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Como reagir ao medo e a evolução da pandemia
Conhecer nossas fragilidades e angústias é um caminho do autocontrole, porém digo o que é o medo e como podemos controlá-lo numa pandemia em que todos nos descobrimos frágeis podem ser pensados em 7 aspectos que são essenciais.
Uma reflexão do que causa estes sentimentos em nós é importante e a primeira atitude, um pouco de meditação e silêncio e nos perguntar qual a consciência que temos dos perigos e as atitudes frente a eles é fundamental, assim além das atitudes sanitárias corporais existem as mentais e/ou espirituais, sem as quais ficamos apontando culpados fora de nós.
A segunda já apontada na primeira é a consciência, lembrando que consciência é sempre, diz a fenomenologia, consciência de algo (ou da coisa do fenômeno) que significa o que nos causa medo, qual a sua origem, as fobias do passado, entes perdidos, relações sociais, etc.
O terceiro é entender que existe uma “coisa” na relação entre você e o outro que está na fronteira do seu medo, atribuí-lo ao outro é um escapismo, estudo o que causa o medo e não antecipe percepções, é o que se chama na fenomenologia de epoché, neste caso, colocar entre parêntesis.
Medos e fobias desembocam em ansiedades, e se ela já está presente como consequência do medo, controle das emoções e não torná-las caóticas e irracionais, é fundamental, dê um passo atrás, note se a relação com os outros não está indo para este caminho.
Compartilhe o medo com o outro, mas com mansidão e clareza, isto não me dá segurança ou não é aquilo que penso (não é sua consciência sobre a coisa), mas respeitando a visão do Outro.
Por último é claro um especialista pode ajudar, não sei o quanto eles estão inseridos no sistema de saúde, mas no momento de pico da pandemia estas sensações podem vir a tona e talvez seja o caso de solicitar ajuda de especialistas.
O importante também neste caso é o isolamento social, dar espaço a cada um, não cutucar as feridas e fragilidades do outro, ou o que é mais indigno, explorar justamente a fragilidade do outro desconhecendo que também temos a nossa e gostaríamos que fosse respeitada.
O medo entre a filosofia e a realidade
É preciso diferenciar medo, angústia e ansiedade, aqueles que culpavam o mundo “virtual” (o virtual vem de virtus que é a raiz também de virtude) devem perceber na pandemia que não estavam corretos, é a situação de inapropriação que leva ao medo.
Também a angústia, outro sentimento típico nesta pandemia, é um sentimento ligado a não pertença ou não compreensão da realidade que se vive, pode-se dizer que é quase o contrário do medo já este gera uma impropriedade, isto é, não enfrentamos o problema ou o adiamos ou saímos pela positividade, assim ou aceleramos a vida, como um correr do “perigo”, ou somos otimistas, “isto passa” como se diz aos pequenos.
Deixamos a ansiedade para o fim, ela é o final de um ciclo, fizemos um post muito tempo atrás para explicar que não era correto atribuí-la a tecnologia a ela, há um livro chamado Ansiedade da Informação (Wurman, 1989) que trata o tema, entretanto, na psicologia ela é o final deste ciclo: medo, angústia (liga a um sistema de crenças ou outro) que chega a ansiedade e pode levar à síndrome do pânico ou à de Burnout, que realimenta o ciclo com o medo.
A primeira questão portanto é tratar o medo com a impropriedade combatendo-o com a-propriação, isto é, entender o que o causa, torná-lo consciente e com isto a etapa seguinte da angústia possa ser bloqueada, porque não fugiremos da realidade, a ideia de esconder ou ignorar os fatos é que realimenta este ciclo.
Não precisamos ser especialistas ou médico no caso da pandemia, para entender que algumas medidas são necessárias, que sem elas entramos uma angústia e isto sim pode levar ao stress do pânico, conscientes enfrentamos até mesmo o problema da internação ou das dificuldades sociais causadas pelo isolamento.
Também isto explica porque algumas pessoas que fazem apenas um raciocínio primário, caem no lugar comum de encontrar inimigos fictícios (a inapropriação os leva a angústia por estarem sem respostas) e na última etapa quando as fatalidades chegam, os levam ao pânico ou a síndrome de Burnout, assim faz todo sentido algumas claques que saem as ruas pedindo o fim do “isolamento”, já é o pânico no estágio primário.
