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Arquivo para a ‘Tecnologia Calma’ Categoria

Poder em Foucault e Chul-han

16 abr

Michel Foucault rompeu com as concepções clássicas do termo poder e define como uma rede de relações onde todos os indivíduos estão envolvidos, e entendemos a rede aqui com o sentido moderno de rede embora fosse vago no seu tempo, os indivíduos são tanto geradores como destinatários do movimento destas relações, entretanto ele as identifica como biopoder, enquanto Chul-Han vai identificar como psicopoder, e de certa forma agrega as mídias a isto.

A ideologia de Estado, nascida de Hegel é a base de toda história de poder contemporâneo, o autoritarismo e as guerras modernas nasceram de uma nova ideia de imperialismo e colonialismo, na qual estados mais fortes controlam o poder não apenas pelas armas, mas antes pelo biopoder e agora pelo psicopoder.

O biopoder de Foucault, o estado é o primeiro nível de poder (ele chama de setor), o mercado o segundo nível, e, o terceiro é a sociedade civil, a ideia de 4º. poder da imprensa vem daí.

Ele estudou o poder não para desenvolver uma teoria sobre ele, mas para identificar aspectos da subjetividade (na ontologia seria a questão do Ser), ou seja, sujeito sobre os outros sujeitos.

Isto é importante para diferencia-lo de Chul-Han, que parte das relações ontológicas entre os seres e identifica a ação de mídias e estruturas mídias que atuam sobre a psicologia do poder, assim sua ideia de poder (O que é poder) é como uma técnica de dominação que estabiliza e reproduz o sistema dominado por meio de uma programação e de um controle psicológicoc.

Foucault vê o biopoder, como no corpo como uma máquina de adestramento, já que a biopolítica, em meados do século XVIII, estava focada em controles reguladores da população, a ideia que era o aumento populacional que proporcionava a miséria e a fome.

Peter Sloterdijk que orientou a tese de doutorado de Chul-Han sobre Heidegger, defende que este processo de “adestramento” falhou e assim, o processo de controle desenvolve-se para o quarto poder, que Chul-Han focaliza excessivamente nas mídias, esquecendo do 4º. poder da imprensa, TVs e cinema que influenciaram enormemente.

Ele desenvolve patologias de autocentramento (narcisismo), instabilidade emocional (borderline) como respostas às demandas de uma sociedade intoxicada de exigências de eficiência, de aparência e de coerção disciplinar, escreveu o autor):

“É inerente à sociedade pré-moderna da soberania a violência da decapitação; seu medium é o sangue. A sociedade disciplinar moderna é, em grande medida, uma sociedade da negatividade, sendo regida e dominada pela coerção disciplinar, isto é, pela ‘ortopedia social’. Sua forma de violência é a deformação. Mas nem a decapitação e nem a deformação estão em condições de descrever a sociedade de desempenho pós-moderna. Ela é dominada por uma violência da positividade, que confunde liberdade e coerção. Sua manifestação patológica é a depressão” (Han 2018,  pp. 183-184).

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Âyiné, 2018. 

 

O medo, a sociedade e a esperança

09 abr

O medo não é algo destes dias e talvez da sociedade contemporânea, não é, porém, algo transitório e nem mesmo impossível de ser vencido.

Em diversas sociedade e pensamentos foram eles foram elaborados, no pensamento clássico antigo

Engano pensar que o cansaço, a cobrança e o medo sejam os problemas atuais, eles estão presentes a algum tempo em nossa sociedade: a competição e a cobrança de perfeição estão presentes na história da humanidade.

Heidegger (1889-1976) afirmava assim (não é literal aqui): o medo nos convida

a viver na impropriedade, não atribuímos sentido, deixamos que os outros e as circunstâncias o atribuam, nos alienamos de nós mesmo, vivemos sempre correndo, com nossas agendas cheias de distrações que nos ocupam.

É para alguns um modo mais fenomenológico e prático de ver o medo, como Pascal e Kierkegaard teriam um medo mais teológico, porém há um equívoco teológico “temor a Deus” não é necessariamente um medo, e sim um respeito, afinal o primeiro mandamento cristão é Amar a Deus sobre todas as coisas.

