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Simplismo ou complexidade
William Ockham proclamou que entre duas explicações sobre determinado fenômeno deve-se ficar com a mais simples, este princípio ficou conhecido como navalha de Ockham, mas o que fazer com problemas que são complexos, como é o caso da atual crise do corona vírus, as explicações mais simplistas são fake News, teorias da conspiração ou simples mentiras.
O problema da complexidade veio da Biologia, o problema ecológico e os ecossistemas mostraram que os fenômenos estão mais interligados do que pensou-se antes, há toda uma cadeia alimentícia indo dos organismos mais simples, celulares até os mais complexos e neste inclui-se o homem.
Porém a Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida, assinada pelo serigrafistas Lima de Freitas, pelo Barsarab Nicolescu, escrito em 15 artigos, destacava “ … a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido, leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis” (Arrabida, Portugal, 1994).
Como método foi Edgar Morin que pensou a complexidade, escrito em seis volumes: Método 1 – A natureza da natureza (1977), o Método 2 – A vida da vida (1980), Método 3 “O conhecimento do conhecimento” (1986), Método 4 – “As ideias: habitat, vida, costumes e organização” (1991), Método 5 – “A humanidade da humanidade: a identidade humana” (2001), e o Método 6 – “A ética” (2004), porém a questão epistemológica desenvolvida numa palestra de dezembro de 1983, em Lisboa, que tornou-se um livro, publicado em português em 1985.
Em essência o pensamento sobre complexidade é delineado em três conceitos novos: o operador dialógico (entendido como diferente do dialético), o operador recursivo (que significa entender as consequências dos atos, numa relação causa-efeito que produz nova causa) e o operador hologramático (a parte está no todo e o todo está na parte, não se separa todo e parte).
Assim pode-se resumir da Transdisciplinaridade ao Complexo como um problema essencial do humanismo, somos 100% natureza, 100% cultura sem haver dualismo entre ambos, resolvendo a pergunta sobre o que somos como homem “natural”, assim tanto o problema ecológico quanto o humanismo estão interligados, o problema da natureza é um problema humano e o problema de fundo do homem é sua relação com a natureza incluindo o Outro como parte de sua natureza, independente de raça, cor e credo.
Divisão da cultura grega e a judaico-cristã
Foi Karl Popper que chamou a atenção para a origem do iluminismo moderno, assim não é possível uma crítica ao idealismo e empirismo iluminismo contemporâneos sem uma releitura atenta da história do pensamento ocidental.
Primeiro porque é a história do pensamento, grande parte da noite civilizatória está na crise do pensamento, alerta Morin, e também Marx ao fazer a Crítica em Teses sobre Feuerbach (1845) apontou na verdade ao idealismo presente no cristianismo moderno, porém a raiz judaico-cristã é outra, a divisão se dá em dois pontos da história a libertação pelos Macabeus (167 a.C. – 37 a.C.) e as incursões do apóstolo Paulo.
Voltando ao iluminismo pré-socrático, raiz do pensamento ocidental, Popper fez uma incursão pelos três maiores filósofos deste período Xenófanes, Parmênides e Heráclito: “maior e mais inventivo período da filosofia grega”. O autor constata que a “aventura do racionalismo crítico grego”, e identifica um princípio de crise já em Aristóteles que após desenvolver sua episteme: “matou a ciência crítica, para a qual ele mesmo fez uma contribuição capital.”,
Conforme desenvolve Popper “foi essa concepção de conhecimento demonstrável, apresentada por Aristóteles, que eclipsou a atitude crítica desenvolvida pelos pré-socráticos, e assim toda a herança moderna desta “lógica” demonstrável, porém admitindo-se o desenvolvimento de Popper como este iluminismo tendo raízes ontológicas (e não lógicas), a famosa máxima de Parmênides: “o ser é e o não ser não é”, não havendo terceira hipótese além da lógica dual e um terceiro incluído, além do clássico terceiro excluído, não há terceira hipótese T (na figura).
Também no cristianismo há uma terceira pessoa, na relação entre Pai e Filho há o Espírito Santo, e não é só espírito.
Somente no século XX com a física quântica formulando a hipótese já comprovada de um terceiro estado da matéria chamando de “tunelamento”, e a proposta de Barsarab Nicolescu do terceiro incluído, é que pode-se pensar em um ser e não ser simultâneos.
