RSS
 

Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

Aretê e retidão

01 fev

É preciso compreender que na filosofia antiga, principalmente em Aristóteles e Platão, o objetivo é desenvolver uma filosofia para a polis, educação o político (para Platão ele deve ser um filósofo no sentido de excelência do pensamento) e para Aristóteles o cidadão, considerando que somente homens livres estavam aptos para a cidadania.

Assim aretê traduzido como virtude, é também uma característica de uma excelência particular, mas não é sua tradução como propõe alguns interpretes, a palavra que Aristóteles usa para isto é phronesis, um pensamento teórico prático que leva a uma sabedoria especial.

Não podemos supor que homens que não tem uma vida particular de “excelência” e a vive com sabedoria sejam homens aptos ao exercício público, o apego ao poder, ao dinheiro e aos vícios da vida contemporânea, feitos em nome da liberdade, inibem a capacidade do político.

Não se fala mais no campo moral, não se trata do roubo e da mentira, o nome dado hoje é de fake News devido sua publicização pela mídia, e a mentira pode ter perna curta, mas sua ação confunde a vida social, desinforma e leva a outros vícios, além do fanatismo pessoal.

É importante abordar também a questão da liberdade, podemos fazer o que quisermos, mas não podemos ignorar as consequências, uma vida imoral e desonesta não leva a uma vida social justa e equilibrada, os outros vícios acompanharão a ganância e o poder pelo poder.

Assim não tarda a aparecer naqueles que veem a liberdade neste sentido equivocada pagam com deformações na vida pessoal, envolvimento com forças antissociais, por exemplo, desde o tráfico até mortes e trafego de pessoas, como aqueles que já ganharam publicidade.

É difícil neste contexto de uma visão equivocada de liberdade, falam de retidão, de bons costumes, do pessoal ao social, de empatia e solidariedade, o que existe é demagogia apenas para o exercício imoral da política, do poder e do dinheiro público.

 

Cultura, Inteligência e Sabedoria

31 jan

O problema da cultura contemporânea já foi abordado em vários posts, o psiquiatra Anthony Daniels que assina seus livros como Theodore Dalrymple (O que fizemos de Nossa Cultura, Qualquer coisa serve, A faca entrou, etc.), a inteligência segue sendo questionada agora com o bode expiatório do universo digital, mas cuja crise vem desde o início do século passado (o neopositivismo, o neologicismo e a visão simplista da realidade), agora toma contornos de uma falta de equilíbrio, de bom senso e até mesmo de algum sentido de humanidade.

Edgar Morin explica esta falta de sabedoria através da visão disciplinar e segmentada da realidade, uma ausência completa de uma visão complexa e ampla que dá origem ao que ele chama de policrise, porém é importante questionar o que é sabedoria.

No sentido grego não é um saber privado no sentido da  moral e sim público e social, que visa minimizar exacerbações de impulsividade egocêntrica do eu, quando colocada numa perspectiva da obra de arte atinge um patamar de princípio universal, bom e belo.

A palavra grega como “amigo do saber” ou do conhecimento é reducionista, uma das palavras judaicas para sabedoria é chokmah ou tushiya que significam sabedoria que conduz a um sucesso prático, parece mais adequado a realidade atual, porque é sábio se tem sentido prático para a vida de cada pessoa e do conjunto da humanidade.

Isto está bem de acordo com a palavra grega proposta em função de uma virtude, a phronesis, que costuma-se traduzir por prudência, termo que o filósofo contemporâneo Hans-Georg Gadamer adota mas o traduz por serenidade, julgando mais próximo que prudência.

Os que clamam por um saber meramente objetivo, bem ao sabor idealista, na realidade são pouco práticos indicando ausência de sabedoria, tornam-se impulsivos e activos (no sentido da Vita activa que Hanna Arendt e Byung Chul Han reclamam), típico da sociedade do cansaço.

Queremos um saber rápido, consumista ou midiático e ele nada ou pouco tem a ver com a sabedoria, que requer pensamento, contemplação e pensamento não imediato sobre os fatos.

A sociedade atual desviou-se do saber prático porque reclama por inteligência e cultura sem perceber a conexão profunda que deve ter com sabedoria que vem de uma reflexão mais profunda sobre o Ser, as coisas e a essência da vida.

