RSS
 

Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

Um filósofo oriental lê a “clareira”

19 mai

Byung Chul-Han é um filosofo coreano-alemão que migrou para o ocidente e faz uma leitura impar da literatura ocidental, em particular o contexto das redes e das novas mídias, estudou em seu doutorado Heidegger e com isto sua “clareira”.

Explica o que é a clareira de modo simples: “A ´verdade´ de Heidegger ama se ocultar. Ela não se dispõe simplesmente. Ela tem de, primeiramente, ser ´arrancada´ do seu ´velamento´. A negatividade do ´velamento´ habita na verdade como o seu ´coração´” (Han, 2018, p. 74) e neste trecho cita a obra de Heidegger: “Sobre a questão do pensar”.

Ele penetra no que significa a informação, o grande insumo do Ser velado atual, “falta a informação, em contrapartida, o espaço interior, a interioridade que permitiria se retirar ou se velar. Nela não bate, Heidegger diria, nenhum coração” (Han, 2018, p. 74).

Esta ausência de contrapartida, é o que Chul Han chama de negatividade, é bom explicá-la bem, “uma pura positividade, uma pura exterioridade caracteriza a informação”, assim é o refletir.

Como seria então a informação da negatividade, no sentido de reflexão, é a informação “seletiva e aditiva, enquanto a verdade é exclusiva e seletiva. Diferentemente da informação, ela não produz nenhum monte [Haufen]” (Han, 2018, p. 74).

Assim, não há ‘massas de verdade” e sim “massas de informação”, é a “massificação do positivo” (Han, 2018, p. 75), assim informação distingue-se do saber, e este não “está simplesmente disponível”, diria nem simplesmente porque é complexo e nem disponível porque está oculto.

Porém o filósofo a confunde com experiência de vida, ao afirmar: “não raramente, uma longa experiência o antecede” (idem, p. 75), e afirma só uma face da informação: “a informação é explícita, enquanto o saber toma, frequentemente, uma forma implícita”.

Esclarecendo estes dois pontos confusos, primeiro a questão da experiência, o filósofo Platão foi o primeiro a anunciar que a sabedoria, como conhecimento da verdade não é fruto da idade, se assim fosse somente na velhice as pessoas mereceriam ser ouvidas, a outra questão é sobre a informação tácita, ela existe como conhecimento tácito, Michael Polanyi (1958), foi um dos primeiros a teoria, e Collins nos anos setenta retomou o conceito no âmbito da comunicação científica.  Para esta informação tácita, Chul Han também aponta isto, é preciso “silêncio”.

A clareira mais profunda o filósofo descreve citando Michel Butor, que deu uma entrevista ao Die Ziet, em 12/07/2012, que aponta para a verdadeira causa: “A causa [disso] é uma crise de comunicação. Os novos meios de comunicação são dignos de admiração, mas eles causam um barulho infernal” (Butor apud HAN, 2018, pg. 42).

Referências:

POLANYI, M. Personal knowledge – towards a post-critical Philosophy. Chicago: The University of Chicago Press, 1958.

COLLINS, H. M. The TEA set: tacit knowledge and scientific networks. Science Studies, v.4, p.165-186, 1974.

HAN, B. C. No enxame: perspectivas do digital. No Enxame: perspectivas do digital. Trad. Lucas Machado. São Paulo: Editora Vozes, 2018.

 

A ética e a religião.

13 mai

A ética e a moral sempre estiveram relacionadas a aspectos da religião, a modernidade as separou.

Hegel (1770-1831) apesar da crítica ao modelo kantiana, na tentativa de construir uma moral teleológica criou a “moral do estado”, que a partir de sua obra ‘Princípios da Filosofia do Direito’ passa por determinar como as instituições que a mediam a vida dos sujeitos a ela referentes como: uma pessoa em abstrato (o indivíduo) como é próprio do idealismo; um sujeito moral e não uma sociedade moral como sujeitos inclusive do estado morais, e, assim tendo um cidadão ético.

Para tal Hegel descreve um Estado moderno que propicia a plena efetivação da liberdade do indivíduo. Para ele cada item dessa tríade (Estado, indivíduo, Sociedade) pode ser analisado em separado, mas são produtos de iterações, que se desenvolvem para chegar ao subsequente.