Como são as crenças e sistemas que levam a última etapa, trato o problema religioso, que nada tem a ver com espiritualidades que buscam o equilíbrio, e até mesmo em sugestões de psicólogos você vai encontrar tais como, faça uma autoanálise e tenha autocontrole, uma boa espiritualidade ajuda, um fanatismo religioso prejudica e acelera este processo.
O pico da crise e não apressar o futuro
Estamos no pico da crise e já se fala no pós traumático, não são poucos de médicos a sociólogos aqueles que querem apressar uma análise, a China saiu da crise, a Europa começa a nova etapa em 3 fases distintas e alongadas e o Brasil e países do hemisfério sul a inverno se aproxima.
A análise da curva e do pico feita por DataScience mostra que o distanciamento social valeu a pena, no entanto, as hesitações governamentais e a aproximação do inverno poderá mesmo se a curva achatar, os dados indicam que sim, poderá se alongar, isto é, a “nova normalidade” tardará.
O nome nova normalidade já exclui todas análises que indicam qualquer impossibilidade de voltar ao estágio anterior, isto é, uma vida agitada e desprotegida, aquilo que Edgar Morin chama de “intoxicação” do cotidiano, e um desenvolvimento econômico acelerado, com seu preço agregado.
O momento no Brasil e acredito que a maioria dos países do hemisférico sul é de criar condições ainda mais apertadas para desfavorecer o “relaxamento social”, de certa forma até compreensível já que a quarentena se fossem mesmo 40 dias, já estaria se esgotando, tudo indica que não.
Para complicar ainda as crises políticas, no caso brasileiro, se aprofundam e parecem não ter fim, o problema da governabilidade e da instabilidade política acelera e aprofunda a crise sanitária.
Concentrando nossos esforços e foco apenas na crise sanitária, a econômica e a social existem no entanto não deveriam justificar mortes e crise na assistência sanitária, devemos considerar que estamos no patamar superior da curva, e os números parecem estabilizar, são altos é verdade, se tomarmos a sério o #lockDown já poderíamos estar vislumbrando uma saída, mas não é o caso.
Uma das consequências da pandemia é a chamada Síndrome de Kawasaki, na Inglaterra por exemplo, o Sistema de Saúde (NHS, é a sigla em inglês) já detectou um aumento no número de crianças com inflamação multissistêmica, problemas gastrointestinais e inflações físicas.
Em meio a primavera, mas já com sinais de verão, a Europa retornará aos poucos as atividades, e poderemos perceber como os problemas sociais e econômicos serão enfrentados, aqui é futuro.
Entre a passagem e a porta
Toda passagem é sobre algum perigo: um precipício, uma vereda estreita com animais ferozes a volta, na Páscoa a morte e ressurreição, na pandemia atual: as mortes e privações de liberdade, e um futuro incerto, mas que deverá abrir uma fusão de “novos horizontes”, sim pois o diálogo deve ser entre culturas e civilizações com cosmovisões diferentes e não em grupos fechados.
A porta e o “caminho” (pode se pensar em ciência como um método) pelo qual podemos e devemos passar para entrar em uma nova realidade, que pode muito bem ser a casa comum, a harmonia entre homens e destes com a natureza e indo mais longe com o cosmos, que sabemos tem leis ainda menos conhecidas por nós.
A complexidade que envolverá este futuro deve ter um pressuposto básico, ou emergimos de uma triste crise juntos, ou aprofundamos nela e teremos na próxima virose mundial (pode ser nova crise ou não) uma realidade ainda mais dura, a passagem deverá ter uma porta e a abrimos juntos.
Seremos mais pobres num primeiro momento, isto é absolutamente certo, teorias da conspiração que este ou aquele se sairão melhores é mera especulação, até para os endinheirados, as bolsas despencam, vi um dono de uma cadeia de lojas brasileiras esbravejando, até as portas das igrejas estão fechadas, então quem terá a passagem pela porta é aquele que aprendeu a solidariedade.
Só faremos a passagem após o fim da pandemia se continuarmos a lutar e sonhar, abrindo nossas portas.
A verdade e a complexidade da existência de Deus estão muitas passagens bíblicas, os profetas antes da vinda de Jesus tiveram revelações misteriosas em sonhos, Isaías previu o cativeiro na Babilônia, na Babilônia, Daniel desvendou o sonho do rei Nabucodonosor, entre vários outros até que José ao saber que Maria estava grávida fugiu e em sonho o anjo o avisou sobre a verdade.