Então ver o medo como “coisa”, o sentido fenomenológico de Heidegger e outros não suprime a visão teológica, um pensamento limitado ao homem também limitará sua existência a este mundo sendo um intelecto limitado.

A obra de Kierkegaard “O Conceito de Angústia”, lembrando que fizemos um post sobre isto,  tem um demanda de perguntas muitas são feitas em relação  ao “medo da morte”, que em certo sentido é uma teológica frágil, já a obra de Pascal tem também um víeis de “arriscar em Deus”, ao pensar na alma.

Diz o filósofo: “A imortalidade da alma é uma coisa que nos preocupa tanto, que tão profundamente nos toca, que é preciso ter perdido todo sentimento para permanecer indiferente diante dela.”, não afirma, portanto, sua imortalidade, mas sim frente a dúvida.

Para Heidegger, ela é mais que um fenômeno psicológico e ôntico; ela tem uma dimensão ontológica, pois nos remete a totalidade da existência como ser-no-mundo, porém a angústia o homem só existe só é o homem se puder ter uma compreensão do Ser, embora não o diga, é uma realidade além da “coisa”, Hannah Arendt sua discípula, dirá além da vitta activa.

A vitta contemplativa (ver também Byung-Chul Han) nos leva a consciência do Ser, é um caminho para a superação do medo e da angústia.

 

Policrise e esperança

05 abr

Rumores de confronto Rússia e Otan se agravaram nas últimas horas, entretanto, a esperança de paz e a resistência do Espírito, como protagonizava Edgar Morin, permanecem de pé.

Além da policrise de Morin (assim como poli é múltiplo e também é polis de cidade, Krisis tem também o significa de poder de decisão) o professor Adam Tooze (artigo do Financial Times), de história da Universidade de Yale (EUA) ampliou e atualizou: pandemias, secas, inundações, mega tempestades, incêndios florestais, guerra na Ucrânia (e agora na faixa de Gaza0, preços de energia e alimentos, etc.

No seu raciocínio, sem apontar diretamente o professor “descobre” a complexidade e uma nova visão transdisciplinar do “todo”: “Um problema se torna uma crise quando desafia nossa capacidade de lidar e, assim, ameaça nossa identidade. Numa multiplicidade de crises, os choques são diferenciados, mas interagem de modo que o todo é mais ambíguo do que a soma das partes”, afirma no artigo (na imagem o quadro de Tsherin Sherpa (Nepal), Espíritos Perdidos, 2014.).

Assim sentenciava Morin: “Ligado ao domínio do cálculo num mundo cada vez mais tecnocrático, o progresso dos conhecimentos é incapaz de conceber a complexidade da realidade e em particular das realidades humanas. O resultado é um retorno aos dogmatismos e aos fanatismos, e uma crise da moral enquanto se espalham os ódios e as idolatrias” (Jornal La Repubblica, entrevista), entretanto além da policrise há sinais de esperança.

Enquanto a Resistência do Espírito invoca uma compreensão da gravidade e das questões que envolvem a crise atual, a Esperança (aqui maiúscula) significa este Espírito colocado em ação e assim a obtenção de uma espiritualidade contracorrente que invoque valores de mudança.

Aqueles que mergulham de diversas formas nesta Esperança, estão sempre dispostos a abraçar os problemas que todos fogem, a abraçar os fragmentos de um mundo polarizado, e a lembrar o que une ao contrário daquilo que desune e polariza, felizmente há estes espíritos e chamaria de Espíritos da Resistência através da Esperança.

Ide pelo Mundo e Levai a Boa Nova, não pode ser só uma chave bíblica, é a Esperança Viva.

 

Não coisas e a subjetividade, o eidos deturpado

12 jan

A subjetividade vem do idealismo que julga o Ser separado das coisas, assim só ser se projetado sobre os objetos, porém o “eidos” gregos, de onde veio o idealismo nascente, não havia esta separação, tanto nas 4 causas de Aristóteles: material, formal, eficiente e final, como também na teoria das ideias platônicas que é a essência e que já relacionamos à coisa.

