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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

Sabedoria e simplicidade

17 jul

Entre as várias narrativas contemporâneas, uma das mais absurdas é o elogio da ignorância como se ela fosse aliada da simplicidade e da humildade, desde o mundo “cultural” ao religioso isto é transformado em narrativas: ele não frequentou faculdades, não leu um livro, não andou entre sábios, etc. não confundir isto com a capacidade de viver com simplicidade e entre pessoas simples.

Não é sinal dos tempos, não é “geracional” é apenas desinteresse pela verdadeira ascese, por um crescimento interior e exterior que deem a sua natureza humana aquele algo mais que é a única coisa capaz de tirar de depressões, angústias, ansiedades e outras doenças atuais.

O homem sábio é observador, e observa não apenas as cenas cotidianas, aquelas que vivem diversos tipos de pessoas, em especial as mais simples, mas também aquele que procura na história da humanidade aqueles ápices de momentos civilizatórios que nos fizeram mais gente, mais humanos e mais solidários, há muitos exemplos, autores e pessoas que nos deram isto.

Postamos ontem sobre água fresca e comida quente, mas em várias regionalidades isto tem contornos e aspectos culturais interessantes, por exemplo, em muitos países não há o café da manhã, me contava um africano, em Portugal há o pequeno almoço que é um café da manhã simples, e no Brasil que se chama café da manhã é na verdade um pequeno almoço.

O que ler além é claro de sua crença pessoal, ler a Bíblia, o Alcorão, os Vedas ou aquilo que é sagrado ou culturalmente lido em uma determinada cultura, o livro vermelho na China por exemplo, o segundo livro mais lido no Brasil é O pequeno príncipe, embora O alquimista de Paulo Coelho seja o 5º. no mundo, mas Ilíada e Odisseia ainda são pouco lidos, Rei Lear e Otelo de William Shakespeare cada vez menos conhecidos.

Claro sabedoria não significa cultura literária, mas longe dela torna-se também narrativa no sentido que desconhece a história cultural, o modelo moderno do romance está presente em toda a cultura ocidental, e Honoré de Balzac e Gustave Flaubert são representantes para gostos distintos, mas até mesmo para uma crítica social deveriam ser lidos.

Alguém pode lançar o argumento filosófico, é toda uma cultura eurocêntrica, verdade, porém foi incorporada nos pensamentos cotidianos, o nacionalismo através das cores nacionais está em todo o mundo, a liberdade de expressão, como dizia o romântico Vitor Hugo (de Os miseráveis, foto): “Nem regra, nem modelos” é uma expressão também de individualismo e heroísmo pessoal, porém histórico.

Fizemos vários posts sobre o ser, a interioridade e o complemento da Vida Contemplativa com a Vida Ativa (Hannah Arendt e Byung-Chul Han em especial), sobre a metodologia do círculo hermenêutico onde devemos ouvir o texto (e também os diálogos) para fusão de horizontes e ainda o desastre da nossa cultura ocidental e a necessidade de resistência do espírito.

 

Insegurança na Europa e atentado nos EUA

15 jul

A OTAN decidiu colocar mísseis americanos na Alemanha, os mísseis balísticos Tomahawk, que podem atingir alvos a até 2.500 km de distância e carregar munições nucleares, há também armas hipersônicas em desenvolvimento, que aumentam o poder de fogo europeu, a Rússia já possui armas deste tipo e que já estão espalhadas em locais estratégicos.

A reação russa veio através porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov “A Europa está no ponto de mira dos nossos mísseis, nosso país está no ponto de mira de mísseis americanos na Europa. Já vivemos isso. Temos capacidade o bastante de conter esses mísseis, mas as potenciais vítimas são as capitais desses países europeus”, o que seria o estopim de uma 3G.

Os combates continuam duros, um documento secreto revela que o número de mortos já é imenso na guerra e a Rússia teria 750 mil soldados mortos ou feridos, o número da Ucrânia embora desconhecido deve estar perto deste valor, e os países vizinhos Polônia, Letônia e Lituânia além dos escandinavos ameaçam enviar tropas caso a Ucrânia se fragilize mais.

