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A narrativa e seus contextos
A emergência de estudos para análises em metodologias não positivistas e interpretativas nas ciências humanas fez surgir no panorama cultural de nosso tempo uma crise do conhecimento (episteme) que tem atraído diversos estudiosos para o tema, entre eles: “as formas e gêneros da narrativa, especialmente, têm atraído atenção (Bamberg, 1997; L. P. Hinchman & S. K. Hinchman, 1997; Polkinghorne, 1987).
Bamber explora as três décadas da análise de narrativas, Hinchman e Hinchman organizam uma coletânea para discutir problemas de identidade e memória em comunidades, e, Polkinghorne estuda o conhecimento como narrativa nas ciências humanas, o sentido inverso da ordem cronológica dos estudos é aqui proposital indo do mais geral para o mais específico.
Porém do ponto de vista histórico o tema é bem antigo, podendo ser analisado na Retórica de Aristóteles, e mais contemporaneamente há uma longa tradição destes estudos na teoria literária e na linguística.
Há uma dificuldade reconhecida de definição da narrativa, primeiro pelas formas e estilos que são bastante variadas, e assim sua fenomenologia cultural não só é diversificada como aberta, e, em segundo lugar existem elementos estruturais nas narrativas que estão presentes em outros tipos de discursos com os textos jurídicos, científicos históricos ou religiosos.
Destaco os estudos de Paul Ricoeur, em seu clássico Tempo e Narrativa Histórica (1981-1983) onde a reflexão filosófica está precisamente na relação entre “tempo vivido” e “narração”, que dito de maneira mais profunda significam “experiência” e “consciência” que torna o conceito em contato mais estreito com a filosofia contemporânea onde tempo, vivência estão em conexão.
Confronta o conceito de historiografia estruturalizante desde 1945 e meados dos anos 1970, e desloca o discurso do historiador para pertencer antes de tudo à ordem das narrativas, embora um tipo especial de narrativa que não é a analítica.
Sua análise faz um diálogo com a obra Confissões de Agostinho e Poética de Aristóteles.
A sua frase “toda história é narrativa”, não é apenas o desprezo pela mera relação ao factual, ou ao biográfico, nem mesmo a agitada situação da histórica política, seu intento é dar sentido ao vivido, da sensibilidade e da ação humana a uma historiografia que parece abstrair do homem.
O que Paul Ricoeur destaca em sua “narrativa” como “História Mestra da Vida”, que está além dos grandes estadistas e políticos, e disponível para o ser humano cuja vivência cotidianamente o desafia.
Referências:
Bamberg, M. (Org.) Oral versions of personal experience: Three decades of narrative analysis. Journal of Narrative and Life History, 7, 1-4, 1997.
Hinchman, L. P. & Hinchman, S. K. (Orgs.) Memory, identity, community: The idea of narrative in the human sciences Albany, NY: State University of New York Press, 1997.
Polkinghorne, D. Narrative knowing and the human sciences Albany, NY: SUNY Press, 1987.
RICOEUR, Paul, Tempo e Narrativa Tomo I. Campinas. Papirus, 1994.
Ação sem conexão, a vida “activa”
Ao criticar a “Sociedade do cansaço”, do eficientismo que Byung Chul Han retoma em seu ultimo livro, no post seguinte comentaremos, ambos apontam o dedo para o activismo, ou a palavra que Sloterdijk gosta: “agitacionismo”.
A noção de praxis que Sloterdijk defende não é a noção de praxis como um agir que considera o mito central da modernidade – o “agitacionismo”, que é, no fundo, apenas uma inversão da poesis e da teoria –, mas como um “deixar-fluir”, um tipo de contemplação activa.
Desmistificar esta noção de praxis como correlativo necessário da razão-acção, a filosofia prática teria de tomar consciência de que se deixou iludir pelo mito da acção e de que a sua aliança com o constructivismo e o activismo a impediu de se dar conta de que o conceito mais elevado do comportamento não é a acção, mas o deixar-acontecer, o ser capaz de largar as coisas que passam por si e que agem através de si, para ser mais fiel as palavras do autor.
Para entender o que ele quer dizer com Critica da Razão Cinica, uma de suas obras mais hermética, ele diferencia o cinismo clássico do moderno, que vem da origem do trmo grêmio “kŷőn“, do cinismo moderno que se tornou uma “falsa consciência iluminada”.
