Ser separado das coisas, assim só ser se projetado sobre os objetos, porém o “eidos” gregos, de onde veio o idealismo nascente, não havia esta separação, tanto nas 4 causas de Aristóteles: material, formal, eficiente e final, como também na teoria das ideias platônicas que é a essência e que já relacionamos à coisa.
Enganam-se aqueles que julgam o mundo imerso na erotização, seja o mundo da fantasia, aquela que vem das obras de ficção, do imaginário infantil e do olhar com esperança para um futuro melhor, hoje em um presente cada dia mais preocupante, Chul-Han escreve assim:
“Sem fantasia, só existe pornografia. Hoje, a própria percepção tem traços pornográficos. Ela ocorre como um contato imediato, mesmo como uma copulação de imagem e olho. O erótico ocorre no fechar dos olhos” (Han, 2022), ou seja, é justamente seu inverso, estamos no vazio existencial, na negação do Ser e nele só resta a pornografia, como degradação do Ser.
Citando Barthes, Hul-Han esclarece a parte do pedaço que é: “A subjetividade absoluta só pode ser alcançada em estado de silêncio, o esforço para alcançar o silêncio (fechar os olhos significa fazer a imagem falar no silêncio). A fotografia me toca quando eu a retiro de seu blábláblá habitual […] não dizer nada, fechar os olhos […]” (Han, 2022) e está citando Roland Barthes em sua obra (foto): A câmera clara (ou Lúcida, dependendo da tradução).
A fotografia é portanto uma forma de perpetuar o silêncio, o desejo de muitos tirarem fotos como ato de individual é assim retirá-la do cotidiano e inserir um que de eterno, enquanto a exposição pública que o universo digital permitiu é devolvê-la ao “blábláblá habitual”, diz o autor: “O desastre da comunicação digital decorre do fato de que não temos tempo para fechar os olhos” e talvez ele não saiba mas isto é inclusive físico, por não piscar os olhos devemos usar lubrificantes para a vista se a expomos muito tempo nos ecrãs.
“O ruído é tanto uma poluição acústica quanto uma poluição visual. Polui a atenção” (Han, 2022) e citando Michel Serres diz que este instinto é de origem animal, como os cães, tigres e outros animais que urinam para demarcar terreno, poluem com seu fedor para inibir que os outros animais se aproximem.
Permitir a aproximação do outro é não demarcar território, é sábia a resposta bíblica de Jesus ao contato inicial de dois novos discípulos (Jo 1,38): “Jesus perguntou: “O que estais procurando?” Eles disseram: “Rabi (que quer dizer: Mestre), onde moras?” e ele respondeu: “Vim e vede” e foram e ficaram com Ele, porque não demarcou terreno e não se fechou.
A lógica do silêncio é contrária ao ruído, que não significa apenas a poluição de um som audível, mas um completo vazio capaz de conter e receber o Outro.
HAN, Byung-Chul Não-coisas : reviravoltas do mundo da vida, tradução de Rafael Rodrigues Garcia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2022.
A não-coisa e o mundo amoral
Para Byung Chul-Han o que está se alterando é o mundo da mercadoria com o digital, vai fazer uma análise da posso do livro e o ebook, este como não-coisa, o smartphone e outros objetos digitais, porém o mundo da moral também está se alterando, cita de passagem:
“A pessoa desinteressada pelas coisas, por posses, não se submete à “moral da coisa” baseada no trabalho e na propriedade. Ela quer brincar mais do que trabalhar; vivenciar e desfrutar mais do que possuir. Em sua fase cultural, a economia também mostra traços lúdicos. A encenação e a performance estão se tornando cada vez mais significativas. A produção cultural, ou seja, a produção de informações, adapta cada vez mais os processos artísticos. A criatividade se torna seu lema”, usando um raciocínio de Vilém Flusser sobre a moral da coisa.