A verdade histórica (no sentido que Gadamer apontou) precede a verdade mística, João Batista foi o último e o maior dos profetas, e Jesus várias vezes pronunciou “em verdade, em verdade vos digo” geralmente quando contava uma parábola, em uma das passagens Ele diz ser a “porta” e afirma (Jo 10, 10): “O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”, mas é imperativo passar pela verdadeira porta entre tantas que prometem maravilhas, mas não proclamam a solidariedade mundial.
Que este tempo de dura prova da pandemia nos sirva para abrir a alma e recriar um mundo mais fraterno, onde haja a vida seja plena para todos cidadãos, mas isto terá que ser construído com a paciência que aprendemos na pandemia.
A variação eidética, método e phonesis
A filosofia que tentava superar Kant, mas ainda estava de algum modo vinculada a sua tradição lógica é chamada de filosofia continental, Frege é um pouco a partir porque parte para o que ficou chamado de filosofia analítica, com sérias consequências até hoje, mas o assunto é profundo.
Assim a hermenêutica desde Scheiermacher a Dilthey é ainda aquele que por uma certa “construção lógica” chegamos a interpretações dos textos de modo “correto” ou “objetivo’.
Paul Ricoeur e Hans Georg Gadamer nos libertarão disto, traçam uma ontologia onde há um reconhecimento do pré-conceito (a forma de escrever é nossa) e a compreensão final podem ter aberturas e “fusões de horizontes” onde o contexto temporal afeta a ontologia do intérprete.
Esta “abertura” é coerente com os modelos da física, onde o observador faz parte daquilo que é observado, e sua visão de mundo interfere diretamente na sua interpretação, assim tem um aspecto temporal que é no fundo o que Heidegger desvela no “Ser e tempo” (1927), porém a descrição do círculo hermenêutico de modo sistemático só aparece em “Verdade e Método” (1960) de Gadamer e “Tempo e Narrativa” (1983) de Ricoeur, termo muito usado atualmente e pouco conhecido.
Antes de entender a fusão de horizontes, usando a subjetividade kantiana, podemos dizer que há uma intersubjetividade, após um texto ser publicado ele deixa de ter a intenção autoral e está sujeito a interpretação e não há uma única leitura “correta”, porém não significa relativismo.
Um texto de impacto provoca as vivências dos leitores, o método de Gadamer para encontrar a verdade é aquela as quais todos poderiam aderir ao diálogo, aceitando a experiência do mundo real, dita pelo autor da seguinte forma:
“A compreensão e interpretação dos textos não é meramente uma preocupação da ciência, mas pertence obviamente, à experiência humana do mundo em geral” (Verdade e Método, 1960).
Isto é o que supera a atitude meramente teórica (até dos que reivindicam a prática e esconde seus métodos) aderindo ao que os gregos chamavam de phronesis (sabedoria prática), e nos dá a possibilidade de convergir, e torna o diálogo profícuo e útil, o contrário é proselitismo.
O processo pelo qual deve passar a vacina do coronavirus além de cumprir um protocolo, deverá através de sucessivas interações com o mundo real, teste em animais, observação de reações até o uso humano passar por sucessivas análises além da experimentação, é um tipo de phonesis.
Além do idealismo, novas lógicas e pandemia
A simplificação de Kant levou a formulações abstratas tão complicadas que seria impróprio chamá-las de complexas já que ele pretendia a simplificação, porém a tentativa de reduzir 12 categorias e 3 três ideias centrais: a psicológica (alma), a cosmológica (o mundo como totalidade) e a teológica (de Deus).
Isto irá produzir um construto engenhoso, racional mas muito complicado que são os três juízos que ligariam Sujeitos (A) a predicados (B), os juízos: analíticos, sintéticos a priori e a posteriori, a ideia de juízos a priori foi a mais polêmica, porque vê a mente como tendo uma memória nata.
Edmund Husserl e Gottlob Frége que tinham forte formação lógica aritmética se debruçaram sobre este tema kantiano imaginando que a lógica não podia ser reformulada a partir da ação, isto é, não mudamos nossa mente porque nossa maneira de agir se modifica, nisto se baseia todos os que ao verem a mudança na lógica da vida cotidiana provocada pela pandemia, imaginam que a mente e a lógica da vida não mudarão.