O iluminismo pressupunha que se vivia nas trevas onde se praticava o mal, mas que este mal seria fruto da ignorância, assim sua tentativa de iluminar aqueles desprovidos da luz da razão, mas isto criou uma “falsa consciência”, uma visão deturpada da realidade,
O iluminismo pressupunha as trevas onde se praticava o mal, que era tido como o fruto da ignorância. A crítica tentava iluminar os antros desprovidos da luz da razão. Daí o conceito básico de ideologia como “falsa consciência”, como uma visão deturpada, e por isso, falsa, da realidade, e para que não se pense que isto é só filosofia, também o pensador “engajado” Slovoj Zizek, vai dizer que ela está inscrita nas próprias coisas.
De modo diferente era o que também propunha Husserl, do qual é herdeiro toda a afiliação da fenomenologia moderno, voltar a consciência das coisas mesmas.
O cinismo moderno, também se tornou uma forma de ideologia no qual uma máscara continua a se transformar em ação construindo grandes teorias que tanto “no sentido figurado” como “no sentido literal agem como se não soubesse ou desconhecessem a realidade, tudo é narrativa só para usar a palavra atual.
Daí a crítica da razão cínica defender um procedimento crítico-ideológico-clássico que tornou-se obsoleto, sendo que esta crítica agora contraponha uma leveza de humor ao excedo de teoria.
Dirá o autor: “[…] O grande pensamento da Antiguidade tem a sua raiz na experiência de serenidade entusiasmada, quando, no auge do ter-pensado, o pensador se põe de lado, deixando-se penetrar pela ´revelação´ da verdade”, é bem próximo do distanciamento proposto por alguns autores “activos” porém com as diferenças da serenidade “entusiasmada” e da vista do “Ser”.
Esta visão é a que na antiguidade se tinha do cosmos, diz o autor: “baseia-se para os Antigos em “passividade cósmica” e na observação de que o pensamento radical pode recuperar o seu inevitável atraso em relação ao mundo dado podendo, em virtude da sua experiência do ser, atingir o mesmo nível que o “todo.”
SLOTERIJK, P. Crítica da razão Cínica, trad. Marco Casanova. BR, São Paulo: Estação Liberdade, 2012.
O todo e a parte
A parte e o todo se separaram na filosofia ocidental, o método racional consagrou esta divisão.
“O mundo torna-se cada vez mais um todo. Cada parte do mundo faz, mais e mais, parte do mundo e o mundo, como um todo, está cada vez mais presente em cada uma de suas partes. Isto s verifica não apenas para as nações e povos, mas para os indivíduos. Assim como cada ponto do holograma contém a informação do todo do qual faz parte, também, doravante, cada indivíduo recebe ou consome informações e substâncias oriundas de todo o universo” (MORIN, 2006, p. 67).
Isto é para entender aquilo que no pensamento complexo de Edgar Morin chama de princípio hologramático, isto foi também o ponto de partida do pensamento de Werner Heisenberg para dar início ao pensamento quântico e que tem um livro com este nome ao contrário, “A parte e o todo”.
Também Gregório de Matos Guerra (1639-1696), um dos representantes do Barroco brasileiro, escreveu um Poema chamada “Eucaristia”, no qual diz: “Deus está todo em todo sacramento”, e como seria importante para os que creem entender isto, para entender o que viver a palavra.
A moderna física atômica lançou nova luz sobre problemas desde éticos e políticos até filosóficos e religiosos, no livro de Heisenberg logo no prefácio que é quase uma biografia escrita de forma sui generis, ele fala de diálogos com Einstein, Plank, Bohr, Dirac, Fermi, Pauli, Sommerfeld, Rutherford e vários outros colegal.
A parte e o todo têm como subtítulo: “encontros e conversas sobre física, filosofia religião e política”, o que o torna também iniciador de um “pensamento complexo e hologramático” como propôs muitos anos mais tarde Edgar Morin.
Compreender a complexa situação civilizatória que vivemos não é possível sem esta compreensão.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2006
Terceira onda, nova cepa e novos remédios
Enquanto seguimos numa perspectiva de uma possível terceira onda em junho no Brasil, os números ainda estão em torno de 2 mil mortes, como postamos a semana passada se cair pode significar uma contensão (uma taxa alta de 78 mil casos, mas mortes abaixo de 2 mil) e se chegar acima dos 3 mil a terceira onda chegou e será necessário novo protocolo de isolamento (figura).
Independente da terceira onda já há vários casos do vírus indiano, a nova cepa, que chegou ao Brasil sem um protocolo rígido de isolamento ela vai se espalhar e isto quase não há esperança.