O que Chul-Han chama de fase cultural dever-se-ia analisar a fundo o período da indústria cultural, radio, cinema e televisão, que não foi senão uma passagem da mercadoria para o imaginário através da propaganda, onde se vende a marca e não o conteúdo, assim não estão alienados somente o trabalho e o produto, mas sua própria essência está alienada, usando um termo do período medieval, já analisamos num post anterior, perde sua quididade, sua identidade e singularidade, pois foi a indústria cultural que deu a tudo o aspecto de mesmice.
Também no trecho final vai analisar coisas do coração, e é bom lembrar que estas também tiveram outrora sua singularidade, hoje transformada em um caráter amoral e atemporal, no mal sentido da palavra, o que é eterno é essência e singular e então retoma a quididade.
Diz o trecho final, coisas do coração, relembrando o diálogo da raposa com O Pequeno Principe de Antoine de Saint-Exupéry: “O principezinho pergunta à raposa o que significa “cativar” (apprivoiser). Ao que a raposa responde: “É uma coisa quase esquecida […]. Significa nos tornarmos familiares, estabelecer relações. […] Para mim, você é apenas um garotinho como cem mil outros” e isto é a perda da singularidade, ali introduzirá a escuta e a relação com o Outro, não se pode desenvolver estas relações sem uma concepção moral.
A exposição de relação pessoais, o fim da vida privada pelas filmagens legais e ilegais, a exposição crescente até mesmo de crianças, é crescente e amoral, não há espaço para o crescimento e o respeito a moral de cada idade, nem mesmo da velhice, rejeitada como moral e como idade da sabedoria, é cada vez mais comum a exposição desta “boa idade” no sentido pejorativo e amoral, sem limites de respeito (Chul-Han chama de simetria em O enxame) e de uma moral equilibrada.
Tudo visto como “liberdade”, porém que mergulha em “reviravoltas no mundo da vida”, o subtítulo do autor, caminhamos para uma crise civilizatória e o retorno depende não das coisas, e sim de uma nova moral do estado, das relações humanas e da vida pública.
Han, Byung-Chul Não-coisas : reviravoltas do mundo da vida / Byung-Chul Han ; tradução de Rafael Rodrigues Garcia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2022.
O que são as coisas
Ao reler as “Não-coisas” de Byung Chul-Han, que relembra com propriedade que o termo vem de Vilém Flusser, que viveu no Brasil boa parte de sua vida, o autor retoma também os conceitos de Hanna Arendt e Heidegger, mas não penetra na essência da coisa, que não é só informação.
Os filósofos medievais já haviam desenvolvido a questão da quididade, que não é nem uma ideia nem um conceito, mas algo que buscava compreender a essência das coisas, do latim, “quidditas” significa “o que é isso” e estava relacionada à ideia de identidade e singularidade.
Assim ao transformá-la em informação, faz aquilo que Luhman fez com o conceito (lembre-se que este autor trata mais a questão da comunicação do que a coisa em-si), diz citado por Byung Chul-Han: “Sua cosmologia é uma cosmologia não do ser, mas da contingência”, ou seja, algo que não possui essência, não tem identidade ou singularidade e não pode “ser”.
Esclarecendo que é uma forma particular de ver a informação, como “coisa transmitida”, e nisto o autor tem razão: “As informações não se deixam possuir tão facilmente quanto as coisas. A posse determina o paradigma da coisa. O mundo da informação não é governado pela posse, mas pelo acesso” (Han, 2022), isto é tão verdadeiro, que o dicionário português no Brasil passou a ter uma nova palavra que é “logar”, do inglês, log “registro” no sentido de marcar um acesso à “informação”, no sentido de Chul-Han.
Citando Jeremy Rifkin, Han adverte que a transição da posse para o acesso é uma mudança de paradigma que leva a mudança drástica no mundo da vida, subtítulo do livro, ele prevê um novo tipo de ser humano: “acesso, logo, ´access´são termos-chave da era nascente (Han, 2022).