Enganam-se aqueles que julgam o mundo imerso na erotização, seja o mundo da fantasia, aquela que vem das obras de ficção, do imaginário infantil e do olhar com esperança para um futuro melhor, hoje em um presente cada dia mais preocupante, Chul-Han escreve assim:

“Sem fantasia, só existe pornografia. Hoje, a própria percepção tem traços pornográficos. Ela ocorre como um contato imediato, mesmo como uma copulação de imagem e olho. O erótico ocorre no fechar dos olhos” (Han, 2022), ou seja, é justamente seu inverso, estamos no vazio existencial, na negação do Ser e nele só resta a pornografia, como degradação do Ser.

Citando Barthes, Hul-Han esclarece a parte do pedaço que é: “A subjetividade absoluta só pode ser alcançada em estado de silêncio, o esforço para alcançar o silêncio (fechar os olhos significa fazer a imagem falar no silêncio). A fotografia me toca quando eu a retiro de seu blábláblá habitual […] não dizer nada, fechar os olhos […]” (Han, 2022) e está citando Roland Barthes em sua obra (foto): A câmera clara (ou Lúcida, dependendo da tradução).

A fotografia é portanto uma forma de perpetuar o silêncio, o desejo de muitos tirarem fotos como ato de individual é assim retirá-la do cotidiano e inserir um que de eterno, enquanto a exposição pública que o universo digital permitiu é devolvê-la ao “blábláblá habitual”, diz o autor: “O desastre da comunicação digital decorre do fato de que não temos tempo para fechar os olhos” e talvez ele não saiba mas isto é inclusive físico, por não piscar os olhos devemos usar lubrificantes para a vista se a expomos muito tempo nos ecrãs.

“O ruído é tanto uma poluição acústica quanto uma poluição visual. Polui a atenção” (Han, 2022) e citando Michel Serres diz que este instinto é de origem animal, como os cães, tigres e outros animais que urinam para demarcar terreno, poluem com seu fedor para inibir que os outros animais se aproximem.

Permitir a aproximação do outro é não demarcar território, é sábia a resposta bíblica de Jesus ao contato inicial de dois novos discípulos (Jo 1,38): “Jesus perguntou: “O que estais procurando?” Eles disseram: “Rabi (que quer dizer: Mestre), onde moras?” e ele respondeu: “Vim e vede” e foram e ficaram com Ele, porque não demarcou terreno e não se fechou.

A lógica do silêncio é contrária ao ruído, que não significa apenas a poluição de um som audível, mas um completo vazio capaz de conter e receber o Outro.

HAN, Byung-Chul Não-coisas : reviravoltas do mundo da vida, tradução de Rafael Rodrigues Garcia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2022.

 

A não-coisa e o mundo amoral

11 jan

Para Byung Chul-Han o que está se alterando é o mundo da mercadoria com o digital, vai fazer uma análise da posso do livro e o ebook, este como não-coisa, o smartphone e outros objetos digitais, porém o mundo da moral também está se alterando, cita de passagem:

“A pessoa desinteressada pelas coisas, por posses, não se submete à “moral da coisa” baseada no trabalho e na propriedade. Ela quer brincar mais do que trabalhar; vivenciar e desfrutar mais do que possuir. Em sua fase cultural, a economia também mostra traços lúdicos. A encenação e a performance estão se tornando cada vez mais significativas. A produção cultural, ou seja, a produção de informações, adapta cada vez mais os processos artísticos. A criatividade se torna seu lema”, usando um raciocínio de Vilém Flusser sobre a moral da coisa.

O que Chul-Han chama de fase cultural dever-se-ia analisar a fundo o período da indústria cultural, radio, cinema e televisão, que não foi senão uma passagem da mercadoria para o imaginário através da propaganda, onde se vende a marca e não o conteúdo, assim não estão alienados somente o trabalho e o produto, mas sua própria essência está alienada, usando um termo do período medieval, já analisamos num post anterior, perde sua quididade, sua identidade e singularidade, pois foi a indústria cultural que deu a tudo o aspecto de mesmice.