O afastamento de Husserl da lógica Matemática para o mundo das experiências, sob forte influência de Franz Brentano que trabalhava a intencionalidade (veja o post anterior o outro eidos), o fez formular um novo mundo das experiências, desde as emoções humanas até a total vida do mundo (Lebenswelt).
Enquanto as Investigações Lógicas datam de 1900 e 1901, a sua ideia de intencionalidade formulada em sua fenomenologia como a volta às coisas mesmas, ou como elas se apresentam a consciência através da redução fenomenológica, o seu epoché, que é o de colocar nossos conceitos e pensamentos entre parênteses, uma discordância clara do cogito cartesiano.
No seu retorno ao eidos grego, promoverá a variação eidética, que pode ser explicada como a partir do epoché fenomenológico (colocar entre parêntesis conceitos) produz uma variação eidética sobre a ideia que tínhamos da coisa (conceitos, pensamentos ou objetos) e ela pode produzir ao final novos “horizontes”, categoria fundamental para o diálogo sobre o novo.
Nosso fenômeno pandêmico produziu um epoché, um novo olhar sobre uma virose mortal, tivemos que produzir uma variação eidética, o que pensamos dessa “gripezinha”, e isto deverá produzir novos “horizontes” sobre os conceitos de como viver o dia a dia: atitudes sanitárias, solidariedade econômica e reformulação total da vida em família: espaços, tempo, alimentação e relações e uso da tecnologia.
Os idealistas continuam a imaginar que tudo voltará a ser como antes, não fizeram o epoché, vivem da “lógica”.
Simplificação, idealismo e pandemia
A ideia de que podemos simplificar fenômenos que são complexos parece um bom caminho, mas simplificar o que é por natureza complexo é ignorar o conjunto de fenômenos e interpretações que estão dentro do fenômeno que se deseja analisar, tenha ele a natureza que tiver, e principalmente se for a natureza humana, porque inclui a complexidade social/cultural.
É muito diferente da busca da essência, os pré-socráticos procuraram definir qual era o elemento essencial da natureza: fogo, ar, átomos, números, o Ser, e assim definiram as principais escolas pré-socráticas, ao perceber que se tratava de um fenômeno mais amplo Sócrates, que é lido por Platão divide em dois mundos: o mundo das Ideias e o mundo sensível, porém qualquer leitor atento não dirá que sua escola simplificou, apenas abriu caminho para uma complexidade maior.
O eidos de Platão e do pré-socrático Parmênides é diferente do idealismo moderno, porque nele existe tanto a conceito de forma, por exemplo, uma cadeira seja qual forma for ela tem seu Ser como sendo feita para sentar.
Do eidos grego vem na etimologia a palavra ideia, hoje duas acepções aceitas, uma que é de um sinônimo de conceito, porém num sentido mais lato é pensado como expressão, tendo como princípio implícito a ideia de intencionalidade (*), e este conceito só foi retomado na filosofia moderna após Franz Brentano e seu aluno Edmund Husserl que aplicou-o a sua fenomenologia.
O idealismo moderno, cuja base fundamental é Kant, embora tenha uma parte comum ao eidos grego, que é a ideia que ao estudar a coisa temos uma projeção do saber sobre ela, reduzindo a ideia que este estudo seria o que caracteriza o objeto de estudo (objetividade), e assim introduz um tipo específico de subjetividade, abstraindo-o do Ser, esta abstração tem em Hegel o ápice.
Kant chegou a pensar que seria possível reduzir todo o pensamento a uns poucos conceitos, seria um grande facilitador para o estudo e para o pensamento, porém seu pensamento resultou numa complexidade ainda maior, e sua simplicidade caiu no dualismo sujeito x objeto, que padecemos.
Toda simplificação leva a algum tipo de subjetivismo ou objetivismo, mesmo em termos religiosos, ao estudar O Fenômeno Humano, Teilhard Chardin declarou que o Homem é a complexificação da natureza, difícil para teólogos e exegetas aceitar, mas lhes faço a pergunta: porque Jesus usou de parábolas para explicar coisas que aparentemente poderiam ser simples ? Porque não eram simples, Aquele que criou o complexo universo é simples só no Amor.