Jeremy Rifkin, a transição da posse para o acesso é uma profunda mudança de paradigma que leva a mudanças drásticas no mundo da vida. Ele prevê até mesmo o surgimento de um novo tipo de ser humano: “Acesso, ‘logon’, ‘access’ são os termos-chave da era nascente. […]
Sobre a identidade modificada do sentido medieval, diz o autor: “Nós nos produzimos nas mídias sociais. A expressão francesa se produire significa colocar-se em cena. Nós nos encenamos. Nós performamos nossa identidade” (Han, 2022), veja bem: produz nas mídias.
Mídias são meios, a confusão com a ideia das redes, não de propósito é claro, destrói a terceira característica da coisa que é sua singularidade, não neste ensaio, mas em outros, o autor lembra que tudo no mundo se caracteriza pela mesmice, tudo parece muito igual.
Este mundo da “não posse” é diferenciado pelo desfrutar mais que o viver, faz da “idealização das coisas” uma tarefa, não é raro ver em programas e nas mídias sociais um grande número de perguntas utópicas e bizarras, tais como, o que seria se você fosse um objeto, se morasse em outro planeta, etc. e isto diverte o público das não-coisas.
Não se assustem os revolucionários, mas citando Walter Benjamim, Chul-Han escreve: “a relação mais profunda que se pode ter com as coisas”, esta substancialidade não é materialista e sim uma relação racional e “informacional” com as coisas, informação aqui em outro sentido.
Han, Byung-Chul Não-coisas : reviravoltas do mundo da vida / Byung-Chul Han ; tradução de Rafael Rodrigues Garcia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 202
O mistério dos buracos negros
O centro da via Láctea, a galáxia onde habita nosso sistema solar é formada por um disco de braços espirais e uma região central densa e amarelada conhecida pelo nome de “bojo” e ali habitam cerca de dez bilhões de estrelas orbitando o objeto colossal que é seu centro chamado de buraco negro supermassivo Sagittrius A* ou apenas Sagitário A*.
Assim se outrora o geocentrismo (a Terra como centro) era uma ideia ingênua, agora também o Heliocentrismo (o sol como centro) é uma ideia provinciana e superada, mas o que são os buracos negros, não foi Einstein e sim Karl Schwarzschild o primeiro a propor sua existência.
O livro de Steven S. Gubser “O pequeno livro dos buracos negros”, trata de modo simples, tanto quanto possível, explica a relatividade especial e geral de Einstein e as equações de Schwarzschild que deram origem ao tema, os buracos negros são um dos temas fortes da astronomia atual e uma das fontes de investigação do mega-telescópio James Webb.
O livro começa contando um experimento realizado em 14 de setembro de 2015, quase cem anos após Einstein anunciar sua teoria da relatividade geral, dois detectores massivos, um em Louisiana e outro em Washington realizava um experimento de ondas gravitacionais quando detectar um pior audível, como um baque grave e cinco meses depois anunciavam que detectaram dois buracos negros em colisão formando um maior, a descoberta foi espetacular.
Tanto buracos negros como ondas gravitacionais eram previstas na Teoria de Einstein, nesta teoria o buraco negro é uma região do espaço-tempo (a noção de tempo e espaço absoluto já está superada) onde toda matéria próxima é atraída e é impossível de escapar.
Há um ditado popular que tudo que sobe deve descer, diz o autor, porém a ideia das equações de Schwarzschild é que nada pode subir apenas descer e no caso dos buracos negros para onde vão aquilo que deve descer, ou seja, o que acontece com o que é atraído pelo buraco negro.
Conhecemos a história da maçã que teria inspirado a lei da gravitação universal de Newton, o autor do livro sugere então uma maçã caindo em um buraco negro.
Uma maçã fora dos eventos do buraco negro tudo é estático, no horizonte destes eventos tudo é dinâmico, fluindo para uma singularidade abrangente (onde o espaço tempo muda dinamicamente de modo extraordinário, ali duas dimensões se comprimem e a terceira é esticada.