Também no trecho final vai analisar coisas do coração, e é bom lembrar que estas também tiveram outrora sua singularidade, hoje transformada em um caráter amoral e atemporal, no mal sentido da palavra, o que é eterno é essência e singular e então retoma a quididade.

Diz o trecho final, coisas do coração, relembrando o diálogo da raposa com O Pequeno Principe de Antoine de Saint-Exupéry: “O principezinho pergunta à raposa o que significa “cativar” (apprivoiser). Ao que a raposa responde: “É uma coisa quase esquecida […]. Significa nos tornarmos familiares, estabelecer relações. […] Para mim, você é apenas um garotinho como cem mil outros” e isto é a perda da singularidade, ali introduzirá a escuta e a relação com o Outro, não se pode desenvolver estas relações sem uma concepção moral.

A exposição de relação pessoais, o fim da vida privada pelas filmagens legais e ilegais, a exposição crescente até mesmo de crianças, é crescente e amoral, não há espaço para o crescimento e o respeito a moral de cada idade, nem mesmo da velhice, rejeitada como moral e como idade da sabedoria, é cada vez mais comum a exposição desta “boa idade” no sentido pejorativo e amoral, sem limites de respeito (Chul-Han chama de simetria em O enxame) e de uma moral equilibrada.

Tudo visto como “liberdade”, porém que mergulha em “reviravoltas no mundo da vida”, o subtítulo do autor, caminhamos para uma crise civilizatória e o retorno depende não das coisas, e sim de uma nova moral do estado, das relações humanas e da vida pública.

 

Han, Byung-Chul Não-coisas : reviravoltas do mundo da vida / Byung-Chul Han ; tradução de Rafael Rodrigues Garcia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2022.

 

O ser, a clareira e as não-coisas

09 jan

Estudando a etimologia da Clareira, retirando-a da filosofia de Heidegger, ela vem da palavra alemã Lichtung, onde além do significado de clareira na floresta (ele próprio viveu alguns anos na floresta negra da Alemanha), enquanto Licht é a palavra para luz, significará coisas ocultas, ou entes cuja verdade deve vir à tona, assim alguns tradutores usam desvelar.

A luz lembra o que seguiam os magos que foram seguidos por uma estrela que levaram até o nascimento de Jesus, provavelmente eram persas seguidores de Zoroastro, uma pintura de Ravenna (figura numa parede da igreja de São Apolinário de 526 d.C.) que é bem antiga revela pelos gorros que usavam e as calças que eram daquela região.
A clareira é no contexto da filosofia moderna, o que está oculto dentro de um todo, onde deve emergir o Ser, e isto parece mais apropriado a modernidade, visto que a fragmentação onde apenas emerge a parte, é na maioria das vezes oposta ao todo ao qual o ente pertence, assim a questão do Ser.

O ente que se descobre, enunciou o próprio Heidegger: “deixa-se ver em seu ser e estar descoberto. O ser-verdadeiro (verdade) do enunciado deve ser entendido no sentido de ser-descobridor” (Heidegger, 1986, 219).
Primeiro vemos esta verdade ontológica como Ser, e não mais como lógica, segundo vemos esta relação entre conhecer o objeto e a própria relação com o Ser, o que na filosofia moderna poderia ser chamada de subjetividade, mas não é porque não são instâncias separadas, porém separadas de sua materialidade de objeto podem se tornar algo além do que foi concebido até recentemente, o filósofo Byung Chul-Han fez um ensaio sobre não-coisas, o mundo dos objetos digitais onde as “a inflação das coisas nos ludibria a acreditar no oposto”.

O autor vai se referir ao mundo contemporâneo como “Como caçadores de informação, nos tornamos cegos a coisas silenciosas, discretas, até mesmo coisas ordinárias, trivialidades ou convencionalidades que carecem de estímulo, mas que percebemos em nossa vida diária”, e assim mergulhamos numa obscuridade do Ser em oposto a clareira.

