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As raízes do iluminismo e do dualismo
Karl Popper em “O mundo de Parmênides: ensaios sobre o iluminismo pré-socrático” esclarece dois pontos fundamentais da essência do pensamento contemporâneo em suas raízes gregas: o problema de Parmênides com relação a verdade, onde já há certa dose de relativismo e a negação da ontologia, onde o ser não é visto como tendo relação com o ente, separação originária entre sujeito e objeto.
Popper descreve a origem da doxa, através do poema (fragmentos) de Parmênides, através da revelação da deusa Diké:
“A revelação divide-se em duas partes como deixa claro a deusa. Na primeira parte a deusa revela a verdade – toda a verdade, acerca do que realmente existe: acerca do mundo e das coisas em si mesmas. Na segunda parte, a deusa fala sobre o mundo das aparências, acerca do mundo ilusório do homem mortal” (Popper, 2014, p. 134).
Esclarece Popper esta divisão da revelação: “… habitualmente diferenciadas como a “via da Verdade” e a “Via da Opinião”, cria o primeiro e maior problema não resolvido acerca da obra de Parmênides” (idem), e faz a indagação do porquê a deusa “… contivesse não só uma explicação verdadeira do universo, mas também uma explicação inverídica, como ela diz explicitamente” (idem), é fácil explicar mesmo hoje com o avanço enorme da ciência iluminista, pouco sabemos.
Porém o idealismo inicial de Parmênides, cujo fundamento o ser é e o não ser não é, que não é uma ontologia, é Popper também que defende isto ao contrário de muitos filósofos: “não creio que exista algo como uma ontologia ou teoria do ser ou que se possa atribuir seriamente uma ontologia a Parmênides” (Popper, 2014, p. 137).
A sua tentativa de “provar” um enunciado ontológico é tautológica, dita assim “só que é (existe) é (existe)”, mas não há como a partir de uma teoria tautológica para criar ou derivar uma não-tautológica, assim a teoria do ser aí é vazia, como explica Popper, e eu diria uma visão dualista.
Porém é este tipo de eidos transformado em ideia do ser é ou não é, que chegou ao idealismo, Popper chega a dizer até mesmo que uma verdadeira epistemologia nasceu de Parmênides, e a visão iluminista desenvolvida no livro de Popper como “o iluminismo pré-socrático”.
Isto significa que herdamos de Parmênides, através do iluminismo, o dualismo da “via da verdade” e a ‘via da opinião”, e estas duas vias sempre assombrou os filósofos diz Popper.
Assim convivemos até hoje com os sofismas, em lógicas cada vez mais trabalhadas, afinal o poder dos sofistas sempre estive em sofisticar suas argumentações, porém não saímos desta herança e o iluminismo de fato tem raízes parmenidianas, e o esquecimento do ser ainda é presente hoje.
POPPER, K. O Mundo de Parmênides: Ensaios sobre o iluminismo pré-socrático. trad. Roberto Leal Ferreira. 1ª. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
Parir o conhecimento e a fenomenologia
A definição do método fenomenologia como forma de conhecimento é segundo o dicionário de filosofia (Abbagnano, 2000, p. 437) como “descrição daquilo que aparece ou ciência que tem como objetivo ou projeto essa descrição”, sendo o fenômeno “aquilo que aparece ou se manifesta” (idem).
O filósofo alemão Edmund Husserl (1859-1938) desenvolveu como uma maneira radical de rever metodologias e conceitos da ciência com pressupostos lógicos e positivistas, partindo de como as coisas (o conceito de objeto é também ultrapassado aqui, ele é ligado ao sujeito) tem sua aparição à consciência, e a partir daí “ir ao encontro das coisas em si mesmas” (HUSSERL, 2008, p. 17).
A intencionalidade é a marca fundamental na consciência fenomenologia, ela está sempre voltada para fora de si, para algo, mas não é nem substância, nem invólucro, é uma intuição, uma evidência apodítica, e este é o parir da fenomenologia.
O primeiro passo deste método para “vasculhar” o fenômeno é a redução fenomenológica (epoché), uma suspensão de nossos conceitos ou pré-conceitos, colocando-os entre parênteses, já que é impossível separar o sujeito do objeto, quando de sua aparição algo se manifestará já.