Stephen Hawking, famoso por propor equações do Big Bang, especulava que os buracos negros não são de fato negros, eles tem a sua cor (na verdade, fora do nosso alcance visual de cores do violeta ao vermelho) determinada pela temperatura, energia e entropia de sua superfície (se podemos chamar assim as duas dimensões, já que é espaço-tempo).
Esta introdução simplificada é desenvolvida ao longo de sete capítulos do livro, em detalhes astronômicos e suas equações, que exige certo conhecimento mais específico da física.
GUBSER, Steven S. O pequeno livro dos buracos negros, trad. Rosaura Maria Cirne Lima Eichenverg, São Paulo: Planeta, 2021.
A física e a mente de Deus
A questão originária básica do homem é a linguagem, porém ao buscar a informação o homem foi obrigado a olhar o universo e a tentar entender seus enigmas, o geocentrismo (a terra como centro de tudo), o heliocentrismo (o sol como centro de tudo) dominaram a linguagem e o pensamento humano durante milênios, em todo este tempo o antropocentrismo dominou a concepção humana e com isto a tentativa de dominar toda a natureza cresceu, porém a física quântica mudou tudo.
Porém a natureza é indomável, a modernidade foi uma tentativa de dominar as forças da natureza e afirmar o antropocentrismo sobre ela, porém ela tem sua própria lógica, e ao olhar mais profundamente o universo que tinha uma explicação mitológicas deslocou-se para um foco mais claro de indagação escatológica: de onde viemos e para onde vamos.
O livro do físico teórico Michio Kaku: “A equação de Deus” dá um mergulho nesta questão a partir da física e da cosmologia contemporânea, o físico é o grande teórico da física das cordas (Hiperespaço é um de seus livros), professor de Harvard e apresentador de programas na Discovery Channel.
Em seu livro esclarece a busca de físicos como Stephen Hawking e Albert Einstein sobre a tentativa de explicar todas as forças do cosmos, aquilo que é chamado de teoria do tudo, e que em sua formulação atual é chamado Teoria da Física Padrão, a descoberta das forças quânticas das partículas, entre elas o bóson de Higgs, a visão do fóton com partícula de massa zero, as partículas do magnetismo terrestre ajudaram esta unificação, mas não é tudo.
Muitos físicos falharam, a explicação quântica rompe com a ideia de “coisa” que alguns autores dualistas continuam a ter, o “quantum” é algo além tem um terceiro estado, chamado na física de “terceiro incluído” onde uma partícula está entre o Ser e o Não-Ser e não é dual.
Se este estado da física quântica já é realidade, o que são de fato as partículas ainda é um mistério, e a “candidata mais promissora (e, na minha opinião, a única candidata) é a teoria das cordas, que diz que o universo não é feito de partículas puntiformes, mas sim de minúsculas cordas vibrantes, onde cada modo de vibração corresponde a uma partícula subatômica” (KAKU, 2022).
Precisaríamos de um microscópio poderoso o suficiente para ver elétrons, quarks, neutrinos, etc. são nada mais do que vibrações de laços minúsculos, parecidos com elásticos de borracha. Se colocarmos esses elásticos para vibrar inúmeras vezes e de formas diferentes, eventualmente conseguiremos criar todas as partículas subatômicas do universo, e isto quer dizer que as leis da física se resumem nestes modos de vibração das pequenas cordas.
Diz Kaku na introdução de seu livro: “a química é um conjunto de melodias que podemos tocar com elas. O universo é uma sinfonia. A mente de Deus, a que Einstein eloquentemente se referiu, e uma música cósmica que se espalha pelo espaço-tempo” (KAKU, 2022).
KAKU, Michio. A equação de Deus. Trad. Alexandre Cherman, R.J.: ed. Record, 2022.