A notícia de um antiviral Australiano e um remédio israelense, este último MesenCure usa células estromais mesenquimais (MSCs) isoladas do tecido adiposo de doadores saudáveis, aliviam os sintomas respiratórios em pacientes infectados e reduzem inflamações.
Já o medicamento australiano feito por cientistas da Griffith University, em colaboração com o centro de Pesquisas City of Hope americano, usa uma tecnologia que envolve o RNA silenciador de genes (siRNA) que ataca diretamente o genoma do vírus e impede sua replicação, o teste por enquanto foi feita em ratos.
Temos que continuar tentando criar protocolos na medida que a vacinação não avança (21,5%).
O estado do Rio de Janeiro tenta fazer uma vacinação em massa, apesar de não ter remédios suficientes, a ideia é abrir a vacinação para o restante da população, até agora só pessoas acima de 60 e algumas classes especiais como enfermeiros, motoristas de ônibus e policiais.
O estado de São Paulo fará uma testagem, porém em dois municípios pequenos Taquaritinga e Batatais, fornecendo os testes RT-aPCR e testes rápidos de antígeno, partindo para uma estratégia de isolamento vertical tão criticado no início da Pandemia, o Butantan fará visita domiciliar em 2 mil residências dividindo cada município em 11 regiões chamadas de “clusters”, a ideia das redes.
A vacinação em massa no município de Serrana (SP) como experimento, teve resultados positivos, com a redução de mortes em 95%.
É, portanto, uma testagem por amostragem e a população que não for sorteada pode fazer auto avaliação através de um aplicativo chamado Tainá/GHM e responder questões rápidas.
Só é trinitário se são três pessoas
No século III os cristãos começaram a usar a palavra prósopon que significa o uno em três pessoas, o primeiro concílio cristão de Nicéia (325) foi discutido a divindade de Jesus, porque era ainda mais fácil, devido ao dualismo Ser e não-Ser, acreditar em dois do que em três.
Para subsistir a ideia dualista, alguns pseudo-teólogos lançaram mão da ideia que Deus-Pai é fonte e origem de toda divindade, assim as outras duas pessoas foram geradas pelo Pai, criando uma nova forma de negar a pericorese trinitária, ou se preferir “a dança” na relação divina interna.
Foram os padres capadócios, Gregório Magno, Gregório de Nissa e Basilio de Nissa que viram esta contradição, que vem revestida de nova roupagem, da troca da palavra prósopon (persona) por hipóstasis e esta por sua vez confundida com ousía.
Basílio usou da fórmula de Mt 28,19 que afirma que a comunicação dos Três no batismo manifesta o Espírito Santo na união do Pai com o filho, na mesma dignidade, e manifesta ao homem no batismo, por isto o batismo válido é em nome das Três pessoas.
Basílio classificou a expressão da fé, sobre o mistério trinitário, transformando e codificando a ideia confusa na seguinte fórmula: “Mia Ousía” e treis hipóstasis”, apresentando uma distinção entre ousia e hipostasis na Trindade.
A ousia indica o que é comum e único ás três pessoas, natureza e substância. A hipóstasis constitui a particularidade que constituem cada pessoa da Trindade, não havendo prevalência entre Elas.
Gregório de Nazianzeno foi o primeiro a aplicar o termo pericórese na relação entre as duas naturezas de Cristo (Perichoresis cristológica).
Gregório de Nissa afirma que na Trindade Santa não há diferença de honra e que a estrutura que diferencia o criado não pode se aplicar às pessoas divinas, já que a natureza divina é incognoscível e eterna.
Foi João Damasceno no século VII (+749) que fez além e uma síntese da doutrina dos padres capadócios, uma nova abertura desenvolvendo a pericorese, empregando-a como termo técnico designando, tanto a compenetração das duas naturezas em Cristo como a compenetração entre si da Três Pessoas Divinas, vão definir o que é a cossubstancialidade.
A chave de leitura entender o trinitário, que passa por Deus-filho (Jesus) que se abandona nas mãos do Pai, a ponto de chamá-lo como qualquer homem o chamaria de Deus e não mais de Pai, é ponto crucial para uma teologia contemporânea, ali onde mora a divisão, a dor, a injustiça, o mal que o homem causa a si próprio e a humanidade, ali está um rosto deste “Jesus Abandonado” (a figura acima foi encontrada por acaso numa mesa).