Não se trata de afirmar o paradoxal da existência de algo e seu contrário, haveria uma anulação recíproca evidente, não haveria nenhuma possibilidade de previsões e a própria abordagem científica do mundo seria colapsada, o que a Física Quântica admite, e nisto se fundamenta Barsarab, é que existem inúmeras conexões imutáveis sobre as quais se pode realizar uma experiência ou interpretar os resultados, é ao mesmo tempo o “princípio da incerteza” de Heisenberg e o método da “falseabilidade” de Popper.
Ela não abole a lógica do Sim e Não de Parmênides e Aristóteles, apenas admite uma terceira hipótese, as consequências filosóficas, sociais e políticas são evidentes, a científica é o que foi formulado como transdisciplina-ridade, enquanto estamos confinando a uma teoria disciplinar especializada a terceira hipótese parece infundada ou inexistente, se olhar de um outro ângulo ela aparece, porém o idealismo reduziu este olhar e tornou-o especialista.
A cultura jadaico-cristã também se viu reduzida e confundida com este simplismo, e com isto tornou-se idealista também, apesar de uma origem diferente.
O pensamento complexo de Edgar Morin vai na mesma direção, mas deixemos isto para o próximo post.
POPPER, K. O mundo de Parmênides: o iluminismo pré-socratico. Tradução: Roberto Leal Ferreira. SP: UNESP, 2014.
A noite escura da humanidade
Assistir a debates políticos ou mesmo questões relevantes da vida pública, um breve olhar sobre a cultura e a religião, qualquer angulo que se olhe o momento agravado pela pandemia, é relevante que se aponte os traços confusos deste momento civilizatório.
É fato que já passamos por outra pandemia, em números assustadores a chamada “gripe espanhola” em meio a 1ª. guerra mundial, foi um grande e humanitário desastre que desafiou a humanidade, e mesmo assim depois veio a segunda guerra, os campos de concentração e a bomba de Hiroshima, porém os contornos deste momento parecem ainda mais graves, há uma crise do pensamento.
O que se observa são frases feitas de impacto duvidoso, apelos ao otimismo impossível diante do quadro pandêmico ou a esperança “depois que tudo isto passar”, porém na medida em que a vacina não chega a realidade vai impondo, até mesmo aos sábios de plantão um pouco de sobriedade, porém ainda sem a solidariedade e humanidade que seriam desejáveis.
A crise do pensamento já apontada por Edgar Morin, Nicolescu Barsarab e muitos outros, para além do debate científico e técnico, é a dificuldade de compor elementos que deveriam ultrapassar os limites das especialidades para resolver problemas além da doença, do social e do religioso, para atacar em conjunto o problema seria necessária uma visão de conjunto e não uma empobrecida visão disciplinar de especialistas.
Quando menos se enxerga por pura e simples análise, mais escura esta noite se torna, os fundamentos perdidos, ainda que possam e devam ser superados os alicerces civilizatórios: a cultura grega, a religiosidade judaico-cristã que tantos sábios teve, também a islâmica com Avicena, Averróis, Al-Khwarismi e mais recentemente Abdus Salam, que ganhou o prêmio Nobel de Física em 1979.
A ciência ainda segue fortemente ligada ao positivismo e logicismo de dois séculos atrás, enquanto Karl Popper, Tomas Kuhn ou Bachelard ainda são pouco conhecidos e confinados em rodas de “especialistas do método científico” que indica uma leitura rasa destes questionadores da ciência convencional.
O século passado nos deu Gustave Klimpt, Pablo Picasso, Henri Matisse, Salvador Dali, a arquitetura arrojada de Antoni Gaudi, do brasileiro Oscar Niemeyer, mas as fachadas retas, o abuso dos vidros e cristais que aparecem pela primeira vez no Palácio de Cristal (foto), estrutura arquitetônica inglês ado século XIX que invocava centro de recreações para “educação do povo”, citado por Sloterdijk e seu discípulo Byung Chul Han como representante da arquitetura atual, como centros de consumo e “uma forma arquitetônica foi proclamada como a chave para o capitalismo. condição do mundo” (SLOTERDIJK, 2005, P. 279).