Defendemos a paz, mas não evitamos a catástrofe, a guerra, o ódio e o diálogo e o respeito com o diferente, não há sabedoria prática neste tipo de pensamento contemporâneo.

 

Resistência ou catástrofe

30 jan

Assim diz o artigo do centenário pensador e educador Edgar Morin, no artigo para o Jornal italiano La Reppublica, estamos “nos encaminhando para prováveis catástrofes”.

E pergunta: Isso é catastrofismo? Essa palavra exorciza o mal e dá uma serenidade ilusória. A policrise que estamos vivendo em todo o planeta é uma crise antropológica: é a crise da humanidade que não consegue se tornar Humanidade, a palavra policrise já foi utilizada pelo autor em outros contextos: a do pensamento, a crise ecológica e social, agora acrescenta uma antropológica, outros autores dizem a crise da idade do antropoceno.

Ele como outros autores apontaram para esta crise, mas acreditavam que era possível uma mudança de rumo, agora já parece tarde demais, “não sabemos se a situação mundial é desesperadora ou realmente desesperada”, não significa com ou sem esperança, como ou sem desespero, temos que passar para uma Resistência, e agora diferente daquela da 2ª. guerra na qual a França estava ocupada pelos nazistas (foto), agora o mundo está ocupado pela polarização e pelo ódio.

Os fatos e situações nos arrastam para uma guerra sem precedentes, “estamos condenados a sofrer a luta entre dois gigantes imperialistas com a possível intervenção bélica de um terceiro”, assim diz o autor, “a primeira resistência é aquela do espírito, que deve ser capaz de resistir à intimidação de todas as mentiras espalhadas como verdade e o contágio de todas as embriaguezes coletivas”, pede um espírito de sobriedade e de quem crê, de fé e esperança.

Hoje devemos saber como resistir ao ódio e ao desprezo, “requer o esforço de compreender a complexidade dos problemas sem nunca ceder a uma visão parcial ou unilateral. Requer pesquisa, verificação das informações e aceitação das incertezas” escreveu Morin.

Esta “resistência também implica na coordenação de associações que se dediquem à solidariedade e à rejeição do ódio. A resistência prepararia assim as jovens gerações a pensar e agir pelas forças da união, da fraternidade, da vida e do amor”.

Não se trata de achar onde há justiça em algum tipo de ódio, mas odiar o próprio ódio, não se trata de fazer torcida para este ou aquele lado da guerra, mas fazer guerra a própria guerra.

A resistência que Morin pede deve envolver todas as pessoas de boa vontade e a solidariedade entre aqueles que realmente além do discurso, sabem as consequências de uma guerra assim.

 

A resistência do espírito da humanidade

29 jan

Victor Serge escreveu “Meia noite do século” em 1939, já em plena 2ª. guerra mundial, agora em artigo publicado em La Reppublica, em 24-01-2024, o sociólogo francês Edgar Morin publicou um artigo: “A resistência do espírito” sobre a crise das guerras atuais.

Serge, um anarquista de origem, que chegou a apoiar a Revolução Russa, viu ela se burocratizar e perseguir todos os inimigos reais e imaginários no período stalinista, descrito em “O grande Terror” (1934-38), anos antes de descrever o horror a meia noite, e o que disser de hoje.

A guerra na Ucrânia mobilizou ajudas econômicos de boa parte do mundo, enquanto do lado russo enfraquecido economicamente pelas sanções impostas pelas nações ocidentais, tanto fortaleceu o desenvolvimento técno-científico quanto o bloco formado com a China.

Um novo foco surgiu após um massacre de civis feito pelo Hamas no dia 7 de outubro de 2023, aos quais se seguiram bombardeios mortais de Israel na faixa de Gaza.

Na análise de Morin, já a algum tempo desenvolvida, o progresso do conhecimento se deu criando barreiras em disciplinas cada vez mais fechadas em seu objeto, que leva a um novo tipo de pensamento quase cego, ligado ao domínio do cálculo num mundo tecnocrático, o progresso do conhecimento não dá conta da complexidade da realidade e torna-se cego.