Unidos a Ele encontramos o diálogo, superamos os radicalismos, as incompreensões e os erros
A trindade e os filósofos contemporâneos cristãos
Obras sobre a trindade na patrística cristã destacam-se a obra De Trinitate de Agostinho, os padres capadócios: São Basílio e São Gregório de Nazianzeno (imagem), João Damasceno e Tomás de Aquino, estes da Antiguidade até a Idade Média, que trabalharam a pericorese na Trindade.
Começo por uma referência que considero importante pela adoção do pensamento fenomenológico e hermenêutico, a obra L´Idole et la distance (1977) de Jean Luc Marion, ele como outros partem de Santo Agostinho, mas como bom hermenêutica deseja apenas fazer “o jogo trinitário [i.e., a pericorese trinitária]” que ela assuma as desolações incluindo a metafísica, e nos levem a paciência, o trabalho e a humildade.
Refere-se a pericorese com uma “dança” e as desolações são as críticas filosóficas que surgiram a partir do século XIX, em particular Nietzsche, fez a religião, especialmente à ideia de Deus, vai identificar que a ideia de que a morte de Deus traria ao homem a luz, se olharmos a realidade, veremos que não aconteceu, vemos um homem sem humanismo, agora nos horrores de uma pandemia que não cede e o perigo de uma crise civilizatória.
A hermenêutica por sua estrutura interpretativa, a transmissão e a mediação “não se referem apenas à anunciação, à comunicação de Deus com o homem, definem a vida íntima do próprio Deus, que, por essa razão, se não pode pensar nos termos de uma plenitude metafísica imutável” (na obra de Gianni Vattimo: Etica de la interpretación, 1991).
Longe do idealismo absoluto de Hegel, e avançando a ideia da ontologia trinitária, que tem início nos primórdios do século XX, autores como Pavel Florenskij, Sergei Boulgarov, mais recentemente John Zizioulas e vários italianos como Massimo Cacciari, Bruno Forte, Piero Coda e na Alemanha Joseph Ratzinger e Klaus Hemmerle, na França já citamos Jean-Luc Marion e Michel Henry.
Piero Coda utiliza uma categoria da fundadora do Movimento dos Focolares, iniciado por Chiara Lubich, que é a figura de Jesus Abandonado para tornar sua “dança trinitária” uma relação cotidiana com todos os seres e assim recria a ontologia trinitária, que é capaz de estabelecer uma relação entre o Logos expresso em Jesus, e plenamente realizado na sua figura quando já desfalecido e entregue as dores e sofrimentos da cruz, não chama mais Deus de Pai, mas apenas de Deus: “Meu Deus, meu Deus porque me Abandonastes” diz o relato bíblico, parece parodoxo, uma pericorese com o homem.
Afirma Coda: “de alguma forma a circulação eterna do amor dos Três é comunicada a nós na história … sua abertura para a história dos homens” (Dio uno e trino, Edizione San Paolo, 1993, p. 141).
Houve uma compreensão desta realidade, porém a interpretação hermenêutica ainda não houve.
A trindade na perspectiva antropotécnica
Toda a filosofia de Sloterdijk deve ser precedida de uma boa leitura de Heidegger, tentando simplificar o que é per-si impossível, explicamos a categoria “ser-em” que será bastante utilizada no seu discurso sobre a relação trinitária, de onde desvela a “cossubjetividade imbricada da díade Deus-alma” (Sloterdijk, p. 490), onde o “surrealismo teológico oculta-se, como mostraremos, o primeiro realismo das esferas” (idem).
Sloterdijk não usa epígrafes apenas para decorar o texto, no capítulo 8 “mais perto de mim que eu mesmo: propedêutica teológica para a teoria do interior comum”, na epígrafe explica: “… quer dizer ´ser-em´[In-sein] ?… Ser-em … significa uma constituição ontológica da existência (Dasein)” citando o § 12 de Ser e Tempo de Heidegger.
Esclarece na outra citação da epígrafe que “talvez o Em seja o reino pressentido de toda a vida (de toda moral) de Deus”, citando Robert Musil no seu livro “O homem sem qualidades”, que o é hoje o homem moderno.
Antes de penetrar na questão da trindade, explica que o amor humano “não existe de maneira nenhuma antes de se produzir” … “na perspectiva da modernidade individualista – duas solidões que se desenraizam pelo encontro” (pag. 491), e irá retornar a incidente do paraíso perdido perguntando se não foi ele “um doloroso fosso de estranhamento?” (idem).