A grandeza e a novidade cotidiana do Criador são um grande contraste com religiões repetitivas, ultrapassadas e que nada dizem ao mundo atual, sobre a pandemia oscilam entre a simples adesão ao discurso corrente a modelos de solidariedade e de defesa da vida muito frágeis para a tragédia pandêmica.
Há uma beleza e uma novidade que jorra da vida todo dia, mas o que persiste é uma mesmice incapaz de dar esperança a uma pós-pandemia melhor, a verdadeira ciência, a cultura e Deus nada terão a ver com esta miséria que virá, claro se tudo não mudar e houver um arroubo de luz e de sanidade.
SLOTERIJK, P. Crystal Palace, Chapter 33 of in Globalen Inneren Raum des Kapitals: Für eine philosophische Theorie der Globalisierung (In the Global Inner Space of Capital: For a Philosophical Theory of Globalization). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2005, pg. 265-276.
A origem história de conflitos em pandemias
A ideia de esconder dados sobre a pandemia já havia ocorrido na gripe espanhola,que recebeu este nome apenas por razões políticas visto que a Espanha manteve-se neutra durante a primeira Guerra Mundial, o nome original era gripe das trincheiras por ter afetado muitos soldados e enfraquecido alguns exércitos.
A ideia de esconder a doença foi até mesmo sustentado por instituições de prestígio, como a Royal Academy of Medicine de Londres, até o final e 1918 poucos acreditavam na gripe.
O nome de influenza espanhola também é antigo, jornais brasileiros (houve um artigo da revista A Careta, n. 537) usavam o nome porém como agora o início do combate a doença foi conturbado, e as medidas coercitivas defendida pelo sanitária Oswaldo Cruz foi vista como uma tirania sanitária no país e os grupos políticos de oposição ao governo Wenceslau Braz (na figura) viam a gripe como um pretexto do governo para intervenção na vida da população.
Também o uso político foi feito, porém neste momento grave da história, é desejável que os verdadeiros espíritos humanitários se desarmem para defender a vida da população, a ação dos médicos, dos grupos de socorro e os esforços para a vacina.
A insistência em polarizar num momento tão trágico revela apenas a decadência dos mais caros valores de compaixão e solidariedade, até mesmo por grupos que deviam estar mais empenhados em unir esforços, e curiosamente encontramos mesmo em lados opostos tanto aqueles que se solidarizam como os que procuram desviar a atenção do verdadeiro inimigo: a pandemia que afeta a todos.
No país, perdida a oportunidade de fazer um #lockDown quando a doença ainda estava localizada em algumas regiões, agora se alastrou por todo país e apenas as medidas já conhecidas devem continuar a serem adotadas, vejo equipes médicas e os serviços de apoio atingirem o esgotamento, os casos de infecção deste verdadeiros heróis continuam crescendo.
O que há de novo é uma tensão mundial em limites verdadeiramente preocupantes, o desvario do abandono dos fundamentos básicos da sociedade e atitudes que variam entre o conformismo e o simples abandono de qualquer medida de proteção e isolamento social, como a marcha de milhares de pessoas na Alemanha.
Os patamares da pandemia no Brasil continuam estáveis, nem é verdade que a pandemia esteja sobre controle, nem é verdade que existe um genocídio no país, simplesmente as medidas que podiam ser tomadas não foram, e o tempo passou e a doença se espalhou.
Resta-nos a esperança da vacina, a de Oxford uma das mais confiáveis pelos critérios científicos, pela transparência dos cientistas que trabalham (um artigo detalhado foi publicado na revista The Lancet) e pelo rigor das etapas de liberação da vacina, sem atropelos.
O pós-pandemia assusta porque não há mesmo em setores conscientes da sociedade atitudes de sobriedade e equilíbrio, fica a impressão de um humanismo mais política que verdadeiro
Não há cidadania sã sem areté
A construção da sabedoria (episteme) e da virtude (o areté grego) no combate a doxa (mera opinião da verdade relativa) e aos sofistas, que apesar de sábios estavam corrompidos pelo gosto do poder, pelas paixões e pelos instintos, fizeram Sócrates, que o conhecemos a partir dos diálogos de Platão, e do próprio Platão construir um modelo novo de cidadania que precisava de educar, sair da Caverna para a luz e de organizar o conhecimento para o verdadeiro Bem.