Feliz 2024 e este blog
Difícil fazer um balanço positivo de 2023, esperava-se alguma reação positiva da humanidade no pós-pandemia onde muitos faleceram em decorrência do agravamento de doenças colaterais do coronavirus, esperava-se mais solidariedade e respeito a vida humana.
A Ucrânia iniciará o ano com um dia de luto devido ao maciço ataque feito pela Rússia que matou 39 pessoas e feriu outras 159, a maioria civis, a ONU se pronunciou considerando o ataque como “inaceitável” e os Estados Unidos admitem uma intervenção direta na guerra através de suas tropas, isto representaria na prática o início de uma 3ª. Guerra Mundial.
Além desta crise, há o flagelo da guerra na faixa de Gaza e a tensão entre Venezuela e Guiana.
Ainda não finalizou o ano e este mês o blog bateu seu record de acessos com mais de 32 mil e a nova linha onde aprofundamos a questão da noosfera, a partir de Teilhard Chardin que cunhou o termo, também a crise do pensamento (vemos que a filosofia vive também uma crise) e que é a origem da atual crise civilizatória e a Cibercultura, com aspectos éticos e sociais que são aprofundados em leituras tanto do aparecimento de novas tecnologias (ChatGPT, Bard, Azure, etc.) que entram na Era da IA Generativa, no modelo LLM (Large Language Model).
O cenário complexo requer leitura de uns poucos autores que detectam o fio de ouro da crise atual, o modelo idealista que vem do dualismo da Grécia Antiga (o ser é e o não ser não é), o modelo de estado centralizador e monopolizador (mesmo o modelo liberal que cresce em alguns países não deixa de ditar teorias e modelos centralizados) e cuja crise atinge o corpo social, a cultura e até mesmo a religião onde não faltam falsos profetas, adivinhos e apocalípticos, este apelo cresce em função da gravidade do momento.
Deixamos um alento de esperança, de certeza que é possível sair de uma crise com equilíbrio, responsabilidade e um olhar desapaixonado sobre os problemas, paixão pela vida sim, mas não a de fanáticos e salvadores da pátria que pouco ou nada colaboram com saídas humanitárias e responsável sobre o futuro humano.
Confiança e humildade
Em filosofia moral há dois tipos de confiança: a confiança que se caracteriza pela relação interpessoal mais profunda, a qual envolve boa vontade e vulnerabilidade, e a fiabilidade, um tipo de confiança mais básica que se refere ao funcionamento do mundo e das coisas.
Não estabelece uma boa relação interpessoal sem o respeito, e o respeito exige humildade, simplicidade e relações verdadeiras, também a fiabilidade envolve humildade para aprender o funcionamento do mundo, das coisas e encontrar equilíbrio nas relações sociais.
Há um conceito epistemológico que trabalha a questão da confiança, envolve o testemunho, ele auxilia o conhecimento tanto nas relações pessoas quanto na fiabilidade.
As concepções interpessoais propõem um uso do conceito de confiança fundamentado em analogias, e pode ser aplicada aos debates epistemológicos sem negligenciar a questão moral.
É comum esta negligência por uma concepção excessivamente objetiva e até positivista que ainda influencia fortemente os enfoques epistêmicos, uma proposta interessante para ser analisada é a partir de Richard Foley (2001).
O uso de conceitos morais em epistemologia (LOCKE, 1975; CHISHOLM, 1966) trabalharam na filosofia moral para resolver questões epistêmicas, mas é questionável se a simples redução de conceitos epistêmicos a moral é válido, Firth (1978) defende a irredutibilidade de conceitos epistêmicos, dizendo que embora possam ser concebido de maneira análoga, podendo ser até similares, não são irredutíveis um ao outro, o que pode causar uma confusão teórica.
Então porque são análogos e relevantes, porque muitas das nossas crenças diárias (não são necessariamente os conceitos objetivamente científicos) são adquiridas pelos atos de fala de outros seres humanos nas relações do dia a dia, o problema então é justamente saber aceitar esses atos de fala como fontes epistêmicas, já que eles o são em diversas culturas e em larga escala social.