O resultado de uma falta de clareza e compreensão da vida humana exposta pela facilidade de acesso ao conjunto da vida no planeta, sem sua compreensão, levou aos dogmatismos e aos fanatismos, e uma crise da moral enquanto se espalham os ódios e as idolatrias.

Lembrando os anos da ocupação nazista na França (foto Carentan France, June 1944 From the LIFE Magazine Archives), em que o próprio Morin foi membro da Resistência Francesa, ele evoca agora uma resistência do espírito que evita uma ação quase desesperada ou realmente desesperada, e mantém a esperança através da Resistência.

Esta resistência implica em salvaguardar ou criar um oásis de comunidades dotadas de uma palavra de relativa autonomia (agroecológica) e de redes de economia social e solidária.

Esta ação também implica em associações que se dediquem à solidariedade e rejeição ao ódio.

 

Ontologia e Poder

26 jan

Não os aspectos externos que evidenciam que tipo de poder alimentamos e defendemos no dia a dia, mas aqueles que concretamente colocamos no interior do nosso Ser e praticamos como consequência daquilo que temos dentro.

Assim como os vícios, as virtudes também podem ter um círculo virtuoso, podem se tornar hábitos, e diante de cada fenômeno ou coisa, tomamos uma atitude que tem uma intenção boa ou má.

O poder é força, capacidade e, ao mesmo tempo, autoridade, mas existe a autoridade do testemunho e do reconhecimento público, que é um poder que se impõe pelo respeito, a única relação que pode dar-lhe simetria (igualdade diante do Outro), e existe o poder da força, aquele que leva a opressão e em última análise, as guerras.

Encontramos isto na filosofia do Idealismo, que levou a uma concepção de Absoluto e de Estado, cujo auge foi o idealismo hegeliano, e podemos encontra-la no dia-a-dia em teorias de autoestima, de autovalorização em detrimento do Outro e literatura que enfatizam o “Eu”.

A ontologia que é o estudo mais profundo do Ser e do Ente, ao contrário vai em busca das raízes mais profundas deste Ser e da realização individual sem esquecer a relação com o Outro e com as coisas, se há uma ênfase nas “coisas” hoje (ver Não-coisas de Byung Chul Han), as relações concretas com a natureza, com os alimentos e com o dinheiro diz algo do que somos.

Nesta filosofia a essência é tratada como elemento característico do ser em alguém, como a racionalidade, que faz o homem, para santo Tomás de Aquino, esta essência é “quididade” (a coisa em-si) ou a “natureza” que abrange tudo que está expresso na definição da coisa, tanto na sua forma com a sua matéria.

Não há conceitos em Ontologia e sim uma conceitualização que é relação com Ser nas linguagens, hoje a chamada virada linguística vê o conceito assim.

Esta filosofia embora metafísica é considerada realismo, em oposição ao nominalismo onde o dar nome as coisas e conceitua-la é mais forte que a essência daquilo que é, observamos isto em todos campos da filosofia e da vida humana, somos um “rótulo” e não aquilo que somos interiormente e essencialmente.

A autoridade de quem expulsa aquilo que é mau para a essência da vida humana, do processo civilizatório deve ser analisada a luz destas categorias e não apenas na perspectiva do poder.

A essência da autoridade de Cristo, que dá base a sua “cultura” era um tipo de Autoridade em essência, diz a leitura: “Todos ficavam admirados com seu ensinamento, pois ensinava com quem tem autoridade, não como os mestres da Lei” (Mc 1,22) e até expulsava “demônios”.

 

Mudança de rota e poder

25 jan

Hoje é dia da cidade de São Paulo, e também é comemorado por boa parte dos cristãos o dia do apóstolo Paulo, não coincidência pois o nome da cidade foi dado devido ao apóstolo, ainda no tempo da colonização portuguesa no Brasil.

Era chamado Saulo de Tarso, cidade da Cilicia onde nasceu ano 5 d.C. e era um judeu muito instruído que combatia o cristianismo como uma seita cristã, sendo um dos responsáveis inclusive pela morte de Estevão, o primeiro mártir cristão.

Aconteceu que no caminho de Damasco (foto) através de um tombo do cavalo, figura usada até hoje para indicar pessoas que mudam de mentalidade e de rota, ele tem uma revelação mística e fica cego, e nesta visão ele é indicado a ir ao encontro de Ananias, e tem a vista restaurada.