 De início, no §4, Hegel trata de introduzir a vontade livre como ponto de partida do direito e como mote de desenvolvimento da obra, como o é em toda a cultura idealista sobre liberdade:

 “O domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo”.(Hegel, 1997)

            O que ele chama de “liberdade realizada” se fará através de um Estado concebido por um direito abstrato, a moralidade e uma eticidade que se referem a ele.

            A eticidade como foi definida por Hegel como:  “…a ideia da liberdade enquanto vivente bem, que na consciência de si tem o seu saber e o seu querer e que, pela ação desta consciência, tem a sua realidade.” (Hegel, 1997), eis o idealismo é a consciência que determina a realidade.

            Como o indivíduo tem uma liberdade institucionalizada, o direito abstrato é a suposta liberdade da vontade livre que se determina diante das coisas, clássica divisão idealista entre sujeitos e objetos, entre objetividade e subjetividade, assim para tomar posse, tornar-se proprietário, realizar contratos é criado um sujeito cognoscente, ciente de seus direitos, não se admitindo, porém a ignorância das leis vigentes e assim da consciência que cada pessoa tem diante dos objetos, tudo é estabelecido e guiado pelo estado, por sua eticidade.

            Aqui há um aspecto central de nosso desenvolvimento, pois é no Estado que o indivíduo encontra as possibilidades do bem comum ser realizado, pois na vontade particular de cada um deseja do bem comum, será o que o faz do cidadão um ser verdadeiramente livre, que não é senão interesses arbitrários entalecidos pelo Estado.

            A crise da moral das instituições (e do estado) se d]ao pela construção de um indivíduo abstrato, de nações e não de povos, não são sujeitos, o que ocorre é segundo regras morais pré-estabelecidas por interesses, mas cuja eticidade é questionada.

            Num tempo mais recente, a partir de estudos de Husserl, depois de Heidegger, e recentemente por Paul Ricoeur e Emmanuel Lévinas, a etica ontológica é feita a partir do Outro.

          Paul Ricoeur sofreu influências e manteve uma atitude dialogante com Mounier, Marcel, e muitos outros, mantendo uma atitude dialogante com os quais manteve uma relação pessoal.

         Olhar aspectos da pessoa (do Outro) da natureza aqui é possível o diálogo com a religião.

            A eticidade como foi definida por Hegel como:  “…a ideia da liberdade enquanto vivente bem, que na consciência de si tem o seu saber e o seu querer e que, pela ação desta consciência, tem a sua realidade.” (Hegel, 1997), eis o idealismo é a consciência que determina a realidade.

            Como o indivíduo tem uma liberdade institucionalizada, o direito abstrato é a suposta

 

Referências:

HEGEL, G. W. F. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução: Orlando Vitorino. SP: Martins Fontes. 1ª edição. 1997.

 

Que queremos dizer com moral hoje

12 mai

Quase toda base racional e elaborada sobre a moral está fundamentada em uma teoria idealista, que pertence quanto ao pensamento racional tanto a Hegel quanto a Kant, porém em ambos há já uma crítica ao racionalismo puro como ao empírico, então que tipo de moral é esta proclamada socialmente.

Não pode dizer que é positivista, nem comunitária, nem na outra extremidade algo meramente platônica, o fato que ambos insistiram em distinguir a abordagem da filosofia prática tanto em Kant como em Hegel, onde se distinguem então.

Ambos se propuseram a minar as dúvidas do cético sobre a possibilidade de julgamentos e requisitos práticos objetivos; ambos, além disso, rejeitam as derivações positivistas da lei, descrições exclusivamente empiristas do comportamento humano e formas intuicionistas de justificação

Mais ainda, os dois filósofos parecem compartilhar a mesma concepção das condições da liberdade humana. Tanto para Hegel quanto para Kant, uma teoria da moralidade e dos direitos políticos devotada a promover a causa da liberdade deve exigir mais do que apenas a ausência de obstáculos que impeçam a satisfação de nossas paixões animais, deve-se dotá-la de certa racionalidade.

Então para Hegel como para Kant, a liberdade requer, além disso, o respeito pelos fins que temos como naturezas racionais e a elas estão vinculadas, ou seja, ao idealismo racional.

Alcançamos esse tipo de liberdade quando nossas ações são motivadas pela legislação da razão e quando as normas sociais que nos restringem são normas que podemos endossar racionalmente.