É fato que o sentido de excelência foi adotado por autoridades do Estado, porém a sua origem etimológica continua válida e defendê-la é sim defender o bem, senão caímos no relativismo sofista, qualquer verdade e qualquer argumentação é válida, a maiêutica socrática é ainda válida e perguntar é dialogar.
Martha Nussbaum, uma das mais renomadas filósofas atuais na antiguidade clássica, apontou em seu livro A fragilidade do Bem: “… a indolência, o erro e a cegueira ética causam inúmeras tragédias”, são aspectos relevantes que os democratas devem lembrar para a defesa da democracia e o risco de que os sofistas modernos tomem o poder e manipulem as opiniões, não se tratam apenas de fake-news, posições equivocadas e autoritárias, é preciso defender valores de verdadeira cidadania, a areté (na figura, a escultura em Éfeso).
Já explicamos o sentido bíblico da rede, da pescaria e o lançar as redes, em outra passagem após retornar do mar da Galiléia Jesus e os discípulos se encontram com a multidão, e sendo o lugar deserto os apóstolos pensam em dispensar a multidão por falta de alimento, mas Jesus diz para ver o que havia de alimento e faz o conhecido milagre da multiplicação dos pães e peixes, a partir de 5 pães e 2 peixes.
É claro que a virtude cristã está além da proposta pelos gregos, estende-se a moral pessoal e a compreensão da misericórdia, porém não exclui a aretê cidadã e de domínio dos instintos e das paixões, nos dias atuais tão afloradas e atingindo mesmo os religiosos, má leitura da multiplicação dos pães e peixes que está mais relacionada a aretê cristã que a polis, pois estavam “num lugar deserto” (Mt 14,15), isto é, uma espécie de “retiro”.
A virtude da compaixão é necessária para a distribuição dos bens, o processo de concentração de riqueza se acelerou com a pandemia, sem recolher os poucos pães e peixes que restam de uma economia em crise para socorrer milhares que estão famintos, sem emprego e muitos sem esperança, esse deverá será a verdadeira nova normalidade se quisermos dias melhores, só se houver dias melhores para todos sem esquecer os milhões que perderam empregos, esperança e familiares nesta pandemia.
Areté. virtude e ética do Estado
A ética da antiguidade clássica tinha assim duas bases a aretê, a virtude (entendida como formação cidadã mas com valores morais) enquanto a ética dos sofistas que fez a democracia grega entrar em crise defendia uma verdade relativa e o homem entregue as suas paixões e instintos.
No início do período romano estas duas correntes reaparecem com os neoplatônicos, epicuristas e estóicos de um lado defendendo uma moral ascética e de outro lado pensadores como Cicero e Lucrécio, que vão um conjunto de leis e direitos no período do império romano, do qual o direito moderno tem forte influência, é o que demos o nome de ética do Estado, para diferenciar ao conceito de ética da cidade-estado de Platão e Aristóteles que defendiam também as virtudes, a aretê grega.
Embora não se possa fazer uma clara alusão aos sofistas no período do império romano, seus pensadores são legisladores, os neoplatônicos são correntes fora do poder e se refugiam em pensadores cristãos e muçulmanos, como Santo Agostinho, Alfarabi e alguns pensadores estoicos que trariam influências no poder romano, como Sêneca que foi preceptor de Nero, embora defendam a virtude não defendiam uma moral ascética.
As influências epistêmicas surgem neste período, tais como a querela dos universais de Boécio e mais tarde Abelardo, Duns Scotto e Tomás de Aquino, vão retomar questões sobre o ser e a essência, a existência de Universais (o que chamamos de conceito) ou apenas de particulares.
No tratado sobre as virtudes Tomás de Aquino fez a diferença entre virtudes morais e intelectuais, considerando que o santo filósofo fez uma revisão da ética aristotélica, incorporando valores cristãos, enquanto as virtudes morais aperfeiçoam os aspectos especulativos e práticos, as virtudes morais vão aperfeiçoar as potencias apetitivas, nome dado as paixões e instintos cuja discussão vem desde o período dos sofistas.
A moral idealista vai seguir a máxima kantiana: “age de tal forma que possa se tornar uma lei universal”, enquanto cria o sujeito transcendental fora de qualquer característica religiosa, ele possui uma capacidade cognitiva subjetiva tendo: a razão, o entendimento (das categorias) e a sensibilidade (formas puras de intuição, espaço e tempo), a partir desta moral que Hegel vai elaborar a moral do Estado.