O idealismo é no fundo uma “doutrina” que contém a crença segundo a qual é o pensamento e não o mundo físico que está na origem de todas as coisas, ou seja, o mundo objetivo, o que descobrimos com a pandemia, e a física quântica já sabia e a cosmologia está aprofundando, é que a incerteza é parte do conhecimento, e nos deparamos cada dia com um novo fenômeno.
Afinal um dos pressupostos do idealismo kantiano era a submissão da natureza, ela se rebelou.
Esta é a novidade original que os idealistas não aceitam, e esta novidade nos deveria devolver a humildade, proclamada por todos, mas como idealismo fica presa a dualidade, o erro são os outros, nós sabíamos a verdade, não nem a ciência, nem a fé poderiam imaginar a complexidade do fenômeno que toda humanidade vive, o primeiro passo para enfrentar a pandemia é este: dependo do passo do Outro, e que possamos dar passos juntos, ainda parece difícil.
*Enciclopédia Britânica: Disponível em: https://www.britannica.com/topic/idea , Acesso em: 26/04/2020.
A pandemia no Brasil e a esperança mundial
Iniciamos a semana com um cenário não apenas de sofrimento, ele acontece desde o inicio da pandemia mundial, mas de turbulência política e desinformação sobre a pandemia.
Através de gráficos e números contundentes procuramos mostrar, mesmo para um público leigo e exceto quem é da saúde todos somos um pouco leigos, mostramos a subida da curva e que não dava nem sinais de atenuação (que seria iniciar uma subida menos íngreme) nem de arrefecimento.
A política de informação e intervenção do Ministro da Saúde que saiu era um alento, mas a política atual além de mostrar números frios e “apostar” numa atenuação da curva ainda não há uma clara intervenção na doença, que é tratada como uma fatalidade.
Continuamos defendendo para o Brasil o #LockDown, mas a política é apostar que o pico será em Maio, sem nenhuma análise convincente para isto.
Há sinais na Europa que o pico passou, o líder do Brexit (saída da Inglaterra da comunidade européia), o primeiro-ministro britânico Boris Johnson infectado com o convid-19 agradeceu dois médicos estrangeiros que segundo as próprias palavras dele “salvaram minha vida”.
A pandemia já mudou o modo e a cultura de como pensamos, os líderes e pensadores midiáticos é que não mudam, estão defendendo seu discurso de establishment que rendem palestras caras e a desinformação cultural e social que vivemos, já citei dois pensadores, Edgar Morin que afirmou ao L´Obs que nosso modo de viver “tóxico” está mudando, e Byung Chul Han *no El País) mostrou por que a cultura oriental que é disciplinadora (não confunda-se com a autoritária) favorece o combate a pandemia.
Temos que ter sempre esperança, e a maior que podemos ter nestes tempos de pandemia é aquilo que a humanidade sempre sonhou, uma pátria para todos, o cuidado com a “casa comum” e a reunião dos líderes religiosos: muçulmanos, cristão, drusos e judeus em Jerusalém (foto acima) é sinal que há algo sim em mudança e que a mudança se aprofunde.
A subida ao Divino, como viver na crise
É nestes momentos de crise que se descobre a natureza humana de Deus e a divina do homem, mãos que salvam, que socorrem, que se solidarizam e que apontam caminhos impensados, mas onde estará Deus, o que nos diz esta pandemia com tanta gente morrendo.
Edgar Morin e Patrick Viveret escreveram “Como viver em tempo de Crise”, a tradução brasileira é de 2013 e versão original francesa de 2010, não estão portanto falando desta crise, conhecendo Morin e lendo o livro percebemos que é aquela noite do pensamento que falamos (ver post).
Coerentes com nosso pensamento, ele vai de encontro a ambiguidades, e faz logo de início uma comparação entre Pascal e Descartes: “ Pascal traz o senso de ambiguidade para ele, o ser humano traz em si o melhor e o pior. Descartes não, devemos ser Pascalinos“ (pg. 10) e se permitimos o senso religioso também seres pascais, passar da morte para a vida, e viver na crise.