Partindo desta “suspensão de juízo” (é usada por outras correntes do pensamento), perscrutar o fenômeno em sua “pureza” e evitar aquilo que seria uma “atitude natural” na apreensão e análise do fenômeno, depois realizar uma redução ou variação eidética (a ideia no sentido grego é uma imagem antes que um conceito), ela passa por um nível psicológico e um nível transcendental.
Aqui tornar-se algo como “consciência pura”, Husserl chama de “atitude fenomenológica”, ela permite novas perspectivas (Abschattungen) e diversas variações de perfil (Abschatung), é importante as raízes alemãs, porque percebe-se que uma é uma “variação” da outra, é o eidos.
É precisamente nesta variação eidética que se dá, na consciência, algo que vai objeto percebido (noesis) ao noema, um complexo de predicados e de modos a ser dados pela experiência.
A coisa que se apresenta a minha consciência não é apenas abstrata, não tem sua existência negada, o que Husserl defende é que temos uma percepção do algo (objeto para o idealismo), que só se sustenta na possibilidade de diversos perfis (abschatung) que ele é apreendido.
Resta-nos duas perguntas se isto está separado de sua materialidade (hylé para os gregos) e se é possível pensar nesta consciência como consciência do mundo, a transcendência na história.
HUSSERL, E. A crise da humanidade europeia e a filosofia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
A maiêutica e parir o conhecimento
O método socrático era que o filósofo acreditava que ninguém tinha respostas definitivas para suas perguntas e desse modo andava pelas ruas de Atenas fazendo questões que considerava básicas sobre política, moralidade e a verdade, a jovem democracia estava se corrompendo.
Assim fazia que cada pessoa pudesse “parir” respostas, e a cada respostas fazia novas perguntas, assim definia-se como “parteiro de ideias”, procurava assim instruir os “cidadãos”.
Seus adversários eram os sofistas que se baseavam apenas na arte da persuasão, e objetivo era bajular os governantes e dar respostas que as pessoas queriam ouvir.
Mas muitas pessoas, especialmente os jovens, eram envolvidos por sua sabedoria e ensinamentos, entre eles estava o discípulo Platão que é quem descreve os diversos diálogos socráticos.
Assim seu método era oposto aos dos sofistas baseados na retórica e na arte da persuasão, suas teses eram as mais diversas, Górgias por exemplo, defendia que “nada existe”, Protágoras que “o homem é a medida de todas as coisas”, além disto cobravam pelas aulas.
Aristóteles vai defini-lo como “a sabedoria (sapientia) aparente, mas não real”, mas ela não desapareceu por completo, foi ao longo da história mudando de forma e de discurso, porém essencialmente é a retórica, hoje por exemplo, pensadores performáticos e autorreferenciais.
A grande oposição de Sócrates aos sofistas era que eles, com recurso da persuasão e retórica, proclamavam apenas “opinião” chamadas de doxa e Platão, discípulo e divulgador de Sócrates, vai organizar a “episteme”, o conhecimento deve ser organização a partir dos seus “cortornos, limites, de seus aspectos e de sua aparência”, descritos como sua “dialética”.
Também Bachelard em nosso tempo critica a opinião como não científica: “A ciência, tanto em sua necessidade de acabamento como em seu princípio, opõe-se absolutamente à opinião” em sua obra: A Formação do Espírito Científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento.
Sócrates, acusado de subverter os jovens e não prestar cultos aos deuses do estado, foi condenado a morte, Platão desenvolverá seu método e criará uma escola de pensamento.
O conhecimento e uma nova Paideia
Paideia era o ideal de educação de Sócrates, o eidos para ser mais exato, mais que formar o homem deveria formar o cidadão, lembre-se e contextualize que a cidade-estado era uma forma de organização específica onde a polis surge como uma organização extra civilizatória, ou seja, não era mera forma de poder, e sim como pensar a cidade como ética e virtude, o primeiro esboço de uma ideia de bem-comum.
Assim definiu Platão, já que só conhecemos Sócrates por Platão, a Paideia era: “(…) a essência de toda a verdadeira educação ou Paideia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento”, olhando a sociedade atual é fácil de perceber que não o atingimos.
Contextualizando o período de Sócrates e dos sofistas é aquele em que enquanto o primeiro dizia que era possível e necessário além de organizar o ethos, e da práxis, o conhecimento para alcança-los, este conjunto é a episteme.