A partir daí é chamado de Paulo e será responsável para levar seu apostolado até os gentios, como eram chamados o que não eram judeus, visto que este era o povo escolhido por Deus, então o cristianismo sai de seus limites judaicos e chega até gregos, romanos e outros povos que viviam no Império Romano.

Sua elaboração do pensamento irá então extrapolar os limites dos costumes judaicos, embora com algumas controvérsias como a necessidade de circuncisão, ele será o primeiro e importante teólogo do cristianismo, tendo influenciado pensadores como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, importantes para o cristianismo, mas também para a filosofia.

Paulo entenderá que não se trata de uma luta pelo poder humano e nem um combate contra os domínios do poder temporal, e sim o combate a mentalidade terrena que não alcança valores além do poder, da riqueza e das paixões humanas.

Sem Paulo, provavelmente o cristianismo não teria saído dos domínios judaicos, nem chegaria a Grécia, a Roma e a todo império romano e depois ao mundo todo, apesar da perseguição dos poderes locais ele se expandia no mundo dos povos e se enraizava dentro das culturas.

A rota civilizatória e humana não pode almejar somente a tomada do poder e a submissão aos valores deste poder, sem uma base humana sólida, com valores atemporais, o poder fica confinado a dimensão das armas e da opressão.

A paz, a harmonia entre os povos, o respeito a diversidade cultural não pode estar submetido ao poder das armas e da opressão, da falta de liberdade e ausência de diálogo e respeito.

 

Pensamento do Estado

24 jan

O modelo de estado, conforme visto em posts anteriores, vindo da antiguidade clássica, foi profundamente transformado pelo contratualismo (Hobbes, Locke e Rousseau) e pelo pensamento de estado de Hegel, cria categorias como Filosofia do Espírito e um complexo pensamento baseado na tríade que desenvolve um caminho cíclico, passando por contradição de opostos (tese e antítese) e síntese que gera novos opostos.

Supõe que o Estado possui ética e lei superiores que se só se objetiva se for cumprida, por ser apenas formal (ou seja, permanece idealista) e a Constituição resulta supostamente do espírito do povo e deve ser pensada como em constante formação.

O Estado, na sua suposição teórica, existe para si em virtude de uma necessidade natural, que para ele é “divina”, pois esta necessidade, para se fundar, não tem necessidade do consentimento dos indivíduos, nem de nenhum contrato, enfim, é um Absoluto poder.

Sua teoria tem a pretensão de representar um pensamento acabado, que tem por fim de ser o limite da própria filosofia, dá aqui para entender a frase paradoxal de Marx (um hegeliano) que afirma que os filósofos agora devem mudar a realidade, criando o estado “puro” sonhado por Hegel, seria um fim da filosofia, sistema que sem dúvida se iniciou com Platão e tinha como objetivo a política (a formação dos cidadãos para a polis).

Este pensamento último, afirma Hegel “essa ciência é a unidade da arte e da religião. Por conseguinte, a filosofia se determina de modo a ser um conhecimento da necessidade do conteúdo da representação absoluta” (HEGEL, 1995, p. 351).

Em seus escritos de juventude Hegel escreveu seu tema central sobre a problemática teológica, isso porque o futuro professor de Berlim formulou inúmeras reflexões acerca do cristianismo, sempre tendo a cultura grega como base para o ideal de organização política, chegando a comparar Jesus a Sócrates, assim estas teorias são mais antigas do que se pensa.

No terceiro volume da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, ensaia o que aprofundará depois em sua publicação da Filosofia do Direito, em 1821, um estudo do Estado (eticidade) que se diferencia da época porque retoma uma concepção teleológica da relação entre universal- particular, sua filosofia e elaboração na medida em que usa o Direito não deixa de ser ideal.

Sendo um de seus seguidores Hegel foi fortemente influenciado por Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854), que tenta estabelecer uma relação entre o real-ideal da concepção política, Marx fará uma crítica a estes filósofos “mais idealistas” se autodenominando neo-Hegeliano, uma filosofia da terra “para o céu”, ou seja, um idealismo invertido, mas ainda é.