A diferença do sistema de Hegel é que supera certa subjetividade do modelo “individual” de Kant, mas submete a moral a alguma norma, em geral, aquela que é estabelecida pelo Estado, o problema de ambos é a relativização da questão moral, ora presa ao indivíduo, ora presa ao Estado, ignorando o Ser.

 

Entre a ética e a moral

11 mai

A grande diferença entre ética e moral está na raiz etimológica da palavra, enquanto a primeira deriva da palavra grega êthos, que quer dizer de certa forma “caráter” mas ligada ao sentido da polis com a qual os gregos se preocupavam, a segunda deriva da palavra latina moralis, que é de certa forma também “morada” do Ser, que os gregos a refletiram, mas distintamente.

Ao desvelar (palavra que a fenomenologia heideggeriana privilegia) o esquecimento do Ser, no sentido de sua “morada”, seu Dasein está oculto e esquecido pela filosofia contemporânea, assim o que é chamado de moral tornou-se quase sinônimo de ética, mas não o é.

Este campo na filosofia contemporânea se dedica a entender as ações humanas (vendo-as como ações morais) e esta de acordo com um código temporal poderão ser certas ou erradas, assim não há uma definição atemporal de moral e torna-se parecida ao código ético, aquele definido por um momento da história humana.

Assim a moral muda constantemente, e a ética é aquilo que é estabelecido temporalmente por alguma forma de consenso, em geral, estabelecido por leis do Estado, que também são mutáveis.

Não há, portanto, a discussão de princípios e valores que sejam fundamentais, o direito a vida por exemplo, que deveria ser um valor fundamental torna-se também questionável, no caso da eutanásia e do aborto, até mesmo a morte por algum tipo de homicídio pode ser “legal” e não é.

Nada justifica um fim arbitrário da vida humana, toda vida humana deve ser poupada e preservada de valores temporais, assim também a discussão da morte numa pandemia, que tem uma causa natural, pode e deve ser analisada no caso de descuido ou negligência social ou pessoal.

A discussão da moral como um conjunto de hábitos e costumes da sociedade, sem estar ligada a princípios é perigosa e pode criar regras e leis, que são o estabelecimento de uma ética, que pode transgredir direitos básicos: a vida, a dignidade humana e limites saudáveis da convivência social.

O filósofo Adorno defende esta visão em seu livro “Mínima moralia” (Azougue Editorial, 2008) e também Peter Sloterdijk vai contrapor o imperativo absoluto (não impedir o progresso e a ação humana no sentido de criar uma sociedade mais solidaria) ao imperativo categórico (que é uma atitude ética moral de um indivíduo) estabelecido por Kant.

Em seu livro “A banalidade do mal”, Hanna Arendt alertou sobre a preocupação com aquilo que denominou “as atividades da vida do espírito”, relativas à ação, à ética e à política, que tomou forma consistente no julgamento do nazista Adolf Eichmann em Jerusalém, cidade que tem não apenas o simbolismo judaico-cristão-islâmico da grande raiz abramica, todas descendem e reconhecem o simbolismo de Abraão com raiz de suas crenças, mas também um código moral.

 

Amigos e não servos

07 mai

A amizade é um elo que permite a reciprocidade, afirma Byung Chul Han em seu livro No enxame: Perspectivas do digital: “O poder é uma relação assimétrica. Ele fundamenta uma relação hierárquica. O poder da comunicação não é dialógico. Diferentemente do poder, o respeito NÃO É necessariamente uma relação assimétrica. Sente-se, de fato, frequentemente respeito por pessoas exemplares ou por superiores, mas o respeito “recíproco” que se baseia em uma relação simétrica de reconhecimento, é fundamentalmente possível.”

Esta relação significa que podemos estar ou não em reciprocidade, e podemos estar ou não em relações saudáveis de amizade, de afetividade e de amor (no sentido de ágape), não significa que as outras relações não existam, por exemplo, autoridade civil, social ou religiosa por quem se deva realmente ter respeito como “autoridade” e não por imposição ou medo, este caso só se justifica quando há uma clara intensão de transgredir direitos e deveres sociais.

Numa sociedade autoritária o único respeito é o hierárquico, as regras morais estão esquecidas, a ética serve apenas a lógica do poder e o respeito mútuo é confundido com total “liberdade”.