A episteme, conhecimento verdadeiro, de natureza científica, em oposição à opinião infundada ou irrefletida, era uma clara oposição aos sofistas, que entre outras coisas diziam que a verdade não pode ser alcançada, então tudo eram formas de manipular a verdade, em termos atuais, apenas narrativas de acordo com conveniências.
Górgias (485-380 a.C.) dizia textualmente: “Nada é; se alguma coisa fosse, não poderia ser entendida; e se pudesse ser entendido, não poderia ser comunicado a outras pessoas”, tese que será negada por Platão, e a alegoria mais conhecida é o mito da caverna que é uma metáfora, e cuja episteme se desenvolverá nas categorias de Aristóteles, com o problema da analogia já abordado.
O conhecimento platônico/aristotélico por um longo percurso da idade médica, podendo ser citados Agostinho Hipona que imagina que a verdade como podendo ser obtida por meio da autorreflexão feita pelo homem e sua interiorização em Deus, na baixa idade média Boécio desenvolve a ideia dos universais e particulares, cuja discussão se dividirá entre nominalistas.
Os nominalistas não admitiam a existência de universais, Roscelino de Compiègne (1050-1120) é um dos fundadores, e por outro lado realistas, como Tomás de Aquino todas as entidades, podem ser agrupadas em duas categorias universais e particulares.
O idealismo emerge como corrente realista, mas se distância dela criando uma objetividade imanente, e a transcendência é o conhecimento que o sujeito tem do objeto, já na fenomenologia, o transcendente é aquilo que transcende a própria consciência, é objetivo no sentido de que só existe consciência de “algo”, e assim está ligada ao sujeito que vai além.
Bachelard (1884–1962) foi um pioneiro a estuda de que forma a epistemologia a referir-se às rupturas “revolucionárias”, cria formas novas de pensar e de saber, voltaremos ao tema.
Da metafísica à Ontologia
Não há o recurso desonroso de usar a metáfora para afirmar a metafísica, conforme perguntou Ricoeur, o recurso tomista “não se deteve na solução mais próximo do exemplarismo platônico adotado no comentário do Livro I das Sentenças, ainda sob influência de Alberto Magno” (p. 421).
Tomás de Aquino ao trabalhar ser, potência e ato (suas grandes categorias), concebe uma ordem de descendência “na série ser, substância e acidente” observa Ricoeur, “segundo a qual um recebe outro esse et rationem”, e assim estabelece outra analogia assim descrita na Distintio XXXV (q. 1, ar. 4):
“Há outra analogia [além da ordem de prioridade] quando um termo imita outro tanto quanto pode, mas não o iguala perfeitamente, e encontra-se essa analogia entre Deus e as criaturas” (Aquino apud Ricoeur, 2005, p. 421), e explica Ricoeur é necessário compreender este recurso de um termo comum entre Deus e as criaturas, e esta pode ser explicada assim:
“Entre Deus e as criaturas não há similitude por meio de algo comum, mas por imitação, donde se diz que a criatura é semelhante a Deus, mas não o inverso, como diz o Pseudo-Dionísio” (idem).
Essa participação por semelhança significa que “é o próprio Deus que comunica sua semelhança: a imagem diminuída assegura uma representação imperfeita e inadequada do exemplar divino” (Ricoeur, 2005, p. 422), e isto tem uma fragilidade: “a total disjunção entre atribuição dos nomes e atribuição categorial” (idem), assim o discurso teológico “perde todo apoio no discurso categorial do ser”.
O recurso já apontado acima do ser como ato e potência, a semelhança direta ainda é próximo da univocidade, assim Aquino observa que a causalidade exemplar, por seu caráter formal, deve ser subordinada a causalidade eficiente, a única que funda a comunicação de ser subjacente à atribuição analógica. A descoberta do ser como ato torna-se então o fundamento ontológico da teoria da analogia” (RICOEUR, 2005, p. 422).
O discurso é demasiado filosófico, e simplifico aqui: Deus é puro ser em ato e potência, a criatura é ser em ato podendo sê-lo em potência, por isto Tomás de Aquino faz um desenvolvimento disto.
O Aquinate em De Veritate, faz distinção de dois tipos de analogia, uma proporcional (proportio), por exemplo um número e seu dobro, e outra de relação proporcional (proportionalitas) que é uma semelhança de relação, em números por exemplo, 6 está para 3 como 4 está para 2.