Na linha da moral Kantiana, Hegel vai elaborar a eticidade, elaborada sobre a questão da “autodeterminação da vontade”, não mais na subjetividade ou no transcendental, e sim o desdobramento objetivo das vontades livres, assim é o Estado é o regulador das vontades livres, e eticidade é uma qualidade da ética, que fica no campo privado, e que a qual o Estado através de suas leis pode torna-la objetiva, assim as qualidades morais interiores e as virtudes valem apenas para estes aspectos e segundo as determinações do estado que pode interferir na vida subjetiva.
O relativismo moral e da verdade que surge a partir de um direito objetivo e de uma eticidade elaborada segundo leis do direito e estas ligadas aos interesses do Estado.
Sofistas modernos e a sabedoria prática
Os sofistas acreditavam na educação e no bom, porém o bom era relativo e um código de ética impediria atingir o que satisfaz os instintos e paixões humanas, enquanto que Sócrates vai elaborar a felicidade como um conjunto de virtudes (em grego aretê, que significa ao mesmo tempo excelência moral e política, hoje em campos opostos), e seu método a ironia e a maiêutica.
Os sofistas modernos podem ser vistos em três correntes, os céticos que não acreditam em verdade e pensam a felicidade como bula de remédio (a ética são apenas contra-indicações), os pragmáticos que recuperam o sentido original do “bom” para sofistas sem virtudes, e os retóricos, também a moda dos sofistas originais, numa boa oratória dizer o óbvio (e esconder os problemas e a doxa, mera opinião).
Já explicamos em outro post, que ironia não tem o sentido de hoje próximo ao ceticismo, são exatamente opostos na origem grega, vem da palavra grega eirein que significa perguntar, assim por sucessivas perguntas em uma discussão Sócrates levava seu oponente a contradições, a segunda parte de seu método é a maiêutica que é a arte de parir, então o que no fundo o método socrático queria pela ironia era levar o oponente ao perceber seus pré-conceitos obter a capacidade de refletir, e assim de parir ideias próprias que o conduzissem a verdade.
Mas retornemos a felicidade que os sofistas assim como a verdade diziam não ter formulas, mas apenas maneiras de satisfazer suas paixões instintos, assim a ideia da virtude política e ética ao mesmo tempo pretendida por Sócrates era também ilusória já que era natural a paixão destinada ao poder e a posse de seus benefícios instintivos.
Platão como discípulo de Sócrates, na verdade o que se sabe de Sócrates está em Platão vai refutar o sofista Protágoras, e o diálogo vai se dar em torno da virtude se ela é ensinável ou não, e isto foi ponto fundamental para o nascimento da escola Platônica, segundo historiadores aproximadamente entre 384-383 a.C., localizados em jardins nos subúrbios de Atenas (na foto um mosaico de Pompéia, agora no Museu Arqueológico de Nápoles) .
O objetivo era educar os homens para serem cidadãos e assim combater a decadência da democracia grega provocada pela escola dos sofistas, da mera opinião e da verdade relativa, por baseia-se naquilo que vai do sensível ao inteligível, a dialética da escola platônica baseia-se nisto, onde vai ser essencial a superação da doxa, a mera opinião e a construção da epistéme, o conhecimento organizado construído em verdades universais.
A evolução dos diálogos, principalmente na República de Platão, mostra a evolução dialética (não é nem poderia ser a hegeliana por razões históricas) dos termos da episteme até se constituir em uma estrutura ética que leva a formulação de leis, porém a ética como conhecemos hoje vem da escola de um dos alunos de Platão, Aristóteles que elaborou “A ética a Nicómaco” uma concepção teleológica e eudaimonista (Eudaimonia era a felicidade para os gregos antigos), em torno de uma racionalidade prática, o que os gregos chamavam de phronesis (Frônese em português) um dos elementos da ética.
Aristóteles elabora então a sabedoria como uma virtude do pensamento prático, ou apenas sabedoria prática, o objetivo é descrever os fenômenos da ação humana através do exame dialético das opiniões, resíduo do método socrático, mas para descobrir neles princípios imutáveis, assim é possível superar a doxa e chegar ao conhecimento a episteme, pode-se descrever esta dialética como conhecer-entender-conhecer.