A ordem digital está tornando o mundo não terreno, não substancial, diz o autor no prefácio: “Hoje, a ordem terrena está sendo substituída pela ordem digital. A ordem digital descoisifica o mundo ao informatizá-lo” capturando uma categoria de Vilem Flusser afirma: “As não-coisas estão atualmente invadindo nosso ambiente de todos os lados, e estão suplantando as coisas. Essas não-coisas são chamadas de informação”, citando a obra de Flusser: Dinge und Undinge – Phenomenological Sketches. Munique, 1993, vale lembrar que Flusser viveu no Brasil de 1940 a 1972.

Escapa nesta lógica o silêncio, a vita contemplativa (outro livro do autor), desmorona o Ser.

 

Han, Byung-Chul Não-coisas : reviravoltas do mundo da vida / Byung-Chul Han ; tradução de Rafael Rodrigues Garcia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 202

HEIDEGGER, M. Sein und Zeit. 17 ed. Tübingen, Niemeyer, 1986.

 

Globalismo ou Universalismo, um novo período

05 jan

A atual crise aponta claramente por uma crise civilizatória, as visões eurocêntricas e iluministas já mostravam seu esgotamento em períodos anteriores, por pensadores como Nietzsche e Shopenhauer que foram buscar elementos na filosofia ocidental, porém a física quântica e estudos sobre uma era chamada de “antropoceno” como os estudos transdisciplinares de Anna Tsing, fundadora da AURA (Arhus University Research on the Antropocene) e uma das editoras do Feral Atlas (feralatlas.org) publicado pela Stanford University Press.

Assim as teorias do globalismo e NOM (Nova Ordem Mundial) não passam de teorias conspiratórias, embora as forças políticas em jogo possam ter também influências de diversas organizações políticas que desejam formas novas de imperialismo e controle populacional.

O simples olhar para um universo cada vez mais complexo em que morrem velhos paradigmas copernicanos e newtonianos, de grande influência no pensamento ocidental, mostram uma realidade muito mais complexa, como a teoria das cordas apontada por Michio Kaku como uma das poucas alternativas para explicar o universo como vemos agora por megatelescópios.

Mesmo a ideia de Einstein de entender a mente de Deus é muito distante daquilo que significa realmente uma teoria do Tudo e do Todo, onde é quase impossível não pensar em um Ser com uma inimaginável inteligência que criou tudo, uma simples energia ou acaso é simplista demais e mesmo físicos teóricos como Albert Einstein, Stephen Hawking e Michio Kaku admitiram esta hipótese.

Porém é difícil imaginar uma consciência mega-inteligente diante de raciocínios tão primários que envolvem a maioria dos pensadores cristãos, figuras como Agostinho de Hipona, Thomas de Aquino, Duns Scottus e Boécio, estes dois últimos são considerados santos pelos católicos, parecem estarem ofuscados por um primarismo fundamentalista que ignora o universo complexo que vivemos e que se revela ainda incompreensível para os limites humanos.

Para religiosos sérios bastaria examinar a visita dos reis magos (veja o documentário da Discovery) que vieram adorar o recém-nascido em Belém para tomarem consciência que Deus é universal e não se limita aos ditames e costumes humanos, mas há muita falsa profecia.

O limite de um verdadeiro cristianismo deveria ser como dizia Agostinho de Hipona: “o limite do Amor é amar sem limites”, isto deveria ser essencial a um verdadeiro Deus de Amor.

Os 3 Reis Magos – Documentário Discovery Civilization l Dublado l (youtube.com)

 

Da narração a informação.

02 jan

O título é propositalmente o inverso do primeiro capítulo do livro de Byung Chul Han sobre a crise da narração, embora ele cite Walter Benjamin que cita a experiência de narração num período anterior a internet, porém o filósofo coreano-alemão não vê claramente esta crise anterior a internet, e assim ele próprio cai naquilo que condena, a ausência da análise no tempo.