O ex-presidente e candidato a presidência Donald Trump sofreu um atentado quando fazia um comício de campanha na Pensilvânia, foram feitos vários disparos matando uma pessoa e ferindo outra, Trump foi atingido na orelha e retirado do local por seus seguranças, o atirador foi morto e o FBI investiga as motivações, a primeira é claramente política.

Embora o cenário seja assustador e não faltam espíritos belicistas, porém neste momento há uma crise civilizatória instalada porque desde o centro do poder até os cidadãos comuns há uma animosidade que não percebe o perigo da intolerância, violência como esta não só desperta espíritos mais autoritários como os fortalece, e não deveria ter aplauso de ninguém.

A boa notícia vem do Irã onde o moderado Masoud Pezeshkian, Presidente eleito do Irã afirma estar disposto à realizar ‘diálogo construtivo’ com a União Europeia, o anuncio foi feito em um jornal de língua inglesa trazendo grande esperança.

 

 

Tempo de conflitos e clareira

12 jul

Se estamos em tempos impróprio para o pensamento e a inteligência, por isso a inteligência artificial assusta tanto, é tempo impróprio para valores humanos e morais, este será  um tempo de clareira também, pois exigirá que muitas consciências e homens poderão despertem e enxerguem e se lancem para abrir a clareira.

É preciso para isto uma metanóia no pensamento filosófico, político, cotidiano e até religioso, lembrem-se que os verdadeiros oráculos e profetas foram mortos e ignorados até mesmo por gente inteligente e “religiosa”.

O limiar de uma crise civilizatória e humanitária sem limites está próximo, mas se olharmos a cultura cotidiana, disto falamos tanto do brasileiríssimo Ariano Suassuna até o inglês Anthony Daniels (usando o pseudônimo de Theodore Dalrymple – Nossa cultura … ou o que restou dela – 2015) nos posts anteriores, também a política e o pensamento parece polarizado entre dois estremos que em muitos valores se confundem, e um deles é a guerra e o desejo de poder.

Até mesmo os que invocam a paz escondem interesses de poder, de ganância por maior riqueza e opressão daqueles que afirma proteger, é triste um cenário de pouca luz e onde os homens de boa vontade que desejam um olhar menos sombrio para o futuro que desejam, eles devem ter espírito de resistência.

Olhando a etimologia da palavra clareira na filosofia de Heidegger, ela vem da palavra alemã Lichtung, cujo significado além do de clareira na floresta (ele próprio viveu alguns anos na floresta negra da Alemanha), sua raiz Licht é a palavra para luz, que significará coisas ocultas, ou entes cuja verdade deve vir à tona, assim alguns tradutores usaram a palavra desvelar.

Que tempo propício é este, e porque nos aproximamos dele, porque sempre que as palavras proféticas de pensadores e místicos que pedem uma mudança de rumo na humana, não foram ouvidas, se aproxima este tempo de escuridão seguido de uma grande clareira.

Na metáfora bíblica a clareira é a luz da boa nova (evangelho), mas o mestre alerta “eis que os envio (Mt 10,16) “Eis que eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas”.

Assim foi no tempo das guerras púnicas, da pequena Grécia lutando contra o forte império persa e também no tempo em que os apóstolos de Jesus foram enviados dois a dois em missão para abrir as clareiras e as mentes da humanidade para uma civilização mais fraterna e não se tratava de uma guerra bélica ao seu império, mas a sua mentalidade..

 

O mal e a compaixão

11 jul

Hannah Arendt, em sua obra A Origem do Totalitarismo (original de 1951) censurou a teoria de Kant que defendia o mal como a busca da satisfação do amor de si,  e defendeu que o mal existe por diferentes motivos, como por exemplo, ganância, avareza, ressentimento, desejo de poder e covardia.

A genialidade de Byung-Chul Han analisa a obra de Heidegger a partir do coração e da modalidade afetiva, porém não é algo totalmente original, Kant confessa em seu livro “Conflito das faculdades” que “por causa de seu peito chato e estreito, que deixa pouco espaço para o movimento do coração e dos pulmões, eu tenho uma predisposição natural para a hipocondria, que em anos anterior beira o tédio da vida (Han, 2023, p. 8) e daí en Kant um “anseio expande o coração, o faz definir e esgota as forças” (Han, 2023, p. 9).