Foley utiliza o conceito de autoconfiança (self-trust), mas a relação que estabelecemos com nossas próprias faculdades é uma relação de fiabilidade (reliability). Se buscarmos as origens de ambos os conceitos, encontraremos diferenças consideráveis entre fiar-se (rely)e confiar (trust), porém usa-os como sinônimos e ignora as diferenças.
O equívoco de Foley é justamente por desconsiderar as características morais da confiança, e é importante de ser estudado por isto, no cotidiano esquecemos de confiança envolve aspectos morais, entre eles um fundamental que é a humildade em reconhecer a fala do Outro.
CHISHOLM, R. Theory of knowledge. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1966.
FIRTH, R. Are epistemic concepts reducible to ethical concepts? In: GOLDMAN, A. I.; KIM, J. Values and Morals. Dordrecht: D. Reidel, 1978.
FOLEY, R. Intellectual trust in oneself and others. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 2001.
LOCKE, J. An essay concerning human understanding. Oxford: Clarendon Press, 1975.
Contemplar e o Ser
Byung-Chul Han em seu ensaio sobre a contemplação, dá uma sentença cruel ao saber ocidental eurocêntrico: “o saber não consegue retratar inteiramente a vida. A vida inteiramente consciente é uma vida morta” (Han, 2023, p. 29) e se apoia em nada mais que Nietzsche no âmbito de um “novo esclarecimento”, aquele que para Heidegger abre uma clareira do Ser, embora em uma perspectiva diferente.
Citando Nietzsche escreve Han: “não é o bastante que compreendas em que tipo de ignorância seres humanos e animais vivem; precisas também ter vontade de não saber e aprendê-la. É-te necessário compreender que em esse tipo de ignorância a vida mesma seria impossível, sob a qual o vivente se conserva e floresce: um grande e sólido sino de ignorância deve estar ao seu redor” (citando Nietzsche, pag. 29-30).
Esclarece que o objetivo último de um “mestre” é “alcançar um estado no qual a vontade se resigna. O mestre se exercita de modo a eliminar a vontade.” (pag. 31)
Afirma na página seguinte cita uma parábola feita por Walter Benjamin “Não esqueça o melhor” no qual ele esboça a ideia de uma vida feliz, trata de um homem de negócios que sempre realizou sua vida com precisão e zelo, porém em certo momento joga seu relógio fora.
Então começa a chegar tarde e as coisas começam a se realizar sem sua intervenção, e o alegram, revela-se agora um “caminho para o céu”, as coisas acontecem agora quando menos esperava, “amigos o visitam quando menos eles pensavam nele” e lembra da lenda de um rapazinho pastor que é permitido em “um domingo” entrar na montanha com seus tesouros, com uma instrução enigmática: “não te esqueças do melhor” (pag. 33).
A parábola da inatividade de Benjamin termina com estas palavras: “Nessa época ele estava bastante bem. Concluía poucas coisas começadas, e não dava nada por concluído” (pag. 33).
A época da hiperinformação, do cansaço não é um tempo de busca da verdade do ser, daquilo que realmente somos cultural, social e espiritualmente; é um tempo da busca do nada, em tempos assim, surgiram profetas, oráculos, monges e sábios que fugiam deste vazio temporal, para se encontrarem numa totalidade infinita, aquela que contempla todo o ser.
Escreveu Byung-Chul Han: “quem é realmente inativo não se afirma. Ele descarta seu nome e se torna ninguém”, não é niilismo, é um reencontro com a verdade que todos procuram nas coisas e não as encontram se não olharem para si, para o seu vazio interior e sua inatividade.
Haverá um tempo em que todos estarão procurando a verdade, dirão está aqui ou ali e não mais a encontrarão, não será um fim, mas sim um “novo esclarecimento”.
HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2023.