Foi Agostinho, esclarece nas “Confissões” que levou “a dialética do reconhecimento a partir do desconhecimento” (pg. 492), em sua “obra-mestra críptica” De trinitate (em particular os livros VIII e XIV) “que tratam da acessibilidade de Deus através dos traços deixados no interior da Alma” (p. 493), e embora trace suas contradições com o discurso teológico, afirma “ele pode ser considerado como o grande lógico da intimidade da teologia ocidental” (idem).
A longa análise que vai da página 494 até a 524 em que penetra nas contradições do discurso religioso, passando por citações bíblicas, Nicolau de Cusa, o duque João da Baviera, um Cardeal erudito e não autorizado na literatura da tradição cristã, chega a um veredito final, este sim importante, que é como o dualismo platônico provocou “efeitos secundários … em doutrinas deste tipo [que] rompem também o sentido de ser-em” (pg. 524).
Ilustrada com a pintura de Juan Carrero de Miranda “A fundação da Orden da Trindade” (óleo de 1666), o autor passa a fazer a repartição “topográfica dos Três no Um”, destaca no quadro a “quase-quaternidade clássica abrange a Trindade e o Universo” (destacamos com um pequeno círculo vermelho), seria bom que a fizesse.
Dentro de sua esferologia, Sloterdijk explica que “ecos característicos da filosofia da natureza, mesmo que se trata há muito tempo, da coabitação de entidades espirituais”, assim estamos mais próximos de outras cosmovisões “animistas” do que imaginamos, numa teológica dualista.
Analisando o discurso do Pseudo-Dionísio Aeropagita, esclarece que “o páthos da diferença dos diferentesno interior do Um já era conhecido do neoplatonismo, e a “justificação mútua dos princípios das pessoas da Trindade” (pag. 130) se beneficiará dele.
Conhece bem a pericorese dos padres capadócios (São Gregório de Nissa, São Basílio e São Gergório de Nazianzeno) (pag. 540-541) além de Agostinho usado fartamente, não deixa de citar João Damasceno (pag. 538, 544-546) e cita Tomás de Aquino.
SLOTERDIJK, P. Esferas I: Bolhas, trad. José Oscar de Almeida Marques, São Paulo: Estação Liberdade, 2016.
O perigo da terceira onda e a vacina dos pobres
Os países mais ricos do mundo têm apenas 13% da população total e já tem para este primeiro semestre mais da metade (51%) das doses das vacinas contra a covid-19 em desenvolvimento, a busca de lucro e a disputa de mercado levou a isto.
Avança na Índia uma cepa do vírus que ainda não tem dados muito decisivos sobre a eficácia das vacinas, por isso o envio de teste para o estado do Maranhão é importante, poderemos saber qual a eficácia das 3 vacinas que já estão no Brasil para esta variante, a Coronavac, a AstraZeneca e a Pfizer, embora o número de doses ainda seja pequeno, o Brasil fez uma compra de 100 milhões de doses para outubro.
Precisamos atravessar o inverso com alguma segurança, o site da CNN (figura) alerta para o perigo real da terceira onda, a produção de mais vacinas com insumo já feitos nos países mais pobres será decisiva para um aumento da vacinação, que ainda é lenta.
Em termos percentuais a lógica é simples, se até a primeira semana de junho estivermos perto do patamar de 4 mil mortes diárias a terceira onda chegou, se estivermos abaixo de 2 mil foi detida.
Uma remessa de Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFA) chegou neste sábado na FioCruz, e serão usados para a produção de 12 milhões de doses de vacinas, com a produção de insumos no próprio país já iniciada podemos chegar na casa de 20 milhões de doses (o prometido é 18 milhões de doses), ainda serão insuficientes se a Coronavac não aumentar sua produção.
O governo acena com um total de 90 milhões de doses, e a segunda dose para pessoas acima dos 70 anos já vai começar, porém é preciso respeitar os 90 dias de intervalo da vacina AstraZeneca.
No caso da Coronavac o intervalo ideal é de 21 a 28 dias, para aumentar a eficácia para 62,3%, porém está sendo usado num intervalo de 14 a 28 dias, esta eficácia, que é baixa, pode se manter.
O essencial agora é ficar de olho na nova cepa da Índia que já tem casos registrados no país, fazer um isolamento rigoroso e manter os protocolos de máxima segurança, coisa malfeita ainda.
Clareira e iluminação
O que acontece de fato se encontramos a clareira, se por um processo de mudança de consciência, de auto-iluminação abandonamos velhas teorias e maquinações e nos “vemos”.