Mais tarde Aristóteles. um dos alunos de sua escola platônica, vai fazer seu Liceu, que essencialmente era feita caminhando, por isto chamada também de peripatécnica, mas escola tenha um gynasium para exercícios físicos, e também para socializar os conhecimentos adquiridos.
A hermenêutica filosófica de Gadamer vai reelaborar a Frônese sistematizando o círculo hermenêutico de Heidegger, criando uma filosofia hermenêutica.
Sofismas e fake-news
O sofisma é uma sabedoria usada por conveniência em alguma situação, pode ser por exemplo o politicamente correto, ou pode ser para favorecer grupos de interesses o que tem maior correspondência com a origem histórica da palavra.
Eram contemporâneos de Sócrates, que se opunha a esse saber utilitário, os sofistas eram pensadores que viajavam de cidade em cidade realizando discursos para atrair estudantes e cobravam taxas para oferecer-lhes educação, qualquer semelhança com as mídias modernas não é coincidência.
Os fake News são noticias falsas, teorias da conspiração e mitos que devido a facilidade da comunicação se espalham de maneira muito mais rápida, porém as meias verdades de sofistas que se espalham por vendedores de sabedoria e máximas sem comprovação científica e histórica também existem hoje, é só verificar o preço de alguns palestrantes que falam de tudo, até mesmo do que nunca estudaram.
Os que vendem a felicidade com fórmulas mágicas, o sucesso fácil, modelos de gestão que não consideram a crise pandêmica, embora seja verdade que muitos ganham dinheiro com ela, a felicidade está longe da camada humilde do povo, a maioria honesta terá dificuldades para colocar seus serviços e produtos no mercado, mesmo com uso do virtual, pois a realidade é que a economia está em recessão mundialmente e muitos socorros e solidariedades serão necessários.
O que é preciso dizer é que a notícia fácil, o sucesso fácil e explicações pouco profundas não são muitas vezes verdadeiras, os que buscam facilidades e simplismo caem nesta armadilha, mas isto aconteceu em toda história, Karl Kraus reclamava nos anos 20 que a imprensa construía uma guerra e ela aconteceu, podemos estar construindo outra, e o fermento da crise e das dificuldades humanas vai auxiliar esta guerra acontecer.
Mesmo que desejamos a paz, espalhar noticias falsas é criar radicalizações, estopim para pequenas guerras que polarizadas se tornam grandes guerras, há pessoas bem intencionadas que fazem isto, denúncias infundadas e meias verdades estão aí, assim na origem de um fake-news está um sofisma, muitas vezes construído por gente inteligente que não devia favorecer a ignorância.
Ditadores sabem que a ignorância os favorece, mas também aqueles que sabem o horror das ditaduras e das guerras podem favorece-las com meias verdades, para facilitar a exposição de um posição social, cultural (inclui-se aqui a religiosa) e política é mais fácil atirar uma meia-verdade, todos desta ou daquela posição são corruptos, fascistas ou comunistas, porém isto é início de uma pequena guerra.
A verdade custa um preço pessoal muitas vezes caro, mas favorece a que lá na frente a guerra não seja feita por motivo injusto, por uma pedra ou um tiro atirado que atinja um inocente, as nossas pequenas “guerras” diárias contra a diversidade de opinião, não são diálogos e não favorecem a paz, no pós-pandemia precisarem de muitas solidariedade e a boa vontade de todos para superar as dificuldades, não há felicidade nem paz fácil.
Como viver a crise e o platô estável
Edgar Morin e Patrick Viveret escreveram em 2010 “Como viver em tempo de crise” (edição em português da Bertrand de 2013), e certamente não pensavam numa pandemia, porém já viam um horizonte difícil para humanidade, e certamente este horizonte foi agravado.
Assim filósofos e outros tipos de visionários que tentam ver um futuro tranquilo não tem um fundamento, ou até podem ter, mas baseados em filosofias e pensamentos já superados, a pandemia exigirá ainda mais dos grandes estrategistas e pensadores humanitários.
Na página 37 do livro mostra os sintomas da crise: “Wall Street conhece apenas dois sentimentos, a euforia e o pânico”, mesmo sem saber é assim que pensam os que prometem “felicidade”, mas é falsa e a ela se seguirá a depressão, uma análise mais sensata pode preparar o desafio que vem.