A ideia que esta teoria política poderia se aproximar da ontologia, vem de um simplismo onde o Ser é confundido com o pensar (lembremos que isto é cartesiano: Penso logo existo) e assim sua ontologia seria que o Ser, compreendido pela dimensão do pensamento, identidade absoluta, busca a superação do objeto-sujeito, ser-pensar e nesta última relação é preciso ver não um dualismo, mas uma separação, já que na ontologia clássica se estuda o ser como são e não com suas propriedades particulares e fatos, é retornar a sua essência metafísica.

HEGEL, G. W. F. 1995.  Enciclopédia das Ciências Filosóficas V. III. São Paulo: ed. Loyola.

 

O sofisma moderno

23 jan

Além da crise do pensamento, da crise social que não conseguimos resolver em mais de um século de um espetacular desenvolvimento das forças e tecnologias que interferem na natureza e deveriam ajudar o homem e não destruir a natureza, talvez a crise civilizatória mais comum esteja na política, uso talvez porque o pensamento que dá base a ela se perdeu.

O modelo da sociedade moderna começou na Grécia antiga e Platão se refere a este modelo principalmente em sua obra “A república”, porém o embate inicial é contra aquilo que era usado como forma de poder de seu tempo: o pensamento sofista.

É preciso definir o sofista para que ele não seja confundido com o filósofo ou com o político, Platão parte do pressuposto de que a nenhum homem é dado o poder de conhecer todas as coisas, o que o tornaria um deus, e na propaganda enganosa do sofista, ele poderia ensinar tão somente uma aparência de ciência universal, e aqui se encontrar a dificuldade de estabelecer o que é a falsidade e a verdade de um discurso enganador, assim está presente em qualquer discurso.

Esta dificuldade entre a verdade e a falsidade é aquela que fomenta uma discussão ontológica, se estabelece assim uma arte da ilusão, faz-se necessário investigar quais são os parâmetros que assim a delimitam e o que propicia esse poder de ilusão, além de determinar qual o seu objeto e sua relação com o que é imitado, assim o sofista não é um leigo, ele possui sim uma arte que deve ser justificada como ilusória e prejudicial quando se pretende formular uma crítica e estabelecer o princípio ou norma ideal para se educar.

Este é o sofisma moderno, o que é educar, agora não se tratam apenas de correntes de Piaget, Skinner, Construtivista, Vygotsky ou qualquer uma das “modernas” teorias da aprendizagem, e sim o problema da fragmentação e vulgarização do conhecimento, onde até questões básicas de matemática, geografia ou literatura, por exemplo, são completamente ignoradas no ensino.

Dois sofismas modernos, só para dar um exemplo, de argumentos aparentemente lógicas que levam a conclusões equivocadas: “Quem não trabalha tem muito tempo livre”, a ideia de usar a força do conhecimento da multidão levou muitas pessoas a investirem o “tempo ocioso” em atividades de mídias sociais, jogos virtuais que são caça níqueis etc., outra espiritual é aquela que imagina um Deus ou uma energia criadora de fortunas e resolução automáticas de coisas complexas da vida, a lógica é “Se Deus é amor e eu amo a Deus minha vida está resolvida”, o esforço, a dedicação e o trabalho pessoal deve vir junto a esta atitude e isto sim significa ter atitudes compatíveis com uma vida digna religiosa: honestidade, fraternidade com os que dependem de nós e resiliência em momentos de dificuldades, que são normais na vida.

Platão ao elaborar a República não esqueceu as virtudes do homem público e toda filosofia trabalhou neste sentido, porém os equívocos no pensamento (filosofia) e na sociedade (ou na política) são decorrentes do desenvolvimento do pensamento antigo em uma direção sempre verdadeira, apesar de lógica, pois a lógica instrumentalizada pode ser um sofisma em certos contextos.

 

Guerra no Baluchistão

22 jan

Creio que a maioria das pessoas ignora a existência desta região que chega a ser 44% do território do Paquistão, ela foi bombardeada pelo Irã na semana passada (16/01), em resposta o Paquistão bombardeou o Irã iniciando um conflito que pode escalar entre os países, na mesma semana que bombardeou alvos na Síria e Iraque.