Claro isto não é só matemática, Ricoeur faz isto como recurso didático, o infinito e o finito são desproporcionais, mas pode-se dizer (a ciência divina é para Deus, o que a ciência humana é para o criado” (Ricoeur, 2005, p. 423) e que é uma citação do De veritate de Tomás de Aquino.
Ricoeur, P. Metáfora viva. trad. Dion David Macedo. BR, São Paulo: Edições Loyola, 2005.
A metáfora e a metafísica
O auge e a decadência da metafísica de Aristóteles, na análise de Paul Ricoeur está “nas características não-cientificas da analogia, tomada sem seu sentido terminal, reagrupam-se a seus olhos em argumentação contra a analogia” (Ricoeur, 2005, p. 414), e como a analogia era ligada a questão do ser, com ela fica submersa as questões ontológicas.
Entretanto, esclarece Ricoeur, “é porque a ´investigação´ de uma ligação não-genérica do ser permanece uma tarefa para o pensamento, mesmo após o fracasso de Aristóteles, que o problema do ´fio condutor´continuará a ser apresentado até na filosofia moderna” (RICOEUR, 2005, p. 415).
Para o autor, enquanto “o gesto primeiro continua a ser a conquista de uma diferença entre a analogia transcendental e a semelhança poética” (Ricoeur, 2005, p. 416), que ele explicita e aqui não será alongado, o segundo “contra-exemplo” da “descontinuidade do discurso especulativo e o discurso poético” é muito mais grave, e nele vai desde o discurso de Kant a Heidegger.
Explica que isto foi feito num discurso misto que a doutrina da analogia entis alcançou em seu pleno desenvolvimento e que ficou chamada de ontoteologia, pela pretensão de ligar ao Ser a transcendência divina, mas ignorando o discurso tomista, que é “um testemunho inestimável”.
O que o Aquinate faz é “estabelecer o discurso teológico no nível de uma ciência e assim substraí- lo inteiramente às formas poéticas do discurso religioso, mesmo ao preço de uma ruptura entre a ciência de Deus e a hermenêutica bíblica” (p. 417).
Contudo o problema é mais complexo “que o da diversidade regulada das categorias do ser de Aristóteles”, “falar racionalmente do Deus criador da tradição judeu-cristã. A aposta é poder estender à questão dos nomes divinos a problemática da analogia suscitada pela equivocidade da noção de ser” (p. 417), lembre-se aqui a batalha entre nominalista e realistas medievais.
Explicando que a doutrina da analogia do ser nasceu “dessa ambição de envolver em uma única doutrina a relação horizontal das categorias à substância e a relação vertical das coisas criadas ao criador” (p. 419), ora este foi exatamente o projeto de uma ontoteologia.
Assim, o discurso tomista “reencontra uma alternativa semelhante: invocar um discurso comum a Deus e às criaturas seria arruinar a transcendência divina, assumir uma incomunicabilidade total das significações de um plano ao outro seria, em compensação, condenar-se ao agnosticismo mais completo” (p. 418), ele retoma o problema categorial “em suas grandes linhas” e “é o próprio conceito de analogia que deve ser incessantemente reelaborado” (p. 420).
Fica uma questão a responder, não estaria aqui um “retorno da metafísica à poesia, por um recurso desonroso à metáfora, conforme o argumento que Aristóteles opunha ao platonismos?” (p. 421).
A metáfora e a especulação
Não há no discurso filosófico (ou do pensamento bem estruturado) que seja livre de pressupostos.
Na metáfora viva, Paul Ricoeur esclarece que isto é “pela simples razão de que o trabalho do pensamento pelo qual se tematiza uma região do pensável põe em jogo conceitos operatórios que não podem, ao mesmo tempo ser tematizados” (Ricoeur, 2005, p. 391).
Estes postulados são fundamentais para compreender o discurso, a retórica e a mera especulação.
Paul Ricoeur faz este estudo em torno das questões: “Qual a filosofia está implicada no movimento que conduz a investigação da retórica à semântica e do sentido â referência? “(idem).
Será na resposta a estas questões, e “sem chegar à concepção sugerida por Wittgenstein de uma heterogeneidade radical dos jogos de linguagem” (Ricoeur, 2005, p. 392) é possível reconhecer: “em seu princípio, a descontinuidade que assegura ao discurso especulativo sua autonomia” (idem).