Se é verdade que a Internet e sua ferramenta para disponibilizar a informação aos leigos que é a Web (nasceu nos anos 90, mais de 20 anos após a internet) não apenas fez uma profusão de meios de divulgar a informação e suas narrativas, como também criou a possibilidade da sua profusão em áudio e vídeo, que dá origem a uma nova possibilidade de narração gravada os podcasts e vídeos.

Claro, não quer dizer que aquela narrativa primitiva anterior a escrita e a imprensa, própria da oralidade primária tenha retornada, ela subsiste em culturas originárias e também algumas culturas e crenças ocidentais, por exemplo, entre os curdos existem os “çîrokbê” que se fosse traduzido literalmente seria o que entendemos na cultura ocidental por “história”.

A sentença de Byung Chul Han sobre o universo digital é clara: “A digitalização descoisifica e desincorpora o mundo. Ela também elimina as memórias” (Han, 2022) em parte é verdade, porém a própria mídia digital uma vez gravada se coisifica, e uma vez que é feita uma narração, só por exemplo, de narradores curdos, a informação (no sentido de Chul Han) se volta a narração, ou seja, é possível o processo reverso.

Seu erro, do ponto de vista filosófica, é uma questão antiga sobre o que é (ou o que são) as coisas, a relação entre sujeito e objeto é fruto do dualismo ocidental desde Parmênides, e só uma visão não dual pode entender que a coisa é em si também não coisa, uma vez narrada.

Assim a informação será sempre paradoxal, é narrada quando é e não narrada depois que se tornou informação-narrada e que está sujeita a um distanciamento histórico, porém se vista do ponto de vista da física quântica é mais complexo ainda, porque ali é as duas coisas, de onde surge a questão de alguns físicos que o tempo não existe, difícil para a cultura atual.

Esta questão do tempo surgiu em 2012 num TedTalk do italiano Carlo Roveli: “O Tempo Não Existe e Te Provo Isso em 15 Minutos”, mas ganhou popularidade agora porque o mega-telescópio James Webb propõe diversos novos paradigmas ao olhar mais profundamente o universo, estamos no fim da era copernicana, o centro de nossa galáxia é um buraco negro e eles já começaram a dizer o que são, também a matéria escura e energia escura começam a ser desvendadas.

Quem dá a história desta idéia é o físico teórico Michio Kaku, “Em A equação de Deus“ (Record, 224 pp, trad.: Alexandre Cherman), e ali faz uma narração escrita da física de hoje.

 

HAN, Byung-Chul Não-coisas : reviravoltas do mundo da vida / Byung-Chul Han ; tradução de Rafael Rodrigues Garcia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2022.

 

In-formar, vincular e o simbólico

15 nov

O que faltou no texto da Crise da Narração, também tem algo equivocado na “Infocracia: digitalização e a crise da democracia na filosofia” (Vozes, 2022), a ideia que a informação é em si incompleta, está presente em outro livro intitulado de Byung-Chul Han “Vita Contemplativa” (Vozes, 2023), porque ali retornando ao ser pode- se encontrar como a forma se torna narração no interior do ser, e se in-forma.

Diz um trecho deste livro: “A perda do sentimento compartilhado acentua a falta do ser. A comunidade é uma totalidade mediada simbolicamente. O vazio simbólico narrativo leva à fragmentação e à erosão da sociedade.” (HAN, 2023, p. 91-92). (grifo nosso)

Assim reconhecendo esse aspecto da necessidade do ser enquanto um vazio simbólico, que a narrativa contemporânea em geral não contempla por seus vícios informacionais, ao mesmo tempo afirma o autor: “O ser humano, como symbolon, anseia por uma totalidade sagrada e restauradora” (pag. 92).

O termo symbolon aparece em destaque porque o autor usa-o a partir de uma leitura de O Banquete de Platão, onde Aristófanes lembra que este pedaço partido do ser, que para ele inicialmente era esférico e foi partido, tem este pedaço partido com um “symbolon”.

Ora se símbolo é uma parte, unido a outra parte formamos uma totalidade, não apenas numa comunidade, mas em toda “totalidade sagrada e restauradora”, ali onde há homens unidos por uma causa boa e justa.