Não se passa direto ao plano do amor sem passar por alguma empatia individual ou recíproca que é a mais desejável, porém mesmo quando a relação é assimétrica alguém que tem respeito consegue permanecer de alguma forma no modo empático, ainda que haja limites aceitáveis, a não violência, por exemplo.

Na passagem bíblica que o Mestre explica aos discípulos que tipo de amor deviam ter, aquele amor “como eu vos amei” (Jo 15:12), ele acrescenta: “Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,15), isto implica uma relação de simetria e de reciprocidade como indicado atrás.

Jesus mostra isto ao lavar os pés (foto), porém sua amizade foi ao limite: deu a vida pelos amigos.

Esta é uma boa síntese de amizade, ninguém tem mais amizade (ou amor) do que aquele que dá a vida pelos amigos.

 

A relação entre amizade e amor

06 mai

Philia traduzida do grego, romanizado vira filia, mesma raiz de filhos, filiação e afiliação, onde o a aqui não é negação mais inclusão, no sentido de pertencer, afiliado a uma instituição, por exemplo.

Nesta raiz grega se encaixam tanto amor como amizade, filo-sophia, amor ou amizade a sabedoria, entretanto o amor poderá ser também (já fizemos um post) como a amizade do tipo eros ou ágape, que neste caso supera a amizade.

Amizade pode crescer e se tornar um amor agápico, isto é, capaz de criar confiança e acima de qualquer interesse, e neste caso amizade e amor se complementam e se ampliam.

Em termos humanos, culturais e espirituais é o que favorece o bom desempenho e a saúde mental de uma pessoa, assim a desconfiança e a inimizade que podem chegar ao ódio é causa de muitas guerras, pois o interesse econômico, político ou social sem laços verdadeiros não é outra coisa.

Não há como romper uma espiral de ódio quando ela cresce, muitas guerras e regimes totalitários são prova disto, e a raiz está em cada célula social onde a amizade e o amor deixaram de existir.

De outro lado quando estes laços crescem e se espalham em rede, tudo torna-se saudável e há um ciclo virtuoso onde os melhores valores humanos e sociais aparecem: solidariedade, fraternidade e aquilo que chamamos de amor agápico, que vai além de qualquer interesse, é uma “amisticia”.

O pensador romano Cícero tem um texto exatamente com este nome e diz no texto: “Este é o primeiro preceito da amizade: pedir aos amigos só aquilo que é honesto, e fazer por eles apenas aquilo que é honesto”, assim esta é a origem de uma sociedade que se pretende feliz e pacífica.

 

Amisticia

05 mai

Tem origem no latim que vem a palavra e significa generosidade, proximidade, embora existia a graduação do grego e colocamos seus significados no posto anterior, na verdade está relacionada naquele caso a um afeto, mais interessado ou menos e aqui vindo do latim, significa uma escolha.

A ideia de proximidade pode unir e sintetizar os dois significados, embora hoje se fale muito do ser relacional, o ser proximal (a palavra não existe) é superior a relação e em tempos de redes (deveria ser de mídias e não rede, que é relação) esta relação não significa ter proximidade, assim é uma definição restrita, pode ter relação mas fora dela.

Pode-se retirar de cada aspecto algo positivo, estar em relação é melhor que indiferença que é a ausência dela, enquanto proximidade significa a possibilidade de uma amizade com vínculos mais profundos e isto deveria incluir uma forma de Amor superior ao interesse, ao simples afeto ou a simples relação.

Conscientemente ou não, é esta forma de relação que todo ser humano busca, na maioria das vezes de maneira oposta, incorreta ou sem profundidade.

Que forma de amizade é esta buscam filósofos, poetas, místicos ou religiosos, onde ela está? Perguntam, será que os que dizem tê-la encontrado a encontraram? Isto tem relação com a verdade.

 

 

 

A crise civilizatória e o terceiro excluído

25 mar

O fato que estamos presos ao dualismo, agora transformado em polarização política como se na natureza e na sociedade houvesse sempre apenas dois polos em conflito não havendo uma terceira (ou mesmo quarta e quinta opções) parece não ter sentido com o paradoxo lógico desenvolvido por Barsarab Nicolescu e encontre paralelo apenas nas física quântica (foto).