Han usa a metáfora da costureira (Näherin) de Heidegger que “trabalha na proximidade” e é ela também uma circuncidadora do coração” (pg 10) e ali “o coração do ser-aí” palpita no horizonte transcendental, assim conforme explica Han, no Heidegger tardio que “a contrição penetra mais profundamente” e o ser-ai separa-se do ser do aí: o dasein (p. 11).

Analisar as tonalidades afetivas do coração e sua ligação estreita com o ser-aí é mais do que descobrir a interioridade e a transcendência do discurso filosófico, ele é  “O coração de Heidegger, por outro lado [confrontado com Derridá], escuta uma só voz, segue a tonalidade e gravidade do “uno, o único que unifica”, para ele é um “ouvido do seu coração” porém há algo forte de espiritual nisto, mais que sentimento ou emoção.

A resistência do espírito, em nossos tempos, Han diz que o discurso de Heidegger é bastante temporal no sentido do contexto da segunda guerra mundial, é o discurso da paz, de anúncio da fraternidade, da superação de ódios e diferenças (irá recuperar o “ “Il y a” de Lévinas, e também o conceito de différance de Derrida), para ir além do conflito e da dialética hegeliana.

É preciso circuncidar o coração, esta é a origem do termo judaico, na leitura de Deuteronômio (10:16) citado em epígrafe por Han: “Circuncidai, pois, o vosso coração espiritual; retirando toda a obstrução carnal, e deixai de ser insubmissos e teimosos!”

Han, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

Resistência do espirito e pacifismo

09 jul

Aquilo que Edgar Morin define como resistência do espírito, ele fez ontem 103 anos de idade (8/7), é além do pensamento e da força política, o que é espírito para a filosofia europeia é mediado pela ideia que formulamos sobre o mundo, e espírito aqui tem que ser além do pensamento atual cotidiano.

Os seres humanos são capazes em suas relações de pensar em paz, se cultua em sua interioridade, tema exaustivo na ontologia de Byung-Chul Han, e se aprofunda em valores como: humildade, fragilidade e a necessidade que temos uns dos outros, não vivemos isolados.

Enfim ter uma verdadeira alteridade, o medo da alteridade é quando há diferença e nos “pomos na defensiva”, aquilo por exemplo que é chamado de guerras preventivas, garantias de soberania sobre outros povos ou outras culturas, isto em geral iniciam as guerras e não as previnem como é o propósito dito.

A principal razão, dizem muitos autores, um que não é questionável por denunciar “as veias abertas da américa latina” é Eduardo Galeano, que disse que a grande razão é o roubo e a pilhéria dos povos a serem dominados, hoje além disto são também os impérios em choque.

O espírito de resistência e o pacifismo historicamente não é uma posição fácil ou “neutra”, é evitar a catástrofe humanitária que caracterizam todas as guerras, em uma escala mundial isto significa uma crise civilizatória sem precedentes, uma vez que o poderio bélico hoje é imenso.

É preciso um espírito bastante elevado, verdadeiramente altruísta e missionário, uma vez que as guerras atuais encontram aliados com facilidade, até mesmo na população simples, tanto a polarização quanto o uso das mídias para promover narrativas quase todas tendenciosas, são o que dão substância ao pensamento bélico e se difundem no tecido social.

Parabéns ao longevo Edgar Morin, sua resistência é visível pela idade, pela lucidez que ainda mantem e que suas palavras ecoem e a civilização encontre um caminho de resistência.

 

Desvelar e futuro

05 jul

Grande parte das perspectivas de futuro que não estão dentro do avanço civilizatório, além de incluir guerras e hostilidades, valem-se de revelações, cuja etimologia da palavra vem de re-velar, que significa tirar o véu e recolocar outro, assim via de regra são obscuras.

Não se trata apenas no plano religioso também na filosofia á o des-velar, onde o último grande oráculo e profeta foi João Batista, afinal ele que anunciou a maior de todas profecias: o nascimento de Jesus, não significa é claro que neste campo não hajam novidades, Deus é sempre novo e criativo.

A palavra desvelar na filosofia vem da busca da verdade, Heidegger e outros filósofos retomam a partir da a-letéia (a é não e lethe – esquecer), para modificar o conceito do que é verdade no Ser e Tempo (escrito em 1927), afirma no parágrafo 44 que entende desvelamento como um evento que retira os entes do velamento.