A narrativa e a informação neste contexto, onde a parte está unida, com dizia um princípio importante defendido por Edgar Morin: “É preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que une e distingue”, assim união de “símbolos” distintos e que fazem parte das culturas e povos contemporâneos.

Assim o in-formar ontológico (próprio do ser) ligado ao contexto da narração em seu tempo e objeto de pensamentos dentro de uma diversidade, não são razão para fragmentação e sim para um universo que nos une e faz mais “inteiros” dentro de nossas comunidades.

A hiperatividade contemporânea, que não só, mas também o mundo digital pode nos levar é ela própria um mundo que rejeita a interiorização, a meditação e assim, a própria narração.

Escreve o autor sobre esta interioridade: “A vida activa, com seu pathos da ação, bloqueia o acesso a religião” (pag. 154), a ação faz parte da vida religiosa tanto quanto da vida leiga, o que diferencia é que além da prudência, nossas reflexões da semana passada, podem levar a uma ação diferencia, justa e que leva a uma felicidade e plenitude diferente da pura “ação”.

Pathos, esclarecendo, faz parte da tríade grega “ethos, pathos e logos”, enquanto o ethos nos persuade pelo caráter, ou por quem narra, se este é digno de fé, o logos nos persuade pela razão lógica (ampla) e o pathos pelos sentimentos causados de tristeza ou alegria, amor ou ódio, e assim muitas vezes sem passar pela razão e pela ética.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

A volta do mal

19 set

Ainda que por ingenuidade ou por contexto social, de tempos em tempos demônios, existentes ou não, voltam a nos assombrar, há entre a realidade e a ficção uma verdade: ele existe, senão no imaginário (como pensam alguns) também como entidade real.

Os filmes de terror, quase todos mera ficção existem, e o seu público não é pequeno como o caso de “O exorcista” (1973) e “A hora do pesadelo” ( 1980) dois clássicos do gênero, porém há filmes que pode-se destacar como obras de arte: “Nosferatu” (1922 e remake 2018) e “Corra!” do diretor e roteirista Jordan Peele, que concorreu ao Oscar de melhor filme em 2018.

Na obra dirigida por F. W. Murnau (1922) há algo do expressionismo alemão, com técnicas do uso de sombras, tratado mais como uma loucura em torno do desconhecido,  lembre-se também que estamos num entre-guerras quando Alemanha e Rússia assinam o Tratado de Ropallo, tentando formar um contrapeso na geopolítica mundial da época, acordo que durará até Hitler.

Certamente há outros filmes, porém, reaparecem agora com tom e cores mais fortemente religiosas: “O exorcista do papa” (Julius Avery, lançado este ano) que fala de fatos acontecidos com o padre Gabriele Amorth que foi oficialmente exorcista de Roma reconhecido pela Igreja Católica, no filme encenado por Russel Crowe (Caras – Nice Guys, Promessas de Guerra – The Water Diviner), o outro filme de demônios é Nefarious (Chuck Konzelman e Cary Solomon, baseado no romance de 2016 de Steve Deace: A Nefarious plot).  

Enquanto Nefarious é mais uma ficção sobre a existência e artimanhas do Demônio, com algum contorno cristão, O exorcista do Papa é baseado em fatos reais narrados pelo próprio padre Gabriele, que realizou mais de 60 mil exorcismos e certamente alguns de destaque foram selecionados, entre as conversas que estão ali narradas, cito a mais importante, na qual numa possessão ele diz que o demônio só pode fazer aquilo que Deus permitiu, seu poder é limitado.

Não aprecio o gênero, porém tive mais paciência com “O exorcista do papa” por curiosidade e tentativa de entender a problemática, mas situada num contexto de confusa questão social e perigo de uma guerra ainda mais sangrenta do que as que estão em curso, mas sem maniqueísmo, a potência do mal não é superior a do bem, e seus efeitos não são comparáveis.

O mal tem existência real pela ausência do bem, assim pensava Agostinho de Hipona que foi maniqueísta na juventude.