Não é verdade, o próprio texto de Barsarab que pede uma reforma da Educação e do Pensamento (Barsarab, 1999) indica que pode-se ver nesta mudança o centro de uma crise maior que as questões físicas ou lógicas, afirma Barsarab: “Uma coisa é certa: uma grande defasagem entre a mentalidade dos atores e as necessidades internas de desenvolvimento de um tipo de sociedade acompanha invariavelmente a queda de uma civilização”, ou dita de outra forma, mais ontológica, ente o Ser e o não-Ser há um estado Não-Ser-sendo que penetra em dualismos e paradoxos.

A carta de Barsarab que pede uma reforma da educação, Edgar Morin também pede e outros perceberam uma crise na modernidade como pensamento e educação, o teórico do Terceiro Incluído T, dá uma sentença preocupante: “O risco é enorme, porque a contínua expansão da civilização ocidental, em escala mundial, faria com que a queda dessa civilização fosse equivalente ao incêndio de todo o planeta, em nada comparável às duas primeiras guerras mundiais”. 

Existe ainda um pensamento linear e monodirecional onde a intencionalidade é sempre polarizar e criar um caminho “único” e monocromático, com o eterno perigo de autoritarismo e desvios de poder, para distensionar seria necessário um mundo mais aberto e onde todos fossem incluídos.

A educação deve caminhar e auxiliar este contexto, Barsarab diz em sua carta: “A harmonia entre mentalidades e saberes pressupõe que tais saberes sejam inteligíveis, compreensíveis. Mas será que essa compreensão pode ainda existir, na era do big bang disciplinar e da extrema especialização?”

A dura realidade da pandemia mostra que oscilamos entre uma verdadeira solidariedade e uma distensão para enfrentar a crise, e a polarização oportunista que quer tirar vantagem sobre as mortes e os desvios de uma crise sanitária mal gerenciada, em alguns países mais, mas em quase todos.

A sentença de Barsarab que parece dura não o é: “Existe alguma coisa entre e através das disciplinas e além de toda e qualquer disciplina? Do ponto de vista do pensamento clássico não existe nada, absolutamente nada. O espaço em questão é vazio, completamente vazio, como o vácuo da física clássica”, pois é no vazio, no epoché onde pode florescer uma verdadeira filosofia, também ela quando não é (a suspensão de juízo, os novos horizontes além dos pré-conceitos, etc.) é que ela é.

NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. Trad. Lúcia Pereira de Souza. São Paulo: Trion, 1999.

 

A questão da Identidade e sua atualidade

24 mar

A questão é tão fundamental que percorre a filosofia desde Parmênides, onde “o mesmo, pois, tanto é aprender (pensar) como também ser” (apud Heidegger, 1973) e para ele pensar e ser são pensados como o mesmo, ou seja, a identidade faz parte do ser, porém isto tem muito a ver com o momento atual.

Quando apelando a questões de identidade separamo-nos de pessoas de diferentes raças, credos ou gêneros não estamos senão tentando fortalecer aquilo que é um falso conceito de identidade porque tanto nega o próprio Ser, como tentativas de fortalecer determinado grupo sob uma pretensa identidade e negar aqueles que pouco tem a ver com a pertença aquele grupo ou raça.

Esse olhar para “coisas diferentes” e reconhecer nelas alguma co-pertinência (a pertença é só mais uma forma de dar identidade a um grupo ou raça isolada), devemos manifestar diferentemente o que deve ser apontado como mesmidade, ou seja, co-pernitência de grupos com cultura diversa.

O sentido lógico de pensar desta identidade é forte e tem presença em diversas culturas tanto porque os grupos querem se fortalecer através desta “identidade”, quanto seguem uma lógica binária e dualista onde A não pode ser B, ou são iguais e são o mesmo, ou são diferentes e são contraditórios, já apontamos em outros textos o terceiro incluído de Nicolescu Barsarab, na lógica.

Porém na onto-lógica o Ser é e pode não-Ser, onde existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A, que até mesmo na realidade física já foi comprovado pela física quântica, o problema para a filosofia dualista é que isto envolve a complexidade.

Há um segundo modo de ver a questão dentro do pensar (noein) onde o mesmo é apresentado como Ser, como foi dito no início, nele duas coisas supostamente distintas, vêm-se uma na outra como co-pertinência, o que tornou possível algumas interpretações problemáticas na modernidade.

Heidegger aponta para ela, primeiro citando Parmênides e depois desenvolvendo “algo absoluta- mente diverso daquilo que ordinariamente conhecemos como a doutrina da metafísica, na qual a identidade faz parte do ser” (HEIDEGGER, 1973).