Uma prévia compreensão que liberta uma orientação do homem aos objetos (a questão da subjetividade x objetividade) favorece a interpretação (Auslegung), ou seja, a articulação com o que fora previamente compreendido, e assim o refaz na perspectiva de novos horizontes.

O discurso, no sentido correto da narração é posterior e consiste em uma atividade básica do que é humano, ligar-se e conviver com os outros, dá ao homem uma compreensão comum e além da fala e das opiniões compartilhadas, cria uma fusão dos horizontes, uma narração.

Já postamos aqui a questão da Crise da Narração, em especial o livro de Byung- Chul Han, assim o homem projetado sobre objetos e ações cria narrativas e não consegue claramente desvelar a realidade, é preciso usando uma metáfora, trocar os óculos.

Assim se há verdades revelações elas estão ocultas para os futurólogos atuais, elas revelam muito mais uma angústia com o futuro que propriamente um desvelar do futuro.

Na passagem bíblica que Jesus tem dificuldade de se desvelar para os seus contemporâneos, encontra dificuldades até mesmo entre os mais próximos e membros da família (Mc 6,4), por assim dizer os religiosos mais próximos dele no seu tempo e algo parecido ocorre atualmente.

GIACOIA JUNIOR, O. Heidegger Urgente. Introdução a um Novo Pensar. 1ª edição. São Paulo: Três Estrelas, 2013.

 

Visões liquidas

03 jul

Analisando a visão “romântica” de William Dilthey (1833-1911) acerca da história, Hans-Georg Gadamer (1900-2002) enfatiza primeiro seu acerto que “o que chamamos de sentido da vida se constitui, muitas antes de toda objetivação científica, no interior de uma visão natural da vida sobre si mesma” (GADAMER, 2006, p. 31).

Porém vai criticar Dilthey, que “toda expressão de vida implica um saber que a forma a partir de seu interior”, e retomando a análise a partir de Hegel questiona sua visão de espírito objetivo, se o “meio ético em que ele vive e o qual compartilha com os outros constitui algo de “sólido” que lhe permite orientar-se a despeito das contingencias um tanto vagas de seus élans subjetivos” (Gadamer, 2006, p. 32), o destaque do sólido foi feito pelo autor.

O autor lembra de Dilthey o seu “Investigar as formas sólidas” (um dos temas da Coletânea de escritos), que implica que tanto a contemplação como a reflexão “implica sempre em experiência prática”, então contesta Gadamer: “aos olhos de Dilthey, a objetividade do conhecimento científico, não menos do que a reflexão meditativa da filosofia, seja um desdobramento das tendências naturais da vida” (GADAMER, 2006, pp. 32).

Na mesma coletânea, lembra Gadamer, Dilthey dizia que “nossa tarefa … será explicar como os valores relativos de uma época podem adquirir uma dimensão de algum modo absoluta” e apesar de ser uma preocupação com o absoluto, o caminho entre o relativismo e a totalidade é bem outro, uma vez que “ser conscientemente um ser condicionado” de Dilthey não é uma crítica explícita ao idealismo.

Toda esta filosofia diz Gadamer  parte de certo intelectualismo diria, de visionário “líquido” e aponta para uma “motivação intelectualista da objeção ao relativismo, intelectualismo incompatível não só com a implicação última de sua filosofia de vida, mas, também com o ponto de partida por ele escolhido, ou seja, a imanência do saber á vida mesma” (GADAMER, 2006, p. 36).

Esclarece o ponto de vista de Dilthey “que exige que sua filosofia se estenda a todos os domínios em que a “consciência, por meio de uma atitude reflexiva e dubitativa, encontre-se liberta do domínio de dogmas autoritários e aspire a um saber verdadeiro” ‘ (Gadamer, 2006, p. 34) fazendo citações do próprio Dilthey entre aspas, de sua Coletânea de Escritos.

As questões do espírito na filosofia hegeliana permaneceram sempre no conceito vago do absoluto, e jamais compreendeu a questão da contemplação, de um saber além, a sua transcendência é aquela que vai do sujeito ao objeto sem qualquer plano divino ou superior.

Este foi o dilema de Tomé fazer a experiência, embora tenha convivido com Jesus após sua morte não consegue manter sua convicção precisando tocar nas chagas do mestre.