Há um pensamento profundo em Morin, que já expressou de outras formas, que neste livro é mais surpreendente: “Gostaria de propor, a respeito do período histórico que entramos, uma leitura próxima àquela do Apocalipse, no sentido original da expressão (sic), não de catástrofe, mas de revelação (grifo nosso), de um tempo crítico da humanidade consigo mesma, permitindo-lhe trabalhar o essencial” (pg. 34), acusá-lo de religioso seria ignorância e de sem esperança, má leitura.
Chama o modelo da crise que vivemos de DCD, “desregulação, competição desenfreada, deslocamento*”, em nota explicando este último, é a produção manufatureira deslocada de um país para outro, concentrada na China por exemplo, o caso de equipamentos e máscaras necessários para o combate ao corona vírus.
Este modelo com fundamentos econômicos, é chamado por Karl Polanyi de “sociedade de mercado” e que atualmente é chamado por Joseph Stiglitz de “fundamentalismo mercante” (p. 36), os autores dão o diagnóstico da crise: “formado por esta dupla excesso/mal-estar” (p. 40).
Dão ainda dois diagnósticos essenciais e surpreendentes, dizendo que Bin Laden que era muçulmano citava o Satã do Apocalipse para se referir a Roma, e diz “qual é a grande força dos profetas É precisamente dizer que a questão do desumano nos é interior” (p. 58), “A ideia que o mal são os outros nos impede de tratar a própria barbárie interior” (idem).
Parece que ficamos sem saída, mas a resposta dos autores é precisa: “O provável é aquilo que, em determinado lugar e momento, projeta um observador inteligente, dispondo das melhores informações sobre o passado e presente, para o futuro. O provável, portanto, é que caminhamos para o abismo. E, no entanto, sempre houve o elemento improvável na história humana” (p. 21).
Assim tanto a mudança interior, como alguma intervenção “improvável” acontecem na história.
Todo o capítulo 3 do evangelista João é marcado por uma revelação, que se faz ao caminhar com os homens, e mostra como a realidade divina de Jesus Ressuscitado é contextual e adaptada ao mundo, no entanto “aquele que Deus enviou fala a linguagem de Deus” (Jo 3, 34), e é claro que boa parte do discurso religioso não expressa isto, mas apenas a ambiguidade humana, que existe como afirma Morin, mas só é superada pelo improvável, ao aderir a ela há uma nova mudança.
MORIN, Edgar; Viveret, Patrick. Como viver em tempo de crise. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.
O caminho da subida
Tanto para a fé como para a ciência o caminho de subida é contemplar a verdade e como propõe o filósofo da ciência Karl Popper, trilhar o caminho da falseabilidade e a ciência como projeto humano, não é impassível de transformação, por isto surgem diversas teorias.
Porém a arrogância e uso de autoritarismo é incompatível com a fé, a Encíclica Veritas Splendor de João Paulo II, ao lado da afirmação da fé estabelece também na alínea 39: Não só o mundo, mas o homem mesmo foi confiado ao seu próprio cuidado e responsabilidade. Deus deixou-o «entregue à sua própria decisão» (Sir 15, 14), para que procurasse o seu Criador e alcançasse livremente a perfeição Alcançar. significa edificar pessoalmente em si próprio tal perfeição”, não se trata da perfeição platônica, mas exatamente da subida que Teilhard Chardin propõe, é, portanto, um caminho e não um estado, assim há pessoas capazes de atitudes externas, mas sem valores.
O diálogo pode ser estabelecido nestas circunstâncias, e há determinados assuntos, como é o caso da medicina e muitas outras profissões é necessário que a verdade, ou a verificação da falseabilidade como propôs Popper, seja verificada pela ciência.
Um comentário sobre a fé, é interessante que Jesus Ressuscitado que aparece depois da Páscoa, vai assar um peixe, conversar com Tomé que põe em dúvida que estaria vivo, exortar os discípulos, mas não há nele nenhuma demonstração de espetáculos ou de milagres.
O iluminismo pretendeu apresentar sua luz, porém é na “clareira” heideggeriana que a filosofia moderna encontrou um caminho, a retomada ontológica, e só através dela pode-se sair melhor da crise pandêmica, olhar um mundo terreno onde habita o Ser.
Temos que caminhar na luz, mas com a vida do dia a dia e não rejeitar a verdade, porém o caminho da falseabilidade, isto é, propor que alguma asserção é falsa até que prove sua verdade é um caminho seguro para a ciência e a fé não é cega, senão não dá esperança real.