O que Heidegger faz é inverter a frase de Hegel: “a identidade faz parte do Ser”, para “(…) a unidade da identidade constitui um traço fundamental do ser do ente. Em toda parte, onde quer que mantenhamos relação com qualquer tipo de ente, somos interpelados pela identidade” (HEIDEGGER, 1973).

Indo ao fundo da filosofia moderna, onde Hegel é digno representante, pode-se dizer que há um deslocamento do Ser (sein) para o Ser-aí (Dasein) e talvez a complexidade encontre aí um ponto de apoio para os que desejam explicações simplistas, pode-se dizer há no ser um deslocamento

Porém é mais complexo, pois envolve aspecto existenciais como a “mundanidade”, a “facticidade” e a “linguagem”, sem eles caímos nas explicações simplista que só fortalecem a identidade como fator de diferença e exclusão do Outro, daquele que não é do meu círculo e caminhamos a intolerância.

HEIDEGGER, M. O princípio de identidade. In. Col. Os Pensadores. Trad. Ernildo Stein, Rio de Janeiro: Abril, 1973.

 

A noosfera: da matéria primária ao pensamento

04 mar

Teilhard Chardin descreve assim a complexificação a partir dos primeiros desenvolvimentos da vida, a passagem crítica da vida das células para uma vida ultracomplexa:

“Provavelmente jamais descobriremos (a não ser que, por sorte, a ciência de amanhã consiga reproduzir o fenômeno no laboratório) – a História por si só, em todo o caso, jamais descobrirá diretamente os vestígios materiais desta emersão – aparição – do microscópico para fora do molecular; do orgânico para fora do químico, do vivo para fora do pré-vivo.” (Chardin, 1965, p. 63)

Embora possa parecer que a natureza teria feito esta preparação sozinha, chama a atenção a originalidade essencial da célula produzindo algo inteiramente novo, e compondo uma multiplicidade orgânica num mínimo espaço, embora o processo possa ter levado anos, cada célula foi longamente prepara para ser algo original.

Será através de discretas, mas decisivas mutações que ocorreram durante milhares e milhões de anos, que a complexidade de células e seres vivos foram se formando sendo possível perceber “os irresistíveis desenvolvimentos que se ocultam nas mais frouxas lentidões, a extrema agitação que se dissimula sob o véu de repouso, o inteiramente novo que se insinua no íntimo da repetição monótona das mesmas coisas” (Chardin, 1965, p. 8).

Foi pela complexificação da vida que surgiu o humano, na origem Deus o fez de matérias inorgânicas, metaforicamente a Bíblia diz do barro, porém é certo que o universo nasceu antes.

Assim o mundo da physis (Chardin vê sua física no sentido grego da palavra) estaria ligada a biologia, e pensa:

“Poderíamos hesitar um só momento em reconhecer o parentesco evidente que liga, na sua composição e nos seus aspectos, o mundo dos proto-vivos ao mundo da física-química ? Quer dizer, não estaremos ainda, neste primeiro escalão da vida, senão no âmago, pelo menos na própria orla da ´matéria´?” (Chardin, 1965, p. 66)

Ao nascimento da vida humana, após bilhões de anos depois da formação do universo, uma grande e decisiva mutação ocorrerá, o nascimento do pensamento e da consciência, e do que Chardin chama de interiorização, que em termos religiosos significa a alma individual que é também ligada ao coletivo, o princípio da associação desde as primeiras células.

Ao pensamento e à consciência desenvolve-se a noção de pessoa, esta experiência foi dada graças ao desenvolvimento cerebral do homem, e aos desenvolvimentos do que Chardin chama de Noosfera, a última etapa depois da Biosfera, a criação e desenvolvimento da vida.

Desenvolver e explicar a cosmogênese chardaniana é um longo processo que nem mesmo em vida ele desenvolveu completamente, muitos avanços da astrofísica atual (muitas descobertas tentam explicar a origem da vida) ajudam a compreensão, o que importa é ressaltar que o panorama de evolução do próprio cosmos, não apenas a Terra, está ligado ao desenvolvimento da consciência e da capacidade humana de ligar-se a harmonia da vida.

CHARDIN, T. O fenômeno humano. BR, São Paulo : Herder, 1965.