GADAMER, H-G. O problema da consciência histórica. Trad. Paulo Cesar Duque Estrada. RJ: Rio de Janeiro: FGV, 2006.

 

A coragem e o Ser

02 jul

O imprudente não é corajoso, na antiguidade Platão e Aristóteles a definiram de modo parecido, para Platão a coragem “saber o que não temer” enquanto para Aristóteles é a virtude moral que se encontra no meio-termo entre a covardia e a imprudência.

Porém quando a coragem se torna covardia, certamente não é quando é prudente e sabe os perigos que cercam determinada atitude, mas se é uma virtude ela não pode estar distante da verdade, assim significa que não pode renunciar a verdade, sob pena de renunciar ao seu Ser.

Mas a verdade não é uma visão dos dados, dos fatos ou um posicionamento diante da realidade, a filosofia e a física moderna incluem uma terceira hipótese entre Ser e não Ser, e assim é possível o “meio-termo” aristotélico sem que ele seja a capitulação da verdade.

O tema angústia e medo, que ocorre quando há ameaça a própria existência, levando-as muitas vezes a permanecer na dispersão da preocupação, em Heidegger, essa dispersão, que é o modo de existir da maioria das pessoas, só pode ser vencida através de uma “decisão antecipatória” que leva o Dasein a acolher nele só o que é finito, moral ou imediato.

Outros autores, como Kierkegaard que criticou os que haviam pensado uma solução desta preocupação em um deus “imaginado” pela razão, e neste sentido está correto já que isto não é depositado na fé, criticam os que haviam pensado em uma transcendência do “Deus acima de Deus”, que seria uma espécie de coragem do Ser, e isto seria a potência do ser com raízes na transcendência, estão certo porque não sendo algo divino “a confiança em Deus” transformam em potência situada além, e assim torna-se a confiança em si mesmo.

Há algo na existência humana que é uma espécie de medo máximo: a morte,  há aqueles que buscam a fonte da eterna juventude, o prolongamento da vida, porém a finitude humana é algo que causa um medo fatal, e diante da morte muitos poucos são aqueles que não invocam a presença divina, a presença da mãe ou algum outro recurso transcendente.

O filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han esclarece bem isto: “A perda moderna da fé, que não diz respeito apenas a Deus e ao além, mas à própria realidade, torna a vida humana radicalmente transitória” porque viver bem cada momento presente é estar na eternidade.

Nem todos creem porque precisam ver o eterno, porém Tomé que viveu com Jesus precisou tocá-lo ressuscitado para crer que há o eterno, há o infinito além do humano, o Ser-aí que somos.

 

Religiosidade e a cultural liberal

27 jun

O liberalismo moderno criou um ambiente onde muitas práticas culturais que eram questionadas anteriores, em especial aqueles que ignoram direitos e deveres sociais, foram aos poucos sendo liberadas, a ideia (no sentido do idealismo filosófico mesmo) de liberdade é aquela que agrada a vontade, no sentido de exigência racional e prática da autoderminação universal, com isto a moral e a ética não são aqueles que impedem o exercício do mal, mas aquela que agrada a razão.

Assim não faz sentido para o liberalismo contemporâneo o combate a usura, juros extorsivos são praticados por bancos sem falar da agiotagem, o combate a imoralidade pública, a nudez e a pornografia público não é mais assunto moral e os diversos tipos de males a saúde, ao bem-estar social tornou-se até mesmo pilhéria em discursos midiáticos.

Não se trata também de moralismo puritano, nem de gosto pessoal em relação a forma de se manifestar e comportar-se socialmente, mas de deboche, de ofensa pública a todos os que querem um mínimo de moralidade pública, Adorno escreveu sobre a “Minima Moralia” na década de 40, no sentido de como a “vida danificada” se desenvolveu numa forma de violência e do horror no mundo contemporâneo.

Também há formas de má cultura religiosa, aquela que carece de uma ascese verdadeira que impulsione o mundo para a empatia, a convivência social saudável (também no aspecto da saúde num mundo embriagado pelo uso de álcool, drogas e substâncias tóxicas), sem esquecer que o mais nocivo e terrível é a ofensa cultural, e a cultura da violência que chega ao limite nas formas de guerras armadas e não armadas no mundo contemporâneo.