A resposta está no próprio Heidegger em sua principal obra Ser e tempo: “Na medida em que o ser vige a partir da alétheia, pertence a ele o emergir auto-desvelante. Nós denominamos isso a ação de auto-iluminar-se e a iluminação, a clareira” (cf. Ser e tempo)”.
Já postamos sobre a diferença entre alétheia e verdade, porém agora pode-se a partir do texto acima desvelar um pouco mais profundo, o percurso da iluminação nos conduz a uma posse que dá sentido ao que somos e do que recebemos para ser. Na iluminação há um sentido do ser e realiza um percurso ontológico e não meramente temporal ou espacial, esta ligação ao temporário oculta o sentido originário de todo espaço e tempo, de toda época e de toda relação com o mundo, está é a iluminação.
Não é definição minha, outros leitores de Heidegger fazem um raciocínio muito prático e parecido ao que é feito aqui, por exemplo, o texto de Manuel de Castro encontrado na Web, que afirma que “na iluminação o sentido de ser acontece em nós”, não é obra do acaso e há muitas outras possibilidades desta iluminação, todas as religiões por exemplo, procuram esta iluminação, os filósofos em sua maioria, acreditam tê-la encontrado, mas o que é ela de fato.
Lanço o recurso das religiões, em especial a cristã que professo, mas não deixo de imaginar que o mesmo seja possível em outras, há algo que pode ser chamado de “sementes do verbo” e que de alguma forma estão presentes nas grandes religiões, na cristã é a ação do “Espírito Santo”.
Este nodo que pode nos unir a uma iluminação, é aquele que nos “une a todos”, é aquele pensamento que Edgar Morin dizia: “é preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que une e distingue”, portanto viver em unidade com os outros diferentes.
A palavra que fala desta ação através de um dom especial do Espirito Santo que fazia a todos que ouviam compreenderem em sua própria língua (pode-se pensar numa metáfora conforme o entendimento possível de cada), diz a passagem (At 2,4-6):
Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava. Moravam em Jerusalém judeus devotos, de todas as nações do mundo. Quando ouviram o barulho juntou-se a multidão, e todos ficaram confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua”, em algum momento da nossa história isto pode acontecer.
O que se espera é um mundo mais fraterno onde o diferente possa viver em sua dignidade e ser entendido em sua própria língua.
CASTRO, Manuel Antônio de. “O ser e a aparência”. www.travessiapoetica.blogspot.com
Dicionário de Poética e Pensamento (ufrj.br)
Dicionário de Poética e Pensamento (ufrj.br)
O habitar e a clareira
Tanto o habitar como a clareira, precedem a ideia de Ser, desde a filosofia antiga o Ser é também “morada”, porém a filosofia moderna recuperou a linguagem, evento chamado reviravolta linguística, e vale a frase de Heidegger: “A linguagem é a casa do ser” significa uma identificação ontológica entre ser e linguagem.
O que é esta “morada” significa aquilo que é o ser enquanto ser, significa retirar do ser seus adjetivos para ser o que é, por exemplo, o homem enquanto homem sem sua cor, religião, sexo, nacionalidade, idade, cultura, nada que o particularize e os separe uns dos outros, é nisto que encontramos o ser.
Por isto a definição de Heidegger de linguagem, mas num sentido amplo qualquer forma de comunicação desde um simples olhar até um longo discurso, e mesmo o uso de algum aparato para enriquecer (ou empobrecer é claro) a linguagem.
Habitar a clareira portanto exige primeiro que desvelamos o que é este Ser, e depois o ente que é o que vale para o ser, enquanto o “ser-aí” (Dasein) é aquilo que está no ser.
Isto esteve velado na história, e ainda mais na modernidade que projetou todo o ser sobre o ente, ou seja, sob sua caracterização e determinação, mas aquilo que ele é foi velado.
Górgias (485-380 a.C.) foi o primeiro na história da filosofia a negar a existência do ser, para isto teve também que negar a razão, e a existência em absoluto, “nada existe de absoluto”, assim não existem verdade, é o princípio que hoje chamamos de relativismo.
A existência e a realidade do Ser, embora velada, é a possibilidade da clareira, dela dependerá uma abertura para a transformação, para a mudança tanto na relação humana, já que está é linguagem fundamento do ser, quanto na relação com a natureza, que determina também o ser-aí.
Tudo pode tornar-se desvelado se retiramos o véu que cobre o ser, e descobrimos também a sua interioridade, que o filósofo Byung Chul Han chama de negatividade, que é sua reflexão sob aquilo que é, vendo-se como num espelho, e assim conseguir ver-se como Ser.