Não explicitado por Ricoeur, mas Edgar Morin fala sobre o discurso moderno duas raízes que levam o discurso especulativo a uma forma moderna de obscurantismo: o fechamento em áreas do saber demasiadamente especializadas, que ele chama de hiperespecialização.
Aqui a metáfora pode ser confundida com a mera especulação e a filosofia estaria “induzida pelo funcionamento metafórico, caso pudesse mostrar que ela apenas reproduz no plano especulativo o funcionamento semântico do discurso poético” (idem).
Ele esclarece que a pedra de toque deste equívoco é “a doutrina aristotélica da unidade analógica das significações múltiplas do ser, ancestral da doutrina medieval da analogia do ser” (idem) que voltaremos no próximo post para entender as limitações metafísicas da ontologia aristotélica.
O segundo esclarecimento, mais fundamental é o discurso categorial, onde “não há nenhuma transição entre a metáfora poética e a equivocidade transcendental” que é a conjunção entre teologia e filosofia “em um discurso misto” que cria confusão entre analogia e metáfora” (Ricoeur, 2005, p. 393), e isto implicaria em “uma sub–repção, para retornar uma expressão kantiana?” (idem), por isto é necessário retornar a questão metafísica e nela a questão ontológica.
Cita como epígrafe a afirmação de Heidegger de que “o metafórico só existe no interior da metafísica”, é aqui o coração desta obra de Ricoeur, e ele chama de uma “segunda navegação”, alusão a “Mytologie blanche” de Jacques Derridá, passar da metáfora viva para a metáfora morta.
Ricoeur, P. Metáfora viva. trad. Dion David Macedo. BR, São Paulo: Edições Loyola, 2005.
Espiritualidade e cosmovisão
Espiritualidade é a busca de um sentido para a vida, ela pode parar na physis, que para os gregos era a natureza ou pode ir além e contemplar a meta-physis, que significa μετα (metà) = depois de, além de tudo; e Φυσις [physis], ou seja, além da natureza e da física.
Assim uma espiritualidade que para na natureza, a explicação por exemplo da origem do universo, ainda que seja uma cosmovisão física, carece de uma cosmovisão escatológica que explique a origem e o fim de tudo, cairá em algum ponto nos sofismas e no niilismo, conforme o sofista Górgias (485-380 a.C.) nada existe.
Se nada existe o sentido da vida é sem sentido, muito se explora superficialmente o sentido da vida, para muitos é ser feliz apenas, ainda é uma cosmovisão limitada, dores e sofrimentos são parte da vida, assim é preciso passar por eles para que a vida de fato tenha sentido.
A espiritualidade necessidade de uma cosmovisão, ou se preferir o termo mais filosófico, de uma visão de mundo (Weltanschauung), usada de maneira quase oposta por Kant e Heidegger, enquanto Kant usa-a como transcendência idealista (do sujeito ao objeto), Heidegger retorna a tradição metafísica, com o propósito de dela se distanciar.
O conceito de eidos (no grego é forma e essência) transformado em ideia, e a separação do sujeito com o objeto, relegou as questões do espírito (nem espiritualidade pode ser chamada) ao campo da subjetividade, marco inicial do movimento filosófico denominado idealismo alemão foi a publicação da Crítica da razão pura em 1781 por Immanuel Kant (1724-1804), terminando cinquenta anos mais tarde com a morte de Hegel (1770-1831).
Martin Heidegger inicia pelo questionamento do sentido de ser do ser-aí. Isso porque “não se compreende por esse termo apenas a concepção da conexão entre as coisas naturais, mas, ao mesmo tempo, uma interpretação do sentido e da finalidade do ser[1]aí humano e, com isso, da história [Geschichte]” (HEIDEGGER, 2012, p. 13).
Grande parte do que se chama de espiritualidade é na verdade apenas uma busca de sentido pela vida, um exercício mental que é diferente do espiritual, carece de uma ascese, de uma verdadeira “ascensão”, por isto retorna sempre a physis, a natureza ou ao chão.
Uma cosmovisão completa deve ir além do fato e chegar a intencionalidade, tudo existe com uma intenção, ter consciência é “ter consciência de algo”, conforme pensa a fenomenologia de Husserl, então consciência do “universo” portanto tem uma intenção de existência do universo, que é em parte metafísica e em parte espiritualidade, algo ou alguém tem (e não teve) uma intenção primária, algo grande, infinito, superior a natureza, ao universo e a tudo que conhecemos, algo inefável.