O platô estável chegou, em termos de mortes pois os dados de infecção são imprecisos, mostram estes picos, agora caminhando para um platô estável não só no Brasil, mas no mundo como um todo, isto porque o ciclo de infecção chegou a todo planeta, e no Brasil a todo país.
O ciclo pode ser realimentado porque não como isolar polos de infecção, mesmo países sem novos ciclos poderão ser afetados, mas observe-se que Nova Zelândia e Taiwan são ilhas, então com o isolamento por mar, são mais controláveis, porém o comércio também pode afetar estes países.
Edgar Morin e seu colaborador citam no livro “três mutações” importantes na crise e que valem para a situação social da pandemia, pois elas representam o mundo antigo, o mundo “estados-nação, da sociedade industrial, de uma organização segmentada (veja os conflitos EUA x China) … o desafio ecológico coloca a pergunta sobre o que vamos fazer com nosso planeta?” (pag. 57).
A revolução industrial colocou a vida num modo de viver frenético, “a sociedade industrial clássica se organizava em torno do sésamo clássico ´o que você faz da sua vida?´”, e que continua a ser uma pergunta que nos interroga a todos, o recém lançado em português “Tens de mudar sua vida” de Peter Sloterdijk coloca isto em torno da antropotécnica, trazendo ao debate a questão técnica.
Ambos apontam para a dupla face da crise: perigo e oportunidade, com respostas diferentes, no entanto o que devemos pensar indicam Morin e Viveret: “o que faremos do planeta, com nossa espécie e com nossa vida” (pagina 54), e dá uma resposta universal e possível: “na esfera de desenvolvimento da ordem do ser, mais que de um crescimento na ordem do ter” (pag. 55), enquanto Sloterdijk indaga se o humanismo não morreu.
O livro apesar da defasagem história é muito atual, e aponta para questão do além pandemia.
MORIN, E.; VIVERET, P. Como viver em tempo de crise? Tradução: Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2013.
A escatologia do bem
Assim como qualquer cosmovisão tem alguma alegoria para o princípio e fim, no caso da cristã o Genesis e o Céu e Inferno, e outras propõe que nascemos de plantas ou animais, ou que voltamos a vida através da reencarnação, o bem possui sua escatologia, enquanto o mal uma “estrutura” simbólica.
Não é definição de visões religiosas apenas, também na filosofia clássica Platão na República e Aristóteles na Ética a Nicômaco trataram da questão e já fizemos alguns posts aqui, porém foi Demócrito que definiu de maneira mais próxima a nossa atual, ao dizer que o bem depende do desejo interior do homem, o homem bom não apenas pratica o bem, mas o deseja sempre.
Assim é na história humana também, sem determinismo ou romantismo histórico caminhamos para o bem se exercitamos a partir do interior de cada homem, mas praticando socialmente, aquilo que os gregos chamaram de “virtude”, mas também temos o ciclo vicioso do mal.
O ciclo vicioso do mal leva a uma “crise” do bem, o mal simbólico pode se estruturar de tal forma que determinada estrutura social pode levar a um fim, pode ser o fim de uma época que é muito trágico, mas pode também levar a uma crise civilizatória grave se não se encontra uma saída.
A humanidade sempre encontrou saídas, isto dá esperança, porém as tragédias fazem parte da mudança, e a gravidade da tragédia depende da resiliência do bem, embora frágil é ele que pode indicar o caminho novo, uma saída para a cidadania terrena, para o futuro civilizatória humano.
A leitura bíblica indica três metáforas para a escatologia do bem, e compara o “reino dos céus” (Mt 13, 24-43) com o plantio do joio e do trigo que crescem e que só no final escatológica deve ser colhido e separado do mal (o joio), a segunda parábola o grão de mostarda, a menor das sementes, que dá uma arvore bela e frondosa onde “os passarinhos vem fazer seus ninhos”, e a terceira é uma receita de pão, uma mulher mistura três porções de farinha.
A terceira “parábola” a mulher mistura três porções de farinha, uma parte só deve ser fermentada, seriam aqueles que tem a virtude do bem e ela deve ser praticada de forma a produzir boa fermentação no resto da massa, as outras duas porções, então o fermento é o bem.
O final da leitura diz que um pai tira de seus tesouros coisas boas (a parte fermentada boa) e más então sempre tem-se um “mal simbólico”, é preciso saber se parte boa foi “fermentada”.