Sobre o aspecto religioso, vale lembrar a todos que tentam usar o álibi religioso para a prática antissocial, a passagem bíblica de Mateus 23: “Então eu lhes direi publicamente: Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal” e na passagem é uma referência clara a pregadores que “expulsaram demônios” e “fizeram milagres” em nome de Jesus. 

As narrativas tóxicas que são usadas para estas práticas via de regra não conseguem fazer uma narração completa, precisam usar falsos exemplos e até testemunhos sem nexo para justificar a insanidade da prática e permissividade em relação a moral pública e social, usam a ofensa e até o xingamento público que deixa clara sua adesão à exclusão e ao comportamento antissocial, a permissividade pública, aquela que se nega à coerção e a punição a atitudes antissociais são também formas de violência pela omissão.

 O resultado é um ambiente psicologicamente difícil, uma vida social danificada, como expressa por Adorno, e uma vida em que tudo é transitório como vê Byung-Chul Han.

 

Farisaísmo e Jonas

26 jun

Em que consiste a ausência de espiritualidade nos dias de hoje, mais do que a falta de Deus, diz Byung-Chul Han é o fato que tudo na vida se torna transitório, mas também as consequências de uma forte polarização na qual todos ânimos se concentram e limitam a verdadeira interioridade, a verdadeira espiritualidade fora da bolha, na alegoria explorada por Sloterdijk em Esferas I o sinal de Jonas, lembra um pouco o trecho bíblico (Lucas 11,29-30): “Esta geração é uma geração perversa: pede um sinal, mas nenhum sinal lhe será dado, senão o sinal de Jonas. Assim como Jonas foi um sinal para os habitantes de Nínive, assim o será também o Filho do homem para esta geração”

Sloterdijk via a falta na falta de centralidade uma díade, tanto serve para a polarização como para um policentrismo, isto é uma ausência de situar-se no mundo, lembramos que o ponto central da filosofia dele é o que significa estar no mundo, e Jonas que tenta fugir de sua missão vai parar no ventre da baleia, isto é, seu desejo de fugir do mundo e de sua missão, é a ideia de refugiar-se num puro interior do qual são vítimas aqueles que fazem uma ascese desespiritualizada, tentam não estar no mundo, que é diferente do Ser-no-mundo, categoria que Sloterdijk usa a palavra “vorhandensein”* para explicar sua polêmica sobre o humanismo com Heidegger, que usa o termo dasein para Ser no mundo.

Onde estava Jonas quando estava no mundo? Dentro da baleia. A baleia é parte da consciência de Jonas que lhe provoca a pensar no exterior a partir de um interior. Heidegger já havia pensado neste puro interior de que todos somos vítimas, um espaço radical e intrínseco, nossa habitação única e primeira por onde permeiam todas as nossas impressões, pensamentos e afetos.

O sinal de Jonas, único sinal para esta geração que busca um “sinal de Deus” é, portanto, encontrar esta interioridade mesmo estando no mundo e sujeito a suas díades (polos) ou mesmo o policentrismo (meias-verdades de diversas narrativas) sem conseguir alcançar uma verdadeira ascese, entretanto Jonas sai da baleia e vai a Nínive cumprir sua missão.

Assim, a relação com o exterior é uma constante tensão, e não há como fugir dela, não é um filtro para a verdade, mas a busca da clareira, de um espaço onde cultivamos o nosso interior, assim na visão de Sloterdijk que nos ajuda, o sinal de Jonas é sua vida interior quando estava no ventre da baleia, dentro de sua “esfera” na concepção de Sloterdijk.

Assim não é aquele que grita Senhor, Senhor nem aquele que vive de “boas intenções” exteriores apenas, é preciso viver esta tensão interioridade e ser no mundo este Ser que é.

O farisaísmo é viver de aparências exteriores que não correspondem a interioridade, mas também a interioridade “pura” é ficar no ventre da Baleia sem viver a tensão exterior.

*a tradução ao pé da letra seria: estar disponível (no caso de Jonas para a missão).

SLOTERDIJK, P. Esferas I : bolhas.  Tradução José Oscar de Almeida Marques. Sáo Paulo : Estação Liberdade, 2016.