Segundo o Paquistão os mísseis da quinta-feira (18/1) tiveram como alvo “esconderijos terroristas” e mataram 9 pessoas, tudo isto significa que o exercito da Guarda Revolucionária Islâmica se pôs em ação, assim como crescem as tensões entre Houthis e EUA no mar vermelho.

Algo pouco divulgado, mas que é estratégico na economia mundial é a rota econômica que se inicia em Gwadar no Baluchistão até Kashgar (China), a China tem investido em rotas terrestres.

A região do Baluchistão (mapa) tem mais de 12 milhões de habitantes, é rica em minério de ouro e é considerada uma espécie de “terra sem lei”, porém mais que o interesse econômico, o que a guerra ali desperta é o alerta e a prontidão da Guarda Revolucionária Islâmica que sinaliza contra Israel em tensão na faixa de Gaza.

A guerra da Ucrânia também piora as tensões, a retórica dura do governo francês de Macron, que afirmou que “a Rússia não pode ganhar a guerra” endurece as tensões da Otan com os duros ataques a diversas cidades Ucranianas provocando um caos no país.

As narrativas procuram justificar à direita ou à esquerda aquilo que é óbvio, sofre a população civil, numa escala maior a população mundial se uma recessão vier, pioram as relações desde as econômicas até as sociais e a paz fica cada vez mais distantes.

Não há justificativas para uma “guerra justa”, se no passado as rígidas divisões territoriais e a “riqueza das nações” (um clássico de Adam Smith, que Marx leu para escrever o Capital) eram uma realidade, hoje só a justificativa do poder e da ganância justificam um neocolonialismo.

Rompe-se com a verdade, com o bom-senso e até mesmo com a razão, para poder justificar uma lógica de poder, já na antiguidade afirmava Platão: “Se surgisse uma cidade de homens bons, é provável que nela se lutasse para fugir do poder, como agora se luta para obtê-lo, e tornar-se-ia evidente que, na verdade, o governante autêntico não deve visar ao seu próprio interesse, mas ao do governado” (Platão, A República).

 

O tempo da clareira

19 jan

Se estamos em tempos impróprio para o pensamento e a inteligência, impróprios para valores humanos e morais, significa que também é um tempo de clareira, é um tempo que muitas consciências e homens poderão despertar e enxergar e encontrar a clareira.

É preciso para isto uma metanóia no pensamento filosófico, política, cotidiano e até religioso, lembrem-se que os profetas foram mortos e ignorados justamente por gente “religiosa”.

O limiar de uma crise civilizatória e humanitária sem limites está próximo, mas se olharmos a cultura cotidiana, disto falamos tanto do brasileiríssimo Ariano Suassuna até o inglês Anthony Daniels nos posts anteriores, também a política e o pensamento parece polarizado entre dois estremos que em muitos valores se confundem, e um deles é a guerra e o desejo de poder.

Até mesmo os que invocam a paz escondem interesses de poder, de ganância por maior riqueza e opressão daqueles que julga proteger, é triste um cenário de pouca luz e onde os homens de boa vontade que desejam um olhar menos sombrio para o futuro devem ter.

Olhando a etimologia da palavra clareira na filosofia de Heidegger, ela vem da palavra alemã Lichtung, cujo significado além do de clareira na floresta (ele próprio viveu alguns anos na floresta negra da Alemanha), sua raiz Licht é a palavra para luz, que significará coisas ocultas, ou entes cuja verdade deve vir à tona, assim alguns tradutores usam como desvelar.

Que tempo propício é este, e porque nos aproximamos dele, porque sempre que as palavras proféticas de pensadores e místicos que pedem uma mudança de rumo na humana não foram ouvidas, se aproxima este tempo de escuridão seguido de uma grande clareira.

Na passagem bíblica de Marcos 1,1-19, Jesus esclarece que a morte de João Batista é este sinal da clareira, que Herodes pediu a cabeça numa bandeja para a esposa depois que a filha Herodíade dançou para o rei, a morte do último e maior profeta inicia um novo tempo.

Diz a leitura (Mc 1,15): “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei- vos e crede no Evangelho”, e para os que creem na clareira bíblica, é o tempo da mudança.

Tempo de recuperar e viver verdadeiros valores humanitários, ainda que não sejam cristãos, o desejo de paz, de olhar para o Outro com a dignidade que cada um tem e de viver a justiça.