HEIDEGGER, Martin. Os problemas fundamentais da fenomenologia. Trad.: Marco Antônio Casanova. Petrópolis: Vozes, 2012.
Vacinas e a variante delta
O número de vacinados no Brasil se aproxima em 50% na primeira dose (46,7%) e 20% na vacinação total (17,6%) entretanto a eficácia das vacinas para a variante delta está sendo estudada na semana que passou o Instituto Butantan iniciou estudo para ver a eficácia da CoronaVac.
A variante delta pode provocar uma quarta onda, o alerta é da OMS que pede que não sejam flexibilizadas as medidas de distanciamento, uso de máscaras e controle de aglomerações sociais.
O monitoramento feito no país registrou e localizou 145 casos confirmados desta variante no Distrito Federal e nos estados: Maranhã, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
A curva de mortes continua a cair lentamente no Brasil (veja foto).
Um artigo publicado na revista científica New England Journal of Medicine aponta que as vacinas Pfizer e AstraZeneca protegem contra as variantes Alfa e Delta, especialmente após a segunda dose, segundo o artigo a Pfizer evitou 88% dos casos sintomáticos e a AstraZeneca 67%.
Já o departamento de Saúde do Reino Unido (PHE em inglês) divulgou um estudo feito com mais de 1 milhão de pessoas em grupos de riscos e apontou que com duas doses a eficácia destas duas vacinas sobem para 93% e 78% respectivamente, quando se trata de pessoas de 16 a 64 anos.
Na Holanda o governo anunciou que vai voltar a impor restrições a boates, festivais e restaurantes, estas restrições haviam sido retiradas em junho, mas o quadro de infecções pirou com 7 mil registros da doença na última semana, antes os casos já eram de menos de mil.
O quadro é um revés para Espanha e Portugal que almejavam a retomada do turismo.
O momento é de tentar incrementar a vacinação de olho na eficácia e muita cautela.
O inefável e a interpretação
Antes de fazer o post de hoje, não podemos deixar de registrar as Olimpíadas de Tóquio, cujo abertura acontece hoje e alguns protestos: cinco seleções: Estados Unidos, Suécia, Chile, Nova Zelândia e para surpresa o Reino Unido, se ajoelharam antes de suas partidas de futebol em protesto antirracista, já as jogadoras do feminino da Austrália se abraçaram lembrando a nação aborígene que vive lá e significando a união nacional.
Mas talvez a mais importante manifestação ficou relegada a segundo plano, os manifestantes são chamados de “ultranacionalistas”, o que não é verdade, pois 43% da população era favorável ao adiamento da olímpiada, 40% era contra a realização e apenas 14% são favoráveis.
Era inefável a Pandemia e ela está aí ainda dando sinais de resistência apesar da luta da ciência para vacinas e sua superação, exatamente o povo mais resiliente não renunciou a um evento, e isto também é claro é um problema de interpretação do que de fato ocorre neste momento.
Algo inefável que não esteja sujeito a interpretação e mesmo metáforas seriam pouco para tentar explicá-las são as grandes questões da humanidade: o que somos no universo, para onde vamos e agora mais do que nunca: para onde iremos.
Muitas são as cosmogonias que tentam dar uma interpretação escatológica para estas questões, o certo é que existimos e não porque pensamos (penso, logo existo), mas existimos e isto nos permite o pensamento e a linguagem (sou, logo penso) e com ela é possível a interpretação.
A cosmogonia cristã, há muitas outras em diferentes culturas, é aquela cuja metáfora do grão de semente transforma em vida: a semente que cai entre espinhos, que cai em solo raso e que cai a beira do caminho, o terreno bom a fará germinar e dar frutos, é uma interpretação do inefável.
O texto bíblico da multiplicação dos pães, cuja interpretação terrena vê apenas a distribuição dos bens (Mc 6,1-15), não observa a interpretação inefável pois é Jesus que pergunta a Felipe (Mc 6,5): “Jesus disse a Filipe: “Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?”, e depois de multiplicar os 5 pães de cevada e dois peixes, o inefável divino, os homens queria dar-lhe um poder terreno e diz a leitura (Mc 6,15): “Mas, quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte.”, é uma divina interpretação feita pelo próprio mestre.